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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.15 no.2 São Paulo Aug. 2013

 

REVISÃO

 

Uma revisão sistemática de estudos experimentais sobre treinamento de habilidades sociais

 

A systematic review of experimental studies in social skills training

 

 

Lucas Cordeiro Freitas*

Universidade Federal de São Carlos Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Mestre e Doutor em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Pós-doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos com bolsa FAPESP

 

 


RESUMO

O presente trabalho buscou caracterizar os estudos experimentais publicados em periódicos nacionais na área do Treinamento de Habilidades Sociais e identificar tendências metodológicas e possíveis lacunas nas pesquisas encontradas. Foram recuperados, na íntegra, os 10 estudos experimentais citados no trabalho de Bolsoni-Silva el al.. (2006) e foi realizada uma busca no banco de dados SCIELO, compreendendo o período entre 2004 e 2012. A maioria das pesquisas localizadas foi realizada com sujeitos com características clínicas, tendo como objetivo a avaliação de diferentes componentes das habilidades socais por meio da observação sistemática do comportamento. Os estudos apresentam contribuições em termos da caracterização do repertório de habilidades sociais e da competência social de pacientes psiquiátricos psicóticos e da verificação da efetividade de programa de intervenção com estudantes universitários.

Palavras-chave: habilidades sociais; competência social; estudos experimentais; revisão de literatura.


ABSTRACT

This paper characterized the experimental studies published in Brazilian journals in the field of Social Skills Training and identified trends and possible methodological gaps. The 10 experimental studies cited in the study of Bolsoni-Silva et al. (2006) were recovered and a search in the database SCIELO, including the period between 2004 and 2012, was conducted. Studies were carried out with individuals with clinical characteristics, aiming to assess several components of social skills through systematic observation of behavior. The researches have brought contributions to the characterization of the social skills repertoire and social competence of psychotics as well to the verification of the effectiveness of intervention program with university students.

Key-words: social skills; social competence; experimental studies; literature review.


 

 

O campo do Treinamento de Habilidades Sociais (THS) teve suas origens históricas na Inglaterra dos anos 60, sendo constatado um grande aumento no número de publicações a partir das décadas de 70 e 80, especialmente em países de língua inglesa como Estudos Unidos e Canadá, conforme relatado por Del Prette e Del Prette (1999). No Brasil, o interesse de pesquisadores pela área ocorreu principalmente a partir da década de 90, quando se observou um aumento no número de publicações (Bolsoni-Silva et al. 2006).

De acordo com Gresham e Elliott (2008), as habilidades sociais são comportamentos aprendidos que, portanto, podem ser ensinados, aprimorados e generalizados por meio de procedimentos baseados em princípios de aprendizagem. As habilidades sociais são classes de comportamento específicas que um indivíduo apresenta com o objetivo de completar uma determinada tarefa social. Ainda segundo esses autores, a base teórica do THS está ancorada principalmente em três abordagens teóricas: (a) a Teoria de Aprendizagem Social, influenciada pelos trabalhos de Bandura, (b) a Análise do Comportamento Aplicada, derivada dos trabalhos de Skinner e (c) Abordagens Cognitivo-comportamentais.

Os estudos de avaliação e intervenção no campo do THS têm sido realizados com uma ampla faixa da população, incluindo sujeitos de diferentes idades (crianças, adolescentes, adultos, idosos), com diferentes papéis sociais (professores, alunos, pais, filhos, casais, profissionais) e com diferentes características clínicas (psicóticos, dependentes de substâncias psicoativas, pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo, fobia social, depressão, ansiedade, crianças com deficiência intelectual, sensorial, autismo, dificuldades de aprendizagem, problemas de comportamento, dentre outras) (Angélico, Cippra & Loureiro, 2006; Bandeira, Del Prette & Del Prette, 2006; Del Prette & Del Prette, 1999; Del Prette & Del Prette, 2005; Mitsi, Silveira & Costa, 2004; Murta, 2005).

