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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.14 no.1 São Paulo Apr. 2012

 

RELATO DE CASO

 

Intervenção baseada na psicoterapia analítica funcional em um caso de transtorno de pânico com agorafobia

 

 

Fernanda Augustini PezzatoI,*; Alessandra Salina BrandãoII; Claudia Kami Bastos OshiroIII

IUniversidade de São Paulo (USP/São Paulo), Universidade Estadual Paulista (UNESP/Bauru) e Instituto de Análise do Comportamento/Bauru (IACB); Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem UNESP/Bauru e Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva pela Universidade de São Paulo
IIInstituto de Análise do Comportamento/Bauru (IACB); Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos e Especialista em Terapia Comportamental e Cognitiva pela Universidade de São Paulo Claudia Kami Bastos Oshiro
IIIUniversidade de São Paulo (USP/São Paulo); Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos/Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Estratégias terapêuticas descritas como eficazes em transtornos de ansiedade envolvem procedimentos comportamentais e cognitivo-comportamentais de exposição a enfrentamento de situações aversivas. Entretanto, considerando-se que o padrão comportamental comum a estes transtornos é a esquiva fóbica, o uso de tais estratégias pode dificultar a adesão ou promover fuga/esquiva do e no processo terapêutico. A Psicoterapia Analítica Funcional surge como alternativa para manejo dos comportamentos de esquiva e para promoção de respostas de enfrentamento. Este estudo apresenta a análise da relação terapêutica de um caso de Transtorno de Pânico com Agorafobia. A intervenção baseada na FAP foi adotada para auxiliar no manejo do padrão de esquiva do processo terapêutico apresentado pela cliente. Os resultados demonstram a efetividade dos procedimentos adotados e confirmam a possibilidade de utilização da FAP para aumento da eficácia de terapias empiricamente baseadas.

Palavras-chave: Transtorno de Pânico, Agorafobia, Psicoterapia Analítica Funcional, Terapia Comportamental, Relação Terapêutica.


 

 

Introdução

O Transtorno de Pânico é um Transtorno de Ansiedade que se caracteriza pela ocorrência de ataques súbitos e recorrentes de pânico, seguidos de preocupação acerca de ataques adicionais ou das implicações destes e/ou alterações comportamentais significativas relacionadas aos ataques (APA, 1995; Kaplan, Sadock & Grebb, 1997). Em muitos casos o Transtorno de Pânico é acompanhado por Agorafobia, caracterizada pelo medo de estar sozinho em locais públicos - o que agrava o quadro e se constitui como uma preocupação clínica por ser incapacitante, limitando seriamente a vida social e ocupacional dos indivíduos que a desenvolvem (Kaplan et al., 1997; Rangé & Mussoi, 2007).

Os tratamentos considerados mais efetivos para a melhora dos sintomas - principalmente quando associados - são a farmacoterapia e a terapia cognitivo- comportamental (Kaplan et al.; 1997; Rangé & Mussoi, 2007; Roy-Byrne, Craske, Stein, Sullivan, Bystritsky, Golinelli, & Sherbourne, 2005). Algumas técnicas comportamentais como a exposição com prevenção de respostas, a dessensibilização sistemática e o treinamento de habilidades sociais também vêm sendo utilizadas e descritas como estratégias de tratamento para transtornos de ansiedade (Simão, 2001).

Apesar dos indicativos de remissão de sintomas decorrentes de aplicações dessas técnicas, são necessárias, entretanto, algumas reflexões e cuidados para garantir sucesso terapêutico e alcance populacional. Isto porque, como aponta Zamignani (2001), quando isolada de uma análise funcional - e ao enfocar as variáveis de natureza encoberta - a aplicação de procedimentos pode ocultar o papel de outras variáveis ambientais relevantes. Além disso, a natureza aversiva de alguns procedimentos pode resultar em esquiva do processo terapêutico e dificuldades de adesão ao tratamento (Zamigani & Banaco, 2005).

Coêlho e Tourinho (2007) concordam acerca das limitações das intervenções que enfatizam apenas parte das relações envolvidas na ansiedade. Segundo estes autores, existiriam diversas definições para

o conceito de ansiedade dentro da perspectiva analítico-comportamental. Decorrentes dessas definições, são propostas e realizadas diferentes intervenções em casos de ansiedade: algumas enfatizando os aspectos da condição corporal, outras enfocando as relações operantes não verbais e outras visando a modificações nas relações operantes verbais envolvidas (Coêlho & Tourinho, 2007). De acordo com os autores, tais intervenções focadas, apesar de terem algum alcance, não são capazes de intervir sobre a ampla gama de relações envolvida em um fenômeno complexo como a ansiedade.

