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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.1 n.1 Fortaleza set. 2001

 

ARTIGOS

 

Mal-estar, subjetividade e psicose: reflexões a partir do sistema familiar

 

 

Ileno Ilzídio da Costa

Psicólogo Clínico, Professor do Instituto de Psicologia da UnB, Presidente da Associação Brasileira de Terapia Familiar - ABRATEF, Doutorando em Psicologia Clínica pela UnB e Warwick University. E-mail: ileno@nrp.com.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo fazer reflexões sobre o mal-estar inerente à subjetividade psicótica, em especial na sua manifestação familiar, do nuclear ao transgeracional. Serão discutidos os seguintes pressupostos: (a) a subjetividade psicótica é circunscrita ao sentido que a interação familiar lhe atribui; (b) a semiologia do discurso psicótico pode ser mais bem compreendida dentro do padrão comunicacional familiar; (c) as contradições psicóticas (particularmente sua sintomatologia) dizem respeito às contradições familiares, em seus mais difusos aspectos (individual, conjugal, parental, filial, fraterno); assim existem nestas famílias "obstáculos interpostos pelos membros da família ao crescimento de um deles", sendo a subjetividade do psicótico espelho deste espectro; (d) a simbiose mãe-filho psicótico é engendradora da rede familiar, de que são complementares (e às vezes apenas coadjuvantes) pai, outros filhos e família de origem; (e) a rigidificação do processo interacional familiar é normatizadora do padrão de funcionamento psicótico, seja qual for a sua manifestação; (f) a homeostase familiar se fixa então no doente, traduzindo-se "numa torpe precipitação e no movimento tendente ao fracasso, à tensão e ao drama" (Benoit, 1994, p. 72), sinais definidores do mal-estar recorrente.

Palavras-chave: família, homeostase, psicose, simbiose, subjetividade


ABSTRACT

This article has as objective to do reflections on the inherent indisposition to the psychotic subjectivity, especially in its family manifestation, of the nuclear to the transgerational. Will be discussed the following ones presupposed: (a) the psychotic subjectivity is bounded to the sense that the family interaction attributes it; (b) the semiology of the psychotic speech can be more good understood inside of the family communicacional standard; (c) the psychotic contradictions (particularly its symptomatology) say about the family contradictions, in its more diffuse aspects (individual, married, parental, branch, fraternal); exist in these families "obstacles interposed by the members of the family to the growth of one of them", being the subjectivity of the psychotic mirror of this spectrum; (d) the symbiosis mother-psychotic son is dreaming up of the family net, from where they are complemental (and sometimes just helping) father, other children and origin family; (e) the rigidification of the family process says about the pattern of psychotic operation, be which goes to its manifestation; (f) the family homeostasis notices then in the sick, being translated "in a vile precipitation and in the movement to the failure, to the tension and the drama" (Benoit, 1994, p.72), definitive signs of the appealing indisposition.

Keywords: family, homeostasis, psychosis, symbiosis, subjectivity


 

 

1. Introdução

Tomando como base a definição, mesmo que dicionarizada, de que a subjetividade é relativa ao sujeito ou existente no sujeito, estarei falando neste trabalho sobre o sentido da experiência interior construída pelo sujeito psicótico e por suas relações. No caso particular, as relações consideradas serão as familiares, que, no meu entender, são definidoras, norteadoras e contenedoras da história subjetiva do indivíduo. Do ponto de vista psicológico, pressuponho que os fatores inconscientes e relacionamento são fatores inegáveis e inter-relacionados, inevitáveis. Desnecessário dizer da constituição inconsciente na subjetividade, vez que, creio, vários colegas o farão.

Assim, gostaria de apontar, mesmo que rapidamente, que o referencial sistêmico, enquanto precursor da teoria da complexidade, defende que tanto a ciência quanto a cultura são processos construtores de e construídos por processos sociais, conforme ressalta Dora Schnitman (1996, p. 11).1

E Dora Schnitman continua:

A ciência, os processos culturais e a subjetividade humana estão socialmente construídos, recursivamente interconectados: constituem um sistema aberto. Precisamente, destas interfaces, de suas contextualizações e conflitos surgem aquelas configurações científico-culturais complexas que conformam e caracterizam o espírito que atravessa uma época. Sem dúvida, essas configurações transversais são mutidimensionais; não são nem homogêneas nem estáticas, e sim apresentam polarizações antinômicas e densidade diversas.

Distinções tradicionais como as de sujeito-objeto, as barreiras disciplinares entre as ciências, a ciência e a filosofia, não só aludem a objetos que não podem ser estudados sem participação dos observadores/autores, como são construções sociais levadas a cabo por uma sociedade científico-cultural e, portanto, podem e devem ser interrogadas e eventualmente questionadas.