Como possível conseqüência do amplo alcance das aplicações do THS, podemos identificar tentativas de sistematização do conhecimento produzido por pesquisadores dessa área, sendo encontrados alguns estudos de revisão de literatura no Brasil (Angélico et al., 2006; Bolsoni-Silva et al., 2006; Fumo, Manolio, Bello & Hayashi, 2009; Levitan, Range & Nardi, 2008; Mitsi et al., 2004; Murta, 2005; Wagner & Oliveira, 2007).

Quatro desses estudos analisaram a produção da área do THS relacionada a transtornos psicológicos específicos. Um estudo verificou a produção relativa ao transtorno obsessivo-compulsivo (Mitsi et al., 2004), outro focou a fobia social (Angélico et al., 2006), um terceiro analisou os estudos com usuários de substâncias psicoativas (Wagner & Oliveira, 2007) e o quarto abordou conjuntamente a fobia social e a agorafobia (Levitan et al., 2008). Outros três estudos analisaram a produção mais ampla da área, não restringindo o foco a um único diagnóstico clínico. O estudo de Murta (2005) descreveu os programas de THS aplicados no Brasil para prevenção primária, secundária e terciária; o estudo de Bolsoni-Silva et al. (2006) caracterizou a produção nacional em THS por meio da análise de artigos publicados em periódicos indexados da área de Psicologia e o estudo de Fumo et al. (2009) analisou as publicações sobre habilidades sociais na coleção de livros Sobre Comportamento e Cognição.

No estudo de Bolsoni-Silva et al. (2006), foi constatada uma predominância de estudos pré-experimentais, principalmente de natureza correlacional, sendo mais escassos os estudos propriamente experimentais. Esse achado foi também constatado no estudo de Murta (2005), que aponta para a mesma tendência de estudos pré-experimentais na área, quando se analisou somente os programas de intervenção.

Conforme apontam Bolsoni-Silva et al. (2006), essa predominância de pesquisas pré-experimentais e correlacionais parece corresponder a uma exploração inicial da área no país. Estudos desse tipo podem descrever possíveis relações entre as variáveis de interesse para a área e apontar questões empíricas adicionais a serem investigadas por meio de delineamentos mais complexos, como os experimentais.

Os delineamentos experimentais envolvem a manipulação da(s) variável(is) independente(s) pelo pesquisador e a observação de seus efeitos sobre a(s) variável(is) dependente(s), mantendo constantes outras variáveis de interesse, por meio do controle experimental (Cozby, 2003; Campbell & Stanley, 1979). A manipulação das variáveis pelo pesquisador aumenta a possibilidade de inferência de causação entre os fenômenos investigados (Borkowski & Anderson, 1977) e proporciona maior validade interna ao estudo, pelo controle mais rigoroso dos vieses que podem interferir nas relações observadas (Cozby, 2003; Campbell & Stanley, 1979).

Os estudos experimentais podem ser divididos em dois grandes grupos, conforme apresentado por Bolsoni-Silva et al. (2006): 1. estudos com grupos independentes, com sujeitos distribuídos aleatoriamente (randomicamente) entre diferentes níveis da variável independente e 2. estudos intra-grupos, intra-sujeitos ou de medidas repetidas, em que um mesmo grupo ou sujeito é expos-to a diferentes variáveis ou condições manipuladas pelo pesquisador.

Um aumento na produção de estudos experimentais no campo do THS no Brasil poderia contribuir para o conjunto de conhecimentos disponíveis, por meio da exploração de relações mais precisas entre variáveis de interesse, já identificadas em estudos descritivos, correlacionais ou quase-experimentais. Devese destacar que, não obstante os estudos de revisão anteriormente mencionados (Angélico et al., 2006; Bolsoni-Silva et al., 2006; Fumo, Manolio, Bello & Hayashi, 2009; Levitan, Range & Nardi, 2008; Mitsi et al., 2004; Murta, 2005; Wagner & Oliveira, 2007), ainda não foi realizada uma revisão sistemática específica sobre as pesquisas experimentais em habilidades sociais produzidas no Brasil. A importância do desenvolvimento de pesquisas experimentais para a ampliação do conhecimento acerca de questões de interesse para o campo do THS, assim como a necessidade de sistematização do conhecimento produzido no contexto brasileiro, fundamentou a realização do presente trabalho, que teve como objetivos:

