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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148On-line version ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. vol.2 no.1 Fortaleza Mar. 2002

 

RESENHAS DE LIVROS

 

 

José Célio Freire

Professor Doutor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará

 

 

 

Virgínia Moreira
MÁS ALLÁ DE LA PERSONA. Hacia una Psicoterapia Fenomenológica Mundana.
Santiago do Chile, Ed. Universidad de Santiago, 2001, 336p.

Há um espírito louvável na versão brasileira, em especial nordestina, da Abordagem Centrada na Pessoa: o espírito da crítica e da autocrítica. Não se pode fazer ciência, no nosso entender, sem que se exercite a capacidade de compreendermos o que (e como) fazemos. Esse espírito sempre esteve presente no trabalho de Virgínia Moreira, em suas reflexões como psicoterapeuta, em seus estudos de pós-graduação e em sua vasta produção acadêmica. Dele resultou uma proposta singular de psicoterapia que, alimentando-se da filosofia de Merleau-Ponty, ensaia uma perspectiva fenomenológica mundana, a que aponta para além da pessoa, para a sociedade e para a cultura. Assim, para além da Abordagem Centrada na Pessoa, ousamos dizer, significa estar aquém das dicotomias sujeito-objeto, interno-externo, subjetivo-objetivo, individual-social, etc.

O livro de Virgínia Moreira constitui-se na síntese de uma trajetória iniciada no contato pessoal com Rogers, e com sua perspectiva humanista, passando pela crítica à noção de pessoa e pela busca de uma perspectiva realmente fenomenológica em psicologia, até chegar à proposição do modelo, este sim, fenomenológico, de psicopatologia, de psicoterapia e de supervisão clínica. Nesse sentido, sua obra constitui-se em resposta definitiva à idéia, falsa, mas facilmente proclamada, de que a psicologia humanista sofre do mal incurável da ausência de aprofundamento teórico-conceitual e metodológico. Devemos, portanto, estar abertos ao novo e ao diferente que emerge de "Más allá de la persona", para não nos reduzirmos aos textos clássicos, fundamentais mas suplementáveis, do humanismo, como ocorre também noutras abordagens psicológicas, sempre sob o risco de se tornarem feudos inexpugnáveis.

Psicologia arejada esta de Virgínia Moreira, que aceita o complexo conceito de carne e a filosofia da ambigüidade do grande mestre francês, para, com tais ferramentas, poder tocar mais de perto a dura realidade sóciohistórica de nossa gente, produzida em meio às conseqüências, muitas vezes, nefastas do avanço hegemônico neoliberal. É deixar que a idéia de "múltiplos contornos" esclareça-nos a constituição de nossa subjetividade, tomando desde os efeitos colaterais da mundialização até chegar ao concreto da formação do sintoma, agregada à miscigenação étnicocultural. Não é fácil, a nosso ver, estabelecer-se, na ponte entre o particular, o universal e o singular. Mas é o que Virgínia Moreira nos convida a fazer, ao longo do seu trabalho, ou seja, partir dos indivíduos, de suas falas e de suas queixas, de sua história individual, enfim, para, compreendendo-o e possibilitando a ele compreender-se, em sua pertinência ao mundo - social e cultural acima de tudo - chegar à singularidade de sua existência, de seu projeto de vida, de sua responsabilidade inarredável de ser.

Declinamos da tentação de inventariar as quatro grandes partes do livro, a saber, os limites da Abordagem Centrada na Pessoa, e a teoria e a prática clínica à luz desses limites; a noção de pessoa de Rogers a Merleau-Ponty; e, por último, os primeiros passos até uma psicologia fenomenológica mundana. Não nos cabe tirar do leitor o prazer de acompanhar as reflexões da autora e, por via de conseqüência, seu périplo acadêmico. Virgínia Moreira percorre variadas paisagens neste trajeto, indo das discussões propiciadas pelos fóruns nordestinos, nacionais e internacionais da Abordagem Centrada na Pessoa, às interlocuções com o vigor do pensamento marxiano, em seus estudos de Mestrado, e com a abertura da perspectiva merleau-pontiana, em seu Curso Doutoral. Mas isso não a afastou da influência da crítica séria e compromissada de Paulo Freire. Seu caminho se abre agora, embora perceptível apenas nas entrelinhas desta obra, para a psicopatologia crítica e cultural. O objetivo que norteia o trabalho incansável está sempre além, a obra está sempre por terminar. Embora este livro contemple boa parte da produção teórica de Virgínia Moreira, acreditamos que ela dará continuidade à publicação de suas pesquisas mais recentes, o que exige a compreensão deste caminho percorrido até então. Oxalá, tenhamos em breve a edição brasileira deste texto imprescindível para a compreensão dos avanços da abordagem humanista.

 

 

Resenha aceita em 08 de janeiro de 2002

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