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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148On-line version ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. vol.2 no.2 Fortaleza Sept. 2002

 

ARTIGOS

 

Mulher, poder e subjetividade

 

 

Maria Isolda Castelo Branco Bezerra de Menezes

Doutora em Psicologia Social pela PUC-SP. Professora dos Mestrados de Psicologia e Admistração da Universidade de Fortaleza. Consultora da Secretaria de Planejamento do Estado do Ceará. End: Rua Gilberto Studart, 1369. Apto. 1201. CEP: 60190-750. e-mail: isoldacb@tmcnet.com.br

 

 


RESUMO

A presente investigação procurou analisar a possível descaracterização subjetiva das mulheres executivas da Caixa Econômica de Fortaleza, na medida em que podem estar assumindo atitudes pouco femininas para corresponder à lógica do mercado que é organizada dentro de parâmetros masculinos. Procurou-se avaliar as relações de poder e solidariedade entre homens e mulheres, no espaço das organizações consideradas como de fundamental importância para o sucesso das empresas. Os eixos teóricos fundamentais foram a História das Mulheres, a partir da qual foi analisado seu processo de subjetivação, Mulher e Trabalho e suas implicações na dinâmica familiar e a questão do poder na perspectiva das relações de gênero. Metodologicamente, o estudo constituiu-se como um estudo de caso. Foram investigadas 20 executivas, com idade média de 40 anos, através de questionários e realização de entrevistas, cujos dados foram submetidos a uma análise qualitativa. As representações das executivas sobre as mulheres indicaram que essas sentem-se seguras como mulheres, consideram que há menos discriminação nas relações de trabalho, embora percebam que as manifestações do domínio masculino são hoje menos explícitas. Revelaram também que exercem o poder sem perda de sua singularidade e que o maior diferencial na atualidade é a competência.

Palavras-chave: mulher, poder, subjetividade


ABSTRACT

The present investigation tried to analyse, a possible subjective descharacterization, concerning on executive women who work at Caixa Economica of Fortaleza, provided that these women may be getting in a situation of being obliged to perform non-feminine attitudes, in order to keep a suitable behavior in relation to the marketting demands. All the process is organized in masculine parameters. We tried to estimate power and brotherhood relations among men and women, in institutions considered as of fundamental importance for being succeed in business. Fundamental and theorical axis considered elements searched in "Women History" for composing the subjectivation building. The whole study of case was based, in its methodology, on researches taken through questionaires and interviews, examined and submitted to a qualifying sort of analysis. Results indicated that women, nowadays, feel safe in their work relations, without any "bias"come from mens universe, although still exist some signs of discrimination. It was also revealed that the most significative differencial points, today, work on competence and performance excellence.

Keywords: woman, power, subjectivity


 

 

Introdução

Os estudos sobre a mulher e trabalho e as relações de gênero no Brasil têm sido objeto de pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento e ocupado lugar de destaque na produção teórica contemporânea. Entretanto, sobre mulheres em cargos de chefia é mais restrita.

Numa perspectiva histórica, é possível perceber que a mulher sempre esteve presente nas empresas, onde ocupava lugares inferiores, menos qualificados, sem acesso ao poder, uma vez que seus papéis de esposa e mãe eram os únicos legitimados pela sociedade.

Na contemporaneidade, este modelo de mulher tem sido bastante questionado. Não é mais possível identificar-se papéis diferenciados, nem barreiras intransponíveis entre homens e mulheres; a busca hoje é pela redefinição da identidade feminina nas empresas. No Brasil, só a partir da última década a mulher tem construído sua trajetória em direção aos altos escalões hierárquicos organizacionais. Sua relação com o poder em cargos de chefia ainda constitui um espaço em que ela não apresenta a segurança que já possui em outras diferentes áreas do mercado de trabalho. Um exemplo deste tipo de comportamento é seu desinteresse por cargos políticos e suas atitudes diante do sucesso profissional.

Em sua trajetória nas organizações, é possível perceber que inicialmente as mulheres ocupantes de cargos de chefia foram introjetanto características masculinas, adotando como estratégias de sobrevivência, no mercado competitivo, atitudes autoritárias, roupas de estilo masculino, num processo de descaracterização subjetiva bastante significativo.

A presente pesquisa procurou responder as seguintes questões: Por que, ao assumir o poder nos diversos cargos executivos, as mulheres estão sacrificando aspectos de sua subjetividade assumindo atitudes masculinas? Quais as razões explicativas para este tipo de comportamento?

Em relação ao objetivo fundamental da pesquisa, no que se refere às relações de gênero, houve um consenso entre as mulheres executivas no sentido de não se perceberem como inferiorizadas, nem estarem se descaracterizando subjetivamente, ao contrário, afirmam que há um ambiente de camaradagem e solidariedade na empresa. O diferencial não é a competição entre os sexos, mas a competência que não discrimina homens e mulheres, mas prioriza seu capital intelectual, permitindo-lhes agir em seu ambiente de trabalho de acordo com suas especificidades e singularidades.

 

História das mulheres e o processo de subjetivação feminina

A construção do conceito de subjetividade feminina, apesar de apresentar uma grande variedade de concepções, neste trabalho, será examinada a partir da perspectiva das relações de gênero, adotada por pesquisadores que têm procurado revelar a presença da mulher na História, construindo o que atualmente tem sido designado como "história das mulheres".

Inicialmente foi reconstruída por Duby e Perrot que procuraram dar maior visibilidade e analisar a ação das mulheres, ao longo do tempo. A ênfase dada à família, a afirmação da história das mentalidades, mais atenta ao quotidiano, ao privado, ao individual e às interrogações das próprias mulheres, questionando sua condição, são alguns dos fatores que deram origem ao interesse dos(as) pesquisadores(as) por esta área de estudo.

