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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148On-line version ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. vol.7 no.1 Fortaleza Mar. 2007

 

ARTIGOS

 

Para uma semiologia psicanalítica das toxicomanias: adicções e paixões tóxicas no Freud pré-psicanalítico1

 

 

Victor Eduardo Silva Bento

Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade Paris 7. Diretor do Centro de Estudos das Toxicomanias da UFPR (10/1999 - 05/2005). Professor do Departamento de Psicometria do Instituto de Psicologia da UFRJ (desde 09/2005). End.: Rua Domingos Ferreira 180 / Cob. 02. Copacabana. Rio de Janeiro. CEP: 22050-010. E-mail: victorbento@oi.com.br

 

 


RESUMO

Trata-se de artigo teórico. Realizou-se uma semiologia psicanalítica das noções de toxicomania e de adicção ("sucht", em alemão) no Freud do período pré-psicanalítico (anterior à publicação da Interpretação dos Sonhos em 1900), para construir a noção de "paixão tóxica" a partir deste Freud. As obras examinadas e conclusões foram as seguintes: 1º- "Tratamento psíquico": Da toxicomania sem droga e da adicção à hipnose em Freud (1890/1991a e 1905/1972d), chegou-se à "paixão amorosa tóxica"; 2º- "Carta a Fliess de 11/01/1897": Da dipsomania e da paixão ao jogo em Freud (1950/1977a e 1950/1991b), chegou-se à base adictiva da sexualidade humana em geral e à noção de "paixão tóxica"; 3º- "Carta a Fliess de 22/12/1897": Da masturbação como protótipo das toxicomanias em Freud (1950/1977b e 1950/1991c), chegou-se ao narcisismo auto-erótico como função comum na base das paixões tóxicas e das sexualidades adictivas em geral e 4º- "A sexualidade na etiologia das neuroses": Da toxicomania e da masturbação como defesa contra a depressão em Freud (1898/1976a e 1898/1989), chegou-se à psicopatologia psicanalítica das paixões tóxicas e das adicções em geral associada à melancolia. Além disso, mesmo sem ser prioritário, procurou-se apresentar um inventário das contribuições de Freud na área das toxicomanias em sua obra como um todo. Assim, as passagens de Freud sobre as paixões "tóxicas" em geral, nas publicações do período psicanalítico (após 1900), foram também aqui destacadas, embora não tenham sido analisadas.

Palavras-chave: toxicomania, adicção, paixão tóxica, Freud, psicanálise.


ABSTRACT

This article developed a psychoanalytical semiology of toxicomania's and addiction's notions in pre-psychoanalytical Freud to compose the "toxic passion" notion from this Freudian period. The examined articles and conclusions were the following: 1st- "Psychical treatment": From the toxicomania without drug and the addiction to hypnosis in Freud (1890/1991a e 1905/1972d), we reached the "toxic passion in love"; 2nd- "Letter to Fliess - 11/01/1897": From dipsomania and game passion in Freud (1950/1977a e 1950/1991b), we reached the addicting basis human sexuality and the notion of "toxic passion"; 3rd- "Letter to Fliess - 22/12/1897": From the masturbation as toxicomania prototype in Freud (1950/1977b e 1950/1991c), we reached the auto-erotical narcissism as a common function in the basis of toxic passions and addicting sexualities; and 4th- "Sexuality in the aetiology of the neurosis": From the toxicomania and masturbation as defence against depression in Freud (1898/1976a e 1898/1989), we reached the psychoanalytical psychopathology of toxic passions and addictions associated to a melancholy.

Keywords: toxicomania, addiction, toxic passion, Freud, psychoanalysis.


 

 

1. Introdução

Como o título indica, o objetivo deste trabalho é realizar uma "Semiologia Psicanalítica" das toxicomanias e das adicções no Freud do período pré-psicanalítico para, em seguida, com base nesta semiologia, construir a noção de "paixão tóxica" a partir deste Freud. Alguns esclarecimentos caberiam a respeito desta proposta. São eles:

1º- Por "Semiologia Psicanalítica" designa-se aqui um método de pesquisa valorizando a revisão de literatura em psicanálise. Não é objetivo deste trabalho discuti-lo, já que em outras oportunidades foram discutidos os métodos da semiologia e da semiologia psicanalítica utilizados com fins de revisão de literatura - ver Bento (1996, p. 68-93; 2006b; 2007a; 2007b). Aqui caberia apenas esclarecer que, ao se indicar que será feita uma "Semiologia Psicanalítica", se quer afirmar a intenção de operar no presente estudo neste campo da revisão da literatura freudiana pré-psicanalítica, para dali extrair e analisar os sentidos das noções de "toxicomania", de "adicção" e de "paixão tóxica" neste Freud. Esta proposta semiológica tem forte inspiração na noção de semiologia da lingüística de Saussure (1916/1995a; 1916/1995b), definida pelo autor como a ciência que estuda os signos (como os conceitos, por exemplo) no seio da vida social (nos escritos clássicos, nos mitos etc).

2º- Caberia desde já esclarecer que Freud não propôs nenhuma teoria das toxicomanias, tampouco das "adicções", e muito menos das "paixões tóxicas". No entanto, podem-se encontrar neste autor algumas referências ao alcoolismo, às toxicomanias e, sobretudo, ao termo alemão "sucht", traduzido para o francês por "addiction", e para o português por "adicção", remetendo ao sentido de "dependência", em sentido amplo. A noção de "paixão tóxica", embora presente no pensamento freudiano, encontra-se implicitamente sugerida. Pretende-se neste trabalho retomar algumas passagens da obra de Freud em que se encontra a referência à "sucht" para indicar dependências diversas: seja ao álcool, às substâncias químicas, ao jogo, ou a outros "objetos", para, a partir dali, se pensar a hipótese principal desta pesquisa: a noção de "paixão tóxica", a qual se baseia numa comparação analógica entre as toxicomanias e as paixões, que serão aproximadas a partir de uma função psíquica inconsciente comum: o excesso de "narcisismo auto-erótico". Será, então, objetivo aqui contribuir para a construção da noção de "paixão tóxica", a partir dos escritos freudianos sobre as diversas dependências passionais referidas em geral pelo termo alemão "sucht".

3º- Ver-se-ão em uso neste trabalho as seguintes expressões: 3.1- "Paixão tóxica", que se referirá às dependências em geral: das substâncias químicas, do álcool, do jogo, do sexo, da "paixão amorosa" etc; 3.2- "Paixão amorosa tóxica", proposta enquanto tradução portuguesa da expressão francesa: passion amoureuse, acrescida do adjetivo "tóxica", e que remeterá à dependência específica existente no investimento afetivo de uma pessoa enamorada por outra, com obsessão, excesso e exclusividade.

