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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.6 n.1 Fortaleza mar. 2006

 

ARTIGOS

 

Vida revirada: deficiência adquirida na fase adulta produtiva*

 

 

Angela Maria TeixeiraI; Liliana GuimarãesII

IMestre em Psicologia Clinica pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. End.: R. Argentina 347- Jardim do Trevo. CEP: 13040-017 Campinas-SP. E-mail: angela.maria.teixeir@terra.com.br
IICoordenadora Laboratório de Saúde Mental da UNICAMP. End.: R. Fernão Lopes 544. Taguaral, Campinas -SP. E-mail: lguimaraes@mpc.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo enfoca a situação da pessoa deficiente, a deficiência adquirida na fase adulta produtiva e no transcorrer do tempo, a partir de análise excludente social e laborativa das pessoas portadoras da deficiência. São abordados as legislações, os decretos e leis que tratam das deficiências, enfocando-se os benefícios, a necessidade de habilitação, reabilitação e trabalho com as suas respectivas repercussões, bem como os mecanismos para a sua recuperação e da entidade corporal.

Palavras-chave: deficiência, saúde mental, trabalho


ABSTRACT

This article focuses the faulty person's perception on the deficiency acquired en the phase adult productive, in to elapse of the time since of one it analyzes with exclusion, social and the people's deficiency carriers with labor.
They are approached the legislation that are about the deficiencies analyzing the benefits habilitation, rehabilitation and work the repercussions of this last one are approached, as well as the mechanisms for recovery and corporal entity of the faulty

Keywords: deficiency, mental health, job


 

 

Introdução

Há passagens no Cristianismo, segundo as Leis relativas ao Sacerdote a deficiência tinha significado religioso. O Senhor disse a Moisés:

Nenhum dos teus descendentes, de geração em geração, se sofrer de alguma deformidade poderá oferecer pão do seu Deus. Porque quem tiver alguma deformidade não poderá ser admitido: um cego, um coxo, um aleijado de pé ou de mão. Homem algum de raça do sacerdote de Aarão, que tiver alguma deformidade, se apresentará para oferecer sacrifícios ao Senhor. Poderá comer o pão do seu Deus proveniente das ofertas santíssimas ou das ofertas santas, mas não se aproximará do véu ou do altar, pois sofre de alguma deformidade e não deve profanar os meus santuários (Levitico cap.2:21-23).

O povo pecador era comparado com o povo deficiente, e a deficiência entre os hebreus era tida como castigo dos pecados, o que demandava a exclusão destes dos seus entes queridos e de sua moradia. A sobrevivência só poderia ocorrer longe dos sadios, dos justos, dos retos e dos bons. O retorno à sua comunidade só ocorria através de milagres.

Apresentaram um paralítico deitado no catre e Jesus disse:

Filho, tenha confiança. Os seus pecados serão perdoados, levanta-te e anda, toma o teu catre e vai para tua casa. E ele levantando, foi para sua casa (Mateus 9:2,5,8-10).

Estudos sobre as deficiências físicas trazem registros do ano 384 a.C., quando eruditos como Aristóteles, Diógenes e Hipócrates buscavam interpretações para este desvio, porque, para muitos, estas diferenças físicas estavam relacionadas à ignorância, ao pecado, aos poderes naturais do bem sobre o mal. O deficiente era tratado como ser inferior. A lei das XII Tábuas, na Roma antiga, autorizava os patriarcas a matar seus filhos defeituosos, o mesmo ocorrendo em Esparta, onde os recém-nascidos, frágeis ou deficientes, eram lançados do alto do Taigeto (abismo de mais de 2400 metros de profundidade).

Os índios Masai matavam suas crianças deficientes e a tribo Azand as amava diferentemente dos outros filhos. Na África oriental, os Chagga usavam o seu povo excepcional para afastar o mal; no Sultão, os Jukun achavam que essas pessoas eram o espírito do mal e as abandonavam até à morte. Na Malásia, os Sem Ang consideravam as pessoas deficientes como sábias e elas tinham o encargo de resolução das disputas tribais (Buscaia,1999).