Uma forma de aumentar a eficácia das intervenções, considerando o maior número possível de variáveis envolvidas foi proposta por Zamignani e Banaco (2005). Na análise sugerida por estes autores seriam consideradas: I) a) operações estabelecedoras (condições de privação e estimulação aversiva), b) estímulos discriminativos pré-aversivos e c) respostas encobertas - compondo o contexto antecedente para ocorrência da resposta; II) respostas de ansiedade (compulsão, verificação, fuga e evitação), que seriam seguidas por III) a) consequências reforçadoras negativas, como eliminação ou adiamento da estimulação aversiva) e b) consequências reforçadoras positivas. Além disso, IV) estímulos e respostas presentes em qualquer ponto desta análise poderiam estabelecer relações de generalização ou de equivalência de estímulos, sendo capazes de eliciar ou evocar respostas de ansiedade.

A dificuldade de adesão ao tratamento, quando estes são restritos ao uso de técnicas de exposição à estimulação aversiva - como a exposição com prevenção de respostas, a dessensibilização sistemática e o combate à evitação de situações aversivas - pode ser explicada a partir desta análise. As contingências aversivas presentes nas técnicas podem se constituir de operações estabelecedoras e evocar respostas de esquiva no e do processo terapêutico (Zamignani & Banaco, 2005). Uma vez que o padrão comportamental comum aos transtornos de ansiedade é a esquiva fóbica - emissão de respostas que eliminam, amenizam ou adiam a ocorrência de um evento ameaçador ou incômodo (Zamignani & Banaco, 2005) - pode-se prever uma alta taxa de evasão a tratamentos baseados unicamente nessas técnicas. Roy-Byrne, et al. (2005), por exemplo, descrevem o percentual de 31.9% (38 dentre 119 pacientes) de ausência em três ou mais sessões, das seis oferecidas em uma pesquisa sobre efetividade do uso da Terapia Cognitivo-Comportamental e Medicação para tratamento do Transtorno de Pânico. Surge também a necessidade de questionar se os dados descritos em outras pesquisas que relatam o sucesso nos tratamentos restritos a procedimentos padronizados se resumem aos obtidos com base apenas nos clientes que se engajaram no tratamento, desconsiderando a taxa de desistência, o que colocaria em dúvida seu real nível de efetividade e alcance populacional.

Prevendo a aversividade do enfrentamento de situações presentes nos quadros de ansiedade, sugere-se: 1) a utilização de procedimentos capazes de tornar o processo terapêutico menos aversivo, como a informação prévia ao cliente acerca dos procedimentos a serem utilizados e a audiência não punitiva e 2) a construção de uma relação reforçadora entre terapeuta e cliente antes do início da aplicação (Zamignani & Banaco, 2005). Outra possibilidade é basear-se na própria relação terapêutica como estratégia de intervenção, de acordo com a proposta da Psicoterapia Analítica Funcional (Functional Analytic Psychotherapy: FAP), de forma a propiciar a adesão do cliente e aumentar a efetividade dos demais procedimentos utilizados, conforme descrito por Vandenberghe (2007) em relatos de intervenção a dois casos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) é indicada justamente para clientes que não aderem ou não respondem adequadamente às terapias tradicionais (Follete, Naugle & Callaghan, 1996; Kohlenberg, Tsai, Parker, Bolling & Kanter, 1999). Entre estes clientes encontram-se, por exemplo, aqueles que se esquivam de relacionamentos interpessoais íntimos (García, Aguaio & Montero, 2006), dificultando desde a elucidação da queixa à formação da aliança terapêutica e efetividade das estratégias interventivas tradicionais. De acordo com Kohlenberg, et. al (1999), Follete, Naugle e Callaghan (1996), Kohlenberg e Tsai (2001) a FAP baseia-se nos princípios do Behaviorismo Radical de reforçamento, generalização de estímulos, análise funcional do comportamento verbal e relações de equivalência de estímulos. Esta proposta terapêutica considera que o relacionamento terapeuta-cliente é uma interação real que tem o potencial de evocar e mudar os comportamentos-problema do cliente (Kohlenberg et al, 1999). Pela perspectiva da FAP, o cliente tende a reproduzir no contexto terapêutico o mesmo padrão de respostas problemáticas presente nos demais relacionamentos da vida cotidiana, proporcionando ao terapeuta a possibilidade de consequenciar a emissão destas de forma contingente e natural e instalar progressivamente respostas mais adequadas (Follete, Naugle e Callaghan, 1996; Kanter, Landes, Busch, Rusch, Brown, Baruch & Holman, 2006). Para diminuir os comportamentos -problema, o terapeuta deixa de reforçá-los, instala comportamentos concorrentes mais efetivos ou ocasionalmente os pune quando são desagradáveis nas interações do cliente com as demais pessoas (Follete, Naugle & Callaghan, 1996).