4º- Vê-se acima, no título deste trabalho, uma delimitação do campo desta pesquisa ao "Freud pré-psicanalítico". Pretende-se com isto indicar que serão analisadas aqui as contribuições de Freud anteriormente a 1900. Como se sabe, é em geral reconhecido pelos comentadores da obra de Freud que A interpretação de sonhos (Freud, 1900/1972a e 1900/1972b) inaugura o período psicanalítico. Assim, falando mais precisamente, serão colocados em questão neste trabalho os legados de Freud sobre as toxicomanias, as adicções e as paixões tóxicas em geral nos seguintes escritos: "Tratamento psíquico (ou mental)" (Freud, (1890/1991a e 1905/1972d); "Carta a Fliess de 11 de janeiro de 1897" (Freud, 1950/1977a e 1950/1991b); "Carta a Fliess de 22 de dezembro de 1897" (Freud, 1950/1977b e 1950/1991c); e "A sexualidade na etiologia das neuroses" (Freud, 1898/1976a e 1898/1989)(2).

5º- Finalmente, vê-se, no título deste trabalho, a utilização das expressões: "toxicomania"; "adicção" e "paixão tóxica". Esta última noção será discutida e construída ao longo desta pesquisa. Contudo, as duas primeiras, e também a noção de "paixão" apenas, já existem na literatura corrente, e há muito tempo. Por esta razão, os sentidos etimológicos e semiológicos destes três termos - toxicomania (3), adicção (4) e paixão (5) -, antes de Freud, não serão examinados em profundidade no presente estudo.

Feitos os esclarecimentos iniciais introdutórios, pode-se passar a seguir à análise das contribuições do Freud pré-psicanalítico (anterior a 1900) à psicanálise das toxicomanias e das adicções, para, em seguida, construir a noção de "paixão tóxica" a partir deste Freud. Será objetivo aqui demonstrar no que se segue que, desde os primeiros escritos de Freud, no período pré-psicanalítico mesmo, já se pode extrair uma concepção de "toxicomania em sentido amplo", isto é, uma toxicomania com e sem droga, um sentido "tóxico" das paixões em geral, e uma referência indireta à noção da "paixão amorosa tóxica", mais precisamente, àquilo que talvez se possa compreender como sendo uma comparação entre a "paixão amorosa tóxica" e a "adicção à hipnose".

 

2. Tratamento psíquico (ou mental): da toxicomania sem droga e da adicção à hipnose em Freud (1890/1991a e 1905/1972d) à noção de "paixão amorosa tóxica"

Durante muito tempo, acreditou-se erradamente que "Tratamento psíquico (ou mental)" fosse uma obra de Freud publicada pela primeira vez em 1905. Nenhum esclarecimento a respeito deste erro é encontrado na tradução brasileira da obra, em sua primeira edição - ver Freud (1905/ 1972d). Pode-se, no entanto, encontrar na sua tradução francesa uma referência ao mesmo erro, quando seus tradutores esclarecem em nota de rodapé que a primeira publicação da mesma obra data de 1890, como se pode ver na citação que segue:

Psychische Behandlung (Seelenbehandlung). Este artigo é uma contribuição a uma obra médica de divulgação pública para o uso de famílias, Die Gesundheit: Ihre Erhaltung, ihre Störung, ihre Wiederherstellung (R. Kossmann e J. Weiss, edit., Stuttgart, Berlin e Leipzig, 1890, I, p.368-384). Freud a evoca no desvio (do assunto principal) de uma carta a Oskar Pfister, datada de 17 de Junho de 1910: 'O livro que eu coloquei nas mãos das crianças é uma obra popular-médica, Die Gesundheit, na qual eu além do devido fiz uma colaboração; completamente seca e árida.' Ele foi reeditado em 1937 - da parte de Freud (seu artigo), então - in Zur psychoanalytischen Pädagogik, XI, p.133-147.

Acreditou-se por muito tempo, baseando-se na terceira edição de Die Gesundheit, que não mencionava as precedentes (edições), que ele (o artigo de Freud) só aparecera publicado em 1905. É em relação a esta última data, no entanto surpreendente em vista do tema do artigo, que ele figura no volume V das Gesammelte Werke (p.289-315) e no volume VII da Standard Edition (p.281). O erro, apurado por Saul Rosenzweig, Washington University, Saint-Louis, foi retificado depois por James Strachey, no volume I da Standard Edition, assim como no volume XI da Studienausgabe (Fischer, 1975, p.13). (Freud, 1890/1991a, p. 1) - Tradução do autor deste artigo.

Logo, por se tratar de obra pela primeira vez publicada no período pré-psicanalítico, precisamente em 1890, e não em 1905, como consta erradamente na sua primeira edição brasileira, no volume 7 das obras completas de Freud, "Tratamento psíquico" será analisado neste trabalho.

Ao que parece, a grande contribuição de Freud no "Tratamento Psíquico" à psicanálise das toxicomanias e das adicções será uma referência indireta à noção de "paixão amorosa tóxica", mais precisamente, àquilo que talvez se possa compreender como sendo uma comparação entre a "adicção à hipnose" e a "paixão amorosa tóxica".

No que diz respeito particularmente à proposição desta suposta comparação, Freud parece seguir uma certa trajetória de raciocínio até culminar no que se pode subentender como sendo a noção de "paixão amorosa tóxica". Ele começará por comparar a relação entre o hipnotizador e o hipnotizado com "as relações amorosas caracterizadas por um total abandono de si" (Freud, 1890/1991a, p. 16-7) - Tradução do autor deste artigo:

Pode-se comentar, a propósito, que fora da hipnose e na vida real credulidade como a mostrada pelo paciente em relação ao hipnotizador só é mostrada por uma criança em relação a seus pais adorados, e que uma atitude de submissão semelhante de uma pessoa em relação à outra só tem um paralelo, embora completo - ou seja em certas relações de amor em que exista extrema devoção. Uma combinação de afeto exclusivo e obediência crédula é, em geral, uma das características do amor (Freud, 1905/1972d, p. 310).

Algumas observações sobre as citações acima poderiam ser feitas. São elas:

1º- Quando Freud evoca estas "relações amorosas caracterizadas por um total abandono de si", não estaria ele se referindo precisamente às "paixões amorosas"? Esta expressão, que foi traduzida do francês "passion amoureuse", é assim referida por Assoun (1992, p. 37):

O primeiro 'sinal clínico' da paixão amorosa é uma escolha de objeto exclusivo que se manifesta pela certeza de amar o outro que realiza uma sujeição sexual (sexual Hörigkeit, a se entender literalmente como uma pertença - ou como dependência, ou ainda como fato de pertencer ao outro) - Tradução do autor deste artigo.

Não se reencontra aqui em Assoun, nesta idéia de paixão amorosa como "sujeitar-se a um objeto sexual, que é investido com exclusividade, e suposto como sendo aquele de quem se pertence", a mesma especificidade destas relações amorosas referidas por Freud como "caracterizadas por um total abandono de si"? Ao empregar a expressão "clínica" para se referir à paixão amorosa, não estaria Assoun, na passagem citada, destacando o sentido patológico desta paixão? Quando Freud se põe a descrever a aparência destas mesmas "relações amorosas", não pareceria estar descrevendo a sintomatologia das paixões amorosas e, assim, igualmente destacando o mesmo sentido patológico destas paixões?