Na Idade Média, já sob a influência do Cristianismo, os senhores feudais amparavam os deficientes e os doentes, em casas de assistência, alternando a concepção de deficiência, ora como noções teológicas de possessão pelo demônio e muitas vezes queimando-os como bruxos, ora como desígnios divinos. Já no século XVIII, nos tempos da colonização do Brasil, acreditava-se também que a deficiência era uma advertência divina. Sentindo-se irado, Deus afligiria os corpos com mazelas na expectativa de que os filhos se redimissem dos pecados, salvando suas almas. Os pregadores, padres e alguns médicos dessa época enfocavam-na com remédio salutar para o desregramento do espírito. Nessa perspectiva, a deficiência, que era só percebida como uma doença incurável, só dissolvida pelos milagres, era um justo castigo pelas infrações, infidelidade ou regressões de algum membro da família (Foucault,1961).

A Revolução Francesa, até o século XIX, trouxe as idéias de capitalismo e de divisão social do trabalho, vindo à tona o modelo de caracterização da deficiência como questão médica e educacional, encaminhando os deficientes para viver em conventos, hospícios, chegando até ao ensino especial. Criou-se neste momento histórico o paradigma da institucionalização do indivíduo, mantido segregado e com vínculo permanente com a instituição. Vários inventos se forjaram com o intuito de propiciar meios de trabalho e locomoção aos portadores de deficiência: muletas, bengalas, cadeiras de rodas e a criação do código de Braile.

No século XX, as duas Grandes Guerras Mundiais impulsionaram o desenvolvimento da reabilitação científica, pela carência da mão-de-obra pós-guerra, como também pela necessidade de propiciar uma vida digna aos mutilados.

A Guerra do Vietnã, na década de 60, foi responsável por um crescente número de deficientes físicos, que, além do comprometimento, apresentavam problemas de readaptação social. Surgiram então os primeiros movimentos de defesa dos direitos das minorias, caracterizando-se o princípio da normalização. Emergiu um "modelo médico da deficiência"muito ligado á reabilitação , sendo que a deficiência era considerada "um problema" de pessoas, que deveria ser resolvido com tratamento e adaptação ao contexto social.Iniciou-se o movimento de inserção das pessoas portadoras de deficiência (Sassaki,1999).

Cria-se o conceito da integração: "as pessoas diferentes deveriam se assemelhar à maioria".

Em 1981, a Convenção 159 da OIT elabora uma normativa para preparar o deficiente físico para inclusão na saúde, no trabalho produtivo, no esporte, no lazer e na cultura.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 rompeu com o modelo assistencialista, até então operante, assegurando a igualdade de oportunidades baseada no princípio de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade, de forma a se assegurar a igualdade real. Reconheceu-se que a sociedade é caracterizada pela diversidade, pois é constituída de indivíduos diferentes entre si.

 

Conceituando deficiência

Enfocando os tratos diferenciados do deficiente ao longo da história a análise cientifica também corroborou para se atingir conceituações precisas.

Amiralian, Pinto, Ghirardi, Lithtig, Masini e Pasqualin (2000) afirmam a existência de algumas dificuldades da pesquisa quanto à precisão dos conceitos da deficiência, que acarretam problemas na aplicação e na utilização do conhecimento em diversos países, com variações relacionadas ao modelo médico e social.

Após a VI Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-6), em 1948, foram feitas referências às doenças que poderiam se tornar crônicas, exigindo outros cuidados diferenciados os da área medica.

Até a década de 70, a CID-8 considerava as deficiências como manifestações agudas, segundo o modelo médico. Em 1976, surgiu, na IX Assembléia da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma nova conceituação, a International Classification of impairments, desabilities and handcaps (ICDH), sendo sua tradução Classificação internacional de deficiências, incapacidades e desvantagens.

A ICIDH propunha uma classificação da conceituação de deficiência, segundo um referencial unificado para esta área, através da objetividade e abrangência, conforme conceituação abaixo:

Deficiência: É perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gera incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano (2004, similar ao Decreto no. 3048 Capítulo I, Artigo 3º do Regulamento da Previdência Social), que acresce a deficiência permanente - "aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade que se altere apesar dos novos tratamentos".

Incapacidade: Restrição, resultante de uma deficiência, da habilidade para desempenhar uma atividade considerada normal para o ser humano. Surge como uma conseqüência direta ou é resposta do indivíduo a uma deficiência psicológica, física, sensorial, ou outra. É a objetivação da deficiência. A incapacidade é a redução efetiva e acentuada das capacidades da integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meias ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Desvantagem: Prejuízo para o indivíduo, resultante de uma deficiência ou uma incapacidade que limita ou impede o desempenho de papéis de acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais.