Família e psicose jamais perderam o status de complexo. Aliás, ainda não o adquiriram nas ciências e nas práticas profissionais, seja por falta de referencial aprofundado, seja por complicações (entenda-se, complexidades).

A dimensão familiar, entendida em todas as suas nuanças (nuclear, extensa, social, antropológica, econômica e política) é fundamental na compreensão da subjetividade humana, e, no nosso caso, do indivíduo tido como psicótico.

Mas não gostaria de adentrar mais neste que está sendo chamado "novo paradigma" de compreensão do indivíduo (traduza-se, de sua subjetividade), sem citar Freud.

No texto "O Mal-estar na civilização", Freud (1930, p. 105) contempla a família ao escrever: ... três fontes de que nosso sofrimento provém: o poder superior da natureza, a fragilidade de nossos próprios corpos e a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade. E continua:

Quanto à terceira fonte, a fonte social do sofrimento, nossa atitude é diferente. Não a admitimos de modo algum; não poderemos perceber por que os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não representam, ao contrário, proteção e benefício para cada um de nós. Contudo, quando consideramos o quanto fomos mal sucedidos exatamente neste campo de prevenção do sofrimento, surge em nós a suspeita de que também aqui é possível jazer, por trás deste fato, uma parcela da natureza inconquistável - dessa vez, uma parcela de nossa própria constituição psíquica (ibid., p. 105).

Aqui, portanto, focalizo o mal-estar e a conseqüente construção da (angustiante) subjetividade humana na família.

E, mais adiante, falando de estrutura (patológica), Freud escreve que descobriu-se que uma pessoa se torna neurótica porque não pode tolerar a frustração que a sociedade lhe impõe, a serviço de seus ideais culturais, inferindo-se disso que a abolição ou redução dessas exigências resultaria num retorno a possibilidades de felicidade (ibid., p. 106-107), acrescentando que além disso, no caso da possibilidade mais extrema de sofrimento, dispositivos mentais protetores e especiais são postos em funcionamento (ibid., p. 108-109).

Eis, para mim, o mote necessário para o entendimento da patologia, em particular da psicose. Situada no "mais extremo do sofrimento", a psicose demanda dispositivos mentais não apenas individuais (subjetivos, particulares), mas também relacionais (subjetivos, interacionais), em sua dimensão mais afetiva, se assim a podemos definir (e eu defendo que sim).

Freud afirma que a:

... incompatibilidade entre amor e civilização parece inevitável e sua razão não é imediatamente reconhecível. Expressa-se a princípio como um conflito entre a família e a comunidade maior a que o indivíduo pertence. Já percebemos que um dos principais esforços da civilização é reunir as pessoas em grandes unidades. Mas a família não abandona o indivíduo. Quanto mais estreitamente os membros de uma família se achem mutuamente ligados, com mais freqüência tendem a se apartarem dos outros e mais difícil lhes é ingressar no círculo mais amplo da cidade (ibid., p. 123-124).

Comentando brevemente, há que se dizer que, nesse trecho, Freud não só apontou a dimensão individual, como a familiar e, mais além, a comunitária. Mas me abstenho de ir mais além nesse texto original, por questões de concisão.

Assim, pretendo detalhar, no que me é disponível no momento, a construção da subjetividade do indivíduo tido como psicótico dentro do padrão interacional familiar.Em termos gerais diria que contemplo as definições de sujeito e subjetividade elaboradas por Ogden (1996, p. 23):

Embora nenhuma palavra possa conter em si a multiplicidade, ambigüidade e especificidade de sentido necessárias, o termo sujeito parece particularmente adequado para transmitir a concepção psicanalítica do 'eu' que experiencia, tanto num sentido fenomenológico quanto metapsicológico. O termo está etimologicamente ligado à palavra subjetividade e traz em si uma reflexividade semântica inerente, ou seja, denota simultaneamente sujeito e objeto, eu e isso, eu e mim. A palavra sujeito se refere tanto ao "eu" como quem fala, pensa, escreve, lê, percebe, etc., quanto ao objeto da subjetividade... Assim sendo, o sujeito nunca pode estar totalmente separado do objeto e, portanto, nunca pode estar inteiramente centrado nele mesmo.

Para efeito deste trabalho, considerarei, por outro lado, mal-estar como a indisposição psíquica (e até mesmo somática) decorrente da manifestação do processo de subjetivação e de suas particularidades/subjetividades.