2º- Ao comparar acima a credulidade do gênero daquela que o hipnotizado faz prova em relação ao hipnotizador com aquela reencontrada na atitude da criança em relação aos seus amados pais, não estaria Freud se referindo aqui a um sentido específico da noção transferência: a repetição dos protótipos infantis na relação com o analista? Laplanche e Pontalis esclarecem este sentido quando escrevem:

TRANSFERÊNCIA (...)

Designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica.

Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada.

É à transferência no tratamento que os psicanalistas chamam a maior parte das vezes transferência, sem qualquer outro qualificativo.

A transferência é classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este (Laplanche e Pontalis, 1998, p. 514).

3º- Supondo serem afirmativas as respostas às questões levantadas acima nos itens 1º e 2º, reunindo-os e integrando-os, não se poderia agora afirmar que a preocupação fundamental de Freud, na passagem acima citada, era com a presença da paixão amorosa na relação transferencial do paciente hipnotizado com o analista hipnotizador? Green (1980), por exemplo, mostra como a preocupação de Freud com o aparecimento desta paixão na transferência é antiga, remontando mesmo aos tempos dos "Estudos sobre a histeria" publicados nos anos 1893-95. Ao que parece, esta preocupação de Freud era anterior mesmo aos "Estudos", pois já estava presente em 1890, no "Tratamento psíquico". Green escreverá a esse respeito:

Escolhendo mais preferencialmente as representações inconscientes do que os afetos, centrando a cura na análise predominante das representações (cf. o sonho), Freud pretendia manter a transferência fora da análise, porque com ela reaparecia a primazia do afeto sobre as representações. E, a partir do momento em que a transferência é inicialmente reconhecida como transferência amorosa - e isto desde os Estudos -, Freud não parou de desfazer a transferência - existe 'casamento com uma pessoa inferior', 'falsa ligação' ('Eu não sou aquele que voce acredita') porque com a transferência reaparece a paixão amorosa. Freud estava mais à vontade na análise da sexualidade infantil que pertencia a um passado recalcado e aos sonhos que substituíam a atualização do amor na situação psicanalítica (Green, 1980, p. 16) - Tradução do autor deste artigo.

4º- Como precisar melhor o sentido específico desta paixão amorosa transferencial em Freud, em relação aos sentidos etimológicos do termo "paixão"?

Sobre a etimologia de "paixão", sabe-se que o termo surge em sentido amplo com Aristóteles associado à idéia de "paixão como fato de se sofrer uma ação", no contexto genérico das formas ativas e passivas dos verbos. Aristóteles distinguia "agir" e "sofrer". "Sofrer" (paixão), ou sua forma passiva, indicava que o sujeito sofria passivamente uma ação.

Deste verbo "Sofrer", tradução portuguesa do francês "Patir" em sentido amplo, derivou o "Pathos" da Antiguidade grega, também em sentido amplo. "Pathos", no dicionário clássico de língua francesa do século XX de nome "Le Petit Robert", é um termo oriundo do grego antigo. Significa: sofrimento, paixão. "Patho", derivado de "Pathos", significa, segundo o mesmo dicionário: afecção, doença (Robert, 1992, p. 1376). Portanto, em Aristóteles, "Pathos" é sinônimo de "Paixão", ambos os termos, em sentido amplo, significando um sofrimento passivo, também em sentido amplo. Deste "Pathos-Paixão" genérico derivará um "Patho" específico, sinônimo de "Afecção", de "Doença", significando aqui um sofrimento igualmente específico.

Sendo assim, ao lado deste sentido amplo, encontra-se também em Aristóteles um sentido específico do termo "paixão". Neste caso, "paixão", em sentido amplo, como "fato de sofrer passivamente uma ação" se transforma em "fato de sofrer passivamente uma ação prejudicial, dolorosa". Aristóteles escreverá em "Metafísica" sobre esta "Paixão-Afecção":

[Os significados de afecção]

(1) Afecção significa, num primeiro sentido, uma qualidade segundo a qual algo pode se alterar: por exemplo, o branco e o preto, o doce e o amargo, o peso e a leveza e todas as outras qualidades deste tipo.

(2) Noutro sentido, afecção significa a atuação dessas alterações, isto é, as alterações que estão em ato.

(3) Ademais, dizem-se afecções especialmente as alterações e as mudanças danosas e, sobretudo, os danos que produzem dor.

(4) Enfim, chamam-se afecções as grandes calamidades e as grandes dores (Aristóteles, 2002, p. 247). - Ver passagem correspondente na edição francesa (Aristote, 1991, p. 208).

Não se poderia supor que este sentido específico de "paixão amorosa transferencial" em Freud parece corresponder ao sentido etimológico igualmente específico do termo "paixão" em Aristóteles: "paixão como fato de sofrer uma ação prejudicial, dolorosa", significando "afecção", "doença" (Aristote,1991, p. 208)?

5º- Conclusão: A partir dos comentários feitos nos itens anteriores, pode-se concluir que as passagens de Freud, acima em destaque, colocam em questão a dimensão patológica da "paixão amorosa transferencial". Uma tal paixão foi referida por Freud como aparecendo em duas relações distintas: na paixão amorosa propriamente dita e na relação transferencial do hipnotizado com o hipnotizador, reproduzindo a relação da criança com seus amados pais. Ao aparecer, a paixão amorosa produziria um mesmo quadro clínico marcado pela seguinte aparência sintomatológica, nas palavras de Freud (1890/1991a, p. 16-17): "submissão", "vínculo de exclusividade", "obediência crédula" em relação ao objeto. No entanto, ao evocar a reprodução da relação da criança com seus pais na paixão amorosa transferencial, Freud se restringe à descrição do fenômeno clínico, dos sintomas, não identificando o que exatamente se reproduzindo no plano funcional inconsciente promoveria uma mesma sintomatologia. Ficam, então, as questões: Que função psíquica inconsciente permitiria aproximar estes três vínculos passionais? De onde vem, qual é o protótipo infantil na origem psíquica inconsciente da paixão amorosa?

Mais adiante, nesta obra, Freud (1890/1991a, p. 19) adverte dos perigos da hipnose, a saber, o "hábito em relação à hipnose" e a "dependência em relação ao médico hipnotizador" - Tradução do autor deste artigo:

[...] Apenas um ponto deve ser observado: se as circunstâncias exigirem o uso persistente do hipnotismo, o paciente adquire o hábito da hipnose e da dependência em relação ao médico, o que não está entre as finalidades do processo terapêutico (Freud, 1905/1972d, p. 312).

Alguns comentários sobre estas passagens poderiam ser feitos. São eles:

1º- Sobre as noções de toxicomania com e sem droga em Freud:

Freud se utiliza de uma terminologia própria para se referir às toxicomanias propriamente ditas, isto é, às toxicomanias das substâncias químicas, ou das drogas: "accoutumance", traduzido para português como "hábito"; e "dépendance", que corresponde a "dependência" na tradução do termo para o português (Freud, 1890/1991a, p. 19 e 1905/1972d, p. 312). A expressão "Accoutumance" é assim definida no Grand Dictionnaire de la Psychologie:

hábito (...)

Estado resultante do consumo repetido de uma droga, e provocante do desejo de repeti-lo (...).