Em contraposição às determinadas representações dos historiadores que vêem as mulheres com características inerentes à sua condição, ou seja, com diferenças sexuais inalteráveis, usadas para justificar a discriminação, as historiadoras, utilizando as mais diferentes abordagens — pós-estruturalista, sócio-histórica e da Antropologia Cultural –, procuram apreender a noção de "cultura das mulheres" para além das fronteiras de classe e de raça. Assim, examinam também os fatos de suas vidas que se tornaram "misteriosos", vinculando-os ao poder das idéias, às forças que governam as transformações estruturais, bem como analisam as desigualdades de gênero dentro dos parâmetros da história social.

Com diferentes abordagens, epistemológicas e metodológicas, as historiadoras têm percorrido caminhos os mais diversos em busca da compreensão das desigualdades de gênero e da participação das mulheres ao longo da História.

Na perspectiva da "História das mulheres", estas são consideradas "como algo mais do que uma categoria biológica, elas existem socialmente e compreendem pessoas do sexo feminino, de diferentes idades, de diferentes situações familiares, pertencentes a diferentes classes sociais, nações e comunidades; suas vidas são modeladas por diferentes regras sociais e costumes, em um meio no qual se configuram crenças e opiniões decorrentes de estruturas de poder". (Tilly, 1994)

A partir de algumas idéias do debate estabelecido entre Scott (1994), Tilly (1994) e Varikas (1994), que será apresentado neste trabalho, é possível verificar as diferentes abordagens relativas à "história das mulheres" e às relações de gênero, o que contribui significativamente para a compreensão do processo de subjetivação das mulheres, ao longo dos anos.

Scott, advogando uma epistemologia e uma política feminista mais radicais, considera os pressupostos do pós-estruturalismo (Foucault e Derrida) como os mais adequados à história das mulheres, por tratar de questões epistemológicas afeitas às especificidades das relações de gênero, por relativizar o estatuto de todo saber, por vincular o saber ao poder e teorizar sobre eles operacionalizando a diferença que está centrada na significação, no poder e no ator. Considera "gênero tanto um elemento constitutivo das relações sociais, fundado sobre as diferenças percebidas entre os sexos, quanto uma maneira primária de significar relações de poder". (Scott in Tilly, p.48)

Nessa perpectiva, ela afirma que "a história não é mais a respeito do que aconteceu a homens e mulheres e como elas reagiram a isso, mas sim a respeito de como os significados subjetivos e coletivos de homens e mulheres, como categoria de identidade foram construídos. (Scott, 1994;19) Para a referida autora, tal concepção é profundamente política, na medida em que coloca o "conflito no centro de sua análise, aceitando que hierarquia e poder são inerentes aos processos lingüísticos" por ela analisados. (idem, p. 23).

Tilly reconhece a "experiência das mulheres" como fato histórico fundamental, a ser descoberto e descrito, possibilitando a identificação delas como sujeito da História. Essa nova forma de reconstituição da "história das mulheres" contra-argumenta com Scott, fazendo severas críticas à sua forma de usar a categoria da desconstrução como método universal, pois identifica um método que abre novas perspectivas para a nossa compreensão da produção cultural do passado, mas minimiza ou rejeita os métodos e as questões decisivas que transformaram profundamente a prática histórica e a história (Tilly, 1994, p. 50). Sua contribuição específica passa por advogar uma visão da "história das mulheres" que trata das grandes questões históricas e contribui para resolver problemas já inseridos na agenda da História.

Varikas, ao analisar a polêmica entre as historiadoras (Scott e Tilly), posiciona-se mais ao lado de Tilly, por se dizer céptica em relação ao potencial da categoria da desconstrução para elaborar uma visão não determinista da História, e, mais ainda, uma visão das mulheres como sujeitos da História. Considera que as objeções de Scott ultrapassam o âmbito da história das mulheres, pois não são específicas do projeto teórico da história social, mas ao conjunto dos campos conceituais das ciências humanas.

Referida autora percebe que é um falso dilema abordar o futuro da "história das mulheres" na perspectiva da polêmica referente à escolha entre história social e a categoria da descontrução. Reconhece que o potencial deste tipo de história e da problemática de gênero "reside menos nas suas possibilidades de encontrar uma 'pátria' que na sua possibilidade de se imiscuir sub-repticiamente nas mais intransponíveis fortalezas da História para desestabilizar suas certezas". (Varikas, 1994, p. 84)

A importância dessa discussão teórica revela a existência de várias abordagens concernentes à presença das mulheres, como sujeitos da História, amplia e enriquece o debate sobre relações de gênero, bem como explicita as desigualdades entre os sexos e as formas de dominação predominantes nos diversos momentos históricos.

 

História das mulheres no Brasil

Uma breve reflexão sobre a história das mulheres no Brasil favorece a compreensão de seu processo de subjetivação, revelando como tem sido sua presença e ação. Isso justifica-se também pela afinidade e conexão que as historiadoras brasileiras mantêm com as idéias das pesquisadoras, anteriormente mencionadas, pela especificidade da formação social brasileira e pelos questionamentos próprios apresentados pelas mulheres.

As reflexões de Hahner (1981) e Del Priore (1988) são muito oportunas para se avaliar como tem sido construída a história das mulheres no Brasil.