Para tanto, vale marcar que considerarei, situados mal-estar e subjetividade, mesmo que circunstancialmente, a psicose como uma estrutura funcional, essencialmente afetiva, que se manifesta de diferentes formas (psiquiátricas): esquizofrenia, paranóia ou maníaco-depressiva.

Nesses termos, a família é essencial na construção dessa estrutura. Assim, família é aqui entendida como sendo "um sistema aberto, interatuante e interdependente que, através de sua homeostase, norteia a construção das subjetividades individual e relacional".

Vale esclarecer que estou trabalhando com a tese da subjetividade psicótica enquanto manifestação da constituição da estrutura de base, conforme defende Bergeret. Assim, o processo de subjetivação e a conseqüente subjetividade2 são análises possíveis que podem se aproximar do funcionamento psíquico real do indivíduo.

Quanto às formas clínicas de manifestação da psicose, assumo neste ensaio sua dimensão afetiva, funcional e relacional. Devo dizer que, apesar de também defender a subjetivação e subjetividade do indivíduo psicótico de causação orgânica, não generalizaria as teses aqui defendidas.

Por coerência teórica, creio ser importante afirmar que a angústia humana é a mola fundamental e propulsora da subjetivação/subjetividade do ser humano. O que situa esta discussão (angústia/subjetivação/subjetividade) da gestação à morte do sujeito! No que tange ao psicótico diria, mesmo que brevemente, que sua angústia revela, de sua falha pessoal ou familiar, subjetividade comprometida ou relacional rigidificado.

Isto posto, partamos para algumas proposições mais específicas desta temática.

 

2. Problematização

Considerando o dito anterior, eis as teses básicas aqui discutidas:

a) a subjetividade psicótica (leia-se a forma de funcionar pessoal e relacionalmente) é condicionada pelo sentido que a interação familiar lhe atribui.

Em outros termos: a estrutura psicótica, seja ao nível individual, seja relacional, tem sua subjetividade adstrita ao jogo (inconsciente e relacional) familiar. Assim, o paciente psicótico, enquanto "paciente identificado" ou "bode expiatório", tem sua manifestação psíquica ligada ao funcionamento das partes e ao todo da família.

Nesse sentido, Benoit (1994, p. 26) afirma que a evolução interna da família é um processo natural, mas ... os contravalores necessariamente devem aparecer. Os filhos, em geral, pela ação de zonas de oposição, com a ideologia familiar, que por sua vez é um compromisso entre as identidades pessoais e as ideologias das duas famílias parentais.

O mediador pode passar a ser então o portador de contravalores familiares; mas também, impregnado deles, pode se ver reduzido a vivê-los como conduta pessoal. Fica assim embocado para a exclusão, cuja forma mais corrente é a aberração mental, passagem para o mundo do não-sentido e da psiquiatria. À medida em que a angústia individual ou coletiva, as tensões relacionais e os sintomas aumentam, o círculo vicioso da exclusão se acirra. Faz-se acompanhar de uma separação objetivada pelo tratamento psiquiátrico, pela hospitalização, inclusive pela coação para a internação e por uma pseudo-rejeição relacional por parte da família.

Contudo, o mediador é excluído em virtude de alguns distúrbios comportamentais cujos contravalores são os mesmos da família ... dos avós (ibid., p. 27).

Nesse particular, Benoit se refere a uma das compreensões da teoria familiar (a transgeracional) que entende que as estruturas e "os destinos" dos membros familiares estão vinculados aos padrões das famílias anteriores, através de lealdades,delegações, méritos, legados, segredos, mitos e projeções. Murray Bowen (1989), precursor dessa escola, defende a transmissão multigeracional e, no caso da esquizofrenia, a depender dos processos de individuação individual e familiar (pode-se ler, aqui, das subjetivações), bastam três gerações para que se estruture ("A esquizofrenia como fenômeno multigeracional") (Berger, 1993, p. 113-134).

b) a semiologia do discurso psicótico pode ser mais bem compreendida dentro do padrão comunicacional familiar.

Desde a criação da teoria da comunicação (1956), que deu origem à teoria e à terapia familiar, temos que o duplo vínculo (Bateson)3 é um dos padrões característicos da comunicação familiar com esquizofrênicos. Assim, parafraseando Berger (op. cit.), mais além do duplo vínculo, entendo que o processo comunicacional (subjetivo) - e, mais que isso, a linguagem (subjetivação) - é definidor, norteador e veio principal da estruturação subjetiva do psicótico e de seu padrão interacional familiar.