1. Caracterizar os estudos do campo do THS que utilizaram delineamentos experimentais, publicados em periódicos nacionais;

2. Identificar tendências metodológicas e possíveis lacunas nos estudos encontrados.

 

MÉTODO

Base documental e procedimento de coleta de dados

As pesquisas analisadas no presente trabalho foram levantadas a partir de uma caracterização prévia, realizada em um estudo anterior, que buscou descrever o campo do THS no Brasil por meio da análise dos artigos publicados em periódicos nacionais até o ano de 2004 (Bolsoni-Silva et al., 2006). A busca foi realizada pelos autores por meio de bases digitais de dados (LILACS, INDEXPSI, PSICOINFO e SCIELO), da consulta a 96 periódicos impressos de Psicologia em três universidades públicas paulistas e da consulta direta aos editores de periódicos e autores pesquisadores da área. A partir das buscas realizadas, foram localizados 65 artigos que constituíram a base documental do estudo, dos quais 10 foram classificados, quanto ao delineamento de pesquisa, como propriamente experimentais de acordo com as classificações propostas por Campbell e Stanley (1979) e Selltiz, Wrightsman e Cook (1981).

Para a realização de uma análise mais detalhada dos estudos experimentais do campo do THS publicados em periódicos nacionais até o ano de 2004, foram recuperados, na íntegra, os 10 estudos citados no trabalho de Bolsoni-Silva et al. (2006). Os artigos foram encontrados em bases de dados digitais de periódicos nacionais e na Biblioteca Comunitária da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Em complemento ao levantamento anterior, foi realizada uma busca no banco de dados SCIELO, compreendendo o período entre 2004 e junho de 2012, utilizando as palavras-chave: habilidades sociais e competência social. Optou-se pela busca no SCIELO por esta plataforma reunir, principalmente, estudos realizados no Brasil, sendo este o foco do presente trabalho. Foram encontrados 57 estudos publicados nesse período, diferentes dos dez citados por Bolsoni-Silva et al. (2006). Porém, nenhum desses novos estudos encontrados utilizou delineamento propriamente experimental.

Tratamento dos dados

Os dez artigos selecionados foram localizados na íntegra e classificados quanto a duas categorias de análise, cada qual composta de subcategorias:

1. Bibliográfica: (a) nome dos autores, (b) ano de publicação, (c) título do artigo, (d) quantidade de autores, (e) afiliação institucional dos autores, (f) nome do periódico e (g) local de publicação.

2. Metodológica: (a) objetivo do estudo, (b) tamanho da amostra, (c) características clínicas da amostra, características sociodemográficas da amostra, habilidades sociais estudadas, (f) procedimento de coleta de dados, (g) instrumentos de medida e (h) procedimento de análise de dados.

As categorias gerais de análise, assim como as subcategorias foram adaptadas do estudo de Bolsoni-Silva et al. (2006).

 

RESULTADOS

A apresentação dos resultados será dividida em dois blocos de dados, um referente às características bibliográficas e outro relativo às características metodológicas dos estudos.

Características Bibliográficas

A Tabela 1 apresenta as características bibliográficas dos 10 artigos localizados, incluindo nome dos auto-res, ano de publicação, quantidade de autores, afiliação institucional, nome do periódico e local de publicação.

Notou-se que os estudos encontrados no campo das habilidades sociais que utilizaram delineamentos experimentais começaram a ser publicados a partir do ano de 1998. Considerando que o período da presente análise compreende até o mês de junho de 2012, nota-se que a média foi de menos de um artigo publicado por ano (M=0,71). Deve-se destacar também, que no período de 1998 a 2012, alguns anos não contaram com nenhuma publicação da área utilizando delineamentos experimentais, sendo eles: ano 2000 e o período de 2005 a 2012. O ano em que se observou maior publicação de estudos experimentais foi o de 2002, com três artigos localizados.

