SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 número1Aprendizagem ostensiva, comportamento de ouvinte e transferência de função por pareamento de estímulos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.14 no.1 São Paulo abr. 2012

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Análise dos comportamentos de adesão ao tratamento em adultos portadores de diabetes mellitus tipo 21

 

Analysis of adherence behaviors in adults with diabetes mellitus type 2

 

 

Camila Ribeiro CoelhoI,*; Vera Lúcia Adami Raposo do AmaralII


IDoutoranda em Clínica Médica pela Universidade de Campinas – UNICAMP
IIDoutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo – USP

 

 


RESUMO

O diabetes mellitus é uma doença crônica, caracterizada por um tratamento complexo. Este estudo teve como objetivo analisar as contingências a que oito adultos portadores de diabetes tipo 2 estariam submetidos frente às condições impostas pelo tratamento. Com base no exame da hemoglobina glicada, os participantes foram divididos entre: Grupo A (controle glicêmico adequado) e o Grupo B (controle glicêmico inadequado). Os resultados apontaram um melhor seguimento das orientações passadas pela equipe, comportamentos de autocontrole e contingências de reforçamento positivo no Grupo A, enquanto que no Grupo B houve um predomínio das contingências de reforçamento negativo e não discriminação dos eventos privados.

Palavras-chave: análise de contingências; diabetes; comportamento.


ABSTRACT

Diabetes mellitus is a chronic disease characterized by a complex treatment. This study will analyze the contingencies that eight adults with type 2 diabetes mellitus are subjected by the conditions established by the treatment. Based on the examination of the glycated hemoglobin, participants were divided into Group A (adequate glycemic control) and Group B (poor glycemic control). The results showed that in Group A,there was a better monitoring of the guidelines passed by the team, self-control behavior and contingencies of positive reinforcement. Meanwhile, in Group B, there was a predominance of negative reinforcement contingencies and non-discrimination of private events

Key words: contingency analyses; diabetes; behavior.


 

 

De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD] (2009), o diabetes mellitus é um grupo de doenças metabólicas que se caracterizam por problemas no metabolismo da glicose.

O diabetes do tipo 2 corresponde a cerca de 90 a 95% dos casos de diabetes e se caracteriza por uma resistência à ação da insulina, e por uma deficiência relativa de insulina que se exacerba no decorrer da doença (ADA, 2011).

Durante a evolução da doença, dependendo do controle metabólico obtido, podem advir complicações agudas ou crônicas. No entanto, o tratamento adequado pode evitar ou reduzir a intensidade destas complicações (ADA, 2011).

Embora o diabetes seja uma doença associada especialmente à hereditariedade, sabe-se que determinados comportamentos do indivíduo contribuem para o agravamento da doença. Assim, a abordagem terapêutica envolve além de medicamentos uma série de mudanças de estilos e hábitos de vida dos pacientes (Assunção, Santos & Costa, 2002).

Um dos problemas mais importantes associados às doenças crônicas encontra-se, entretanto, nos baixos índices de adesão ao seu tratamento. Segundo Wagner, Schnoll e Gipson (1998), o tratamento do diabetes contém todos os aspectos que tornam esta adesão mais difícil, pois a baixa adesão ocorre: com doenças que não apresentam desconforto imediato, quando mudanças no estilo de vida são solicitadas, quando o tratamento é complexo, quando os comportamentos não podem ser diretamente supervisionados e, por fim, quando a meta é a prevenção ou o controle dos sintomas, e não a cura da doença.

A adesão ao tratamento pressupõe um envolvimento ativo e colaborativo do paciente em termos de emitir comportamentos que produzam resultados terapêuticos no sentido de controlar a doença (Delamater, 2006). Implica o paciente assumir a responsabilidade sobre o seu tratamento, tornando-se um participante ativo dentro de um processo que torna possível modular os estados biológicos por meio do comportamento humano.

Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo realizar uma análise de contingências dos comportamentos de adesão e de não adesão ao tratamento apresentado por portadores de diabetes mellitus tipo 2, de acordo com as condições impostas pelo tratamento da doença, sendo elas: mensuração da glicemia, administração da insulina, prática de exercício físico e controle alimentar.

 

Método

Participantes: Participaram da pesquisa 8 indivíduos adultos, portadores de diabetes mellitus tipo 2, que faziam uso de insulina, de ambos os sexos, com idades variando entre 39 a 79 anos e que realizavam acompanhamento médico em um Centro de Saúde da cidade de Campinas.