Hanner afirma que as mulheres precisam ser estudadas nos seus próprios termos, à luz das atividades que executam e das posições que ocupam em suas próprias sociedades. Justifica a importância de se adotar novos pressupostos na participação da mulher na História e "vê essa História como o estudo de sua experiência de vida, atividades, valores, funções, problemas comuns e percepções como mudaram no tempo entre diversos povos, em diferentes lugares, enquanto estudados de uma perspectiva feminina" (Hanner, 1981, p.16). Concentrando-se na "outra metade da humanidade", "esse tipo de registro histórico pode ajudar-nos a ver como a sociedade funciona, como o poder e os papéis são distribuídos, como operam os mecanismos de controle social, quais são as pré-condições para mudanças sociais, quais são as experiências individuais comuns e quais as diferentes baseadas no sexo, raça e classe. (Idem, p. 23).

A outra historiadora, Del Priore, considera que escrever uma história da mulher brasileira "significa abandonar as polarizações e deixar emergir a memória de tensões entre os papéis masculinos e femininos, vislumbrando além de seus conflitos e complementaridades o tecido mesmo da narrativa" (Del Priore, 1988, p.11). A autora, reconhecendo as contribuições dos avanços historiográficos, dos últimos dez anos, advoga que "a dialética, sempre utilizada, da dominação masculina versus opressão feminina, deve ser evitada por sua circularidade e substituída pela análise das mediações, no tempo e no espaço, através das quais qualquer dominação se exerce" (Idem, p. 13).

Além de compartilhar do movimento internacional de resgate da presença da mulher na História, referida autora julga de grande relevância o compromisso de fazer a história daquela outra metade que milenarmente permaneceu desconhecida. Admite, assim, que o avanço dos estudos sobre a mulher se deve, entre os outros fatores anteriormente já mencionados, à sua participação nas diferentes instâncias e diversas áreas do conhecimento. Concebe que a história das mulheres não é só delas, é também aquela da família, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura e das suas imagens frente à sociedade. Del Priore vê a história da mulher como sendo "uma história de complementaridades sexuais, onde se interpenetram práticas sociais, discursos e representações do universo feminino como uma trama, intriga e teia" (Idem, ibidem).

Em termos do poder, referida autora afirma que melhor que procurar investigar a possibilidade de as mulheres exercerem o poder é tentar "decodificar que poderes informais e estratégias elas detinham por trás da ficção do poder masculino, e como se articulavam a sua subordinação e resistência" (idem, ibidem), ou seja, qual o espaço que elas se apropriaram para exercer seus contrapoderes. Considera que não é tão relevante fazer a história das mulheres somente em termos da saga de heroínas ou de mártires, "mas sim de enfocar as mulheres através das tensões e das contradições que se estabeleceram em diferentes épocas, entre elas e seu tempo, entre elas e as sociedades nas quais estavam inseridas" (Del Priore, 1997, p.9).

Em resposta à indagação sobre para que serve a história das mulheres, responde: simplesmente para fazê-las existir, viver e ser.

Do ponto de vista da História das Mulheres no Brasil, talvez se possa afirmar que ela existe e que está sendo consolidada, o que é atestado pela produção feminina neste campo do conhecimento. Questões sobre trabalho, sexualidade, maternidade, violência doméstica, participação da mulher na ciência, na literatura, no magistério e na vida religiosa, têm sido motivo de inúmeros estudos e pesquisas, muitos dos quais integram atualmente o livro organizado por Del Priore sobre esse assunto.

 

Mulher e poder nas organizações

O estudo do poder possibilita a tentativa de compreensão de suas inúmeras cadeias, que se formam na sociedade, inclusive nas organizações e em todos os grupamentos humanos, por interesses econômicos, políticos ou sociais. Existem diversas formas de se interpretar o poder: o poder econômico, o poder político, o poder do conhecimento e o poder da comunicação, que são as formas mais visíveis de seu exercício.

Diante dessas inúmeras possibilidades de estudo sobre o poder e da vasta literatura sobre o assunto, optou-se por abordar autores cuja conceituação de poder se aproximasse mais das definições sobre relações de gênero.

Assim é que, na busca de um referencial específico para a presente pesquisa, foi possível encontrar em Foucault (1984), Perrot (1988), Laufer e Paradeise (1993) algumas considerações teóricas capazes de dar um suporte à reflexão sobre o papel do poder nas relações de gênero.

Para Foucault, o poder é uma prática social e como tal construída historicamente. O poder não é visto como objeto natural, uma coisa. Além de percebê-lo como uma prática constituída historicamente e viva no tecido social, portanto não natural no sentido que possa ser herdada, o poder tem o propósito de ativar micropoderes que estavam sob o jugo de saberes dominantes e libertá-los para que, na sua especificidade, dêem conta de microfacetas da realidade. O poder social constitui-se de relações desiguais, a partir das relações de força presentes no meio social. O poder, para ele, teria "uma essência e seria um atributo, que qualificaria os que o possuem (dominantes) distinguindo-os daqueles sobre os quais se exerce (dominado). Mas, o poder não tem essência, ele é operatório. Não é atributo, mas relação: a relação de poder é o conjunto das relações de forças, que passa tanto pelas forças dominadas quanto pelas dominantes, ambas constituindo singularidades" (Foucault in Deleuze 1991, p.37).

A análise do poder na perspectiva de Foucault é imprescindível para compreender as relações de desigualdades das mulheres em relação aos homens, uma vez que concebe "o poder como uma rede de relações sempre tensas. Não admite polaridade fixa, mas considera que homens e mulheres, através das mais diferentes práticas sociais, constituem relações em que há constantemente negociações, avanços, recuos, consentimentos, revoltas e alianças" (Foucault, in Louro, 1998, 39-40).

Foucault mostra o poder como algo vivo no próprio tecido do corpo social, podendo se denominar de poder o conjunto de relações presentes em toda parte, na espessura do corpo social. O poder disciplinar, assim denominado, é algo implícito nas organizações; a repressão se realiza através dos saberes constituídos e da inculcação ideológica. De acordo com esta abordagem, o poder social não é unificado nem centralizado; o poder é constituído de relações desiguais, constituídas de acordo com os campos de força existentes na sociedade.