Com relação à quantidade de autores dos artigos, o número variou de um a cinco, sendo que as produ-ções coletivas corresponderam a 80% do total. Os artigos produzidos por dois e cinco autores foram os mais freqüentes no período considerado, correspondendo, ambos, a 30% do total. Ao todo, os artigos foram publicados por 14 autores diferentes.

Os autores dos trabalhos encontrados pertenciam a três diferentes instituições, duas nacionais e um internacional: Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Université de Montréal e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Os autores da UFSJ foram responsáveis pela elaboração de nove dos artigos de estudos experimentais, sendo sete produzidos exclusivamente por autores desta instituição e dois produzidos em parceria com a Université de Montreal. Completando a totalidade de estudos publicados, uma autora afiliada à UERJ foi a responsável pela publicação de um artigo encontrado.

Os artigos foram publicados em oitos periódicos diferentes, sendo sete deles da área de Psicologia (com oito artigos publicados) e um da área de Psiquiatria (com dois artigos publicados). Quanto ao local de publicação, observou-se um maior predomínio de periódicos editados na região sudeste (seis artigos), seguidos por periódicos das regiões sul (três artigos) e nordeste (um artigo). O estado com maior número de publicações foi São Paulo (três artigos), seguido por Rio de Janeiro e Rio Grande de Sul (ambos com dois artigos) e por Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Norte (cada um com um artigo).

Características Metodológicas

A Tabela 2 apresenta os objetivos gerais dos estudos encontrados, o tamanho da amostra e suas características clínicas e sociodemográficas.

Com relação aos objetivos dos estudos encontrados, oito buscaram caracterizar componentes específicos de habilidades sociais de grupos clínicos em comparação com a população em geral; um estudo buscou caracterizar comparativamente a competência social de sujeitos clínicos e não-clínicos e verificar propriedades psicométricas de uma escala de medida e outro objetivou avaliar a eficácia de um programa de treinamento de empatia para estudantes universitários. Os nove estudos de caracterização das habilidades sociais de grupos clínicos classificam-se como experimentais na medida em que os grupos foram expostos a diferentes condições manipuladas pelo pesquisador, conforme será mais claramente descrito nos itens procedimentos de coleta de dados e instrumentos de medida. O estudo que avaliou a eficácia de um treinamento de empatia caracteriza-se como experimental pelo fato de os participantes terem sido distribuídos aleatoriamente entre diferentes níveis da variável independente (Bolsoni-Silva et al., 2006).

Quanto ao tamanho da amostra selecionada para os estudos, observou-se uma variação entre 17 e 70 sujeitos participantes. Os estudos envolvendo grupos experimental e controle, assim como grupos comparativos clínicos e não-clínicos foram predominantes. Não foi encontrada nenhuma pesquisa experimental na área do THS utilizando sujeito único.

Do universo de estudos encontrados, nove foram realizados com a participação de sujeitos com características clínicas psiquiátricas na amostra e apenas um estudo foi realizado com sujeitos sem características clínicas. Em oito dos estudos, uma mesma amostra de sujeitos foi utilizada, sendo que cada estudo enfocou diferentes componentes específicos de habilidades sociais. A amostra desses estudos foi composta por 35 pessoas diagnosticadas como psicóticos e 35 pessoas sem história psiquiátrica.

Em outro estudo, também realizado com sujeitos com características clínicas, participaram 30 pacientes esquizofrênicos, 11 pacientes com distúrbios afetivos e 26 pessoas sem características psiquiátricas. O único estudo encontrado que não utilizou sujeitos com características clínicas em sua amostra foi realizado com 17 estudantes universitários.

No que se refere às características sociodemográficas das amostras estudadas, observou-se que nove estudos foram realizados exclusivamente com sujeitos adultos do sexo masculino, de nível socioeconômico baixo, com média de idade variando entre 34,4 e 39,4 anos. Apenas um estudo utilizou uma amostra mista, composta aproximadamente por 60% de participantes do sexo feminino e 40% do sexo masculino, todos estudantes universitários de graduação. A média de idade dos sujeitos que participaram desse estudo não foi mencionada.

