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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148On-line version ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. vol.8 no.1 Fortaleza Mar. 2008

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Angústia e subjetividade

 

Anguish and subjectivity

 

 

Maria Angélica Augusto de Mello Pisetta

Doutora e mestra em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Psicologia clínico-institucional pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora de Psicologia na Universidade Católica de Petrópolis. End.: R. São Sebastião, 525, bloco 9B, apt. 201. Petrópolis, RJ. CEP: 25645-045. E-mail: angelica.pisetta@ucp.br

 

 


RESUMO

Procuramos neste artigo discutir as dificuldades do manejo da angústia na clínica psicanalítica a partir das diferentes conceituações do objeto da angústia em Freud e Lacan. O fato clínico da angústia demarca não apenas uma evidência clínica, mas uma função particular na condução do tratamento e, ainda, a condição do homem como faltante. Freud não deixa de marcar a importância da angústia na clínica ao se referir a um sinal em Inibições, sintomas e ansiedade (1926) e Lacan, mais especificamente, vai desenvolver, a partir disto, como função da angústia, a sinalização da possibilidade de sufocação do desejo. A noção de alteridade radical aqui desempenha uma localização central, já que a referida sufocação do desejo indicaria uma perda dos limites do sujeito e do Outro. Desse modo, pretendemos contemplar neste artigo as questões em torno desta problemática da constituição do sujeito nos limites do Outro, a partir da angústia. Para tanto, consideramos as perspectivas freudianas da 'natureza' da angústia, do objeto fóbico e do objeto da angústia, procurando evidenciar a busca freudiana pelo entendimento da função da angústia. Discutiremos também a referência lacaniana ao significante e à irredutibilidade da angústia ao simbólico. A partir desta discussão, destacamos o entendimento da função da angústia em relação ao asseguramento da alteridade radical do sujeito.

Palavras-chave: angústia, objeto "a", subjetividade, Freud, Lacan.


ABSTRACT

In this paper we try to discuss some difficulties in the handle of anguish in psychoanalytical clinic from the various object conceptions of anguish problem by Freud and Lacan. The anguish clinic fact signalises not only some clinic evidence, but also a private function in the treatment conduction and the human condition as having a fault. Freud emphasizes the anguish importance in clinics when he reports to a signal in his book, Inhibitions, symptoms and anxiety (1926) and Lacan, more specifically, will develop, from this, the anguish function, which is to point out the possibility of desire suffocation. The radical otherness notion performs here a central localization, because the referred desire suffocation shows a loss of the limits of the subject and the Other. We intend to privilege in this paper the questions about the problematic of the subject constitution in the Other sphere limits, from the anguish. For such, we consider the Freudian perspectives of the phobic object and the anguish object. From this discussion, we emphasize the understanding of the anguish function with regard to the guarantee of the radical otherness of the subject.

Keywords: anguish, "a" object, subjectivity, Freud, Lacan.


 

 

Angústia e subjetividade1

"A angústia tem inegável relação com a expectativa: é angústia por algo. Tem uma qualidade de indefinição e falta de objeto" (Freud, S. 1926/1996a, p. 189, grifo do autor).

"Aquilo diante de que o neurótico recua não é a castração, é fazer de sua castração o que falta ao Outro" (Lacan, 2005, p. 56).

A angústia se apresenta na clínica como um impasse, tanto em relação ao seu manejo pelo analista, quanto em sua teorização. Em sua primeira teoria da angústia, Freud a entende como um derivado do recalque, da operação que por excelência funda o sujeito. Seu aparecimento denunciaria o recalque, num aviso de uma falha no princípio de prazer, que impera no psiquismo. Mesmo aí, quando tem seu caráter de a posteriori, a angústia já denota a castração, já que indica uma falha na obtenção de prazer, precipitada pelas exigências múltiplas que o eu sofre. Ela já é entendida como algo primordial por Freud, que a classifica como "moeda corrente", pela qual pode ser trocado qualquer afeto, cuja idéia sofrera recalque (Freud, S. 1916/1996b, p.7).