O CID 10 (1993) reforça como oportuna a referência ao tema das relações entre sintomas critérios diagnósticos e o sistema adotado pela OMS para descrever comprometimento, incapacidade e prejuízo. Em grau menor, alguns tipos de incapacidade definidos no sistema OMS como "uma restrição ou falta (...). Incapacidade de desempenhar uma atividade da maneira correta ou dentro do limite, considerado normal para o ser humano", também tem sido convencionalmente considerado como sintomas psiquiátricos. Exemplos de incapacidade pessoal incluem as atividades diárias, costumeiras e usualmente necessárias, envolvidas em cuidado pessoal e sobrevivência relacionada à higiene e ao vestuário, à alimentação e à excreção. A interferência com estas atividades é, freqüentemente, uma conseqüência direta de comprometimento psicológico. Incapacidades pessoais podem, portanto, aparecer legitimamente entre diretrizes e critérios diagnósticos, particularmente para demência.

Em contraste, um prejuízo, "a desvantagem para o individuo que impede ou limita o desempenho de um papel que é normal (...) para aquele individuo" representa os efeitos de comprometimentos ou incapacidades em um contexto social amplo que pode ser fortemente influenciado pela cultura. Os prejuízos não devem, portanto, ser usados como componentes essenciais de um diagnóstico.

Os conceitos sobre a deficiência foram se ampliando, enfatizando a importância de repensar a terminologia, bem como se certificar de atitudes para melhor aceitação e compreensão.

De Kleijn, Vrankrifker, Seidl e Tscherner (1989) retomaram algumas definições de reabilitação como um processo que visa habilitar uma pessoa deficiente a alcançar um nível de funcionamento psicossocial mais favorável, através do fornecimento de ferramentas para modificar a sua própria vida. Já Stephens e Hétu (1991) apontaram aspectos que poderiam esclarecer o conceito de deficiência que seria subdividido em simples e complexo (sem e com influência de fatores cognitivos). Badley (1993) discutiu as definições e características dos conceitos, examinando suas diferenças, incluindo níveis de incapacidade e um inventário para avaliar a situação das pessoas.

Zola (1993) afirmou que o preconceito na denominação das pessoas cria um estigma e sugere como caminho para superá-lo a contextualização da relação do nosso corpo com as nossas deficiências. Por exemplo, os termos inválido ou deformado tenderiam a desacreditar a pessoa como um todo, pois há uma separação entre a pessoa e a deficiência. Outro exemplo, uma mulher usando cadeira de rodas seria melhor do que uma mulher confinada em uma cadeira de rodas, pois o poder da palavra de denominar as pessoas propicia a significação do estigma.

Reiser (1995) analisou as diferenças entre os modelos médico e o social de incapacidade. Afirmou que o modelo médico enfatiza a dependência, considerando a pessoa incapacitada como um problema, enquanto o modelo social atribui as desvantagens individuais e coletiva das pessoas com deficiência à discriminação institucional.

Hutchison (1996) afirmou que a incapacidade seria socialmente construída e imposta às pessoas com deficiência, através da doença ou dano, das perdas, das restrições, das desvantagens, da estrutura social. Ele enfatizou que o problema estaria na rotulação.

Após varias versões , em Maio de 2001, a Assembléia Mundial de Saúde aprovou a International Classification of Functioning Disability and Heath,denominada Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).

A atual classificação substitui o enfoque negativo da deficiência e da incapacidade, adotando uma perspectiva positiva, segundo a qual um indivíduo que apresenta alterações de função ou de estrutura pode desempenhar e participar ativamente da reconstrução da sua vida. A funcionalidade e a incapacidade das pessoas passaram a ser entendidas como determinadas pelo contexto ambiental onde vivem, e não como aspectos subseqüentes da doença.

Podemos vislumbrar uma mudança de paradigma nessa classificação que pode instrumentalizar a avaliação das condições de vida do portador, bem como a promoção de políticas de inclusão social (Farias & Buchalla, 2005).

Percebo que esse novo olhar sobre o deficiente parte de uma abordagem sistêmica,uma vez que incorpora os componentes de saúde nos níveis físicos, emocionais e sociais. Assim , a avaliação de uma pessoa com deficiência incorpora as dimensões biológica, individual e social.