A Tabela 3 apresenta as habilidades sociais enfocadas nos estudos, o tipo de procedimento de coleta de dados, os instrumentos de medida utilizados e o procedimento de análise dos dados dos estudos.

Os estudos encontrados focalizaram diferentes componentes das habilidades socais e da competência social. Apesar da diversidade de conceituações dos termos habilidades sociais e competência social, de acordo com Del Prette e Del Prette (2005, 1999), as habilidades sociais podem ser definidas, em um sentido descritivo, como sendo as classes de comportamentos do repertório do indivíduo que contribuem para sua competência social. Por outro lado, a competência social pode ser entendida, em um sentido avaliativo, como a capacidade de articular adequadamente pensamentos, sentimentos e ações em função de objetivos pessoais e situacionais-culturais.

Sobre as unidades de análise das habilidades sociais, encontram-se freqüentemente na literatura os níveis molar e molecular, sendo que o primeiro está relacionado a habilidades globais e o segundo a habilidades componentes menores (Del Prette & Del Prette, 1999). A classificação da unidade de análise em molar e molecular é recorrente nos estudos da literatura da área, conforme será descrito a seguir.

Um conjunto de quatro estudos encontrados focalizou especificamente a competência social dos sujeitos1. Observou-se que dois estudos focalizaram exclusivamente a competência social global dos sujeitos. Outro trabalho avaliou conjuntamente a competência social global e seus componentes moleculares verbais, não-verbais, paralinguísticos, de expressividade emocional e de solução de problemas. Foi encontrado, ainda, outro estudo que enfocou somente os componentes moleculares da competência social: verbais, não-verbais, paralinguísticos, de expressividade e de solução de problemas.

Outro conjunto de seis estudos focalizou habilidades sociais específicas, em seus componentes molares e moleculares. Tendo como foco a assertividade, foram encontrados dois artigos: um que estudou somente componentes moleculares verbais e não-verbais da assertividade e outro que estudou, conjuntamente, a assertividade global e seus componentes moleculares verbais e não-verbais.

Ainda sobre habilidades sociais específicas, um estudo enfocou os componentes moleculares verbais e não-verbais da habilidade de empatia, um segundo teve como foco os componentes moleculares do comportamento de olhar e um terceiro avaliou os componentes moleculares da habilidade de alternância da fala. Um último artigo estudou os componentes moleculares das habilidades de olhar, falar, interromper a fala, fazer movimentos verticais de cabeça e dar feedback positivo.

Quanto ao procedimento de coleta de dados, observou-se que em todos os estudos foi utilizada observação sistemática do comportamento em situações estruturadas de desempenho de papéis. As categorias de comportamentos registradas foram definidas previamente, assim como as suas unidades de análise (molar ou molecular). As situações estruturadas foram registradas em vídeo para observação posterior por juízes treinados.

Em um dos estudos, o procedimento de observação foi associado à utilização de entrevista estrutura, sendo que nos outros nove estudos houve utilização exclusiva de observação sistemática.

Com relação aos instrumentos de medida utilizados, observou-se a predominância de sistemas de avaliação elaborados especificamente para registrar dados observacionais. Nove estudos utilizaram a Escala de Avaliação da Competência Social - EACS, originalmente desenvolvida no Canadá e validada para o contexto brasileiro por Bandeira (2002) e um estudo utilizou o Sistema de Avaliação do Comportamento Empático - Formas Verbal e Não-verbal (SACE-V e SACE-NV; Falcone, 1999).

A escala EACS avalia a competência social em termos de cota global e de cinco subescalas: verbal, não verbal, paralinguística, expressividade emocional e solução de problemas2. O instrumento é composto por quatro situações sociais cotidianas envolvendo conflitos interpessoais, com variações na demanda da situação e no gênero do interlocutor. O grau de competência social nas situações sociais é avaliado por meio de uma escala tipo Likert de seis pontos, tanto para a cota global quanto para as subescalas. O instrumento apresenta propriedades psicométricas satisfatórias de validade discriminante, validade concomitante, fidedignidade inter-observadores, consistência interna e sensibilidade a variações experimentais.

