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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.6 n.1 Fortaleza mar. 2006

 

EDITORIAL

 

Ato e subjetividade

 

 

O sujeito é tomado nas malhas discursivas por um desejo de resposta. Respostas às demandas do Outro. Pelas possibilidades criadas ao exercer as dúvidas que o faz em produzir em função de um Amo que gera um discurso e que indica ao sujeito um lugar de sofrimento, dada sua insistência na condição subjetiva que lhe é inerente e que o leva a um ato de existir. Ato muitas vezes definido como um desesperado grito pelo Outro que, em função do discurso que exerce, pouco se faz consistente por sofrer de uma apatia pulsional. Ato, finalmente, que rompe com o discurso e que provoca no sujeito um corte com o que lhe resta de enganche com a palavra. Estamos tratando de Ato e subjetividade, autêntica referência ao mal-estar e à subjetividade que cada sujeito leva consigo e que tenta saídas para insistir em existir.

Abrimos este número com um artigo sobre as passagens ao ato em sujeitos adolescentes. Um trabalho que leva em conta o corpo, as "transações narcísicas", enfim, a atualização do desamparo que transita de um lugar da infância para uma posição de adulto. Caracteriza-se este trabalho como um texto que, a partir da adolescência, do narcisismo, do desamparo e do contexto cultural em que vive o adolescente, examina como o corpo é convocado a sustentar uma resposta que pode redundar em uma passagem ao ato.

Aprofundando a lógica de inconsistência do Outro, dentro da concepção de sustentação do lugar subjetivo que ocupa, apresentamos um trabalho em que a angústia aparece como um sinal do desejo do Outro. É essa inconsistência do Outro que provoca no sujeito uma ruptura com seu estatuto simbólico. Uma vez realizado este corte, o sujeito fica entregue ao que conhecemos como posição de objeto de gozo. Com isso o sujeito é tomado pela angústia. Este é um trabalho que avança sobretudo na referência da emergência da angústia mediante a inconsistência de um Outro que, não podendo fazer barreira, deixa ao sujeito a tarefa de haver-se com tudo que nela atravessa sobre si.

Assim, o trauma, como uma referência insubstituível no psiquismo, aparece, na contemporaneidade, através de novas facetas, novas nomeações, que hoje se conhece como transtorno do pânico e sua relação com a falência traumática do eu. Desfilam neste trabalho reflexões sobre as perdas e o desamparo. Perdas de ideal e desgoverno da cadência pulsional. A hipótese central do trabalho é de que o eu diante das novas exigências de um discurso da pós-modernidade perde a capacidade de rearticular a história do sujeito concernente à perda de idealização.

Ato e subjetividade estão diretamente relacionados com a manipulação da vida e sua realidade biológica. Esta concepção é trabalhada neste número através da obra ficcional de Aldous Huxley intitulada Admirável mundo novo, com o intuito de repensar a experiência humana para a psicanálise ao mesmo tempo considerando o avanço das tecnociências.

Abre-se, assim, um espaço para a discussão do indivíduo ideologicamente naturalizado e esteticamente artificializado, cujos efeitos críticos se deixam notar sobre o corpo e a concepção de carne que ele sustenta como um lócus privilegiado do gozo. As experiências limites realizadas em nome de uma estética contemporânea que deflagra um ato e, conseqüentemente, um fulcro na subjetividade, apontam a uma degradação do corpo que quase sempre é convocado a fazer-se presente em um ato subjetivo.

Nos caminhos da constituição do self da criança entra em cena o seu desenvolvimento afetivo a partir do espelho que ostenta o rosto materno como referência importante que oferece e disponibiliza a capacidade de trabalhar com a condição de estar só e de fomento a sua criatividade. Estas características são tomadas neste trabalho pelo viés de sinais indispensáveis para o amadurecimento afetivo do sujeito. A importância deste trabalho na discussão sobre Ato e subjetividade aparece na medida em que se trata de um referencial de grande valia na discussão do Outro e suas marcas de garantia e articulação subjetiva para a criança.

E o que falar da dimensão do ato e da subjetividade no contexto do social, das relações de trabalho, das incapacidades do corpo e seus efeitos subjetivos e, finalmente, do sofrimento presente nos atos tomados pelos festejos populares na modernidade?

Estas questões caracterizam o que chamamos de reflexões sobre o ato e a subjetividade a partir dos laços sociais interrompidos por alguma aparição sempre bem lograda da angústia e caracterizam o segundo bloco de artigos deste número.

O desemprego como um produto social das novas condições de desempregabilidade, como exclusão social, como condição em busca de um lazer social e como a vivência de uma morte simbólica, foi associado em uma pesquisa à condição que o sujeito ostenta ao se sentir inserido em uma periferia desqualificada e à violência e criminalidade, entre outros fatores.

Apresentamos um artigo enfocando a situação da pessoa deficiente, a deficiência adquirida na fase adulta produtiva e no transcorrer do tempo, a partir de análise excludente social e laborativa das pessoas portadoras de deficiência.

Um artigo que trata de uma pesquisa realizada em Barcelona - Espanha em torno de uma festa popular intitulada Fiesta Mayor de Grada, indica como foram estudadas as relações entre festa, celebração, sofrimento e modernidade. O eixo escolhido para esta análise foi o sofrimento que o fiel sente mediante o enfoque individualista e mercantilista que invade os festejos na atualidade.

Para apoiar todas estas discussões do ato e da subjetividade vinculadas ao contexto social, das relações de trabalho, das incapacidades do corpo e seus efeitos subjetivos, bem como a esfera das transformações dos ritos e festas a que hoje assistimos, fechamos a sessão de artigos com um trabalho teórico que privilegia a metapsicologia freudiana relacionada com os textos tidos como sociais da obra de Freud.

Assim, conceitos como identificação, pulsão de morte e sublimação, não foram diretamente vinculados aos chamados textos sociais de Freud, mas destacam os autores que Freud partiu de uma análise individual e rumou em direção ao social e, por isso, o conceito de pulsão de morte propicia um melhor entendimento sobre o mal-estar na civilização.

No espaço destinado às resenhas, trazemos uma referência precisa na história recente do sofrimento do povo brasileiro que, diante de tantos atos institucionais realizados na época do regime militar, feitos com a intenção de cercear os seus direitos, criou um instrumento inteligente e representativo do desejo de cada um que, se sentindo reprimido, via na charge, nas tirinhas, nos textos artísticos e nas entrevistas realizadas pelo Pasquim, uma forma de sustentação subjetiva para alimentar suas existências. Isto é, por fim, Ato e Subjetividade, pois diante da camisa-de-força da expressão autêntica do sujeito, de um povo, resta o pensamento guiado por um inconsciente. Este nunca é apreendido em sua essência, pois se estrutura entre metáforas e metonímias, gerando sonhos, sintomas, chistes, deslizes e, porque não dizer, atos falhos que se refletem no espaço do social, do trabalho, da política, enfim, em qualquer espaço em que o sujeito sustente uma posição.

 

Henrique Figueiredo Carneiro
Editor e Organizador
Psicanalista e Coordenador do Mestrado em Psicologia da UNIFOR

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