Os casos descritos por Vandenberghe (2007), nos quais os procedimentos da FAP foram utilizados para intervenção em casos de Transtorno Obsessivo Compulsivo, levaram-no a constatar que: os sintomas dos transtornos de ansiedade observados na interação terapêutica, frequentemente considerados como impedimentos ao processo de tratamento, podem ser utilizados de forma terapêutica. Este autor concluiu que a FAP não é inconsistente com as terapias racionais ou empiricamente baseadas para manejo dos sintomas de ansiedade, como a Exposição com Prevenção de respostas, podendo inclusive aumentar sua eficácia.

Logo, sugere-se que a FAP pode ser uma estratégia efetiva para lidar com comportamentos referentes à adesão ao processo terapêutico em clientes cujo repertório comportamental selecionado foi um padrão de fuga e esquiva, como ocorre nos transtornos de ansiedade. A partir destas considerações, objetiva-se apresentar a análise da relação terapêutica e a intervenção baseada na FAP em um caso de Transtorno de Pânico com Agorafobia.

 

Relato do caso:

Virgínia (nome fictício), sexo feminino, 47 anos; separada há três anos; mãe de quatro filhos, dois homens e duas mulheres entre 20 e 26 anos (com quem residia); funcionária pública. Na primeira sessão de terapia Virgínia descreveu:

-"Então às vezes eu quero sair de casa e não consigo sair de casa. Todo dia de manhã é difícil sair de casa, já fico enjoada logo de manhã, que acho que é meu medo, assim é a minha luta, mas consigo sair de casa."

No decorrer das sessões, foi possível identificar que estas e outras queixas da cliente eram condizentes com o diagnóstico de Transtorno de Pânico com Agorafobia: (a) ataques de pânico (sudorese, taquicardia, tremores, náusea, formigamento das mãos) em locais públicos e transportes coletivos, que passaram a ser evitados; (b) preocupação acerca de sofrer outros ataques; (c) medo de sair de casa, acompanhado de ânsia de vômito; (d) dificuldade de ingestão de alimentos e medicações devido à náusea constante.

Os procedimentos para obtenção de dados e elucidação da queixa, constituindo uma análise funcional do caso foram realizados conforme descrição de Brandão, Pezzato e Oshiro (2010). Em suma envolveram: 1) levantamento de hipóteses iniciais a partir do corpo teórico-conceitual da Análise do Comportamento, 2) obtenção de dados a partir do relato referente a contingências presentes na vida cotidiana da cliente, 3) investigação da história de vida da cliente e 4) observação direta dos comportamentos da cliente em sessão.

Como pode ser observado na tabela1, os dados levantados pelos procedimentos 1, 2 e 3 permitiram identificar as contingências presentes na vida cotidiana de Virgínia responsáveis pelo estabelecimento e manutenção da queixa. Tais contingências envolviam, em especial, a emissão de respostas operantes de fuga ou esquiva de situações aversivas - situações que eliciavam respondentes de ansiedade ou situações que demandavam emissão de respostas de enfrentamento, como resolução de problemas, desenvolvimento de repertório comportamental e exposição social.