Na concepção de Perrot (1988), "o poder é um termo polissêmico, tem no singular uma conotação política, relaciona-se com o Estado e é a expressão do masculino, porém, no plural, ele se estilhaça em fragmentos múltiplos equivalentes a influências difusas e periféricas, nas quais as mulheres têm sua grande parcela" (p. 167). Para a referida autora, as mulheres não têm o poder, mas "poderes" que se manifestam na vida pública e na vida privada; poderes femininos, como por exemplo, dar à luz e criar os filhos, cuidar da manutenção da casa e da alimentação das crianças.

Ao estabelecer uma comparação entre as mulheres do povo e as burguesas, Perrot afirma que a mulher popular é considerada rebelde. Habita particularmente o espaço público de modo informal, é vista como uma ameaça à ordem social, à ordem dos homens. Para ela, não existia uma fronteira definida entre o público e o privado, pelo fato de transitar entre os dois meios. Sua contribuição econômica é marginal, informal, porém nos momentos críticos de guerras e crises, seu trabalho assume o caráter formal tornando-se imprescindível sua parcela de participação.

No referente à mulher burguesa, essa assume uma posição não mais de guardiã de víveres, mas rainha do lar. A valorização feminina está diretamente vinculada à internalização de normas socialmente tradicionais, onde a fragilidade, submissão ao cônjuge, docilidade são características da nova ordem. Diferente da mulher do povo, a burguesa é, sem sombra de dúvidas, a mais prisioneira das mulheres, onde seus gestos, desejos são devidamente controlados. Colocada no patamar da santidade, essa mulher assume o poder de ser uma potência civilizatória, poder este que lhe confere a responsabilidade pelo destino humano. Isso porque se por um lado tem-se assistido um grande incremento da participação das mulheres na vida social e econômica no âmbito da esfera pública, o mesmo ainda não é igualmente correspondido pela sua participação institucional por mecanismos de comando e de funcionamento das esferas em que o poder político está estruturado.

Embora excluídas do espaço público, no que se refere às atividades econômicas, elas atuam no meio social, em movimentos de caridade e filantropia, o que, em absoluto, não equivale à autonomia, no sentido de não gerarem renda. Conforme Perrot, a ação das mulheres no século XIX era sobretudo ordenar o poder privado, familiar e materno traçando as grandes zonas do poder a partir da edificação e reprodução de uma moral doméstica.

Em relação à história das mulheres e ao poder, considera que, apesar de essa história ter se desenvolvido muito nos últimos 25 anos, restringiu-se inicialmente a descrever seus papéis privados e só posteriormente é que tem incorporado as conquistas relativas à consecução da cidadania social e política das mulheres.

Uma das questões que a autora coloca hoje para a História refere-se às razões que justificam as dificuldades e, muitas vezes, o desinteresse das mulheres em chegar aos "comandos da cidade tanto econômicos como políticos" (p.12) se sua participação é cada vez maior em todos os níveis do poder.

É notório que houve significativa evolução da questão da mulher em relação ao poder. Sua situação na busca da igualdade de oportunidades tem se modificado no decorrer da História. Ressalte-se ainda que, atualmente, as mulheres conquistaram mais espaços nos altos postos das organizações, assim como nos poderes Legislativo e Executivo.

Em sua ascensão profissional, as mulheres têm alcançado novos patamares de realização participando do Parlamento, do Judiciário, do poder local, onde têm sido eleitas como vereadoras, prefeitas, influenciando nas decisões nacionais através de discursos e ações relevantes e de grande significação para a nação brasileira. Entretanto, sua representação no poder político, apesar das iniciativas, do ponto de vista legal, ainda é pouco significativa.

No âmbito das organizações, a situação é semelhante. Numa perspectiva histórica, é possível perceber que a mulher sempre esteve presente nas empresas, onde ocupava lugares inferiores, menos qualificados, sem acesso ao poder, uma vez que seus papéis de esposa e mãe eram os únicos legitimados pela sociedade; não é mais possível identificar-se papéis diferenciados, nem barreiras intransponíveis entre homens e mulheres e os estudos atuais têm demonstrado mudanças significativas na área organizacional em termos da busca pela equidade social1.

Além de percebermos aproximação sobre a maneira de Foucault e Perrot conceberem o poder, verificamos afinidade também com os estudos e pesquisas realizadas por Laufer e Paradeise (1982, p.82), pesquisadoras francesas que tentaram abordar o estudo do trabalho e da carreira da mulher como um processo de construção de uma nova identidade profissional, considerando que "situar o trabalho e a carreira de executivas, no contexto de uma busca de identidade, mais do que uma busca de igualdade, é então abrir espaço para se falar da feminilidade, desta diferença que constitui o fato de ser mulher, em um mundo onde o essencial do poder é exercido pelos homens" (p. 198).

Esses resultados apontam na mesma direção de outras pesquisas, anteriormente realizadas, sobre as condições de participação da mulher, no mercado de trabalho. (Laufer e Paradeise, 1982), o que confirma uma nova atitude no desempenho de suas diferentes profissões, demonstrando que a maior preocupação das executivas atuais é com o desenvolvimento de sua singularidade e formação de sua nova identidade profissional.