O SACE-V é um sistema que avalia as respostas de empatia dos sujeitos de acordo com cinco níveis, distribuídos de forma hierárquica, enquanto o sistema SACE-NV avalia componentes moleculares de comunicação não-verbal, por meio de uma escala de cinco pontos. Os componentes não-verbais de avaliação incluem: olhar, posição do corpo, braços e pernas, posição da cabeça, proximidade, orientação, gestos e movimentos, auto-toques e gestos nervosos, volume da voz, entonação da voz, velocidade da fala e tempo de fala.

No estudo em que o SACE-V e SACE-NV foram utilizados, encontra-se também a aplicação do Questionário de Avaliação do Treinamento de Empatia (QUATE), que avaliou os efeitos da intervenção após o seu término e no follow-up, de acordo com a observação dos participantes.

Os dados de todos os estudos encontrados foram tratados quantitativamente, por meio de estatísticas inferenciais. Destaca-se a aplicação dos testes estatísticos ANOVA, MANOVA, Qui-quadrado, Análise discriminante, t de Student, Mann-Whitney, Wilcoxon e Correlação de Pearson.

 

DISCUSSÃO

Observou-se que a produção de estudos experimentais na área do THS é relativamente recente no Brasil, sendo que o primeiro estudo encontrado utilizando esse tipo de delineamento foi publica-do em 1998. O último artigo encontrado data de 2004, levando-se em conta que a presente análise contempla até o ano de 2012. Além disso, destaca-se que, dos dez artigos encontrados, nove estão ligados a um único grupo de pesquisa de uma universidade pública brasileira, que desenvolveu uma seqüência de estudos experimentais com a população clínica de pacientes psicóticos e/ou com transtornos afetivos graves.

A totalidade dos estudos experimentais encontrados foi desenvolvida, de forma independente ou em parceria, em instituições públicas da região sudeste. Além disso, os estudos foram publicados principalmente em periódicos das regiões sudeste e sul, indicando um desequilíbrio entre as regiões brasileiras no que se refere à produção desse tipo de estudos na área do THS.

Quanto aos aspectos metodológicos dos estudos encontrados, observou-se que a grande maioria buscou caracterizar componentes específicos de habilidades sociais de grupos clínicos em comparação com a população em geral. Apesar da importância de estudos de caracterização de populações específicas quanto ao seu repertório de habilidades sociais, pode-se identificar uma lacuna na produção sobre o THS no Brasil no que se refere à utilização de delineamentos experimentais para avaliar a efetividade de intervenções, conforme reforçado em estudos anteriores (Murta, 2005; Bolsoni-Silva et al., 2006). De acordo com Campbell e Stanley (1976), a utilização de delineamentos experimentais assegura o controle de um maior número de vieses, aumentando a validade interna dos estudos. Quando se trata de pesquisas que buscam verificar o efeito de programas de intervenção, essa vantagem dos delineamentos experimentais deve ser especialmente considerada, tendo em vista a maior segurança em se atribuir os efeitos observados às variáveis críticas presentes nos pacotes de intervenção, que foram deliberadamente manipuladas pelo pesquisador.

As amostras selecionadas para os estudos experimentais encontrados variaram entre 17 e 70 participantes, destacando a tendência da área no Brasil de utilizar delineamentos com populações relativamente grandes, conforme constatado por Bolsoni-Silva et al. (2006). Todos os estudos utilizaram delineamentos grupais e nenhum foi realizado com sujeito único. Existe uma variedade de delineamentos de sujeito único, como aponta o levantamento de Mauad, Guedes e Azzi (2004), que poderiam ser úteis na exploração de relações entre variáveis de interesse para o campo do THS e que garantiriam um maior controle das condições planejadas pelo experimentador.