 

 

 

 

 

 

A observação direta da interação da cliente com as terapeutas (4) contribuiu para a identificação e ilustração do padrão comportamental de fuga e esquiva do enfrentamento de situações-problema nas sessões de terapia. A demanda estabelecida pelas terapeutas no decorrer das sessões mostrou-se aversiva à cliente, ocasionando a emissão de respostas como: faltas, descrição de sintomas diante de perguntas relacionadas à resolução de problemas, recusa em fazer tarefas de observação e descrição de contingências, solicitação de soluções mágicas que não envolvessem esforço (ex:"varinha mágica"), evitar falar sobre si e entrar em contato com sentimentos (ex: rir ao descrever o divórcio ou a morte dos pais).

Estas respostas de fuga e esquiva do processo terapêutico impediam a utilização de procedimentos tradicionais, uma vez que a alta frequência de faltas e a pouca adesão às tarefas e estratégias propostas impossibilitavam a modelagem de respostas de descrição de contingências, a utilização de técnicas de dessensibilização e a criação de condições para a aprendizagem de novas respostas de resolução de problemas e obtenção de reforçadores. Tal repertório foi considerado uma classe de Comportamentos Clinicamente Relevantes (CCR1), uma vez que ocorriam na relação terapêutica e correspondiam ao padrão comportamental observado na vida cotidiana que contribuía para a manutenção da queixa.

 

Intervenção

O processo de intervenção se baseou nos procedimentos propostos pela Psicoterapia Analítica Funcional (Kohlenberg & Tsai, 2001) para manejo de comportamentos clinicamente relevantes (CCRs) problemáticos (CCRs1) e de melhora (CCRs2) durante as sessões. Assim, foi proposto o procedimento de reforçamento diferencial destes, a partir da análise de contingências descrita anteriormente: bloqueio de esquiva, reforçamento diferencial de outras respostas (DRO) e análise na relação terapêutica diante de CCRs1; reforçamento positivo natural de CCRs2 e reforçamento positivo das análises realizadas pela cliente no decorrer das sessões (CCRs3).

Exemplos (T1= terapeuta 1; T2= terapeuta 2; C= cliente):

"T1: Trouxemos umas frases (em tiras de papel) que você nos disse em sessões anteriores e gostaríamos de refletir sobre elas. Vou entregar para você ler. (Cliente faz a leitura de forma silenciosa)

C: Bem...vou começar a discutir a frase: Queria ter uma varinha mágica para resolver tudo isso. Acho que essa frase mostra a minha impaciência...sabe....às vezes eu não vejo os ganhos que tive na terapia e tenho vontade de desistir. Mas eu acho que estou tendo pequenas melhoras... apesar da minha dificuldade eu vou trabalhar todos os dias... Mas ainda me observo pouco, e sei que é importante (descreve relação que a pouco observara entre tomar refrigerante e ter dores de estômago).

T1: Isso mesmo!!! E Virgínia, que relação você faz entre se observar pouco e querer uma varinha mágica para resolver os problemas?

C: Acho que é pela rapidez. Para resolver mais rápido... eu sofro muito com essas sensações...

T2: Mas será que é só tempo?

C: Não sei. O que vocês acham?

T2: Parece-me que é difícil para você observar.

C: Para mim é, é que se eu começo a pensar, a observar, vejo coisas do passado que não gosto. Coisas que deixei de fazer, ex. não dirigir, não nadar...e isso me dá uma frustração.

T1 descreve o processo de esquiva experiencial, como ele se aplica a Virgínia e procedimentos gerais para lidar.

C: Interessante...e eu evito mesmo...É ruim porque vejo que tenho que tomar atitudes. Eu nunca fui uma pessoa de ir atrás.

T1: Qual a relação disso com a varinha mágica?

C: Porque aí eu não preciso fazer!

T1: Perfeito!

T2: Que bom que você está observando essa relação! E como você pretende lidar com esses comportamentos de evitação?

C: Então.... fico pensando...não sei se quero ainda fazer as coisas que eu queria: dirigir, andar de bicicleta, nadar. Sabe... às vezes eu penso: Já estou no final da minha vida mesmo!.(esquiva CCR1)

T2 discutiu as consequências desses comportamentos. A Cliente novamente apresentou comportamentos de esquiva (CCRs1), falando que hoje não faria tanta diferença na vida dela fazer essas coisas.

T2: Mas quais as consequências para seus sentimentos?

C: Frustração. E parece que andar de ônibus me faz lembrar das minhas frustrações....que eu não tirei carta...

