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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148On-line version ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. vol.1 no.1 Fortaleza Sept. 2001

 

ARTIGOS

 

A AIDS na encruzilhada das subjetividades: reflexões em torno de uma pesquisa

 

 

Júlia S. N. F. Bucher Maluschke

Professora do Curso de Mestrado em Psicologia da UNIFOR, Psicóloga, Sexóloga, Doutora pela Universidade Católica de Louvain - Bélgica. E-mail: agathon@fortalnet.com.br

 

 


RESUMO

Nesta comunicação abordaremos o problema AIDS a partir de uma pesquisa do diagnóstico de pacientes vivendo com HIV, realizada em Brasília, e analisaremos os diferentes contextos com os quais o paciente tem que interagir.

Palavras-chave: AIDS, diagnóstico, família, saúde, subjetividade


ABSTRACT

In this article, we discuss the problem of AIDS based on research conduct in Brasília, dealing with the diagnosis of persons living with HIV, and discuss the different contexts in which the patient must interact.

Keywords: AIDS, diagnosis, family, health, subjectivity


 

 

Inicialmente, vejamos em que contexto a AIDS se configura.

 

Contexto da AIDS

Observam-se, hoje, duas tendências no que concerne aos investimentos com a AIDS. Um grupo de pessoas considera um absurdo o grande investimento econômico dirigido para uma enfermidade que, quantitativamente, não está classificada entre as doenças de maior incidência no mundo, mas que, também, mata, embora as estatísticas indiquem um considerável aumento em sua incidência. O outro grupo majoritário, por considerar a AIDS como o flagelo do século, percebe que todo o investimento possível deve ser feito para evitar um mal maior.

Esta observação nos faz refletir sobre a AIDS e suas implicações na vida do homem, da família e da sociedade, o que faz dela um enorme problema de saúde pública.

Podemos, de imediato, assinalar alguns elementos em nossa reflexão: a AIDS incomoda porque coloca em evidência nossas fragilidades nas questões vinculadas à sexualidade, à vida e à morte. Ela nos aponta para as deficiências nos campos da ética, da medicina, do social e do psicológico. Ela nos faz ver que os atos que levam à vida, como a união sexual e o nascimento, ou que salvam a vida, como a transfusão de sangue, podem se transformar em morte prematura (Sontag, 1989).

Do ponto de vista social, vimos surgir uma liberação sexual na qual se preconizava a valorização do prazer e das realizações dos desejos conquistados pelos diversos movimentos organizados na década de 70. Com a AIDS, essa conquista passou a ser percebida como um castigo aos olhos de uma importante parte da população, desencadeando processos de culpa, os quais nos levam ao seguinte trinômio: relação sexual x culpa x castigo.

Outro aspecto importante a se considerar é o da dimensão da temporalidade, que toma uma nova configuração. O diagnóstico de um HIV positivo soa como um atestado de óbito precoce: daí, muitas pessoas de alto risco, ainda hoje, evitam fazer o teste. Freqüentemente, está presente no imaginário do indivíduo que o resultado do teste pode trazer o seu atestado de óbito precoce. Ele associa isto ao despertar de um vírus presente em um corpo, que poderá, num determinado período de tempo, iniciar um processo de destruição de suas defesas. Então, para que saber? Para que se defrontar com essa verdade?

O viver e o morrer nunca estiveram tão confrontados como no caso da AIDS, e a dimensão do tempo passa a ser fundamental. As estatísticas, que passam a ser suportes psicológicos para muitos daqueles que estão coexistindo com o HIV - e a esperança de que já é possível conviver com o vírus mais de 15 anos - passam a ser o "leitmotiv" para não perder a capacidade de luta. Um outro aspecto relacionado com o tempo é o das faixas etárias das pessoas afetadas pelo vírus. A maior parte delas tem menos de 35 anos e, hoje, o número em crianças está aumentando. Nenhuma doença trouxe, de maneira tão drástica, o sentimento de que, no tempo para viver, está embutida a expectativa da morte. Esta enfermidade vem, também, apontar para a contradição do alto desenvolvimento tecnológico e as deficiências da medicina. Em plena era da pesquisa dos genomas e das clonagens, a AIDS surge como um desafio, neste final de século.