Citando novamente Benoit (op. cit., p. 28), entendo que:

a semiologia habitual dos estados psicóticos adquire sentido novo quando se reconhece sua estrutura de comunicação paradoxal e suas conexões com os valores e os contravalores do mundo familiar. O delírio de um indivíduo, incompreensível quando isolado do seu contexto, revela sua natureza e provocação intrafamiliar no desconcerto e no isolamento.

Para mim, esta frase corrobora que as manifestações sintomáticas do psicótico (delírios, alucinações e sintomas adjacentes) são linguagens (e, ao nível pragmático, comunicações) de uma estruturação individual e relacional eivada de angústia. E, como tal, devem ser entendidas (decodificadas, contextualizadas) em especial dentro do sistema familiar. Muito da linguagem/comunicação familiar diz do processo de subjetivação e das subjetividades (recortes) dos membros deste grupo natural.

c) a contradição psicótica diz respeito à contradição familiar, em seus mais difusos aspectos (individual, conjugal, parental, filial, fraterno); assim, sua subjetividade é espelho deste espectro!

Aqui entendo que a estruturação/subjetivação psicótica é mensageira das mais diferentes contradições/subjetivações do processo familiar, isto é, dos indivíduos (avós, pais e filhos), do casal (conjugal), dos pais (parental) e dos irmãos (fraternal). A simbiose mãe-filho psicótica, a seguir sumarizada, pode ser manifesta (subjetivamente), p. ex., na parentalização.4 Desta feita, com Theodore Lidz (1960)5 , entendo que as disfunções individuais dos pais ("skewed")6 ou a cisão entre eles ("schism")7 são norteadoras de padrões familiares e, portanto, de processos de subjetivação, em particular, na psicose.

Assim entendida, a psicose, enquanto processo e sintoma8 , é expressão deste(s) padrão(ões) familiar(es) e seu espelho mais angustiado!

Estendendo alguns conceitos psicanalíticos ortodoxos à tríade familiar, Lidz criou a hipótese da transmissão da irracionalidade para explicar que o paciente esquizofrênico "escapa de um mundo intolerável no qual se sente impotente para enfrentar conflitos insolúveis, mediante o recurso de distorcer imaginativamente sua simbolização da realidade". Eis um esboço de tese da construção da subjetividade psicótica. Digo esboço porque, hoje, entendo que tantos outros elementos (inconscientes e relacionais) contribuirão para a complexidade desta estruturação individual e familiar.

d) a simbiose mãe-filho psicótico é engendradora da rede familiar, donde são complementares pai, outros filhos e sistema familiar anterior desconsiderado.

Desde os primeiros estudos psicanalíticos na área de família, com Frida Fromm-Recihman, por exemplo, que considerava a mãe "esquizofrenogênica", temos que a simbiose mãe-filho psicótico é fundamental. A despeito de sua veracidade particular, entendida como um recorte, esta simbiose é não apenas o centro das construções (individuais e familiares), mas, antes, "peça chave de um concerto.

E Benoit (op. cit., p. 42) novamente nos auxilia:

O vínculo entre mãe e filho freqüentemente adquire um caráter caricaturesco nas relações psicóticas prolongadas. Sua evolução pode ser catastrófica. A mãe, em muitos casos, não suporta nem a proximidade nem a distância. Pode-se observar, com freqüência, o exemplo desse tipo de relação passional, totalmente negativa, captativa e insuportável para ambos, mas de duração indefinida num clima de duplos vínculos.

Em termos teóricos e clínicos, ousaria dizer que tal relação particular, recortada, é um dos eixos nos quais se baseia o processo de subjetivação dos indivíduos envolvidos (mãe e filho, e, por conseqüência, os demais - pai, irmãos e, às vezes, avós), que não se esgota aí, mas enreda-se no "mapa relacional familiar", do nuclear ao transgeracional, sem esquecer Freud, citado na introdução deste trabalho, do familiar ao comunitário!

e) a rigidificação do processo interacional familiar é normatizadora do padrão de funcionamento psicótico, seja qual for a sua manifestação ...

Podemos afirmar, até mesmo concluindo, que a ridigidificação é a característica central do padrão interacional familiar, seja ao nível individual, seja ao relacional. Nesse sentido, a colusão9 , as coalizões10 , a parentalização, o divórcio emocional11 , as delegações, méritos, segredos e mitos, individuais e relacionais contribuem para o "mapa relacional familiar" psicotizante, portanto, normatizador, delimitador e determinante do funcionamento psicótico (leia-se da subjetivação e da subjetividade tida como psicótica) e o compõem.