Esses novos conceitos descritos na CIF introduzem novos modos de pensar e trabalhar com a deficiência e a incapacidade,que deixam de ser tidas como resultantes de doenças ou de novas condições de saúde. Passam a ser também determinantes pelo ambiente físico e social,assim como pelas diferentes percepções culturais e atitudinais em relação à deficiência ,pela disponibilidade de serviços ofertados e pela legislação.

 

Deficiência no Brasil

A Coordenação Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde, 2003), órgão do Ministério da Justiça, aponta taxa de 10% da população brasileira composta de portadores de deficiência, inclusos os deficientes físicos, auditivos, visuais, mentais e os de deficiência múltipla, porcentagem semelhante à apresentada pela Europa, que possui cerca de 38 milhões de pessoas . O censo 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) foi o primeiro a fazer uma investigação detalhada sobre a deficiência. Foi considerada deficiência pelo IBGE a caracterização do uso de aparelhos para surdez, próteses,muletas, cadeira de rodas e englobando todos os tipos de deficiência. Os resultados do censo mostraram um número maior de portadores de deficiência do que o esperado: 24,5 milhões de pessoas, o que representa 14,5% da população brasileira. O IBGE afirma que o conceito de deficiência utilizado, o de delimitação de atividades, seguiu as recomendações recentes da OMS (Organização Mundial da Saúde) e da ONU (Organização das Nações Unidas).

O Ministério da Previdência e Assistência Social demonstra, pelos dados estatísticos dos três últimos anos, que o Brasil teve 391.087 acidentados do trabalho, sendo que 14.999 tornaram-se incapacitados permanentes.

A Rede SARAH de hospitais (com unidades em Brasília, Salvador, São Luís, Fortaleza, Rio de Janeiro e Belo Horizonte), referência mundial na medicina do aparelho locomotor, realizou, em 2002,uma média diária de 5.671 atendimentos,totalizando neste ano 1.333.658 atendimentos a pacientes.Os hospitais da Rede, através dos dados coletados no período de 2000-2004, relatam que as vítimas de acidentes de trânsito caracterizam-se por serem, em sua maioria, jovens, homens e adultos jovens (71.7%), solteiros (54.0%), com escolaridade até o ensino fundamental, (49,3%) residente em área urbana (91.8%). Essa proporção na distribuição das vítimas de acidentes de trânsito por sexo é corroborada por estatísticas internacionais e nacionais. Os acidentes de trânsito investigados produziram predominantemente os neuro-traumas, que consubstanciam as lesões ortopédicas, lesões medulares e as lesões cerebrais, sendo as duas últimas responsáveis por 54,8% das internações registradas.As lesões medulares e lesões cerebrais são responsáveis por 63,2% das internações registradas.

As agressões por arma de fogo correspondem a 16,9% do total das internações no período acima citado. Os pacientes vítimas dessas agressões caracterizam-se por serem, em sua maioria, homens, adultos jovens (86,9%), com a escolaridade até o ensino fundamental (68,9%) e residentes em área urbana (87,3%).

As correlações das causas acima apontadas e distribuição etária dos pacientes estão estritamente correlacionadas à fase cooperativa e laborativa .

As causas externas (arma de fogo, acidente de carro e de trabalho) apontam o percentual significativo de jovens adultos e homens que se tornam dependentes, deficientes ou incapacitantes na fase de maior importância física/mental para o trabalho.

Paralelamente a estes dados, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (1999) aponta 7.3% de desemprego correlacionados a uma população atuante, física e emocionalmente preparada para inserção no mercado.

Com este panorama foi preciso legislar em prol dos deficientes na abertura de vagas no mundo do trabalho.

A Legislação preconiza que: "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (Constituição da Republica, Artigo 5).

"Proibição de qualquer discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência";

"A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de admissão" .

A legislação define que "todas as pessoas portadoras de deficiência deveriam ser inclusas no sistema educacional, bem como ter a sua inserção no trabalho" (Lei 7853 de 24/10/1986, art. 2).

Deficiência na fase adulta produtiva

Quando a deficiência ocorre na fase adulta produtiva, independente da contribuição à seguridade social, o trabalhador que adquiriu a deficiência deverá participar de um processo de habilitação e reabilitação e, conseqüentemente, a promoção de sua integração na vida comunitária.