Algumas considerações podem ser levantadas quando nos aproximamos da "natureza" da angústia. Vemos que ela é um afeto e que sua manifestação foi exemplarmente destacada por Freud junto à histeria de angústia. Por esta aproximação um estado afetivo seria o equivalente de um ataque histérico, tendo os dois suas bases numa reminiscência (Freud, S. 1916/1996b, p. 462). É interessante notar que Freud assim os define em 1916, na vigência da primeira teoria da angústia, quando ainda a considerava um produto da libido não-satisfeita. Ou seja, já aqui ele aponta para uma dupla origem da angústia: do eu, como um afeto que é sentido, e de uma reminiscência, como um ato acontecido antes, não acessível à consciência e não sensível.

A relação íntima entre histeria e angústia evidencia a histeria como a marca da divisão do sujeito, num conflito que determina outro lugar, para além da consciência. Se a angústia é aqui o afeto por excelência, como Freud marca em vários momentos teóricos de sua obra, encontramos uma posição privilegiada da angústia. É esta posição que nos mostra que ela é esta marca da divisão do humano. Nesse sentido, a angústia marca não apenas a separação inicial do bebê com a mãe _ experiência que leva Freud a pressupor uma "angústia tóxica" _ mas sobretudo uma marca mais radical, que torna o sujeito definitivamente dividido (Freud, S. 1926/1996a, p. 163).

A angústia encontra-se num lugar destacado desde os primeiros escritos de Freud, apesar de não ser pensada ainda em sua anterioridade lógica. Sua pesquisa se dá pela incidência dos fenômenos a ela relacionados. Ela não está, contudo, apenas na histeria. Podemos vê-la em ação no corpo: quando de uma neurose de angústia; no objeto: quando de uma fobia; novamente no corpo: quando de uma histeria de conversão; no pensamento: quando numa neurose obsessiva. Ela se presentifica em todos os casos de neurose e na teoria ela exige um posto destacado. É em função da remodelagem sofrida pela metapsicologia freudiana que a angústia toma novo sentido, para Freud. Isto se dá em 1923, quando do surgimento do texto O ego e o id, em que as exigências provindas da prática clínica exigem uma reformulação teórica. A resistência, fenômeno clínico observado como a marca da divisão no eu, inaugura uma nova visão das instâncias psíquicas e o eu passa a ter novo estatuto.

Assim também o conceito de angústia passa por profundas reformulações. Uma possibilidade de realinhar estas mudanças pelas quais ela passa, se encontra na própria teorização freudiana de uma teoria dinâmica da angústia. É a angústia enquanto sinal que dá esta possibilidade. A partir da segunda teoria da angústia (a partir de 1926, com a publicação do texto Inibições, sintomas e ansiedade), Freud passa a postular duas origens distintas da mesma, ou duas formas de apreciá-la teoricamente. Uma angústia anterior, lógica e fenomenologicamente, é aquela que incide na base dos primeiros recalques, quando uma exigência libidinal excessivamente grande rompe o "escudo protetor" do psiquismo, instalando um caos econômico. A isso ele nomeia momento traumático. A angústia concomitante é, assim, também traumática. Notamos aqui que a indefinição como característica central da angústia para Freud já se anuncia no traumático que ele destaca:

Em relação à situação traumática, na qual o paciente está desamparado, convergem perigos internos e externos, perigos reais e exigências pulsionais (Freud, S. 1926/1996a, p. 193).