De maneira mais geral, o hábito representa apenas um dos aspectos da farmacodependência ou das toxicomanias: a adaptação ou habituação do sujeito exposto a tomada regular de uma substância psicotrópica. Ele implica num grau indubitável de dependência psicológica, e é por certos autores (por exemplo, A. Porot) sinônimo do fenômeno de tolerância fisiológica: a adaptação do organismo a uma substância implica, então, um aumento das doses para obter um efeito idêntico. A tolerância é uma das chaves da dependência física (Valleur, 1991a, p. 5) - Tradução do autor deste artigo.

Portanto, ao se utilizar acima dos termos "hábito" e "dependência", Freud se refere à toxicomania propriamente dita das substâncias químicas. Contudo, além disso, parece que ele lhe dá também um sentido mais geral e metafórico. Mais precisamente, ao importar os termos "hábito" e "dependência", especificamente utilizados para se referir à substância química, para o campo das relações humanas, associando-os, então, respectivamente, à hipnose e ao médico hipnotizador, Freud estará utilizando-os num sentido mais amplo e, assim, propondo uma noção de "toxicomania sem substância química", uma "toxicomania sem droga". Freud (1905/1972d, p. 312) escreve efetivamente: "hábito da hipnose e da dependência em relação ao médico".

2º- Sobre a noção de "paixão amorosa tóxica" em Freud:

Se aceita como verdadeira a conclusão sobre a primeira passagem de Freud (1890/1991a, p. 16-17) citada acima, e se se entende que ali está em questão a paixão amorosa transferencial, não se poderia agora afirmar que na passagem neste momento analisada, ao introduzir o componente tóxico na relação hipnotizador-hipnotizado, Freud (1890/1991a, p.19) ao mesmo tempo introduz implicitamente a noção de "paixão amorosa tóxica", destacando sua sintomatologia em torno da dependência?

Parece que Freud responde afirmativamente a esta última questão. Pois, ao prosseguir, Freud comparará este "hábito à hipnose", "a uma espécie de adicção à hipnose" (Freud, 1890/1991a, p. 22) (grifo e tradução do autor deste artigo):

[...] Estes, também, são os casos nos quais o paciente se torna dependente do médico, estabelecendo-se uma espécie de vício da hipnose (Freud, 1905/1972d, p. 315).

"Adicção" e "Vício" aparecem, respectivamente, em francês (Freud, 1890/1991a, p. 22) e em português (Freud, 1905/1972d, p. 315), como proposta de tradução de "sucht" no original em alemão.

No Grand Dictionnaire de la Psychologie, Valleur (1991b, p. 15) apresenta o termo "adicção" da seguinte maneira: substantivo inglês, relação de dependência alienante, particularmente farmacodependência, "assuétude" ou toxicomania.

E em sua origem etimológica, termo "Adicção" terá um sentido mais amplo, conforme se poderá ler na enciclopédia de Diderot e D'Alembert, na passagem citada a seguir:

ADICÇÃO [...], na lei Romana, é a ação de fazer passar ou de transferir bens a um outro, seja por sentença de uma corte, seja por via de venda àquele que oferece mais. Veja ALIENAÇÃO [...].

Ele (o termo addicção) é formado de addico, uma das palavras determinadas ao uso dos juízes Romanos, quando eles permitiam a entrega da coisa ou da pessoa, sobre a qual se havia passado em julgamento.

Eis porque os bens adjudicados desta maneira pelo pretor ao verdadeiro proprietário eram chamados bona addicta; e os devedores entregues por esta mesma via a seus credores para pagar suas dívidas, se chamavam servi addicti.

Addictio in diem significava a adjudicação de uma coisa a uma pessoa por um certo preço, até que um dia determinado o proprietário ou alguma outra pessoa desse ou oferecesse mais (Diderot e D'Alembert, 1751/1988, p. 128) - Tradução do autor deste artigo.

Para concluir, pretende-se a seguir fazer três últimos comentários sobre as passagens citadas neste item como um todo, integrando-as então:

1º- Neste sentido latino-romano amplo de adicção como "escravização por determinação legal como última forma para pagamento de dívidas", como "aprisionamento a que se é obrigado para saldar dívida", como "fato de se submeter à dominação de alguém", não se reencontra o antigo e amplo sentido grego de "paixão como fato de sofrer uma ação", assim como suas implicações semiológicas mais particulares de "paixão como submissão a uma ação exterior sobre o corpo" e de "paixão como escravização" (6)? Não existiria aqui uma analogia funcional (7) entre a "paixão" e a "adicção", ambos os termos tomados em sentido amplo?

2º- Como a comparação inicial de Freud (1890/1991a, p. 16-17), destacada acima na sua primeira passagem citada, aproxima inicialmente a paixão amorosa e a hipnose para, por último, na sua terceira passagem citada acima (Freud, 1890/1991a, p. 22), associar a hipnose à adicção e à dependência, não se poderia compreender que esta relação indireta da paixão amorosa com a adicção e com a dependência implicaria na existência implícita da noção específica de "paixão amorosa tóxica" em Freud (1890/1991a)?

3º- Conclusão: Chega-se ao final da análise deste item sem que se tenha encontrado em "Tratamento psíquico" resposta para as questões levantadas na conclusão do quinto comentário da primeira passagem de Freud (1890/1991a, p. 16-17) acima destacada. Persiste, então, a questão: De onde vem, qual é o protótipo infantil na origem psíquica inconsciente da paixão amorosa? Pode-se, no entanto, avançar um pouco mais, reformulando esta questão, precisando-a melhor, após as análises das outras duas passagens de Freud citadas acima. Mais precisamente, se se chegou, após tais análises de Freud (1890/1991a, p. 19 e 22), a uma analogia funcional entre a paixão amorosa e as adicções, como explicar, então, de um ponto de vista psicanalítico valorizando o inconsciente, este suposto sentido tóxico e/ou adictivo da paixão amorosa? De onde vem, qual é o protótipo infantil na origem deste componente tóxico que marca a dependência da paixão amorosa?

 

3. Carta a Fliess de 11 de janeiro de 1897: Da dipsomania e da paixão ao jogo em Freud (1950/1977a e 1950/1991b) à base adictiva da sexualidade humana em geral e à noção de "paixão tóxica"

Se no "Tratamento psíquico" Freud (1890/1991a) sugere implicitamente a noção específica de "paixão amorosa tóxica", um pouco mais tarde, numa carta a Fliess, datada de 11 de janeiro de 1897, Freud parecerá conduzir o leitor a pensar na existência de um sentido tóxico e/ou adictivo das paixões em geral, numa base adictiva da sexualidade humana em geral. Freud escreverá a este propósito:

[...] Um de meus pacientes histéricos ... levou sua irmã mais velha a uma psicose histérica, que terminou num estado de completa confusão. Agora averigüei qual foi o sedutor dele, um homem de grande capacidade intelectual que, no entanto, tinha tido ataques da mais grave dipsomania a partir dos seus cinqüenta anos. Esses ataques começavam regularmente ou com diarréia ou com catarro e rouquidão (o sistema sexual oral!) - isto é, com a reprodução de suas experiências passivas. Ora, até ele próprio sentir-se doente, esse homem tinha sido um pervertido e, conseqüentemente, sadio. A dipsomania surgiu através da intensificação - ou melhor, através da substituição de um determinado impulso pelo impulso sexual correlato. (Provavelmente o mesmo se aplica à mania de jogatina do velho F.). (Freud, 1950/1977a, p. 325) - Ver passagem correspondente na edição francesa: (Freud, 1950/1991b, p. 163).