Quanto às características clínicas dos sujeitos que participaram dos estudos, notou-se certa homogeneidade, uma vez que nove estudos foram realizados com sujeitos com características clínicas psiquiátricas (psicóticos e/ou transtornos afetivos graves) e apenas um estudo foi realizado com sujeitos sem características clínicas. Notou-se, portanto, uma lacuna de conhecimento com relação a estudos experimentais na área do THS que envolvam outros grupos clínicos, tais como sujeitos com depressão, ansiedade e fobia social e populações com necessidades educacionais especiais, incluindo crianças com diferentes deficiências, hiperatividade, autismo, dentre outras.

Com relação às características sociodemográficas das amostras, observou-se que todos os estudos foram realizados com sujeitos adultos e que o gênero predominante foi o masculino. Foram utilizados, em maior proporção, sujeitos de nível socioeconômico baixo, e em uma escala menor, estudantes universitários de graduação. A realização de estudos experimentais com crianças, adolescentes e idosos, com a participação de sujeitos do sexo feminino e de níveis socioeconômicos diversificados, revelou-se como uma necessidade em estudos brasileiros na área no THS.

Não obstante certa homogeneidade de características clínicas das amostras estudadas, as pesquisas localizadas focalizaram diferentes componentes das habilidades socais e da competência social. Com relação à competência social, foram enfocadas sua avaliação global, assim como seus componentes moleculares verbais, não-verbais, paralinguísticos, de expressividade emocional e de solução de problemas. Nos estudos que focalizaram habilidades sociais específicas, foram analisados os componentes molares e moleculares das habilidades de assertividade, empatia, alternância da fala, olhar, falar, interromper a fala, fazer movimentos verticais de cabeça e dar feedback positivo.

Observou-se que, apesar dos estudos encontrados abarcarem uma diversidade de componentes molares e moleculares da competência social e de habilidades sociais, muitos outros componentes não foram ainda estudados por meio de delineamentos experimentais, na literatura nacional. As revisões de Caballo (2002) e Del Prette e Del Prette (1999) apontam diversas classes e subclasses de habilidades sociais que necessitam ser detalhadamente exploradas em estudos brasileiros.

A observação sistemática do comportamento em situações estruturadas de desempenho de papéis foi o procedimento de coleta de dados principal de todos os estudos encontrados. As situações estruturadas foram registradas em vídeo para observação posterior por juízes treinados. A fidedignidade das medidas, por meio do cálculo da concordância inter-juízes, e a elaboração de procedimentos e instrumentos específicos para o registro de dados observacionais (Escalas EACS, SACE-V e SACE-NV) aumentaram o rigor na condução dos estudos. Os métodos de observação encontram-se detalhadamente relatados em todos os estudos, facilitando, assim, a replicação dos procedimentos por outros pesquisadores da área. Além disso, o tratamento de dados por meio de estatísticas inferenciais, adotado em todos os estudos, aumenta a probabilidade de generalização dos resultados para as populações de onde as amostras foram retiradas (Dancey & Reidy, 2004).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos experimentais no campo do THS no Brasil começaram a ser publicados nos últimos dez anos, sendo realizados especialmente com populações clínicas de pacientes psicóticos e por meio de delineamentos grupais de pesquisa. As pesquisas encontradas apresentam contribuições em termos da caracterização do repertório de habilidades sociais e da competência social de pacientes psiquiátricos psicóticos e da verificação da efetividade de programa de intervenção com estudantes universitários.

Sugere-se que sejam empregados delineamentos experimentais, grupais e de sujeito único, em uma diversidade maior de populações e faixas etárias, englobando diferentes objetivos, além dos já encontrados nos estudos aqui descritos. Espera-se que as tendências e lacunas levantadas no presente trabalho sirvam de parâmetro para que pesquisadores brasileiros do campo de THS encaminhem suas futuras questões de pesquisa, utilizando delineamentos experimentais.

 

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Recebido em 10 de novembro de 2010
Revisado em 16 de novembro de 2012
Aceito em 13 de março de 2013

 

 

* lucscf@yahoo.com.br
1 Foram mantidas as classificações de habilidades sociais e competência social realizadas pelos próprios autores dos artigos encontrados.
2 Para uma descrição mais detalhada dos componentes comportamentais de cada uma das subescalas do instrumento, sugere-se a leitura de Bandeira (2002).