Local: Uma sala, com uma mesa e três cadeiras, localizada no Centro de Saúde. Material: Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada, elaborado pela pesquisadora, com questões referindo-se às classes de comportamento envolvidas no tratamento do diabetes. Sendo elas: a) Mensuração da Glicemia: comportamento do participante medir o nível de glicemia do sangue, por meio de um determinado aparelho; b) Administração da Insulina: como é realizada a aplicação da insulina subcutânea; c) Controle da Dieta: plano alimentar que visa a atingir níveis normais de glicemia; d) Prática de Exercício Físico: realização de exercícios físicos regulares. Procedimento: No primeiro momento, a pesquisadora frequentou os grupos para pacientes diabéticos e hipertensos, que são realizados quinzenalmente no Centro de Saúde. A partir daí foi feita uma seleção dos participantes que preenchessem os critérios para a participação deste estudo. Com base nos dados do prontuário médico foi possível obter o resultado clínico do exame de hemoglobina glicada ou glicosilada (HbA 1c), que determina uma estimativa da glicemia média dos pacientes durante um período de 2 a 3 meses. Este resultado permitiu dividir os participantes em 2 grupos: Grupo A (pacientes que apresentam controle da glicemia) e Grupo B (pacientes que não apresentam controle da glicemia). O conceito atual em vigor define como limite superior recomendado até 7% nos níveis de hemoglobina glicada, portanto níveis abaixo de 7% caracterizam um bom controle glicêmico. E, níveis de hemoglobina glicada acima de 8% demonstram um controle glicêmico inadequado (SBD, 2009).

Os indivíduos que preencheram os critérios de inclusão deste estudo foram convidados a participar da pesquisa. Foram feitas explicações acerca dos objetivos da pesquisa e a apresentação do termo de consentimento livre esclarecido, que foi assinado pelos participantes que autorizaram a sua participação neste estudo.

Foi realizada uma entrevista com cada participante, com duração média de 50 minutos para cada um. As questões contidas nas entrevistas estão descritas a seguir:

A) Mensuração da Glicemia:

Q1: O que você faz para controlar o açúcar do sangue?

Q2: O que acontece depois que você mede a glicemia (dependendo do resultado)?

Q3: O que você faz quando o nível de açúcar está alto? Q4: O que você faz quando o nível de açúcar está baixo?

B) Administração da insulina:

Q1: O que acontece quando você usa a insulina?

Q2: O que acontece quando você não usa a insulina?

C) Controle da dieta:

Q1: O que você faz para controlar a alimentação?

Q2: O que você faz quando sabe que não pode comer algo?

Q3: O que acontece quando você come algo que não poderia ter comido?

Q4: O que acontece quando você segue a dieta corretamente?

D) Prática de exercício físico:

Q1: O que você sente quando pratica exercícios físicos? As entrevistas foram gravadas em áudio como forma de garantir a fidelidade dos dados obtidos.

 

Resultados e discussão

Os resultados foram analisados primeiramente com o objetivo de caracterizar demograficamente a amostra do estudo. Em seguida, as respostas obtidas pelo Grupo A (com controle) e pelo Grupo B (sem controle) foram descritas, analisadas e comparadas de acordo com as classes de comportamentos referentes ao tratamento da doença: mensuração da glicemia, administração da insulina, controle da dieta e prática de exercícios físicos. Por fim, foram descritas e divididas em categorias, pela pesquisadora, as contingências relacionadas aos comportamentos que foram avaliados, podendo ser: comportamento governado por regras, reforçamento positivo, reforçamento negativo, punição positiva, autocontrole, discriminação e não discriminação. Dois juízes, separadamente, analisaram as entrevistas e atribuíram as respostas às suas respectivas categorias. Os juízes desta pesquisa foram psicólogos formados há cerca de 4 a 5 anos, com especialização em análise do comportamento e experiência em terapia comportamental; pré-requisitos que dispensaram a necessidade de treinamento prévio para que as análises de contingências fossem realizadas, já que se tratava de profissionais com o conhecimento dos termos específicos desta abordagem. A cada um dos juízes foram enviadas as definições e exemplos de cada categoria, juntamente com os trechos das entrevistas que deveriam ser categorizadas. O índice de concordância apresentado pelos dois juízes para as categorias estabelecidas para ambos os grupos (com controle e sem controle) foi de 87.5%. Desta forma, foram oferecidas as definições de cada categoria:

Comportamento governado por regras:

O comportamento do indivíduo portador de diabetes é governado por regras quando ele é influenciado principalmente pelas orientações médicas. Neste caso, as instruções/orientações médicas funcionam como regras que especificam um estímulo discriminativo verbal que descreve uma contingência. De acordo com Skinner (1974/1993), as orientações seriam um tipo de regra que tem como característica descrever o comportamento que deve ser executado, expondo e implicando consequências, por exemplo, "Você não deve exagerar no doce, caso contrário a sua glicemia vai subir" ou "Para que você controle o nível de açúcar no sangue, você deve fazer dieta".

Reforçamento Positivo:

Consiste na apresentação de algo (atenção, recompensa, ganho, sensação de bem-estar) contingente a uma determinada resposta do indivíduo. Assim, há o aumento na frequência desta resposta devido à apresentação de um estímulo consequente (reforçador). Por exemplo: quando a ação de aplicar a insulina produz uma sensação de bem-estar, ou quando a mensuração do nível de glicemia aponta um resultado dentro dos índices esperados de um bom controle glicêmico.

Reforçamento Negativo:

Consiste na retirada de algo aversivo contingente a uma determinada resposta do indivíduo, havendo um aumento na frequência desta resposta pela retirada/evitação deste estímulo aversivo. O reforçamento negativo envolve geralmente respostas de fuga (que produzem o fim do contato com o estímulo aversivo) e esquiva (que evitam o contato com este estímulo). Um exemplo seria quando o portador de diabetes evita situações sociais em que haverá alimentos que não são permitidos na sua dieta, e que poderão consequentemente aumentar o nível de glicose do sangue ou quando o paciente se esquiva dos cuidados necessários para o controle da doença.

Punição Positiva:

Consiste na apresentação imediata de um estímulo aversivo contingente a uma resposta do indivíduo, e que teria a função de reduzir a probabilidade futura desta resposta vir a acontecer novamente. Por exemplo: a resposta do paciente em mensurar o seu índice glicêmico pode funcionar como uma punição positiva caso o resultado do teste aponte um alto índice glicêmico (estímulo aversivo), ou quando a resposta de não aplicar a insulina acarreta mal-estar (estímulo aversivo) no paciente.

Autocontrole:

O termo autocontrole pode ser descrito como um conflito entre consequências aversivas imediatas, mas que a longo prazo gera consequências reforçadoras ou vice versa. Por exemplo: O paciente diabético que opta por não ingerir um alimento que não é permitido na sua dieta, tem como consequência imediata deixar de ter contato com a sensação agradável que alguns alimentos produzem no organismo, no entanto tal comportamento produz um efeito reforçador a longo prazo, que seria o controle da doença. Portanto, o indivíduo que apresenta autocontrole é aquele que escolhe os reforços atrasados em detrimento dos reforços imediatos.

Discriminação:

Quando o paciente é capaz de discriminar eventos privados, ou seja, discriminar os estímulos e/ou respostas que ocorrem dentro da sua própria pele. No caso do paciente diabético, um exemplo seria a descrição dos sintomas relacionados aos estados de hipoglicemia e hiperglicemia ou quando o paciente descreve sensações de bem-estar ou de mal-estar diante do uso/não uso da insulina ou diante de condições referentes ao controle da dieta e da prática de exercícios físicos.

Não Discriminação:

Quando o paciente não é capaz de discriminar eventos privados, ou seja, discriminar os estímulos e/ou respostas que ocorrem no seu próprio organismo. O paciente diabético não discriminativo é aquele que não descreve alterações dos seus eventos privados, sejam referentes aos estados de hipoglicemia e hiperglicemia ou diante das condições de tratamento da doença, como a aplicação da insulina, controle da dieta e a prática de exercícios físicos.

Os resultados serão apresentados a seguir:

1- Caracterização demográfica da amostra:

A caracterização demográfica dos participantes do estudo divididos entre o Grupo A (bom controle) e o Grupo B (sem controle) demonstrou uma prevalência do sexo feminino em ambos os grupos, o que corrobora com os dados encontrados na literatura acerca do predomínio do diabetes entre as mulheres (Buse, Polonsky & Burant, 2002).

A renda familiar mensal dos dois grupos variou de 1 a 4 salários-mínimos. A baixa renda apresentada pelos participantes do estudo pode ser explicada por se tratar de uma população caracterizada por usuários do Sistema Único de Saúde [SUS].