 

Trabalho e mulher

Entre as inúmeras razões que justificam a participação das mulheres no mercado de trabalho, essa participação tem se constituído num desafio para os pesquisadores diante da complexidade do quadro econômico brasileiro. O momento histórico atual, com suas novas configurações, a partir sobretudo do processo de globalização, tem favorecido a necessidade de se colocar novas perguntas e novos questionamentos. Assim é que as desigualdades e diferenças nas relações de gênero, a crise econômica e suas conseqüências para permanência e exclusão da mulher do mercado de trabalho, a empregabilidade feminina, a identidade profissional, assim como a compatibilização entre a vida profissional e a maternidade são algumas das questões que vêm sendo atualmente polemizadas por aqueles que se dedicam ao estudo sobre Mulher e Trabalho.

Nas várias áreas de Estudos sobre as mulheres, a literatura sobre sua participação no mercado de trabalho tem se desenvolvido de uma forma bastante expressiva, em que não só a dinâmica e o perfil do mercado de trabalho têm sido definidos, assim como os estudos sobre os processos de trabalho e gênero têm procurado analisar aspectos mais recentes da situação do emprego no Brasil, como a reestruturação produtiva, a terceirização, o trabalho doméstico e o desemprego feminino.

A compreensão da participação das mulheres no mercado de trabalho exige a contextualização das transformações demográficas e da ordem econômico e tecnológica, social e cultural pelas quais o Brasil vem passando nas últimas décadas. Essas transformações, conforme Bruschini (2000) "têm lugar em um cenário mundial marcado pela globalização, por uma nova organização do trabalho e por uma reestruturação produtiva que vem provocando o desemprego e o surgimento de novas alternativas de trabalho" (p. 55).

Apesar das crises econômica, a participação das mulheres no mercado de trabalho permanece em ascensão, tanto no setor formal como no informal. Nas últimas décadas, as mulheres desempenharam um papel com maior relevância do que os homens no crescimento da população economicamente ativa. Assim é que a participação feminina no total dos ocupados aumentou entre 1989 e 2001, passando de 38,3% para 43,2%. Entre 2000 e 2001 houve crescimento da ocupação entre as mulheres 3,6% e relativa estabilidade entre os homens (0,4%) (SEADE 2002). No Ceará a participação das mulheres na PEA (população economicamente ativa) passou de 34,5%, em 1990, para 40,77%, em 1999, a do gênero masculino caiu de 65,5% para 59,3% no mesmo período (IPLANCE, 2001).

Esse aumento expressivo da participação feminina ocorreu, no entanto, conforme Borges e Guimarães (2000), num contexto marcado por profundas transformações no mercado de trabalho, o que tem se traduzido "numa crescente flexiibilização dos vínculos empregatícios e na ampliação dos contingentes de trabalhadores informais, bem como na elevação das taxas de desemprego no final da década" (p.137).

Na literatura sobre esta temática, no Brasil, foram inicialmente privilegiadas as abordagens macro-sociais e suas implicações sócio-econômicas e culturais. A partir das últimas décadas, os pesquisadores têm procurado investigar novos aspectos vinculados aos relacionamentos, à intimidade e à cotidianeidade.

O problema fundamental da mulher com o trabalho, em torno do qual existe um certo consenso entre os pesquisadores, é sua responsabilidade pela família, ou seja, ela tem sido considerada ao longo destes anos como a maior e, em muitos casos, a única – a chefe de família – a quem se atribui a socialização das crianças, o trabalho doméstico e desenvolvimento e amadurecimento afetivo do casal.

A participação da mulher na produção mercantil está estreitamente vinculada a seu papel na reprodução biológica e doméstica tradicional. Seu papel na família condiciona, em grande parte, sua atividade no mercado de trabalho; sua presença nas atividades profissionais sofre o refluxo proveniente de suas responsabilidades familiares. Assim, o ciclo familiar, estado civil e a presença de filhos, entre outros, são fatores que interferem na disponibilidade da mulher para esse mercado.

Entre as maiores dificuldades que enfrentam as mulheres no setor público, assume prioridade o relacionamento vida profissional/vida familiar, que é vivido em forma de conflito, assim expresso por Laufer e Paradeise (apud Chanlat, 1993, p. 227): "o novo modo de vida é ditado por um corte trabalho/vida familiar, e pela tentativa inevitavelmente fracassada de os conciliar. Não se trata de submeter-se a seu destino, nem de dominá-lo, mas de melhor organizá-lo ou menos mal".

Em relação a esse conflito entre profissão e dinâmica familiar, Wilkinson (in Hammonds, 2000) reforça algumas das questões mencionadas.

Num instigante e polêmico artigo, ela discute questões fundamentais do feminismo que dizem respeito ao novo mundo de negócios e à reestruturação dos papéis familiares, tais como o contínuo conflito entre trabalho social e vida familiar, a luta pela qualidade nos cuidados infantis e a preocupante desintegração familiar. Seus artigos sobre as alterações familiares, políticas e androgenia têm oferecido idéias ao governo britânico para o estabelecimento de políticas sociais. Afirma que homens e mulheres têm hoje mais em comum do que tinham nas gerações passadas e percebe que atualmente há maior convergência de valores e estilos de vida.

A subalternidade da mulher se evidencia tanto no predomínio de sua participação em empregos de baixa qualificação bem como nas diferenças salariais entre homens e mulheres que exercem uma mesma ocupação. As relações homem/mulher, atualmente, inauguram uma mutação radical nas mentalidades, principalmente no que diz respeito às representações tradicionais de gênero. Entretanto, apesar de as mulheres ocuparem cada vez mais espaços no mundo do trabalho, das artes, da política, elas são ainda, na maioria das vezes, responsáveis por uma dupla jornada de trabalho enfrentando permanentemente o conflito entre a profissão e a maternidade.