O conceito de trauma está presente em toda a obra freudiana e sempre ligado à teoria econômica. Podemos defini-lo como uma situação psíquica em que a quantidade de excitação _ tanto "de dentro" quanto "de fora" _ não pode ser "contida" ou "diminuída" pelos esforços do psiquismo. Há, assim, um rompimento do escudo protetor e a irrupção da face traumática da angústia. A angústia associada a esta situação evidencia a falta de preparação, já que revela uma situação para a qual não há qualquer tipo de preparo. Em função mesmo do trauma é que o psiquismo pode se preparar para que novamente ele não ocorra, através da concepção do perigo (Freud 1926/1996a, p. 194). No trauma, há o máximo de desprazer, não havendo assim ligação da energia, que invade o aparelho psíquico. Se aí não há controle, só depois é que o princípio do prazer poderá entrar em ação, procurando, por uma diminuta repetição do evento traumático, promover algum domínio sobre isso. Então, podemos pensar que a situação de perigo _ o que se teme _ é que o trauma volte a ocorrer, e que não se esteja preparado para lhe fazer frente.

Desta forma, a situação traumática está diretamente ligada a uma situação de desamparo _ físico e psíquico _ e Freud toma por modelo de tal evento o trauma do nascimento. Não se trata de um trauma que será repetido, em função de não ter sido "percebido" como tal. Dele, o sujeito traria apenas o modelo do avassalamento de estimulações. Há uma desordem econômica, donde não há a possibilidade de classificação ou mesmo percepção. Incidem estimulações diversas e sua apreensão é sempre a posteriori (Idem, ibidem).

Uma segunda origem da angústia (ou modo teórico de apreciá-la) seria aquela em que o eu produz ou reproduz a angústia, baseado nesta primeira situação de desprazer absoluto. Esta angústia é sinal de uma possibilidade de repetição de um tal evento, sendo, desta forma, uma apropriação pelo psiquismo deste primeiro momento. Vemos que este sinal de angústia é "manobra" do eu, se constituindo como uma ferramenta de proteção do eu às pulsões desagradáveis a ele. O sinal de angústia é, desta forma, uma estratégia do eu, uma defesa. Lacan aqui interpõe sua leitura da angústia ligada ao real para destacar que, se há defesa, não é defesa da angústia, mas de algo a que sua aparição aponta (Lacan, 2005, p. 153).

Como podemos perceber a angústia em sua conexão com o trauma levou Freud a considerar o recalque como posterior. Numa nova remodelação, a angústia da primeira teoria se encontra ajustada à função utilitária do eu, numa manobra da defesa. A teoria dinâmica da angústia teria então obtido êxito em articular a angústia posterior ao recalque (a da primeira teoria) com a anterior ao recalque (traumática). Neste sentido, podemos perceber que já na primeira teoria da angústia há a postulação de um sinal, já que por ser resultado do recalcamento, a angústia indica um caminho de subjetivação.

Outro ponto de apoio para a mudança conceitual em torno da angústia se dá em função da re-leitura empreendida por Freud do caso Hans, uma fobia infantil que põe às claras o complexo de castração em suas vias iniciais (Freud, S. 1909/1996c, p. 131). Ali uma novidade se introduz no cenário da angústia: a noção de um perigo externo na base da angústia de castração. Hans teme ser mordido pelo cavalo e, em última instância, teme ser castrado pelo pai, como sublinha Freud. O autor considera que a angústia experimentada por Hans pode ser vista como "realística", já que o fato da criança acreditar que pode ser castrada pelo pai nos introduz na constatação de um perigo real. Logo, a angústia é experimentada a partir de algo que incide "de fora" e nesse sentido, a angústia é anterior ao recalque. O recalcamento opera na vertente imaginária da perda do órgão, introduzindo a castração simbólica. Portanto, o recalque é secundário à angústia, já que ele se dá numa tentativa de evitar a angústia de castração. É por ele que o mecanismo da projeção, próprio às neuroses, toma forma. Tomar o interno como se fora externo, é isso o que faz Hans, numa equivalência castração _ pulsão.