Sobre esta passagem, caberiam as seguintes observações:

1º- Ao fazer referência a um tempo em que o paciente era sadio e sofria uma ação, antes de reproduzi-la no tempo posterior de sua doença, não se vê em Freud uma referência ao sentido etimológico amplo de "paixão como fato de sofrer uma ação"? Pois, como se viu acima, o sentido específico de "paixão como sofrer uma ação prejudicial" remete em Aristóteles ao significado de doença, doença que Freud afirma não existir quando o paciente sofria passivamente uma ação.

2º- Quando Freud (1950/1991b, p.163) faz um paralelo entre a pulsão dipsomaníaca e a paixão pelo jogo, lhes achando uma mesma origem, associa a pulsão dipsomaníaca à "reprodução de incidentes que (o paciente) havia ele mesmo passivamente sofrido", não se vê efetivamente aparecer uma relação entre a noção freudiana de pulsão e a noção aristotélica de "paixão como fato de sofrer uma ação" em sentido amplo? No final das contas, o que parece se existir aqui é uma aproximação entre as pulsões freudianas em geral e esta noção antiga de paixão em sentido amplo (8).

3º- Se a "pulsão-paixão" dipsomaníaca substitui uma pulsão-paixão-sexual, esta primeira não deveria ser entendida como a expressão patológica de uma paixão antiga, geral e reprimida? Não se vê aqui o início da preocupação de Freud com a origem tóxica das paixões? Ao dizer que uma pulsão sexual originária está na base de outras pulsões tóxicas (como a pulsão dipsomaníaca, ou a paixão pelo jogo) que àquela se associariam, substituindo-a, não estaria Freud admitindo a existência de uma base tóxica na sexualidade humana em geral? Na passagem acima Freud não precisa a natureza desta sexualidade originariamente tóxica e parecendo não ser patológica em sua origem, pois o tempo da doença é referido pelo autor como posterior. Não sendo patológica em sua origem, esta sexualidade originariamente tóxica não implicaria na existência de uma noção ampla de paixão tóxica, de um sentido tóxico das paixões em geral, em Freud (1950/1991b)?

4º- Conclusão: Vê-se aqui um avanço em relação ao "Tratamento psíquico", no sentido de que já se pode encontrar neste Freud (1950/1991b) uma preocupação com as origens do componente tóxico das paixões em geral. Quando Freud refere-se aqui a uma base comum na pulsão dipsomaníaca e na paixão pelo jogo, num tempo anterior à doença, situado na origem de toda transformação subseqüente e de outras paixões cuja aparição se re-ligaria a um sentido manifestamente "tóxico" (como a dipsomania, a paixão pelo jogo etc), vê-se a existência da noção de uma sexualidade humana essencialmente tóxica em suas raízes mais profundas. Resta, contudo, a questão: Que sexualidade tóxica é esta na base das paixões tóxicas em geral? Como precisar esta sexualidade adictiva primordial?

 

4. Carta a Fliess de 22 de dezembro de 1897: Da masturbação como protótipo das toxicomanias em Freud (1950/1977b e 1950/1991c) ao narcisismo auto-erótico como função comum na base das paixões tóxicas e das sexualidades adictivas em geral

Nesta carta Freud fará uma contribuição fundamental para responder à questão acima levantada na conclusão do item 3. Pois ele precisará as origens do que se pode compreender como sendo o sentido "tóxico" das paixões em geral. Mais precisamente, Freud apontará a masturbação como sendo a primeira "toxicomania", a "pulsão sexual adictiva" primordial na base das transformações subseqüentes, isto é, das paixões tóxicas ou adicções em geral. Ele escreve:

"[...] Comecei a compreender que a masturbação é o grande hábito, o 'vício primário', e que é somente como sucedâneo e substituto dela que outros vícios - álcool, morfina, tabaco, etc. - adquirem existência (Freud, 1950/1977b, p. 367) - Ver passagem correspondente na edição francesa: (Freud, 1950/1991c, p. 211-212).

Podem-se fazer as seguintes apreciações sobre a passagem acima:

1º- Vê-se que Freud dá um destaque todo especial à masturbação, apresentando-a como protótipo das toxicomanias. Como se sabe, a função psíquica nas atividades masturbatórias é o auto-erotismo. É este que retomado permite que se faça uma aproximação analógica entre as diversas toxicomanias, adicções e paixões. Sobre esta relação entre a masturbação e o auto-erotismo (9), Laplanche e Pontalis esclarecem:

AUTO-EROTISMO (...)

A) Em sentido amplo, característica de um comportamento sexual em que o sujeito obtém a satisfação recorrendo unicamente ao seu próprio corpo, sem objeto exterior: neste sentido, a masturbação é considerada como comportamento auto-erótico (Laplanche e Pontalis, 1998, p. 47).

2º- Propõe-se que o auto-erotismo seja interpretado tal como se pode extraí-lo de O ego e o id, no qual Freud (1923/1976b) admite a existência de um narcisismo primário, eliminando, assim, a distinção que fizera anteriormente em sua obra entre o auto-erotismo e o narcisismo, o primeiro surgindo num tempo do desenvolvimento da libido anterior ao segundo. Com a equivalência entre o narcisismo e o auto-erotismo, chega-se, assim, à noção de "narcisismo auto-erótico" (10) em Freud, para destacá-lo como função psíquica na base das analogias entre as diversas toxicomanias, adicções e paixões.

3º- Conclusão: Considerando os achados desta pesquisa discutidos nos itens anteriores, pode-se agora reuni-los e integrá-los para propor, a partir de Freud (1890/1991a; 1950/1991b; e 1950/1991c), o excesso do narcisismo auto-erótico como função psíquica comum na base das paixões tóxicas e das sexualidades adictivas em geral.