A dependência ocorre não obrigatoriamente na totalidade, minimizando o estigma de que ser deficiente só se torna um problema. A incapacidade é resultante da deficiência, não sendo impeditiva para aprendizagem de outras habilidades que poderão ser reaprendidas para o desempenho das atividades da vida normal.

A deficiência adquirida na fase adulta é a perda da estrutura ou da função fisiológica, psicológica ou anatômica que gera a restrição para realizar atividades dentro da normalidade. A incapacidade existe em função da relação das pessoas portadoras de deficiência e o seu meio ambiente, o que gera a desigualdade de condições com os demais. A relação cultural tem presença marcante na caracterização da estigmatização, podendo tornar o deficiente igual ou diferente..

A pessoa que se torna deficiente nesta fase é e legislada pelas leis trabalhistas deve passar por um processo de reabilitação.

Quando da conclusão do processo de reabilitação social e profissional, a Previdência Social deverá certificá-lo das atividades que poderão ser exercidas, sem nenhum impedimento de execução de novas tarefas. O portador de deficiência é reeducado e readaptado para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive. Os aparelhamentos necessários como auxiliares da locomoção deverão ser fornecidos pela Previdência, cuja realidade e situação atual é desconcertante, devido às dificuldades de acesso à própria Previdência e ao desconhecimento da legislação, por parte do deficiente e, principalmente, dos familiares.

Quanto à habilitação da pessoa portadora de deficiência, compreende a capacitação para o exercício de uma função através das competências apresentadas pelo deficiente, pelas habilidades demonstradas e pela condição da execução dos trabalhos com o objetivo principal de resgate à independência

A Legislação também define que: "A empresa com cem (100) ou mais empregados está obrigada a preencher 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiências habilitadas na seguinte proporção":

I - Até 200 empregados: 2%

II - De 201 a 500: 3%

III - De 501 a 1000: 4%

IV - De 1001 em diante: 5% " (Presidência da Republica, 2004)

Tal legislação objetiva o acesso ao trabalho do deficiente no mercado e a sua incorporação no sistema de produção. É importante observar que as modalidades da inserção laboral da pessoa portadora de deficiência estão ligadas à colocação competitiva, à colocação seletiva e à promoção do trabalho por conta própria, não desconsiderando a necessidade de inclusão dos apoios especiais e facilitadores para o acesso do deficiente, de acordo com a Lei 10.098 de 19/12/2000, que estabelece normas e critérios básicos para a promoção da acessibilidade dos deficientes e dos que apresentam mobilidade reduzida.

A definição da quantidade de vagas e acessibilidade seriam os propulsores de inclusão no mercado operativo, se implementadas pelas organizações. Na realidade, esta discrepância ocorre no cotidiano. A revista EXAME, em edição especial (Exame, 2006), aponta quais as 100 melhores empresas para se trabalhar, cujos indicadores estão correlacionadas às diversas modalidades, inclusive o quantitativo de negros em cargos executivos, não mencionando a presença de deficientes no quadro dessas empresas.

 

A importância do trabalho

O trabalho é de grande importância na vida do ser humano, quando há o dispêndio de energia na execução de atividades de tarefas e, no sentido concreto, há uma referência da própria utilidade da pessoa humana. A relação entre o homem e o trabalho se dá desde o início da existência, reforçando que o processo de transformação gerada pela força orgânica do homem é capaz de transformá-lo em um elemento incluso na sociedade e gerador da sua própria vida.

O bem-estar psicológico envolvido no ambiente de trabalho é responsável pela harmonia interna. A influência do trabalho na vida do ser humano independente do seu corpo, decorre de fundamental favorabilidade na qualidade da vida profissional dos trabalhadores, mesmo com as deficiências adquiridas na fase produtiva.

Rodrigues (1991) aborda problemas comportamentais das empresas relacionados com as atuais necessidades do trabalhador, deficiente ou não, no novo contexto organizacional, enfatizando a qualidade de vida do trabalhador. O autor trata do desaparecimento dos empregos e o surgimento das novas formas de trabalho, sugerindo a criação pelo indivíduo do seu próprio emprego.