Com relação à comorbidade de diagnóstico, tanto o Grupo A quanto o Grupo B apresentaram um índice elevado de pacientes com hipertensão arterial sistêmica [HAS]. Este dado corrobora com o encontrado na literatura, a respeito de a hipertensão arterial e de o diabetes serem condições clínicas que frequentemente se associam (Sowers, Epstein & Frohlich, 2001).

Com relação ao tempo de diagnóstico, os dados da amostra sugerem que à medida que o tempo de diagnóstico aumenta, aumenta também o controle glicêmico, pois no Grupo A (com controle) o tempo de diagnóstico variou de 6 a 12 anos enquanto que no Grupo B (sem controle) o tempo de diagnóstico variou de 3 a 10 anos.

A respeito do nível de escolaridade da amostra, os dados apontam a escolaridade como um fator de baixo valor preditivo para a adesão ao tratamento, uma vez que 50% (n: 2) do Grupo A (com controle) eram indivíduos não alfabetizados. Estes dados corroboram com os encontrados na revisão bibliográfica realizada por Valle, Viegas, Castro e Toledo (2000), que constatou que nível intelectual e classe social não são claramente determinantes da adesão ao tratamento, existindo discordância na literatura sobre o assunto de que baixo nível intelectual e classes sociais menos favorecidas sejam fatores isolados que ocasionariam menor adesão ao tratamento.

2 - Mensuração da Glicemia nos Grupos A e B: A questão 1 referente à atitude do paciente com relação ao controle do açúcar no sangue demonstrou que no Grupo A 50% (n: 2) relataram que é através das regras (instruções, orientações e recomendações) acrescidas de um comportamento de autocontrole, como por exemplo: "Eu não como nada doce, às vezes eu tenho vontade, mas eu não como" (comportamento verbal do participante 1) e 50% (n: 2) relataram que é através apenas do seguimento das regras fornecidas pela equipe médica, como o relato da participante 4 "eu tomo insulina 2 vezes ao dia, de manhã eu tomo 30 unidades e de noite 10". Na mesma questão respondida pelo Grupo B, 100% (n: 4) dos pacientes demonstraram que controlam o nível de açúcar no sangue através de reforço negativo, caracterizado pelas respostas de fuga e esquiva dos cuidados médicos.

Na questão 2, relacionado ao que acontece depois que o paciente mede a glicemia (dependendo do resultado), demonstrou-se que no Grupo A em 50% (n: 2) houve uma prevalência de reforço positivo acrescido de autocontrole, como por exemplo: "então, baixa nunca deu não e alta também não, mas é bom vir medir porque vai que tá alta, né? Mas eu to sempre controladinha, eu não abuso não, então dá sempre um resultado bom" (comportamento da participante 1). Entretanto, no Grupo B, 75% (n: 2) e no Grupo A, 25% (n: 1) dos pacientes demonstraram a presença de reforço negativo juntamente com a punição negativa, como exemplifica o relato da participante 5: "a última vez deu 210, não é bom, mas eu vou fazer o quê? Assim, eu me preocupo, mas dizer que eu faço alguma coisa, eu não faço não". Outras contingências, como por exemplo, no Grupo A em que 25% (n: 1) relataram que com muita frequência os resultados da mensuração da glicemia apontam para um bom controle glicêmico, sendo o paciente assim reforçado positivamente pela resposta de monitorar os seus índices glicêmicos e no Grupo B 25% (n: 1) disseram que embora seguissem as orientações médicas, muitas vezes o resultado do teste da glicemia apontava um descontrole glicêmico, sendo assim, o paciente era punido mediante a resposta de medir os seus níveis glicêmicos.

Na questão 3, sobre o que os pacientes faziam quando o nível de açúcar estava alto, 50% (n: 2) do Grupo A demonstraram apresentar um comportamento de seguimento das orientações médicas, aliado à capacidade de discriminar eventos privados relacionados ao estado de hiperglice-mia e à sensação de bem-estar (reforço positivo) causada pela ingestão de algum medicamento. Do Grupo B 75% (n: 3) e 25 % (n: 1) do Grupo A relataram que são capazes de discriminar os eventos privados relacionados à hiperglicemia e que diante desta discriminação emitem respostas que visam à retirada do estímulo aversivo caracterizado pela sensação de mal-estar causado pelo excesso de açúcar no sangue. Outros resultados, que não fizeram parte do gráfico devido à baixa frequência, referem-se aos 25% (n: 1) do Grupo A que relataram não saber discriminar quando o nível de açúcar no sangue está alto, e que por isso mesmo não apresentam resposta que visa à mudança do nível de açúcar no sangue, e aos 25% (n: 1) do Grupo B que relataram acreditar que nada há que possam fazer.