 

5. A sexualidade na etiologia das neuroses: Da toxicomania e da masturbação como defesa contra a depressão em Freud (1898/1976a e 1898/1989) à psicopatologia psicanalítica das paixões tóxicas e das adicções em geral associada à melancolia

A principal contribuição desta obra será o que se pode entender como sendo a introdução de uma reflexão sobre a psicopatologia psicanalítica das paixões tóxicas e das adicções em geral associada à melancolia. Aliás, pela conclusão do item anterior, que situa a economia psíquica das paixões tóxicas como marcada pelo excesso do narcisismo auto-erótico, já se anunciava, assim, que uma certa perda do ego ocorreria, o que conseqüentemente só poderia conduzir a um quadro melancólico. Mais precisamente, Freud já indicava indireta e timidamente nas duas cartas a Fliess, analisadas acima, nos itens 3 e 4, a existência de uma perda da satisfação sexual pelo contato com a realidade, quando afirmava que os toxicômanos em geral investiam num objeto de substituição, masturbando-se solitariamente, repetindo a função psíquica do que se pode compreender acima como sendo o narcisismo auto-erótico. Esta função, investida em excesso, ocuparia o lugar do que seria o investimento na verdadeira satisfação sexual pelo encontro do objeto da realidade, marcando, assim, a perda melancólica do masturbador-toxicômano. Em "A sexualidade na etiologia das neuroses", Freud escreverá a propósito desta melancolia:

Quebrar no paciente o hábito da masturbação é apenas uma das novas tarefas terapêuticas impostas ao médico que leva em conta a etiologia sexual dessa neurose; e parece que precisamente essa tarefa, como a cura de qualquer outro vício, pode ser efetuada em uma instituição sob supervisão médica. Abandonado a si mesmo, o masturbador se acostuma, sempre que acontece alguma coisa que o deprime, a retornar à sua cômoda forma de satisfação. O tratamento médico, nesse caso, não pode ter nenhum outro objetivo que o de levar o neurastênico, que agora recobrou sua força, de volta ao intercurso sexual normal. Pois a necessidade sexual, uma vez que tenha sido despertada e satisfeita por um longo período, não pode mais ser silenciada; pode apenas ser deslocada por outro caminho. Aliás, o mesmo se aplica a todos os tratamentos para quebrar um vício. Seu sucesso será apenas aparente, na medida em que o médico se contentar em privar seus pacientes da substância narcótica, sem se importar com a fonte da qual brotava sua necessidade imperativa. O 'hábito' é um mero arranjo de palavras, sem nenhum valor explicativo. Nem todos que têm oportunidade de tomar morfina, cocaína, hidrato de cloral, e assim por diante, por algum tempo, adquirem dessa forma 'um vício'. Uma pesquisa mais minuciosa mostra usualmente que esses narcóticos pretendem servir - direta ou indiretamente - como substitutivo para uma falta de satisfação sexual; e, quando a vida sexual normal não pode mais ser restabelecida, podemos prever, com certeza, uma recaída (Freud, 1898/1976a, p. 302-303). - Ver passagem correspondente na edição francesa: (Freud, 1898/1989, p. 230-231).

Sobre a passagem acima, podem-se tecer as seguintes considerações:

1º- Ao se referir ao masturbador de uma maneira genérica, não estaria Freud retomando a noção ampla de paixões tóxicas e de adicções?

2º- Freud não utiliza a expressão "melancolia", mas sim "depressão". Mais precisamente, a toxicomania e a masturbação são apresentadas como possuindo a função de defesa contra a "depressão" do toxicômano. Sabe-se, contudo, que, em Luto e melancolia, Freud (1917/1974b) distinguirá "melancolia" de "luto", situando a primeira no campo da patologia, remetendo-a a uma perda do ego, e se referindo ao segundo como uma reação depressiva normal, decorrente da elaboração de uma perda da realidade. Em resumo, a melancolia seria patológica e remeteria a uma perda do ego, enquanto que o luto depressivo seria normal e estaria associado à perda da realidade. Como Freud se refere acima a uma perda do ego, pois destaca o toxicômano como um masturbador, portanto, como alguém preso a uma sexualidade marcada pelo narcisismo auto-erótico, impedido assim de desenvolver seu ego pelo investimento em outras formas de narcisismo e no objeto da realidade, entende-se, então, que o autor se refere à melancolia, embora sem nomeá-la, embora fazendo referência direta à depressão.

Comentadores da abordagem freudiana das toxicomanias também parecem reconhecer que é a melancolia que está na base destas adicções, embora também sem nomeá-la, preferindo também se utilizarem da expressão "depressão" para caracterizá-las. Este é o caso, por exemplo, de Mijolla e Shentoub, que escrevem a esse respeito, ao comentar precisamente a obra agora em análise:

[...] É na direção da 'fonte de onde decorre a imperiosa necessidade' que é preciso dirigir uma pesquisa que está ainda num estado obscuro, ainda que Freud tenha aqui (em: "A sexualidade na etiologia das neuroses") apontado uma importante observação: a depressão. De qualquer modo, dentro de um contexto depressivo, a masturbação, e por conseqüência seus substitutos como a necessidade de beber, verifica-se um meio mais cômodo que o ato sexual de obter prazer. Eis aqui uma percepção dinâmica e econômica que doravante nós não poderemos mais ficar sem na compreensão do alcoolismo e que será freqüentemente retomada e completada por Freud em outros textos ulteriores (Mijolla e Shentoub, 1973/1981, p. 24) - Tradução do autor deste artigo.

3º- Conclusão: Como se pode ver na citação acima, apesar de Freud ter realizado uma importante contribuição ao relacionar as toxicomanias à masturbação e ao que se pode entender como sendo a melancolia, a pesquisa neste campo da psicanálise das toxicomanias, neste período pré-psicanalítico, ainda se encontrava num estado obscuro. Sobre esta obscuridade, segue a título de exemplo a ilustração de algumas questões que poderiam ser levantadas para serem examinadas em pesquisas posteriores analisando as contribuições de Freud sobre a temática em questão, no período psicanalítico (após 1900): Como aprofundar, de um ponto de vista econômico e dinâmico, a natureza desta melancolia presente nas masturbações das paixões tóxicas e das adicções em geral? Tratar-se-ia aqui de situar as toxicomanias, as paixões tóxicas e as adicções em geral como estruturas psicóticas melancólicas? Ou seriam estados, e não estruturas, melancólicos? Se se trata aqui de uma economia psíquica marcada pelo excesso do narcisismo auto-erótico, a partir da retirada da libido do objeto sexual da realidade, como se poderia detalhar e aprofundar a natureza desta perda no investimento deste objeto da realidade? Por outro lado, havendo na melancolia uma perda no ego, como pensá-la? Seria uma perda da capacidade de elaboração simbólica do ego? Como explicar a simultaneidade e a relação entre si destas duas perdas das toxicomanias, das paixões tóxicas e das adicções em geral: a perda simbólica do ego e a perda do objeto sexual da realidade? Mais precisamente, como uma perda implicaria na outra e vice-versa? Se as toxicomanias investem num narcisismo auto-erótico, remetem assim a um tempo anobjetal da libido. Como se sabe, Freud descreve a constituição psíquica do objeto num momento posterior ao do auto-erotismo. Como, então, se conceber as toxicomanias, as paixões tóxicas e as adicções em geral como perda do objeto sexual, se este ainda não se constituiu, já que as patologias em questão são anobjetais? Parece que não se pode perder aquilo que ainda não se possui, pois ainda não se constituiu. Como então entender este aparente paradoxo das toxicomanias, das paixões tóxicas e das adicções em geral? Se as toxicomanias se situam do lado das paixões, do narcisismo, da patologia, como pensar o que se lhes opõe, isto é, aquilo que não sendo toxicomania, em oposição, situar-se-ia, então, do lado do verdadeiro amor, da libido objetal e da saúde? (11)