A sociedade como um todo vê-se confrontada com os estudos epidemiológicos baseados em progressões alarmantes e que servem como estratégias de "advocacy" para mobilizar as autoridades responsáveis pelos financiamentos de pesquisas, à procura de uma maneira que venha pôr termo a este flagelo, ou, ainda, para intensificar os esforços de prevenção, evitando uma catástrofe em larga escala (Grmek, 1990).

 

AIDS e subjetividade

Diante deste quadro é que consideramos a AIDS no cruzamento de subjetividades.

Hoje, as pessoas se encontram em fase de um desafio totalmente novo, que ultrapassa as categorias, as idéias e as soluções até agora conhecidas, fazendo com que percam as orientações tradicionais, ficando, cada vez mais, isoladas na sua própria subjetividade.

A destradicionalização da sociedade leva o indivíduo a uma maior autonomia; todavia, essa conquista, provocada pela perda das tradições, que serviam de orientações, provoca, por outro lado, um enorme peso no nível das decisões, na formação de nossos valores e nas nossas orientações. A subjetividade se apresenta, em cada um, em confrontação com essa realidade.

É nesse sentido que a AIDS envolve as subjetividades do paciente, dos membros da família, do médico e dos profissionais da área de saúde, dos amigos, dos colegas da escola e do trabalho. Portanto, é, nesse sentido, que podemos dizer que a subjetividade é profundamente relacional.

Todos nós sabemos que um dia vamos morrer, embora muitos são aqueles que se utilizam de mecanismos que os levam a evitar a idéia da própria morte. Essa negação da morte é variável, mas, em um certo momento, a idéia da morte é inexorável. Nesta perspectiva, o impacto da AIDS nas pessoas foi e tem sido muito forte, sobretudo na relação entre sexo-vida-tempo de viver e sexo-morte-tempo de morrer. Nesse contexto, trata-se de viver a morte antecipada.

Esse aspecto foi bastante evidenciado na pesquisa que realizamos em Brasília junto a portadores do HIV na qual foram analisados os sistemas intrapessoal e familiar e o de saúde (Bucher, 1996).

 

Sistema Intrapessoal

Questões da vida, da doença e da morte nos levam ao fato de que o sentimento de invulnerabilidade está estreitamente ligado à informação de estar com boa saúde. A saúde depende da subjetividade do sujeito que se sente em perfeita forma, até mesmo quando ele foi portador de uma doença que, durante um longo período de tempo, pôde ser assintomática. Ela depende, também, da sua adaptação ao meio. A idéia de nossa própria morte só aparece quando somos tocados por ela, assim como só se pensa na saúde quando estamos doentes, quando nosso equilíbrio está ameaçado.

A revelação do diagnóstico, vivenciada pelos sujeitos entrevistados em nossa pesquisa, apresentou reações de choque, medo, depressão, angústia, desespero, vergonha, culpa e idéias de suicídio. Para alguns, segundo suas próprias palavras, o diagnóstico soou como uma sentença de morte ou como castigo pela vida pregressa; para outros, um "tremendo sentimento de injustiça". Por que comigo, agora que tudo ia tão bem?

Outro aspecto marcante, nas entrevistas, foi o de que o diagnóstico de HIV positivo traz consigo não só o risco da doença e da morte, mas o perigo da exclusão, ainda presente em muitos meios. A perspectiva de uma degradação do corpo, a angústia de uma possível morte prematura, de abandono, a segregação e o isolamento relacional podem ser igualmente insuportáveis e, muitas vezes, são excluídos da mente, reinando o silêncio e a negação.

Estamos diante de uma desorganização mental e somática como conseqüência de uma dor que não se confessa, da qual não se pode falar. Trata-se do silêncio, do segredo do diagnóstico, que muitos se impõem.

Foi expresso, também, nas entrevistas, que, "com o tempo, a cabeça esfria e começa a procura dos meios de como sair do buraco".

A primeira questão, portanto, é a de falar ou não, acerca da verdade que se impõe.

As implicações no imaginário do portador do vírus, nesta tomada de decisão, estão presentes em vários níveis: se ele falar, isto pode se transformar em rejeição por ser adepto de práticas sexuais consideradas marginais na sociedade, que, como conseqüência, podem levá-lo a perder seu trabalho, que não lhe dá estabilidade ou ainda podem revelar segredos de sua vida sexual para a família, infligindo-lhe sofrimento. Estes são alguns dos exemplos encontrados.