Castel (1998) traça a história da construção da sociedade salarial moderna fazendo uma referência aos pobres, vagabundos, miseráveis estrangeiros, desempregados e deficientes, vendo a questão social como implicadora da crise salarial, agindo cada vez mais em seu papel de exclusão do sujeito assalariado.Com enfoques diferenciados, as empresas, na atualidade, adotam modelos distintos, para trabalhar na gestão dos seus empregados.

A significância do trabalho nos seres racionais e o instinto de sobrevivência, que é uma disposição natural para se permanecer vivo, é um fator perceptivo no homem, com reforço ascendente na pessoa portadora de deficiência. Maslow (1970) afirma que as necessidades primárias, fisiológicas e de segurança são inerentes aos homens. Os homens despendem energia para suprir suas carências até que sintam novamente outras necessidades que vão além só do suprimento físico, há a satisfação do ego, da auto-estima, de realização profissional inerentes às necessidades secundárias, estima e auto-realização. Partindo destes pressupostos, pode-se entender o trabalho como um dispêndio físico e mental, necessário à manutenção da espécie humana e da continuidade da vida.

O sujeito pode realizar o seu trabalho através de empresas ou por conta própria, podendo ser uma mercadoria ou um serviço. Cattani, Liedke e Larangeira (1997, p. 275) afirmam que o sujeito é detentor da força de trabalho e ele poderá optar por vender, negociar seus serviços em um processo chamado de trabalho industrial a domicílio. Neste contexto, estabelece uma inter-relação da força de trabalho com a sociedade. Atualmente as organizações buscam a automatização de seu ambiente de tarefa, através de novas tecnologias que viabilizam um processo rápido e eficiente da produção do trabalho.

As utilizações dos recursos tecnológicas facilitam o processo de produção e a integração de idéias novas, desde que a organização, onde o trabalhador está inserido, capacite-o e lhe dê subsídios para o desempenho, independentemente da deficiência física demonstrada.

A força de trabalho esperada na atualidade é aquela que apresenta flexibilidade e versatilidade. O trabalhador tem que produzir com qualidade. Já não basta a força física, há também outras necessidades correlacionadas à atenção, facilidades de interação e competências.

O trabalho é essencial para o ser humano, possibilitando a concretização de seus sonhos e ideais, pois é por meio dele que há a construção e a criação dos bens necessários à sua sobrevivência. Cada indivíduo exerce uma atividade diferenciada de outro, como também adquire bens, e satisfação do ego, imprescindíveis à sua sobrevivência. Na inexistência de trabalho há interferências na vida particular, nas relações inter e intrapessoais. O não trabalho tira a identidade, ou seja, tudo que diz respeito à forma de viver.

 

Resgatando o trabalho

Sábios, filósofos e escritores situam o apogeu do indivíduo no meio de sua vida. Hipócrates identificava o apogeu do homem aos 56 anos. Aristóteles acreditava que a perfeição do corpo se completa aos 35 anos e da alma aos 50. Dante situava a velhice aos 55 anos. O início da idade adulta varia de pessoa para pessoa e a passagem bem-sucedida para esta fase depende da resolução satisfatória das crises vivenciadas. A idade adulta é o momento em que a pessoa alcança plena maturidade e o potencial para a satisfação pessoal está em seu pico. A pessoa é capaz de se adaptar às demandas. Esta fase é um período de grandes mudanças, às vezes dramáticas, como é o caso da deficiência adquirida exatamente nesta fase.

O primeiro enfrentamento do adulto com deficiência é distingui-la da doença. Não existe transitoriedade e sim permanência, o que elimina a fase de negação do corpo diferenciada. Todo o período de habilitação caracteriza-se pela construção do novo corpo. Mover-se, sentar-se, aprender a se vestir e cuidar do controle dos esfíncteres é o primeiro gerenciamento do corpo lesado. As atividades da vida diária (AVD's) são assimiladas vagarosamente até que o corpo se fortaleça. É preciso "viver para a saúde e não sobreviver da doença", transformando-se em agente da sua própria saúde.

Após esse período, com a habilitação atestada pelo INSS e, muitas vezes, por necessidades financeiras e psicológicas, o retorno ao trabalho deve ser estimulado, porque "a princípio, nenhum homem pode ser discriminado por ser diferente da média em sua forma física ou maneira própria de realizar uma atividade" .