A relevância da questão das dificuldades que as mulheres têm demonstrado na conciliação de seus papéis de mãe e profissional pode ser examinada no estudo sobre a responsabilidade social das empresas que estão procurando promover ações afirmativas (Cf. nota 1), onde muitas delas – a DT Bad Kissing Techhische Vertrieds Gmbh (Alemanha) e a Societé Belin (França) e as Indústrias Zanussi (Itátia) têm adotado horários de trabalho personalizados e horários flexíveis com a finalidade de equilibrar a relação entre trabalho e família (Cappellin, 2000, p. 283).

A mulher hoje não se sente apenas vítima das condições sociais a que está submetida. Atualmente, passa por um momento de grandes transformações, reivindicando a sua participação ativa na definição e na provisão de suas necessidades, satisfações de seu desejos e inquietações junto ao seu parceiro, filhos e à comunidade. Tudo isso tende a provocar mudanças nas relações tradicionais nas relações de trabalho, dando mais efetividade, bem como procurando agir com transparência em seu papel de sujeito de sua própria história.

 

Aspectos Subjetivos das Mulheres Executivas

Representações sobre as mulheres

É possível, a partir dos depoimentos das entrevistadas, perceber que as representações sobre o significado de ser mulher na sociedade contemporânea oscilaram entre a situação de exploração, a que ainda estão submetidas e as mudanças nos padrões de comportamento das executivas atuais, em relação às suas congêneres das décadas passadas.

"Eu me sinto muito explorada como mulher, tanto dentro de casa como fora, porque a gente tem que ser melhor que os homens, tem que estar pronta na cama, na família e no lar. A cobrança é muito maior".

"Ser mulher é maravilhoso, porque a gente está conseguindo coisas que no passado as mulheres não tinham: lugares, posição, respeito, muito respeito com a família, com os parceiros, parentes e perante os filhos."

"A mulher hoje em dia é super bem aceita. Ela é vista como uma pessoa que vai à luta, que batalha. Tem o poder de entrar em competição com o homem, não existe mais aquela visão... É notável que a mulher tem a mesma capacidade deles."

O número de depoimentos sobre a mudança nos padrões de comportamento feminino foi bem maior, o que nos permite perceber e inferir que há uma tendência para atitudes de maior segurança e valorização em termos de auto-estima das executivas. Elas demonstraram que querem igualdade, mas uma igualdade que traga consigo a valorização de aspectos inerentes à condição feminina. As executivas atuais, ao invés de assumirem comportamentos estereotipados da personalidade masculina, própria no mundo do trabalho.

Descaracterização subjetiva das mulheres

As diferenças de atitudes de homens e mulheres executivas nas empresas, expressas nos depoimentos que se seguem, revelam diferenças significativas nos processos de subjetivação masculinos e femininos.

"A mulher não costuma fugir do problema, da dificuldade, ela vai à luta. Já o homem, eu vejo que ele foge. Eu acho que o homem não conversa muito sobre as coisas da vida, do transcendental, ele se preocupa muito com o material, com o poder dele, com a virilidade dele. Eu acho que a mulher ganha mais, quer resolver mais os problemas da humanidade, se solidariza mais com a dor dos outros, o que não é comum nos homens."

"A mulher tem uma forma de agir diferente do homem. Eu acho assim: não sendo uma mulher com muitas características masculinas, ela não vai agir da mesma forma que o homem. É como eu disse, a mulher é mais doce, mais solidária. Quando vai tratar de um problema ela vai mais como mãe, amiga... gosta mais de conversar do que o homem. A mulher tem um jeito próprio de chegar e de agir, por que ela tem que ser igual ao homem? Eu acho que é aí que está a diferença. Se ela tiver que trabalhar e agir da mesma forma que o homem ela vai se descaracterizar."

As representações masculinas, elaboradas pelas mulheres, fazem com que essas os considerem como tendo menor capacidade de comunicação, menos vontade de conversar sobre os aspectos ligados à sua subjetividade; suas preocupações são autocentradas, geralmente concernentes ao poder e ao sucesso profissional.

As mulheres, por sua vez, têm uma forma específica de se conduzir no trabalho, uma visão mais abrangente dos problemas e ao mesmo tempo apresentam características singulares no exercício do poder, o que contradiz os pressupostos da presente pesquisa.

O número de depoimentos sobre a mudança nos padrões de comportamento das mulheres foi bem mais expressivo, o que confirma a tendência para uma maior segurança e melhor auto-estima das mulheres.

Afetividade e subjetividade

Apesar de demonstrarem muito envolvimento e compromisso com o trabalho, as executivas revelaram uma acentuada preocupação com os aspectos afetivos, as relações amorosas; na sua compreensão, para se desenvolverem afetivamente necessitam de tempo. Esse é um dos aspectos que marcam a vida das gerentes devido às exigências das empresas em termos do cumprimento das metas, constante atualização, disponibilidade para os serviços, o que torna exíguo o tempo dedicado à família e a si mesma. Muitas delas, de várias formas, se perguntavam: "será que vale a pena tanto esforço profissional em detrimento de minha família e do meu marido?" Contudo, foi possível perceber também que elas não abrem mão do que conquistaram – satisfação profissional, poder, independência – mas reclamam sempre de um vazio existencial que identificam com sua área afetiva. Algumas sentem-se sozinhas, mesmo quando casadas; queixam-se da falta de solidariedade e cumplicidade dos companheiros; por serem muito exigentes com seus trabalhos e consigo mesmas solicitam dos parceiros o que muitas vezes elas mesmas não lhes podem oferecer: atenção, amor e carinho. Acreditam que uma das causas dos casamentos desfeitos deve-se à falta, ou pouca maturidade dos companheiros em relação a compreenderem as demandas dos cargos que ocupam.