É nesse contexto que o sujeito tem que desconstruir a sua forma de estar no mundo diante dos limites colocados à sua pulsão de vida e iniciar uma nova construção de uma existência, na qual se integra a pulsão da morte.

No estudo realizado, os entrevistadores expressaram de forma explícita o desejo de um projeto voltado para o presente. Como tornar a vida atual da melhor forma possível ou, ainda, em outros casos, um projeto voltado para o futuro, prevalecendo a esperança da descoberta de uma cura possível ou de um milagre? Constatou-se, porém, ausência de projeto entre vários sujeitos entrevistados. Para esse grupo, nada mudou. Trata-se de uma fatalidade, que pode ocorrer a qualquer um ou a alguns dentre eles. A ausência de projeto se traduz pela falta de conteúdo. É o vazio, a depressão instalada.

Podemos sintetizar, dizendo que, num total de 30 entrevistados, a metade dos sujeitos consegue ver com mais clareza seus desejos, estruturando-se em projetos. Todavia, a outra metade tem muitas dificuldades nesse nível.

Outro aspecto da subjetividade dos portadores do HIV diz respeito à própria percepção do grupo. O fato de o teste ser positivo, porém assintomático, leva a uma preocupação constante com o próprio corpo, procurando sempre indícios de manifestações de enfermidade, ou ainda, quando surgem as doenças oportunistas, se instala a dúvida: "valerá a pena mudar o estilo de vida ou é melhor viver o prazer até suas últimas conseqüências", em relação não só à vida sexual, mas à vida em geral?

Quando o nível intelectual do portador do vírus é elevado, ele conhece muito acerca das medidas preventivas de infecções e acompanha as notícias acerca dos avanços da ciência diante da AIDS. Percebe claramente a necessidade da melhoria da qualidade de vida e que as mudanças do estilo de vida que sempre o levaram para uma vida mais sóbria dificultam o surgimento de doenças oportunistas. Nesse contexto, muitas vezes, a organização da vida pessoal é seguida rigorosamente.

Porém não podemos deixar de considerar o sistema intrapessoal do sujeito ou sua forma subjetiva de articular o nível psicológico consciente (sua cognição, crenças, desejos, valores, afetos) e o nível somático (biológico, bioquímico, fisiológico). Não podemos deixar de observar a presença constante de um inconsciente pronto a aflorar, através das brechas que surgem nesses dois níveis para impor desejos não satisfeitos.

O imaginário do sujeito vê transformado o seu próprio sentimento do corpo e as fantasias são capazes de levar a alterar o seu funcionamento. Numa dor psíquica, pode estar a origem de doenças somáticas, muitas vezes não relacionadas com o vírus da AIDS, como nos indica Ruffiot (1989): os fantasmas que favorecem o universo dos sujeitos, neste contexto, são de um "corpo sem defesa", "sem um envelope externo que o proteja", "um corpo violado por um vírus", "um corpo exposto às doenças oportunistas", "um corpo agredido pelo AZT" e "um corpo separado do psíquico, que não o controla mais".

Estes são desafios que se apresentam: como o psíquico pode ajudar o corpo a se defender? Como inverter o processo desencadeado por uma pulsão de morte prevalente?

O sujeito se tornou prisioneiro de sua própria condição de sujeito, pois, ao integrar o desejo, o prazer e a vida, com o diagnóstico do HIV, ele é levado a rever essa trilogia, que, no seu imaginário, se transforma em desejo, prazer e morte.

Além desses enfrentamentos intrapessoais, vê-se ele diante de outros enfrentamentos. Os membros da família, muitas vezes, são os primeiros dentre eles.

 

Sistema Familiar

A família, como grupo social mais próximo do indivíduo, é a instituição que tem sofrido mais diretamente com o problema da AIDS em um de seus integrantes.

A vivência da sexualidade nem sempre segue a expectativa da família que projeta seus ideais de harmonia, de perfeição e de adequação com os valores vigentes entre seus membros.

Os estudos transgeracionais já nos apontaram para as transmissões de desejos não satisfeitos, em membros das novas gerações, através de delegações nem sempre possíveis de se realizar, de lealdades nas quais se desenvolve uma ética relacional familiar (Boszosmenyi-Nagy e Spark, 1973; Stirlin, 1978; Bucher, 1992).