Esse é um ponto importante na análise da leitura de Lacan à teoria da angústia em Freud. Para este último, há o perigo interno, ao qual o eu aponta com o sinal de angústia. Na manobra egóica da projeção, o interno é tomado como externo e o sinal de angústia é aparentemente disparado por um encontro com um objeto que provoca medo. Lacan propõe outra leitura, repensando o interno de que se trata (perigo interno) no contexto da linguagem e do impacto desta sobre o vivente (Lacan, 2005, p. 169). Porque imerso na linguagem, falado antes mesmo de se constituir, o homem experimenta uma não independência radical em relação ao Outro e se constitui alienado no desejo do Outro. Isso não pode se dar sem uma perda muito demarcada na experiência humana. O traumático, para Lacan, advém da constituição do sujeito no lugar do Outro, a partir do significante (Lacan, 2005, p. 179). Nesse sentido, o 'perigo interno' apontado por Freud no cerne da angústia, na análise lacaniana, é pensado a partir do Outro da linguagem, da estrutura da divisão subjetiva a partir do Outro. Nesse ponto, uma distinção importante deve ser observada. Se o Outro incide sobre o sujeito na constituição deste último, isso se dá a partir de uma falta do Outro e, dessa forma, "a angústia é a manifestação específica do desejo do Outro" (Idem).

Mas e quanto ao objeto da angústia? Como situá-lo em Freud e em Lacan?

 

O objeto fóbico: uma travessia da angústia ao recalque

A caracterização do desenvolvimento da libido, desde o auto-erotismo até a escolha de objeto heterossexual, marcam bem distintamente os diversos objetos que acompanham tal caminho. Mais do que se tratar de um desenvolvimentismo, este trajeto da libido marca a instauração do Édipo no homem. Lacan acentua que para que se possa falar em complexo de Édipo no sentido normativo, é preciso que o sujeito faça uma escolha heterossexual, o que implica num testemunho objetal da castração (Lacan J. 1995, p. 205). Contudo, a base para o mundo objetal, para os investimentos objetais, desvela uma falta primordial. O objeto da satisfação, mítico e perdido desde seu aparecimento, é a condição lógica para o estabelecimento do objeto da escolha amorosa. Por ser perdido desde sempre, o objeto é sempre um objeto a ser reencontrado, a ser descoberto, indefinidamente. É assim que os objetos entram na economia psíquica do sujeito, com sua valoração fálica, donde toda a escolha vai ser marcada pelo complexo edipiano e a marca da insatisfação. Trata-se aí de um retorno, um "encontro", que constitui o objeto do desejo humano. Distante do objeto da angústia, os objetos do desejo configuram uma proteção contra a angústia (Cosentino, 1993, p.36).

Contudo, nos deparamos com um objeto "menos objetal", como nos diz Lacan, no caminho do reencontro com o objeto do desejo (Lacan, 1995, p. 353). É o objeto fóbico. Apesar de não ser ele o objeto da angústia, ele se encontra no caminho da análise da angústia, por demarcar um objeto em que a projeção deixa a descoberto a problemática do interno-externo. Ele é de fato, um obstáculo e uma possibilidade de reencontro com o objeto do desejo em Freud. Com isso, ele é já um substituto, na série de objetos que a perda inicial de um objeto de satisfação vai promover. Em assim sendo, ele é multideterminado, comportando várias significações possíveis. No caso Hans, por exemplo, vemos que o objeto fóbico era o alvo das brincadeiras pré-fóbicas, o que nos mostra claramente esta multideterminação. Por esta última ele passa a ser odiado, depois de ser amado, numa simbologia própria.

O objeto fóbico, como vimos na discussão da observação do caso, efetuada por Freud, e ressaltada por Lacan no seminário sobre a relação de objeto (1995), é uma forma de suprir uma carência do pai na crise edípica. É por perceber a castração materna que Hans se dirige ao pai, num apelo a que ele possa ser o apoio de que se necessita para fazer barreira à mãe. É um apelo à lei, imaginariamente encarnada no pai. A mãe, porque é incompleta, falha, deseja o filho neste lugar de hiância, para dar fim à sua incompletude. A criança, ao perceber-se instalada neste lugar de aniquilamento, faz amplas demandas ao pai, para que este venha a suprir a falta da mãe. Vemos Hans demandando ao pai que este tenha ciúmes e se situe em relação ao desejo da mãe (Freud, S. 1909/1996c, p.137).