T2: Nossa...que difícil...então parece que as situações de hoje fazem você lembrar das frustrações do passado.

C: Exatamente.

T1: Mas olha, Virgínia, você não está fadada a continuar sofrendo pelas frustrações. Estamos aqui para pensar em encaminhamentos.

T2: E lidar com as dificuldades tem a ver com a segunda frase que selecionamos para você. Ou seja, você já vem trabalhando nesse sentido. (Frase: "Estou tomando as rédeas da minha vida"). Na sequencia T2 pergunta para Virgínia o que ela pensa a respeito.

C: Ah... Não sei... É tão difícil... Não sei como lidar... (CCR1)

T2: Talvez não seja tão difícil, talvez seja uma questão de você se observar e perceber que já tem as rédeas em alguns aspectos. Nesse momento T1 lembrou os ganhos já obtidos por Virgínia, como a relação de intimidade que estabeleceu com as terapeutas. (DRO)

C: Sei que mudei... Mas tenho a sensação de nada, mas concordo que eu era muito fechada e que melhorei...

Terapeutas sinalizaram a importância de Virgínia observar seus ganhos e pensar em estratégias para se manter "com as rédeas" da sua vida. Elogiaram as relações feitas pela cliente em sessão.

T2 elogia o engajamento de Virgínia. na terapia, descrevendo que vir à terapia, mesmo quando esta se torna difícil e dá vontade de faltar é um importante enfrentamento (CCR2).

C: É, mas sabe que às vezes é difícil vir. Mas depois eu saio me sentindo bem, sentindo que estou caminhando."

Na sessão seguinte, T1 mencionou que na semana anterior haviam feito discussões importantes, mas muito difíceis e queria saber como a cliente se sentiu depois da sessão.

"C: Pois é... vocês me pegaram na questão da varinha mágica....(risos).

T1: E o que você refletiu sobre essa questão?

C: Então... pois é...eu sempre quero tudo muito rápido e não tenho paciência...daí penso em parar a terapia....

T1: E nós vimos que além da rapidez a varinha mágica significava outras coisas também, não é?

C:É...porque tem várias coisas que eu não sei fazer, né...não sei andar de bike, nadar...e eu me sinto muito frustrada...

T1: E se você não sabe fazer, a varinha mágica significa o quê?

C: É..daí eu não preciso me arriscar, né?

T1: Mas quais os ganhos e as perdas de se usar a varinha mágica?

C: É...a vantagem é que não tenho que pensar nas coisas que não sei fazer... sabe, às vezes bate um sentimento de frustração, sabe? Mas sei que deixo de enfrentar, né?

T1: Ótimo Virgínia! Você fez uma ótima descrição!

C: E sabe...quando penso que vou ter que me arriscar, dar o primeiro passo, a primeira coisa que penso: "não irei à terapia!".(CCR3)

T1: Que bom que você está nos contando isso."

 

Resultados

Os resultados demonstraram diminuição da frequência de CCRs1 e aumento da frequência de CCRs 2. A cliente passou a descrever contingências, falar de si, de suas dificuldades e sentimentos e expressar sentimentos positivos e negativos condizentes com os eventos relatados, bem como descrever sentir confiança na relação com as terapeutas (CCR2), indicando a construção de relações de intimidade.

"C: Eu sou muito fechada... mas aqui com vocês eu não sei....acho que é uma coisa maravilhosa de confiança.

T1: E é isso que a gente quer mostrar... essa relação que estamos estabelecendo aqui na terapia pode ser estendida para outras pessoas....

" A descrição de sintomas deixou de ocorrer diante do estabelecimento de demanda por parte das terapeutas, sendo substituída pela descrição da necessidade de buscar reforçadores e enfrentar aversivos. Mesmo descrevendo o quanto seria difícil e que precisaria enfrentar suas dificuldades aos poucos, Virgínia deixou de faltar às sessões, descreveu algumas atividades que poderia buscar e concordou com a análise referente ao desejo de uma solução mágica, que ilustrava sua dificuldade de enfrentamento da situação-problema. Exemplo:

"T1: Virgínia, lembra que você havia ficado de pensar sobre o que você gosta hoje?

C: Olha, não... eu não pensei. Assim, eu sei que hoje o que me agrada é estar com os meus filhos. Mas sabe que eu acho que eu não quero me pressionar... minha frase é: o que eu vou fazer daqui a 5 anos, tenho que pensar a longo prazo. Porque se eu pensar: vou tirar carta esse ano... aí eu já travo, não dá para ser assim.