A sobrecarga de expectativas em membros da família indica formas de subjetividades que de longe ultrapassam o nível da dimensão perceptível dos indivíduos ou dos membros de uma família atual. As famílias de origem estão presentes na subjetividade de cada ser humano, pois é no sistema familiar que o indivíduo inicia seu processo de identidade, de pertença e de individuação (Minuchin, 1979) que constituirão o núcleo do Eu de cada um.

A subjetividade do indivíduo nasce, portanto, no interior de outras subjetividades, cada uma com seu peso e sua medida, e vai tomando consistência ao longo de sua existência. Daí podermos dizer: a subjetividade é relacional, utilizando-se da comunicação e da linguagem como meios de expressão.

A posição do indivíduo, em face de um diagnóstico que traz um prognóstico sombrio, não raro, leva à questão do "como posso ser eu agora?". E são os próximos, geralmente membros da família, que se tornam aqueles com os quais pode contar, porém, em determinadas circunstâncias, são justamente esses que têm que ser preservados.

A família é regida por regras, ritos, tem suas crenças, seus valores, suas fronteiras demarcadas em vários níveis, desenvolve seus mitos, e seus membros estão no centro de uma estrutura e dinâmica, tendo como fundo de pano, suas subjetividades se articulando entre si, num contexto de conteúdos estruturados e ultrapassando os níveis pessoais para se constituir numa subjetividade familiar compartilhada.

É nesse contexto que o diagnóstico de um indivíduo com HIV positivo vai ter com que se defrontar, e tudo o que preexiste ao diagnóstico, em relação à vida familiar, passa a ser exacerbado.

Estudos têm indicado a questão dos silêncios, dos não ditos, dos segredos cujos determinantes encontram suas raízes nos mitos individuais ou familiares, entrando em coesão com os múltiplos determinantes sociais que circulam em volta da AIDS.

O modo de transmissão pelo esperma ou pelo sangue, ou da mãe ao filho, ou de um dos esposos bissexuais ou usuário de drogas injetáveis atinge o que há de mais idealizado em uma família.

Além de revelar a condição de mortal, o diagnóstico traz, em seu bojo, alguns não ditos ou algumas confissões: adultério, um modo de vida sexual até então camuflado ou ainda um comportamento de "drogatição" (viciado em drogas).

É assim que a revelação de segredos vem reforçar ou amplificar os mecanismos de comunicação preexistentes através de jogos de aliança e de coalizão.

Vemos que a (inter)subjetividade, pela imposição dos não ditos, do silêncio, do segredo, sofre uma ruptura nos processos de comunicação e nas formas de expressão da linguagem.

Nesse nível, outros pesquisadores (Hefez, 1996; Aubert, 1996) também observaram, em entrevista com portadores do vírus, que suas preocupações, em face da família, giram em torno do contar e não contar; do saber e do não saber - quem deve saber, se todos, se só alguém ou alguns.

Um dos resultados da pesquisa realizada em Brasília indica que, quando a família de origem é considerada apta a participar dessa nova realidade de vida, com freqüência, é eleito um de seus membros e geralmente é uma irmã, ou um primo que se torna detentor do saber, do segredo ou ainda pode ser designado como porta-voz junto aos demais membros da família.

A articulação na subjetividade do sujeito portador em face da intersubjetividade familiar é a relação: culpa - pecado / castigo / punição / algoz.

Passando num segundo momento para a necessidade de proteção, necessidade de reconciliação, através da transformação dos afetos, pela aproximação.

A irrupção brutal de um membro com HIV numa família pode reforçar, amplificar ou perturbar os mecanismos de comunicação preexistentes, através dos jogos de aliança e coalizão. A tensão entre direito ao segredo e à palavra cria muita dificuldade, num contexto que não permite transformação.

Vemos, no que concerne ao tópico interpsíquico proposto por André Corel (1996) as diferenciações entre o íntimo, o público e o privado.

O íntimo é o jardim secreto - lugar do direito ao segredo e à mentira; o público - é o espaço social onde os jogos e as regras estão para ser apreendidos na transparência e, entre o íntimo e o público está o privado - espaço da discrição, espaço transgeracional da vida familiar.