O que está em jogo então, no aparecimento de uma fobia, na análise freudiana, é tanto a falha do pai em exercer seu papel castrador em direção à criança, quanto o recuo da criança em suprir a mãe, fantasisticamente. Vemos, com Lacan, que a privação da mãe é intolerável para a criança, exatamente porque traz consigo a verdade da privação suprema da criança, que é não poder trazer satisfação à mãe (Lacan, 1995, p. 74).

A fobia assim se coloca no caminho do estudo da angústia como imperativo ao entendimento de suas relações com o recalque. Há ali um não-ainda, que definimos como um jogo com a falta de falo na mãe; falta negada e temida por Hans. Pela fobia, podemos perceber que a projeção torna o que é de dentro totalmente alheio à percepção do sujeito. Assim é que um objeto vem presentificar esta divisão, numa relação especular que caracteriza o objeto fóbico como o "menos objetal dos objetos" (Lacan, 1995, p. 353). A fobia se caracteriza, desta forma, como uma passagem da angústia ao recalque, com a assunção da castração. A fobia se apresenta tanto como uma parada estratégica, quanto como uma possibilidade de se lançar adiante no processo edípico.

Nos servimos dela como uma referência, na especificidade do caso Hans, à medida que ele nos mostra uma angústia que caminha em direção ao recalque, passando pela fobia. Lacan nos fala que tudo ali dependeu de como a criança se posicionou no impasse gerado nas suas relações com a mãe. Tal crise foi então explicitada por uma angústia impeditiva, que limitou os movimentos do menino em direção ao mundo dos objetos, dentro de sua casa.

A relação da criança com a mãe nos é apresentada por Freud, como de desejo, à medida que Hans deseja a mãe, apesar de não sabê-lo. É aí que a argumentação de Freud incide para revelar-lhe a verdade acerca dos homens: desde sempre o filho deseja a mãe e teme o pai. Contudo, vemos Hans preso no jogo de negar a castração da mãe, e ao mesmo tempo, tentar assegurar-se de sua existência. Por que? Vemos que Hans se constitui como sujeito, à medida que uma falta na mãe possibilita seu desejo em relação ao filho. Já há aí três elementos: A mãe, a criança e o falo, objeto de desejo da mãe, faltoso. A relação se dá entre estes três termos, inicialmente. A criança fantasia que pode ser este objeto precioso que falta à mãe, podendo assim, completá-la. Contudo, isto já está perdido, desde que o jogo se insinuou. Nesse sentido, Lacan nos lembra que na fobia não se trata de não reconhecer a falta da mãe, mas de jogar com sua ausência-presença (Lacan, 1995, p. 246).

É o pai que põe termo a esse jogo, quando entra na relação como um quarto elemento, para satisfazer a mãe (novamente na fantasia). O pai põe ordem ao caos gerado pela possibilidade fantasística de que a mãe "de fato" se satisfaça com a criança. Ao mesmo tempo, o pai castrador do falo imaginário se constitui, na vertente simbólica, como aquele que faz o corte para o surgimento de um sujeito. Vemos Hans apelando ao pai para que tome seu lugar, e nesse sentido, a retificação do lugar do pai só é demandada à medida que ela é falha. Trata-se aí, na neurose, da falência do pai; ou seja, da falência da lei e do imperativo do gozo.