T1: Mas Virgínia, quando nós pedimos para você pensar sobre o que você gosta, não precisa ser algo tão grandioso.

C: É, eu falo para as minhas filhas que preciso fazer algo por mim. Uma coisa que talvez eu gostaria seria fazer aula de dança. Acho que eu conseguiria dançar."(CCR2).

 

Discussão

A análise da relação terapêutica e os procedimentos da FAP utilizados demonstraram eficácia não apenas como instrumento de intervenção, mas como estratégia para propiciar a adesão da cliente ao processo terapêutico. O padrão comportamental de fuga/esquiva apresentado por Virgínia, comum em transtornos de ansiedade (Kaplan et al., 2002; Zamignani, 2001; Zamignani & Banaco, 2005) dificultou a obtenção de dados para elucidação da queixa, uma vez que descrever situações de perdas, de fracasso e expressar sentimentos pareciam aversivos à cliente, desencadeando respostas de fuga diante das perguntas das terapeutas.

O fortalecimento do vínculo terapêutico por meio de respostas não verbais (sorrisos, abraços) e verbais (elogios, conversas sobre assuntos aparentemente agradáveis à cliente) das terapeutas, bem como a audiência não punitiva contribuíram para manutenção da cliente na terapia. Entretanto, a alta frequência de respostas de fuga/esquiva das atividades de observação, descrição de contingências e enfrentamento das situações aversivas dificultava o engajamento no processo e melhora clínica da cliente. Logo, a utilização do reforçamento positivo contingente às inicialmente poucas respostas de enfrentamento da cliente (CCRs1) e reforçamento diferencial de outras respostas (DRO) diante das respostas de fuga/esquiva (CCRs2) podem ser consideradas estratégias interventivas necessárias e demonstraram eficácia. A análise com a cliente do padrão de fuga/esquiva emitido em sessão (episódio da varinha mágica) e de suas consequências também pareceu eficaz para elucidação da análise das contingências envolvidas no decorrer das sessões (padrão de fuga/esquiva) e posterior correlação deste com a análise de contingências descrita na vida cotidiana, anteriormente evitada por Virgínia.

Os dados obtidos condizem com os descritos por Vandenberghe (2007) de que os sintomas dos transtornos de ansiedade observados na interação terapêutica, frequentemente considerados como impedimentos ao processo de tratamento, podem ser utilizados de forma terapêutica. Condizem também com a análise deste autor acerca da compatibilidade e possibilidade da utilização da FAP para auxílio na eficácia de terapias comprovadamente eficazes, como as Terapias Cognitivo-Comportamentais. Entretanto, mantém-se a ressalva sobre o possível potencial aversivo de determinados procedimentos a clientes com padrão comportamental de fuga/esquiva estabelecido e mantido por reforçamento positivo e negativo na vida cotidiana, como no caso de Virgínia. Apesar do presente relato se restringir aos procedimentos iniciais que visaram a garantir a adesão ao tratamento, dados obtidos em demais pesquisas sobre a FAP (Garcia et al., 2006; Kohlenberg et al., 1999) sugerem que as melhoras clínicas tendem a se generalizar. Desta forma, o padrão de enfrentamento que passou a ser positivamente reforçado e aumentou de frequência nas sessões pode vir a ocorrer em situações extra-terapia e promover o enfrentamento de situações aversivas presentes no cotidiano da cliente, tornando desnecessário o uso de procedimentos artificiais de exposição a situações aversivas no ambiente da terapia.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido em 11/11/2011
Devolvido para modificações em 14/11/2011
Aprovado em 22/11/2011

 

 

Artigo elaborado a partir dos atendimentos e supervisões realizados no Curso de Especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva do Instituto de Psicologia da USP/São Paulo, em parceria com o Hospital Universitário, sob coordenação da Profa. Dra. Maria Martha Hübner.
* Autor responsável pela publicação: Fernanda Augustini Pezzato - Faculdade de Ciências - UNESP - Campus de Bauru Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 - Vargem Limpa - Cep 17033-360 - Bauru - SP - Telefones: 14 31036087/14 81121942 - e-mail: fernandapezzato@usp.br