A questão 4, sobre o que o paciente faz quando o nível de açúcar no sangue está baixo, apontou que 75% (n: 3) do Grupo A relataram que são capazes de discriminar os eventos privados relacionados à hipoglicemia e que diante desta discriminação emitem respostas que visam à retirada do estímulo aversivo caracterizado pela sensação de mal-estar causado pela falta açúcar no sangue, e no Grupo B 25% (n: 1) apresentaram este mesmo comportamento. No Grupo B, 75% (n: 2) dos pacientes relataram não serem capazes de discriminar as alterações no nível de açúcar no sangue quando ele está abaixo do normal. Outros resultados, em virtude da baixa frequência, não foram descritos no gráfico, como no Grupo A em que 25% (n: 1) relataram que não faziam nada quando o nível de açúcar estava baixo.

Foi possível observar que houve um predomínio dos comportamentos governados por regras entre os pacientes do Grupo A (com controle), fazendo pressupor que pacientes que aderem ao tratamento são indivíduos que, ao obedecerem às orientações médicas, possivelmente têm como resultado consequências agradáveis e a evitação de consequências negativas; assim, indivíduos portadores de diabetes que apresentam comportamentos de adesão ao tratamento podem ser reforçados positivamente pela equipe médica ou por membros da família, e ao mesmo tempo evitam as consequências aversivas decorrentes do descontrole da doença, como por exemplo: perda de visão, problemas cardiovasculares, insuficiência renal, risco de úlceras ou amputações nos pés, além de disfunção sexual, entre outras complicações.

Neste sentido, Matos (2001) ressaltou que as regras são particularmente importantes quando tratam de situações em que as contingências naturais são fracas, ou porque operam a longo prazo. Fazendo um paralelo com esta afirmação, pode-se supor que o comportamento de aderir ao tratamento tem consequências naturais imediatas muito fracas, sendo instalado primeiramente a partir das regras, para que somente depois o comportamento passe a ser mantido pelas suas consequências naturais a longo prazo.

Em um estudo sobre o conceito de regras, Albuquerque (2005) fez o levantamento na literatura que, entre outros objetivos, buscou esclarecer por que alguns indivíduos seguem regras enquanto outros não. Um dos fatores seria uma história de reforço social contingente ao seguimento de regras e de punição social para o seu não seguimento. Outra possibilidade seria, por exemplo, devido a uma história de promessas de reforço para o seguimento de regras e ameaças de punição para o não seguimento destas regras. Um portador de diabetes pode seguir uma regra para passar a cuidar dos seus pés porque foi exposto a regras que relataram que pessoas que não seguiram esta regra tiveram o seu pé amputado. Ou seja, também é possível que, além de um histórico de controle por consequências sociais, também possa haver uma história de controle por regras que especifiquem consequências remotas ou atrasadas para o seguimento e para o não seguimento de regras. Desta forma, podemos pressupor que os participantes do Grupo A podem ter sido expostos a uma história prévia em que o comportamento de seguir regras similares foi reforçado no passado.

Além do comportamento governado por regras, a questão do autocontrole também esteve presente nas respostas, principalmente nas obtidas dos participantes do Grupo A. Isto pode indicar que, ao agir no sentido de controlar a doença, o paciente pode muitas vezes não estar agindo como "gostaria ou desejaria", mas sim pensando ou agindo em função das consequências futuras de suas ações (Hanna & Ribeiro, 2005).

Em contrapartida, houve uma prevalência das contingências aversivas entre as respostas dos indivíduos do Grupo B (sem controle). Embora estas respostas também tenham aparecido dentro do Grupo A, no Grupo B seu número foi muito maior. Por contingências aversivas entendem-se: reforço negativo e punição.