O retorno ao trabalho por parte do deficiente, na realidade brasileira, levanta algumas interferências: a instituição não sabe como acolher o deficiente, não só pela inadequabilidade de acesso, mas pela não diferenciação entre deficiência e incapacidade. A relação de cuidados exacerbados ou o descuido exagerado camuflam a capacidade laborativa do empregado que retorna ao trabalho. As atividades de pequena significância lhe são transmitidas como uma obrigatoriedade de ocupar o tempo do deficiente, desconsiderando a competência que ele possa ter. Anteriormente, o processo de readaptação estava direcionado a tarefas artesanais ou operativas, com reforço nas atividades motoras em prol das cognitivas.

A alta prevalência de adultos que se tornam deficientes e que requerem aposentadoria por invalidez, muitas vezes, está relacionada ao medo do enfrentamento ao local do trabalho, da sociedade em geral, da discriminação ou da marginalização.

Em alguns casos, a necessidade psicológica de retornar ao trabalho impulsiona a reconstrução da vida onde a invalidez não invalida a sua sobrevivência. Em outros casos, a mudança de profissão vem como uma mola propulsora da própria existência.

A seguir, trecho de João Carlos Pecci (1980) que ilustra a dinamicidade da vida após a deficiência.

Eu me entusiasmo, porque acredito. Sonho jovens ilusões. Mas levo comigo a força crua dos realistas. Sinto-me eufórico, preocupado. Livre, responsável. Com as pernas fortes na cadeira de rodas. Nesta cidade tão agreste, a praça da República é um oásis calmo nas manhãs de Domingo. Eu na praça, expondo os meus quadros. Junto de mim, o Benhur: um garoto que mora em frente de casa, que se fez amigo. Meu pai nos levara. O carro cheio de telas e cavalete. Deixou-me na calçada, e antes de ir embora, parou um pouco. Olhou-me, ensaiou um aceno, mas não acenou. Disfarçou um sorriso e não sorriu tudo. Engoliu qualquer coisa que queria me dizer e não disse. E ficou olhando, olhando... Um filho que tentaria vender quadros em uma praça pública. Que desilusão a dele. Um filho economista! Vendendo quadros na praça. Um quase advogado, montado numa cadeira de rodas, junto a gente tão comum. Eu abdicara ao reinado que ele ansiara para mim. Mas eu não queria apenas vender quadros. Queria muito mais. Mostrar um trabalho criado por mim. Eu estava, provando que se pode começar tudo de novo.

 

Considerações finais

A deficiência na história dos tempos tem como atenuante a minimização da inferioridade demarcada pelos homens. Para que pudesse ter uma relação de horizontalidade, foi necessário distinguir direito de privilégio e não da discriminação. Aos poucos, a individualidade dentro da homogeneidade vai se diferenciando através da aceitação e da integração das pessoas consideradas deficientes, objeto de discursos e racionalizações. A exclusão patenteia a diferença.

As famílias começam a permitir que os filhos deficientes saiam dos recantos da casa, dos recônditos da vergonha, dos sentimentos de culpa, para a sociedade.

Para Castel (1998), "o que se esconde atrás da deficiência não é a erupção do patológico, mas o reino da desigualdade". Desigualdade que remete à deficiência de quem lida na luta pela vida, concebida como algum obstáculo no seu percurso. O reconhecimento da cidadania e da identidade do deficiente será o retorno à vida, possível somente através da operacionalização de leis e decretos governamentais que promovam a valorização da pessoa como ser integral e não divisionada por próteses, bengalas, cadeiras e aparelhos.

A liberdade individual é a expressiva significância para a saúde do homem, através da possibilidade do resgate da vida através do trabalho, do acesso e do gerenciamento da própria sobrevivência. Ver as pessoas como iguais é uma utopia quando se exprime o estigma da incapacidade da invalidez.Os dados estatísticos demonstram o quantitativo de jovens adultos produtivos que se tornaram deficientes.A liberdade de ir e vir, de se fazer e refazer-se independe da forma diferenciada do físico, mas da crença de que o respeito e a igualdade entre as pessoas tornarão a deficiência não restritiva ou impeditiva, mas simplesmente um modo diferenciado de fazer a vida.

 

Referências

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Recebido em 04 de janeiro de 2005
Aceito em 17 de janeiro de 2005
Revisado em 14 de novembro de 2005

 

 

* As autoras agradecem a colaboração da Professora Tania Maria José Aiello-Vaisberg

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