Em relação às atitudes masculinas e femininas dentro da empresa, as informantes afirmaram que, embora as exigências sejam as mesmas para ambos os sexos, a impressão que têm é de que a escalada profissional para o homem executivo é muito mais tranqüila, tendo em vista as responsabilidades familiares maiores que as mulheres assumem. As representações que os colegas de trabalho têm a respeito delas podem ser vistas através das avaliações gerenciais feitas pela empresa, que em geral foram satisfatórias. Mais do que chefes, os homens vêm-nas como amigas e companheiras. As executivas não se sentem inferiores aos homens; algumas até acreditam que eles não apenas reconhecem o trabalho feminino, como também respeitam e aceitam sugestões.

Essas, de acordo com o universo estudado, estão utilizando estratégias diferentes usadas pelos homens, marcadas pelo autoritarismo; ao contrário, estão procurando investir na competência profissional e na responsabilidade pelos cargos assumidos, procurando adequar-se o melhor possível à cultura das organizações.

No que se refere ao fato de a mulher estar sacrificando sua subjetividade para assumir posturas masculinas, percebe-se que, diferente da visão predominante entre as mulheres, das décadas passadas, as executivas do final do milênio estão subjetivamente em busca de seu diferencial, ou seja, a diferença na igualdade. Não estão sentindo as mesmas dificuldades no exercício do poder que as executivas das décadas passadas. Além dessas características, a solidariedade, ao lidar com os grupos de trabalho, faz solidificar o espírito de equipe e os resultados para as organizações têm sido extremamente satisfatórios.

Mulher e discriminações de gênero

Apesar de se verificar uma grande mudança nas relações de gênero, entre as executivas da Caixa Econômica Federal, é possível constatar, a partir de alguns de seus depoimentos no tocante à inferioridade em relação aos homens, que houve um consenso bastante incisivo.

"Não, absolutamente não sinto isso; de jeito nenhum; em nenhum momento."

"Não é a questão da inferioridade do trabalho não, porque eu acredito muito em mim , eu sou mais eu. Eu tenho muita confiança no meu trabalho, mas eu acho porque ele não tem a pressão da casa."

Uma demonstração da situação das relações de gênero, na visão masculina dos executivos da Caixa Econômica Federal, pode ser analisada a partir do depoimento de um dos gerentes:

"Os homens preferem ter ao seu lado mulheres porque acham que a mulher é muito mais organizada, que a mulher tem qualidades dela, claro que os homens têm qualidades, mas há coisas que a mulher têm que são mais fortes."

Uma queixa permanente que permeou a maioria dos discursos das informantes, e que mostra uma profunda diferença entre homens e mulheres, é o trabalho doméstico:

"A gente não tem só a jornada de trabalho formal, a gente tem a jornada de trabalho de nossa casa. Então no momento é muito difícil conciliar isso. A gente tem de dar atenção aos filhos, ensinar dever, tem a questão do marido, do companheiro. É muito difícil a gente lidar com isso. Há muita angústia, às vezes a gente fica muito dividida."

Executivas como mães e profissionais

As executivas consideram-se divididas entre seus papéis de mãe e de profissional. Foram muito recorrentes os discursos que se referiram à interferência do papel da profissional no papel da mãe, pelo cansaço do expediente da empresa, pelas demandas dos filhos dificultando a contento sua conciliação quanto ao auxílio nas tarefas e pelo pedido de carinho e atenção, patente ou não. As entrevistadas sentem essa culpa muito grande porque acham que o que ganharam em independência perderam em participação familiar e agora estão à procura do equilíbrio neste setor de suas vidas. Outras encaram essa questão com mais tranqüilidade pelo fato de buscarem realmente aproveitar os momentos que têm de folga do trabalho para a família ou se justificam em não dar tanta atenção, por estarem compensando essa lacuna de outras formas, como proporcionando maiores possibilidades educacionais e melhoria no entretenimento.

Apesar de, durante muitas décadas, as mulheres terem se restringido ao âmbito do domínio privado e isso ter sido considerado elemento desqualificador e impeditivo de sua inserção no mercado de trabalho, atualmente, com as exigências provenientes da informatização e com o advento do trabalho flexível, o uso do trabalho doméstico feminino "passa a não ser mais um fator limitador para a mulher, mas sim um elemento qualificador, frente à possibilidade de ter adquirido socialmente habilidades para a realização do trabalho flexível". As novas exigências do trabalho vão ao encontro das qualificações adquiridas no espaço privado. As competências compatíveis com a vida doméstica são facilmente transferidas para as novas situações de trabalho.

Disponibilidade de tempo e exigências do cargo

O tempo dedicado ao trabalho é um aspecto que marca as gerentes, pela exigência no cumprimento de metas, na constante atualização, restando daí poucas horas para dedicação ao estudo e à família. Elas têm que se mostrar disponíveis ao serviço, pois, conforme as entrevistadas manifestaram em seus discursos, a competência se efetiva diante dos clientes internos e externos, pela dedicação e compromisso com o cargo.O resultado dessa dedicação é a conquista de sua credibilidade dentro da organização.

As exigências do mercado de trabalho, em termos do nível de conhecimentos, foram bastante mencionadas pelas chefes, em diversos momentos da realização das entrevistas, tendo em vista que seu grau de escolaridade é, em sua maioria, a graduação.

É notável a presença feminina em treinamentos oferecidos pela empresa, em especial os de chefia. Essa iniciativa em capacitar-se deve-se ao fato de que a ascensão profissional, no universo estudado, efetiva-se por meio de concursos internos, o que gera uma preocupação constante das mesmas em participar permanentemente de processos de reciclagem como forma de atualizar seus conhecimentos.

 

Considerações finais

Foi possível perceber, ao longo do trabalho, que as mulheres brasileiras têm uma história, na qual se apresentam não apenas como seres destinados à reprodução, mas como sujeitos, com uma historicidade relativa ao cotidiano, às relações entre sexo, à cidadania, à sua participação na área organizacional onde têm exercido liderança e ocupado os mais diversos níveis do poder.