Dentro do contexto da mensuração da glicemia, o reforço negativo foi caracterizado por uma resposta de esquiva frente aos comportamentos de autocuidado, sendo o automonitoramento da glicemia um dos pilares do tratamento do diabetes. Em alguns casos os pacientes apresentaram um comportamento de esquiva frente ao tratamento proposto pelos profissionais de saúde, em outros casos, o reforçamento negativo apareceu quando o paciente emitiu uma resposta que visava à retirada de um estímulo aversivo como, por exemplo, os estados de hiperglicemia e hipoglicemia, em que a resposta do indivíduo diminuía ou eliminava esta estimulação aversiva. Já a presença de punição negativa consistiu na apresentação de um estímulo aversivo contingente à resposta do indivíduo de medir o seu índice glicêmico, sendo este estímulo aversivo o resultado da mensuração da glicemia que apontava para um alto índice glicêmico.

3- Administração da Insulina nos Grupos A e B: A questão 1, referente ao que acontece quando o paciente aplica a insulina, demonstrou que 50% (n: 2) do Grupo A e 50% (n: 2) do Grupo B relataram não sentir nada de anormal ou diferente do habitual. E 25% (n: 1) do Grupo A e 50% (n: 2) do Grupo B relataram que após a aplicação da insulina sentem a eliminação de uma sensação de mal-estar. Entre resultados que não fizeram parte do gráfico devido à baixa frequência estão os 25% do Grupo A, cuja representante relatou sentir-se bem, ficando até mais animada.

Já a questão 2 buscou investigar o que acontece quando os pacientes deixam de fazer a aplicação da insulina. As respostas apontaram que 50% (n: 1) do Grupo A (uma pessoa) relatou sentir alterações corporais após a não administração da insulina. E 25% (n: 1) do Grupo A e 50% (n:2) do Grupo B disseram não sentir nada de dife-rente quando deixam de fazer o uso da insulina. Outras respostas que devido à baixa frequência não estão presentes no gráfico foram: 25% (n: 1) do Grupo A e 25% (n: 1) do Grupo B relataram não saber o que acontece quando não usam a insulina, pois nunca se esqueceram de fazer a aplicação e 25% (n: 1) do Grupo B (uma pessoa) disse que quando se esqueceu de usar a insulina, foi orientada pela enfermeira a chupar uma bala, caso sentisse algo de diferente.

Foi possível observar a ocorrência do reforço negativo aliado à discriminação de eventos privados tanto no Grupo A quanto no Grupo B, e esta contingência foi demonstrada através da utilização da insulina como uma forma de eliminar ou amenizar uma estimulação aversiva (sensação de mal-estar).

Especialmente no Grupo A houve um predomínio das contingências de punição positiva e discriminação, sendo que a resposta do paciente em não aplicar a insulina é punida positivamente, pois ocasiona a apresentação de um estímulo aversivo, neste caso sensações corporais "desagradáveis" como: suor, tremor, fome, entre outros. Por outro lado, no Grupo B houve prevalência de não discriminação dos pacientes a respeito dos efeitos da ausência de insulina.

4 - Controle da Dieta nos Grupos A e B: A questão 1, referente ao que o paciente portador de diabetes faz para controlar a sua alimentação, demonstrou que 50% (n: 1) do Grupo A (uma pessoa) segue as orientações e instruções médicas ao se alimentar corretamente a fim de controlar o seu peso, além da presença de comportamentos de autocontrole. Já 100% (n: 4) do Grupo B e 25% (n: 1) do Grupo A relataram não conseguir seguir a dieta proposta, ou seja, tais pacientes apresentaram um comportamento controlado através de reforço negativo, no sentido de que se esquivam das recomendações médicas. No entanto, este mesmo comportamento de não seguir a dieta e comer alimentos não permitidos na dieta, podem ser interpretados de outra forma, pois ao mesmo tempo em que se trata de um comportamento mantido por reforço negativo, ele pode também ser controlado através do reforço positivo, uma vez que ao ingerir algum alimento não permitido na sua dieta o paciente pode ser reforçado positivamente pela sensação imediata de prazer que alguns alimentos produzem no organismo.

Outro resultado que não fez parte do gráfico devido à baixa frequência foi 25% (n: 1) do Grupo A (uma pessoa) que relatou um comportamento de controle da alimentação, governado por regras e a presença de reforço positivo, pois ao seguir a dieta corretamente o paciente conseguiu emagrecer.