 

3. Sobre uma possível conclusão

A despeito de uma possível conclusão, creio não ser mais possível desconsiderar, na complexidade evidente (e, às vezes, ainda não percebida/discutida) que a subjetivação/subjetividade psicótica, tal como "a possível normal", está norteada pelo padrão relacional familiar. Desconsiderar a família neste processo significa perder o sentido sistêmico, complexo e subjetivo da estruturação humana, psicótica ou não.

Reafirmando que as estruturas e "os destinos" dos membros familiares estão vinculados aos padrões das famílias, dos atuais aos anteriores, não podemos negar que o processo comunicacional (subjetivo) - e, mais que isso, a linguagem (subjetivação) - é definidor e veio principal da estruturação subjetiva do indivíduo humano, inclusive, sem exclusões, do psicótico.

Desta feita, volto a reafirmar que as manifestações sintomáticas do psicótico (delírios, alucinações e sintomas adjacentes) são linguagens (e, ao nível pragmático, comunicações) de uma estruturação individual e relacional eivada de angústia. E como tal, devem ser entendidas (decodificadas, contextualizadas) em especial dentro do sistema familiar. Muito da linguagem/comunicação familiar diz do processo de subjetivação e das subjetividades (recortes) dos membros deste grupo natural.

Assim, creio ficar clara a necessidade de reflexão crítica por parte dos profissionais de saúde, que lidam com esta realidade, quanto à formulação (subjetiva) que se faz da realidade da psicose. Muitos se dizem compreendedores e poucos, questionadores!

Não podemos esquecer, por um minuto que seja, que a estruturação/subjetivação psicótica é mensageira das mais diferentes contradições/subjetivações do processo familiar, do particular ao familiar.

A psicose, enquanto processo e sintoma, é expressão do(s) padrão(ões) familiar(es) e seu espelho mais angustiado!

A ridigidificação, enquanto característica central do padrão interacional familiar, revela o "mapa relacional familiar" psicotizante, determinante do funcionamento dos indivíduos que o compõem, do psicótico ao "possível normal".

Não poderia deixar de registrar que a postura (subjetiva) do tido como clínico influencia (e é influenciada) as subjetividades envolvidas na relação familiar. Assim sendo, se ele não contempla sua subjetividade no processo terapêutico com a família do psicótico, estará sujeito a repetir simplicidades estigmatizadoras e excludentes desta que julgo a mais alta manifestação da angústia humana: a psicose!

Buscar compreender a psicose em sua individualidade e em sua relação familiar, o que caracteriza diferentes processos de subjetivação e de subjetividades, significa contemplar a complexidade inerente ao sentir, sofrer e viver humano.

Que não tenhamos receio de nos incomodar com o mal-estar, com a subjetividade e a complexidade da relação familiar, necessariamente humana ...

 

Referências Bibliográfica

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Notas

1. As datas constantes das referências dizem respeito às datas constantes das publicações utilizadas, e não das teses originalmente publicadas.
2. Subjetivação x Subjetividade: concordando com Celes (1995, p. 13-16) de que o processo (a subjetivação) é mais importante de que o recorte pontual (subjetividade), adoto, no entanto, neste trabalho, mesmo correndo o risco de ser reducionista, a idéia de que a subjetividade por nós analisada é alguma expressão do processo.
3. In: Berger, 1993, p. 21-44.
4. Parentalização: diz sobre a assimilação (ou atribuição) do papel parental a um ou mais filhos de um sistema familiar e/ou a assunção desse papel por parte do filho. Implica um modo de inversão de papéis que está relacionado com uma perturbação das fronteiras geracionais (Costa, 1990).
5. In: Costa, op. cit.
6. Skewed (enviesado): padrão familiar organizado em torno de uma figura patológica dominante central (geralmente, a mãe), conhecida como desviante, o que permite o aparecimento de um genitor forte e outro fraco, permitindo-se que o forte domine o relacionamento.
7. Schism (dissidência): o relacionamento é pautado pela hostilidade crônica e afastamento mútuo, quer por um fracasso crônico em atingir uma complementariedade de propósitos ou reciprocidade de papéis, quer por um apego excessivo ao lar paterno anterior.
8. Dentro desta discussão, redefiniria o sintoma como a expressão estereotipada e reducionista da subjetividade comprometida, cortada e plena de angústia. Neste sentido, entendo o sintoma como a pragmática da subjetividade interditada, sendo, para fins clínicos, apenas a "porta de entrada" para o mundo interno (subjetivo) do paciente.
9. Colusão: jogo inconsciente dos parceiros (conjugais). Este termo foi criado pelo alemão Jürg Willi.
10. Coalizão: aliança relacional (emocional) de dois contra um terceiro.
11. Termo criado por Murray Bowen (1989) para expressar a "distância emocional extrema" entre os membros participantes.

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