De qualquer forma, mesmo necessitando de aprofundamento, acredita-se que os principais sentidos atribuídos por Freud às toxicomanias e às paixões tóxicas em geral já estavam presentes neste período pré-psicanalítico. A fase psicanalítica (após 1900) não será marcada tanto pelas novidades quanto pela retomada e aprofundamento de idéias sobre a temática em questão, já esboçadas anteriormente ao ano de 1900? A única exceção aqui talvez seja encontrada apenas na análise de Schreber, que parece ter trazido a grande novidade do período psicanalítico: a paranóia, que será introduzida por Freud (1911/1969) em associação ao alcoolismo, mais precisamente quando o autor aborda os delírios alcoólicos de ciúme como defesa contra a homossexualidade masculina. (12)

 

6. Conclusão

Este trabalho realizou a semiologia psicanalítica das noções de toxicomania e de adicção nos escritos do Freud pré-psicanalítico (anteriores a 1900), para construir a noção de "paixão tóxica" a partir deste Freud. As obras examinadas e as respectivas conclusões a que se chegou foram as seguintes: 1º- "Tratamento psíquico": Da postulação de Freud (1890/1991a e 1905/1972d) da toxicomania sem droga e da adicção à hipnose, chegou-se à noção implícita em Freud de "paixão amorosa tóxica"; 2º- "Carta a Fliess de 11/01/1897": Da abordagem de Freud (1950/1977a e 1950/1991b) da dipsomania e da paixão ao jogo, chegou-se a uma concepção indireta em Freud sobre a base adictiva da sexualidade humana em geral e a noção de "paixão tóxica"; 3º- "Carta a Fliess de 22/12/1897": Da contribuição de Freud (1950/1977b e 1950/1991c) sobre a masturbação como protótipo das toxicomanias, chegou-se à suposição do narcisismo auto-erótico como função comum na base das paixões tóxicas e das sexualidades adictivas em geral; e 4º- "A sexualidade na etiologia das neuroses": Da colocação de Freud (1898/1976a e 1898/1989) sobre a toxicomania e a masturbação como defesa contra a depressão, chegou-se à hipotetização da psicopatologia psicanalítica das paixões tóxicas e das adicções em geral associada à melancolia.

Acredita-se que os principais sentidos atribuídos por Freud às toxicomanias e às paixões tóxicas em geral já estavam presentes no período pré-psicanalítico. A única exceção aqui foi encontrada apenas na análise de Schreber, que parece ter trazido a grande novidade do período psicanalítico: a paranóia, que foi introduzida por Freud (1911/1969) quando o autor abordou os delírios alcoólicos de ciúme como defesa contra a homossexualidade masculina.

 

Notas

1. Dois esclarecimentos caberiam a respeito do presente artigo. São eles:
1.1. Este artigo foi retirado da tese de doutorado não publicada do seu autor intitulada: "La passion amoureuse 'toxique': une approche psychanalytique à partir de la sémiologie et du narcissisme chez Freud" (Bento, 1996). Por se tratar de tese realizada na Universidade Paris 7, suas citações são todas em francês. Em função desta particularidade, decidiu-se dar o seguinte tratamento às citações desta tese retomadas neste trabalho: 1º- Para evitar o excesso de notas de rodapé com traduções em português das citações em francês no corpo do texto, estas serão traduzidas pelo autor deste artigo no corpo do texto, sempre que não for possível substitui-las por sua tradução em edições lusofônicas da obra citada; 2º- Por se apresentar aqui texto em língua portuguesa, suas citações de obras em francês serão substituídas, sempre que possível, por suas correspondentes traduções em edições em português da mesma obra.
1.2. Mesmo tendo sido retirado de Bento (1996), o presente estudo avança em relação a esta pesquisa de Bento (1996), acrescentando, assim, novos dados de pesquisa bibliográfica, muitos deles retirados da literatura francesa (receberão o mesmo tratamento acima especificado no item 1.1), novas articulações, novas questões, novas hipóteses, novas precisões conceituais etc.

2. Em outro estudo, o autor desta pesquisa realizou um exame das contribuições de Freud sobre as toxicomanias, as adicções e as paixões tóxicas em geral, no período psicanalítico (após 1900). O leitor particularmente interessado nesta noção específica de "paixão tóxica", construída a partir dos escritos de Freud posteriores a 1900, poderá ser remetido a ver a esse respeito Bento (1996, item 3.1.2.1).
Para o leitor francofone, interessado na discussão crítica sobre as contribuições de Freud, em sua obra como um todo, e de outros autores da psicanálise, a respeito do alcoolismo, e/ou das toxicomanias, e/ou das adicções em geral, sugere-se particularmente a leitura das seguintes obras: Mijolla e Shentoub (1973/1981) e Ferbos e Magoudi (1986).
Outra interessante publicação em língua francesa reunindo os escritos psicanalíticos clássicos sobre as toxicomanias em geral é: Chassaing, Balbure, Dufour, Farges e Petit (coords.) (1998), para a qual também se poderá remeter o leitor interessado.

3. O leitor interessado no estudo específico dos sentidos da "Toxicomania", particularmente no contexto das pesquisas médicas sobre a "toxicomania", contexto este em que nasce a atual noção de "toxicomania", antes mesmo das contribuições de Freud sobre a mesma noção, poderá ser remetido à pesquisa do autor do presente artigo intitulada: "Pour introduire une 'Sémiologie Psychanalytique' de la notion de 'Toxicomanie' dans l'approche médicale" (ver Bento, 1999). A tradução portuguesa deste título em francês é: "Para introduzir uma 'Semiologia Psicanalítica' da noção de 'Toxicomania' na abordagem médica". Pequena parte desta pesquisa publicada em francês sobre os sentidos das toxicomanias nestas abordagens médicas foi apresentada também num artigo em português de Bento - ver Bento (1998).

4. O leitor particularmente interessado no estudo sobre a etimologia do termo "Adicção" poderá ser remetido à leitura de Bento (1996, item 3.2; 1993; 2006a).

5. O leitor particularmente interessado no estudo sobre a "Semiologia Psicanalítica" do termo "Paixão", na Antiguidade grega e no cristianismo, poderá ser remetido à leitura de Bento (1996, respectivamente itens 2.2 e 2.3).

6. Para os detalhes da "Semiologia" do termo "Paixão", ver Bento (1996, item 2.2). Neste outro trabalho, procurou-se discutir este sentido antigo e geral, na Antiguidade Grega, de "paixão como fato de sofrer uma ação", em suas implicações semiológicas mais particulares de "paixão como submissão a uma ação exterior sobre o corpo" e de "paixão como escravização".

7. Para os detalhes da discussão sobre a noção de "analogia funcional", ver Bento (1996, introdução, item 1).

8. Para os detalhes da discussão a este propósito, ver Bento (1996, subitem 2.2.3), no qual, com o apoio das contribuições de Green (1980), concluiu-se que parecia existir uma semelhança entre a noção freudiana de pulsão e este sentido de paixão na Antiguidade grega.