Na questão 2, sobre o que o paciente faz quando sabe que não pode comer algo, os resultados apontaram que 100% (n: 4) do Grupo A apresentaram um comportamento governado por regras pelo fato de não se alimentarem daquilo que não fosse permitido na sua dieta, aliado a um comportamento autocontrolado. Entretanto, no Grupo B, 100% (n: 4) dos participantes demonstraram um comportamento mantido por reforço negativo, pois se esquivam das recomendações alimentares passadas pela equipe de saúde.

A questão 3 buscou identificar o que ocorre quando o paciente come algo que não deveria, e 75% (n: 3) do Grupo A e 25% (n: 1) do Grupo B expressaram relatos de punição positiva e discriminação de eventos privados, ou seja, frente à resposta do indivíduo de se alimentar inadequadamente, há a apresentação de um estímulo aversivo contingente a esta resposta, sendo o estímulo aversivo caracterizado por: mal-estar, dores de cabeça, dor nas pernas, entre outros. No entanto, 75% (n: 3) do Grupo B e 25% (n: 1) do Grupo A relataram não discriminarem alterações corpóreas após a ingestão de algum alimento não permitido, como por exemplo: açúcar, excesso de carboidratos e ingestão de bebida alcoólica.

Em contrapartida, a questão 4 pretendeu saber o que ocorre quando o paciente segue a dieta corretamente, e 75% (n: 3) do Grupo A e 25% (n: 1) do Grupo B apresentaram um comportamento mantido por reforço positivo aliado a uma discriminação de eventos privados, ou seja, ao seguirem a dieta estes pacientes eram reforçados positivamente pela apresentação de algo como: sensação de bem-estar, controle da doença e do peso. E 50% (n: 2) do Grupo B expressaram relatos de punição positiva e discriminação, pois a resposta de seguir a dieta corretamente era contingenciada pela apresentação de um estímulo aversivo, como por exemplo relatos de que "sente que está faltando algo" ou sensação de fome.

Desta forma, dentro do contexto do controle da dieta, foi possível observar o predomínio do comportamento governado por regras, e do comportamento mantido por reforço positivo, principalmente entre os pacientes do Grupo A. Houve também entre os participantes do Grupo A a presença de comportamentos autocontrolados, demonstrando que tais pacientes possuem um hábil repertório de autocontrole, uma vez que se mostraram capazes de formular objetivos a médio e longo prazo, pois resistem a poderosos reforçadores como é o caso dos alimentos que são prejudiciais à sua saúde, ou seja, tais indivíduos estão sob controle das consequências atrasadas dos seus comportamentos. Entretanto, entre o Grupo B não houve a presença de repertórios comportamentais de autocontrole, o que pressupõe que o comportamento destes pacientes esteja sob controle de estímulos que ocorrem imediatamente após a emissão do comportamento, como a resposta de comer, por exemplo, em que o indivíduo pode ficar sob controle dos estímulos ambientais que se seguem imediatamente após a emissão da sua resposta. Entre os participantes do Grupo B também ficou clara a prevalência de comportamentos controlados através de reforço negativo, caracterizado especialmente pelas respostas de esquiva frente às orientações médicas com relação à alimentação.

Houve entre o Grupo A uma maior discriminação dos eventos privados do que entre os pacientes do Grupo B, e este dado pode demonstrar que os pacientes com um controle adequado da doença respondem mais adaptativamente aos estímulos que ocorrem dentro do seu próprio organismo.

5- Exercício Físico nos Grupos A e B: Na questão 1, que buscou identificar o que o paciente sente quando pratica exercícios físicos, 25% (n: 1) do Grupo A (uma pessoa) demonstrou a presença de reforço positivo e discriminação de eventos privados. Os demais integrantes da pesquisa não responderam a esta questão por não praticarem exercícios físicos, e estes dados corroboram os relatos de Araújo (2004) e Gle-eson-Kreig (2006), que apontaram que, embora haja uma grande quantidade de informações científicas recentes a respeito dos benefícios do exercício físico para os diabéticos, a realização efetiva de atividade física ainda é muito pequena em adultos com diabetes do tipo 2.

Embora não esteja explícito, podemos pressupor que as contingências em vigor para a não realização de exercícios físicos encontram explicação no reforçamento negativo, caracterizado enquanto uma resposta de esquiva frente às orientações médicas.

 

Conclusões e Considerações Finais

É importante salientar que este estudo foi realizado com poucos participantes e, portanto, os dados aqui obtidos têm sua generalização limitada. Isso quer dizer que há a necessidade de que se façam novos estudos com amostras maiores a fim de que se avaliem as contingências presentes para a ocorrência dos comportamentos de adesão ao tratamento.