No caso da AIDS, vê-se que o espaço social está perturbado, há uma substituição da transparência e das regras estruturadas pela negação coletiva, pela mentira, pelo medo e a discriminação surge como conjuntura traumática externa, perturbando os espaços privados e íntimos e criando, aos nossos olhos, mecanismos de negação, em cadeia, de desfuncionamento defensivo em relação ao valor da sobrevivência e da salvaguarda narcísica.

As negações, os não-ditos, as mentiras se vinculam ao conteúdo e aos afetos, e à impossibilidade de fazer circular os afetos dolorosos ligados à AIDS.

A mentira é a contraverdade psíquica na medida em que cria uma barreira contra o reconhecimento da verdade de suas experiências emocionais.

A família, portanto, é o lugar onde se reatualizam as emoções, os afetos na interação de uns com os outros membros.

 

Sistema de saúde

Não raro, através do sistema de saúde, é que se inicia esse processo de aproximação com a família pelo menos ao nível interno, no portador do vírus.

Esse sistema em si mesmo inclui subjetividades dos médicos, enfermeiros, psicólogos e de todos aqueles envolvidos com o processo de diagnóstico, de tratamento ou de prevenção.

A história da medicina tem sofrido grandes transformações. Tradicionalmente, era essencialmente curativa, passando a se desenvolver paralelamente uma medicina preventiva. Com as descobertas genéticas, sobretudo, passou a ser predictiva visando a prever e prevenir as predisposições para doenças a partir de mapeamentos genéticos.

Apesar de todos esses avanços, ainda se está diante da questão do aprender e morrer, aprender e conviver com a antecipação da morte. A relação paciente-profissional de saúde é um espaço de intersubjetividades, fundamental nesse contexto, onde implicações de ordem ética são problematizadas.

O médico é aquele que, na maioria dos casos, anunciará o resultado do diagnóstico ao paciente; em alguns casos isso é feito com a participação do psicólogo, ou por ele mesmo. Aubert (op. cit.) observa que a solicitação de um teste por parte de alguém deve ser integrada numa comunicação, através da qual, é importante que sejam explicitados os motivos da prescrição do exame e avaliar, em colaboração com o cliente, a importância dos riscos que estão presentes. Esta orientação visa facilitar uma eventual má notícia a ser dada pelo médico.

O paciente, diante do diagnóstico, geralmente dado pelo médico, é confortado com a subjetividade dele e seu mundo privado vai-se ampliando, primeiro com o médico que sabe, depois com os enfermeiros, psicólogos, membros da família até passar para o nível público.

O papel dos membros no sistema de saúde é muito importante conforme nos atestam os resultados obtidos na pesquisa realizada em Brasília; verificamos que os pacientes atendidos no sistema de saúde sentiram empatia por parte dos enfermeiros com quem eles tinham contato, pois na percepção deles tinham mais tempo de responder suas questões.

Entretanto o medo de que a notícia vaze para outros além do círculo médico ainda é grande. Mas o medo é vinculado ao sentimento de uma possível rejeição. O paciente fica muito sensível e passa a observar cada gesto do médico, dos atendentes procurando ver um sinal de possível rejeição a sua pessoa enferma.

O depoimento de um médico acerca de seu contacto com um portador do vírus indicou seu mal-estar diante da mão estendida pelo paciente para cumprimentá-lo. E outro mal-estar ainda maior foi quando o outro, percebendo, retirou sua mão antes de concretizar o gesto de saudação.

Assim é que o paciente e o pessoal da saúde passavam a interagir, cada um com sua subjetividade própria e cada um aprendendo com o outro algo sobre os aspectos humanos inerentes à vivência desse problema.

Vemos circular ainda hoje questões ligadas à exclusão social dos sujeitos ou ainda de grupos de risco ou grupos vulneráveis, percebidos como tais pela população, mesmo sabendo que qualquer pessoa pode contrair o vírus.

O sistema de saúde composto por uma equipe de médicos, enfermeiras, atendentes, e funcionários forma um grupo com o qual o paciente HIV positivo vai interagir.

Finalizamos apontando duas idéias básicas:

Primeira: o que está em questão com a AIDS é o direito à vivência do desejo do sujeito em sua multiplicidade, e segunda: a necessidade de uma reconstrução das subjetividades individual e familiar dos profissionais de saúde e, no sentido mais amplo, de toda a sociedade.

 

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