A literatura sobre a história das mulheres no Brasil tem procurado avaliar suas vidas, tentando responder à indagação de Del Priore sobre qual foi, qual é, e qual poderá ser o lugar das mulheres na nossa sociedade. Essa avaliação procurou captar a diversidade de experiência e realizações das mulheres desde o período colonial aos nossos dias, tentando identificar a história de suas famílias, os comportamentos cotidianos, a história de seus corpos e amores, as violências sofridas, os sutis mecanismos de resistência e de reação para se desvencilhar das situações adversas, suas conquistas e suas derrotas.

O poder, na perspectiva analisada, foi visto como prática social historicamente construída, de natureza predominantemente relacional, constituído de relações desiguais, de acordo com os campos de força das sociedades.

As mulheres executivas se diferenciam dos homens no uso do poder, sobretudo por características de liderança onde predominam sua capacidade de comunicação, flexibilidade, criatividade e orientação para a ação.

Em termos da inserção das mulheres no mercado de trabalho, é possível verificar que sua participação é marcada por descontinuidades e mudanças. No mundo do trabalho constata-se não ter havido grandes mudanças, pois o setor de serviços concentra grande parte das mulheres trabalhadoras, por ser um segmento desprotegido e as atividades realizadas no âmbito do privado continuam consideradas como inatividades. As mudanças mais significativas estão sendo realizadas nas camadas médias de maior escolarização. Assim é que verifica-se que elevada porcentagem de mulheres estão tendo acesso às profissões de prestígio, são proprietárias de negócios no comércio e serviços e ocupam chefias nas organizações das instituições financeiras e bancárias.

A mulher executiva está se utilizando de estratégias inovadoras, como a solidariedade ao lidar com os times de trabalho, o que hoje se apresenta como fator imprescindível para o êxito das empresas. A essas qualidades, elas aliam outros valores, como a competência técnica e o compromisso com os objetivos da empresa e com o cargo desempenhado.

Com referência ao fato de a mulher estar sacrificando sua subjetividade, ao assumir posturas masculinas, a presente investigação percebeu que a executiva no final do milênio está em busca do seu diferencial, que se expressa numa forma mais solidária e participativa de exercer a liderança nas organizações.

Muito mais que condições de igualdade como forma de competir com os homens, a executiva quer uma igualdade que traga consigo a valoração de aspectos inerentes à mulher. Ao invés de estar se descaracterizando, enquanto sujeito feminino, para assumir comportamentos estereotipados da personalidade masculina, está atualmente em busca de uma nova identidade profissional procurando ultrapassar as cadeias da competição entre os sexos, afirmando sua singularidade, assumindo seus desejos e aspirações.

Os resultados da presente investigação podem não ser tão significativos das atitudes das mulheres executivas, na maioria das empresas de Fortaleza, mas possivelmente apresentam tendências nas relações de gênero, na área de gestão empresarial, o que pode motivar futuras pesquisas que poderão ser realizadas num campo de maior abrangência.

Para as entrevistadas, o futuro papel da mulher, que demarque sua presença no mundo, é contribuir para a transformação dos padrões de comportamento, principalmente públicos, referenciados pelos valores e parâmetros masculinos. Insere-se, nesse contexto, a efetiva apropriação de sua subjetividade, o que passa por estabelecer formas mais democráticas de exercício do poder e por uma maior aproximação das pessoas e dos gêneros.

Diante do exposto na análise dos dados, percebe-se que a investigação realizada com as executivas da Caixa Econômica Federal do Ceará trouxe resultados diferentes dos pressupostos formulados neste trabalho que postulavam uma possível descaracterização subjetiva das mulheres executivas no exercício do poder. O universo estudado permitiu a compreensão de que as executivas não estão reproduzindo cânones profissionais masculinos. Pelo contrário, ao invés de estarem incorporando esses atributos, como outrora foi feito pelas mulheres que ocupavam cargos de chefia, as atuais estão buscando adequar-se ao ambiente empresarial com suas características e especificidades femininas, para terem condições de transcender o espírito de acirrada competição, gerador das maiores desigualdades nas décadas passadas.

É válido ressaltar que as mulheres entrevistadas reclamaram de que o fato de as executivas se sacrificarem bastante para chegar a cargos tão elevados, de certa forma, prejudicou-as implicando em conseqüências para sua dinâmica familiar, levando-as a repensar seus valores em busca de conhecer melhor seus potenciais e limitações. As mulheres que hoje podem desfrutar de oportunidades de crescimento, autonomia financeira, ocupação definitiva do espaço público, em especial cargos que antes eram privilégio dos homens, agora estão passando por um momento de transição onde conceitos sobre profissionalismo feminino estão sendo questionados. Os caminhos que vislumbram agora são os da solidariedade, do reconhecimento profissional, do crescimento da individualidade que garantem relações mais gratificantes.

 

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Recebido em 05 de julho de 2002
Aceito em 22 de agosto de 2002
Revisado em 25 de agosto de 2002

 

 

Notas

1 Vale a pena ressaltar que esta temática tem sido objeto de estudo de pesquisadoras (Cappellin, 2000) que se apoiando em relatórios encaminhados às empresas pelos países signatários da União Européia, procuram mostrar diversas experiências internacionais de empresas que têm promovido ações afirmativas (assim são designadas aquelas que gratificam os princípios de igualdade de oportunidades) que visam predispor "condutas que" assegurem os princípios da igualdade de tratamento, remuneração, ascensão de carreira, promoção e formação entre homens e mulheres nos locais de trabalho." (p. 266.)

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