Este estudo demonstrou ainda a importância do trabalho do psicólogo como parte integrante e indispensável das equipes de saúde, no sentido de considerar as variáveis de controle do comportamento de adesão ao tratamento e de elaborar futuros planos de intervenção com o objetivo de propor estratégias de autocontrole, além de modelar os comportamentos necessários para o tratamento da doença, para que assim o paciente venha a emitir os comportamentos que visam à melhora dos índices glicêmicos, e consequentemente, um melhor controle do diabetes.

Ressalta-se ainda a necessidade de futuras pesquisas que incluam a intervenção do psicólogo junto aos programas de adesão ao tratamento entre os pacientes portadores de diabetes, enfatizando assim, a constante associação entre a pesquisa e a prática profissional.

 

Referências:

Albuquerque, L.C. (2005). Regras como instrumentos de análise do comportamento. Em L.C. Albuquerque (Org). Estudos do Comportamento. (pp. 143-176). Belém: EDUFPA.         [ Links ]

American Diabetes Association [ADA] (2011). Standards of Medical Care in Diabetes. Diabetes Care 34 (Suppl 1):S11-S61.         [ Links ]

Araújo, C.G. S. (2004). Plano de exercício físico. Em J.E.P. Oliveira & A. Milech. Diabetes Mellitus: clínica, diagnóstico e tratamento multidisciplinar. (pp. 57- 66). São Paulo: Editora Atheneu.         [ Links ]

Assunção, M.C.F., Santos, I.S., & Costa, J.S.D. (2002). Avaliação do processo da tenção médica: adequação do tratamento de pacientes com diabetes mellitus, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 18(1):205-211.         [ Links ]

Buse, J.B., Polonsky, K.S., & Burant, C. F. (2002). Diabetes Mellitus Tipo 2. Em R. Larsen, H.M. Kronenberg, S. Melmed & K. S. Polonsky (org.).Williams Tratado de Endocrinologia. (Trad. F. Nascimento). 10ª Ed. EUA: Elsevier Science.         [ Links ]

Delamater, A. M. (2006). Improving patient adherence. Clinical Diabetes. 24(2):71-77.         [ Links ]

Gleeson-Kreig, J.M. (2006). Self-monitoring of the physical activity: effects on self-efficacy and behavior in people with type 2 diabetes. Diabetes Educator. 32(1):69-77.         [ Links ]

Hanna, E. S. & Ribeiro, M. R. (2005). Autocontrole: um caso especial de comportamento de escolha. Em. J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs). Análise do comportamento:pesquisa, teoria e aplicação. (pp.175187). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Matos, M.A. (2001). Comportamento governado por regras. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 3(2):51-66.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1993). Sobre o behaviorismo. (Trad. M da P. Villalobos). 9ª edição. São Paulo, SP: Cultrix. (Trabalho original publicado em 1974).         [ Links ]

Sowers J.R, Epstein M, Frohlich, E. D. (2001). Diabetes, hypertension and cardiovascular disease: an update. Hypertension, 37:1053-1059.         [ Links ]

Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD] (2009). Classificação etiológica do diabetes mellitus. Em Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes, 3ª. Ed., pp: 13-17. Itapevi, SP: A. Araújo Silva Farmacêutica.         [ Links ]

Valle, E.A., Viegas, E.C., Castro, C.A.C., & Toledo, A.C. (2000). A adesão ao tratamento. Revista Brasileira de Clínica Terapêutica. 26(3):83-86.         [ Links ]

Wagner, J.A., Schnoll, R.A., & Gipson, M.T. (1998). Development of a scale to measure adherence to self-monitoring of blood glucose with latent variable measurement. Diabetes Care. 21(7):1046-1051.         [ Links ]

 

 

Recebido em 17 de outubro de 2011
Enviado para modificações em 15 de novembro de 2011
Aceito para publicação em 10 de dezembro de 2011

 

 

* Para correspondência com o editor para a tramitação do original: enviar para: Camila Ribeiro Coelho - Rua Regina Nogueira, 266 Jardim São Gabriel - Campinas-SP CEP 13045-290 E-mail: camilarico@terra.com.br
1 Este trabalho é derivado da dissertação de mestrado da primeira autora, defendida na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas, em fevereiro de 2008, sob orientação do segundo autor. A autora agradece ao CNPq pelo financiamento da pesquisa