Esta neurose é exemplar, e o caso Hans bem o ilustra, porque nos mostra uma fase pré-fóbica, em que não há vestígios de recalque. Notemos que na primeira parte da descrição da observação, feita por Freud, não há o que temer. Hans passeia livremente e tem livre acesso aos pais. À medida que uma série de fatores se coloca em jogo, como a percepção de seu pênis como objeto de prazer e o nascimento da irmã. É neste momento lógico que o cavalo vem suprir, temporariamente, a função falha do pai (Freud, S. 1909/1996c). Trata-se aí de indagar a posição que a criança toma no estabelecimento da fobia. Nos parece que a fantasia da mãe fálica, que é base na estruturação da neurose, se revela na fobia como extremamente prevalente. O jogo em torno da negação e da afirmação da mãe fálica é aqui vivificado. Já na fase pré-fóbica o falo inexistente da mãe é ocultado, já que sua inexistência não é colocada em questão, sendo a premissa fálica sua primeira alusão. Em assim sendo, na fobia, este momento é crucial, e se observa uma certa estagnação aí, já que a falha da função paterna dá este caráter de parada obrigatória num objeto que assegure um recuo.

Hans explicita uma angústia em direção ao pai. Freud distingue duas angústias em relação ao pai, e é importante considerar isso, já que é controvertida a afirmação freudiana de que a angústia vem do pai, sendo daí sua posição de anterioridade em relação ao recalque (Freud, S. 1926/1996a, p. 131). Vejamos: Lacan nos diz que a distinção freudiana da angústia em direção ao pai se dá nestas duas bases: angústia em torno do pai, um den Vater, e a angústia diante do pai, vor dem Vater (Lacan, 1995, p. 355). Podemos pensar na angústia em torno do pai como esta que, respeitada a indefinição da angústia, pode apontar para um lugar que é necessário que seja ocupado por um pai. Trata-se de um lugar, já aberto ao quarto elemento do Édipo, mas que precisa se fazer fixar no centro mesmo das relações da criança com a mãe.

Já a angústia diante do pai nos parece aquela que incide em função do complexo edípico, como quer Freud, demonstrando aí que o agente da castração também é temido. É por causa deste pai que instaura a lei, que o sujeito abandona seu objeto de amor (a mãe), para se direcionar a outros. Esta etapa já nos falaria de uma superação edípica, pela intervenção do complexo de castração.

Lacan, ainda a este respeito, (Idem) nos diz que a angústia em torno do pai é aquela em torno do lugar vazio, representado pelo pai na configuração do caso Hans. Pensamos que aí ele nos aponta para a especificidade do caso Hans, em que não há como temer um pai que não se coloca como temível. Seu suporte é a fobia, e o objeto eleito para tanto, é, como sabemos, o cavalo. Há, hipoteticamente uma angústia dirigida ao pai, pela representação que o cavalo imprime, descarregando a angústia que é aquela em torno da função do pai. Há algo ante o quê o sujeito pode sentir angústia, ainda que não seja o pai.

Freud sublinha que o complexo de castração põe termo à fobia e instaura o Édipo (Freud, S. 1926/1996a, p. 133). Observemos que Hans apela ao pai para que se ocupe da função paterna e introduza, definitivamente, a falta na mãe. Isso se esclarece especialmente na fantasia da banheira, onde a mãe como faltosa é definitivamente considerada, o que põe fim ao jogo de esconde-esconde que se verifica no desenvolvimento da fobia (Freud, S. 1909/1996c, p.137). Nos furtaremos aqui de considerar a saída da fobia em Hans. Nosso objetivo com a utilização do caso se refere tão só às relações necessárias entre a angústia, a fobia e o recalque.

Ao final de nossa consideração acerca de Hans, com Freud e Lacan, nos deparamos com a mesma questão, da mesma forma, aberta no centro de nosso estudo. Não é o objeto fóbico o objeto da angústia, já que este se caracteriza por um primeiro desdobramento objetal à angústia, como numa proteção a ela. Bem mais tarde em seu ensino, em 1962-3, Lacan retoma a questão da angústia por outro ângulo e relê o caso Hans. Sua afirmação de que o objeto fóbico é o menos objetável dos objetos (Lacan, 1995, p. 353) toma ainda mais consistência quando considera que o objeto da angústia (aqui teorizado pelo autor) é "um objeto externo a qualquer definição possível da objetividade" (Idem, 2005, p. 99). O que a causa, continuamos a nos perguntar.