9. O tema do auto-erotismo, evocado pela idéia da masturbação, aparece aqui associado às toxicomanias. Esta associação será retomada mais tarde na obra freudiana, especialmente em duas passagens:
1º - Em "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", nos quais Freud escreve no subitem sobre o auto-erotismo:

Não é toda criança que suga desta maneira. Pode-se presumir que as crianças que assim agem são aquelas nas quais existe uma intensificação constitucional da importância erógena da região labial. Se esta importância persistir, estas mesmas crianças, quando crescem, tornar-se-ão epicuros do beijo, inclinar-se-ão ao beijo pervertido ou, se do sexo masculino, terão poderoso motivo para beber e fumar (Freud, 1905/1972c, p. 187).

2º - Em "Dostoievski e o parricídio", Freud escreve:

[...] O 'vício' da masturbação é substituído pela inclinação ao jogo e a ênfase dada à atividade apaixonada das mãos revela essa derivação. Na verdade, a paixão pelo jogo constitui um equivalente da antiga compulsão a se masturbar; 'brincar' é a palavra real utilizada no quarto das crianças para descrever a atividade das mãos sobre os órgãos genitais [...].

Se a inclinação ao jogo, com as lutas malsucedidas para romper o hábito e com as oportunidades que proporciona para autopunição, constitui uma repetição da compulsão a se masturbar, não nos surpreenderemos em descobrir que ela tenha ocupado um espaço tão grande na vida de Dostoievski. Afinal de contas, não encontramos casos de neurose grave em que a satisfação auto-erótica da primeira infância e da puberdade não tenha desempenhado um papel, e a relação entre os esforços para suprimi-la e o temor ao pai são por demais conhecidos para precisarem mais do que uma menção (Freud, 1928/1974d, p. 222-223).

10. Não é objetivo deste trabalho discutir esta polêmica noção de "narcisismo auto-erótico" em Freud. O leitor interessado no aprofundamento desta discussão específica poderá encontrá-la nos seguintes trabalhos: Bento (1994a; e, especialmente, 1996, item 7.1).
E para o leitor interessado na discussão da noção de narcisismo em geral, na pré-história desta noção na obra de Freud (anteriormente ao seu início histórico oficial com a obra "Sobre o narcisismo: uma introdução" - Freud (1914/1974a), e a construção das noções de "paixões tóxicas" e de "paixão amorosa tóxica" a partir de Freud, sugere-se a leitura dos seguintes trabalhos: Bento (1993; 1994a; 1994b; 1995; 1996, capítulos 4, 5, 6, e 7; e 1998).

11. Em outra pesquisa, o autor do presente artigo discutiu muitas das questões aqui em destaque. Mais precisamente, a hipótese de a psicopatologia psicanalítica das paixões tóxicas em geral estar associada à melancolia foi aprofundada a partir do exame das seguintes obras de Freud: "Os chistes e sua relação com o inconsciente" (Freud, 1905/1977c); "Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor (contribuições à psicologia do amor II)" (Freud, 1912/1970); e "Luto e melancolia" (Freud, 1917/1974b). O leitor particularmente interessado em se aprofundar nesta temática poderá ser remetido a ver a esse respeito Bento (1996, item 3.1.2.1).
A melancolia das paixões tóxicas em geral será ainda tratada por Freud, após 1917, especialmente em duas passagens:
1º - Em "O humor", em que Freud discorre mais precisamente sobre o alcoolismo como um método de defesa contra o sofrimento e a perda de prazer. O autor escreve:

Essas duas últimas características - a rejeição das reivindicações da realidade e a efetivação do princípio do prazer - aproximam o humor dos processos regressivos ou reativos que tão amplamente atraem nossa atenção na psicopatologia. Seu desvio da possibilidade de sofrimento coloca-o entre a extensa série de métodos que a mente humana construiu a fim de fugir à compulsão para sofrer - uma série que começa com a neurose e culmina na loucura, incluindo a intoxicação, a auto-absorção e o êxtase (Freud, 1927/1974c, p. 191).

2º - Em "O mal-estar na civilização", em que Freud retoma as mesmas idéias de 1927, mas desta vez com relação às intoxicações em geral que serão, então, vistas como métodos que visam, por um lado, evitar o sofrimento e, por outro, proporcionar o prazer imediato. Uma tal função conduzirá, aliás, o autor a ver nas intoxicações os análogos artificiais das substâncias orgânicas naturais envolvidas na produção da mania, sem que um tóxico seja administrado. Compreende-se aqui que as funções das intoxicações não são outras que, por um lado, aquela de produção da mania, e, por outro, aquela de proteção contra a melancolia. O autor escreve:

(...) Contudo, os métodos mais interessantes de evitar o sofrimento são os que procuram influenciar o nosso próprio organismo. Em última análise, todo sofrimento nada mais é do que sensação; só existe na medida em que o sentimos, e só o sentimos como conseqüência de certos modos pelos quais nosso organismo está regulado.

O mais grosseiro, embora também o mais eficaz, desses métodos de influência é o químico: a intoxicação. Não creio que alguém compreenda inteiramente o seu mecanismo; é fato, porém, que existem substâncias estranhas, as quais, quando presentes no sangue ou nos tecidos, provocam em nós, diretamente, sensações prazerosas, alterando, também, tanto as condições que dirigem nossa sensibilidade, que nos tornamos incapazes de receber impulsos desagradáveis. Os dois efeitos não só ocorrem de modo simultâneo, como parecem estar íntima e mutuamente ligados. No entanto, é possível que haja substâncias na química de nossos próprios corpos que apresentem efeitos semelhantes, pois conhecemos pelo menos um estado patológico, a mania, no qual uma condição semelhante à intoxicação surge sem administração de qualquer droga intoxicante (Freud, 1930/1974e, p. 96-97).

12. Sobre os sentidos do alcoolismo associado à homossexualidade masculina, mais precisamente sobre a função do álcool entrando para facilitar o surgimento de um quadro de "paranóia-ciúme" como defesa contra a homossexualidade masculina, Freud escreverá:

Delírios alcoólicos de ciúme. O papel desempenhado pelo álcool nesse distúrbio é, sob todos os aspectos, inteligível. Sabemos que aquela fonte de prazer afasta inibições e desfaz sublimações. Não é raro que o desapontamento com uma mulher leve um homem a beber - mas isso significa, geralmente, que ele recorre ao bar e à companhia de homens, que lhe proporcionam a satisfação emocional que deixou de conseguir de sua mulher em casa. Se então esses homens se tornarem os objetos de uma forte catexia libidinal em seu inconsciente, ele a repelirá com o terceiro tipo de contradição:

'Não sou eu quem ama o homem - ela o ama', e suspeita da mulher em relação a todos os homens a quem ele próprio é incitado a amar.

A deformação por meio da projeção acha-se necessariamente ausente nesse caso, visto que, com a mudança do sujeito que ama, todo o processo é, de qualquer modo, lançado para fora do ego. O fato de a mulher amar os homens constitui matéria de percepção externa para ele, ao passo que os fatos de que ele próprio não ama, mas odeia, ou de que ele mesmo ama não esta, mas aquela pessoa, são assuntos de percepção interna (Freud, 1911/1969, p. 87).

 

Referências

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Recebido em 28 de abril de 2006
Aceito em 19 de dezembro de 2006
Revisado em 9 de fevereiro de 2007

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