 

Angústia e subjetividade

Caminhamos no sentido de encontrar um objeto para a angústia. Com Freud esta tentativa termina com a angústia de castração e a falta de objeto, que a caracteriza. O rochedo da castração indica-nos, então, um insuperável para o neurótico, segundo Freud: a própria castração, ante a qual a angústia dá o sinal. A conhecida afirmação de Freud de que a angústia se define pela falta de objeto (Freud, S. 1926/1996a, p. 189) encontra aqui sua amarração na teoria. Contudo, a afirmação freudiana destaca que o neurótico recua ante à castração e que este recuo é incontornável, mesmo na análise (Idem, 1937/1996d, p. 266). Essa conceituação coloca dificuldades para o manejo da angústia na clínica. Como bem nos lembra Harari, "apesar da angústia ser a-significante, em relação à volição imaginária do analisante, é entretanto obviamente tratável por meio da operação simbólica psicanalítica" (Harari, 1997, p. 103). Se a castração é insuperável e a angústia é o sinal deste insuperável, como manejá-la?

Encontramos no ensino lacaniano uma possibilidade de resposta. Lacan, a nosso ver, transforma a falta de objeto freudiana em um objeto de pura falta, a, elevando esta falta de objeto a um objeto que se caracteriza exatamente pela indefinição (Lacan, 2005, p.99). Toma assim a angústia como algo produtivo na análise, indicando que ela nos remete não à castração, mas à obturação da castração (Lacan, 2005, p. 56; 147).

Inicialmente, Lacan ressalta a pontuação freudiana que demarca a angústia como um afeto que é sem objeto (Lacan, J.1995, p. 252). Entendemos, com Lacan, que a teorização freudiana avançou até a consideração de um objeto constituído como um substituto do objeto perdido. Em se tratando desta condição, de fato, a angústia é sem objeto. Isso tem sua pertinência na teoria, apesar de continuar deixando uma hiância muito particular entre seus pressupostos, já que, neste sentido, não há objeto que lhe diga respeito. Já no seminário da angústia, em 1962, Lacan nos fala que não é do objeto do desejo que se trata na angústia. Trata-se de um objeto conceitual, sem forma, não referido ao imaginário. Compreendemos este objeto do ensino lacaniano como uma possibilidade de asseguramento de que a falta sempre esteja marcada. Ela é, de certa forma, protetora e garantia da alteridade. É esta falta que caracteriza a castração, que nos atira ao desejo de preenchê-la2.

Nesta nova perspectiva, ele afirma que "a angústia não é sem objeto" (Lacan, 2005, p. 146). Sua formulação ambígua deixa a descoberto que o objeto de que se trata não é alcançável pelo simbólico, articulável pela linguagem, como os objetos do desejo. Não se pode dizê-lo, já que ele não é perpassado pela linguagem, portanto, também não é especularizável. Nem por isso se pode desconsiderá-lo. Nesse sentido, o objeto a presentifica um irredutível da experiência humana à linguagem e é demarcado em sua indefinição exatamente pela presença do real3 (Idem, 178). Em assim sendo, Lacan destaca que "a angústia nos introduz na função da falta" (Idem, p. 146).

O objeto a, como definido por Lacan, é o apoio da falta, aquilo que traz consistência à falta, sem, no entanto, ser consistente. Lacan nos diz, por exemplo, que a fobia de Hans se instaura a partir da obturação da falta, quando ele teme o desejo da mãe impondo-se sobre ele, o que equivaleria à perda de sua alteridade. Sua casa, sua própria existência enquanto sujeito, se encontra, desta feita, ameaçada (Idem, p. 64). Concluímos que à medida que o objeto a se apresenta por uma irredutibilidade ao significante, ele torna também irredutível a falta e estabelece a busca do desejo. A angústia surge quando faltam as garantias da falta, ou seja, quando a alteridade radical não está assegurada pela falta.

 

Referências

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Recebido em 10 de março de 2007
Aceito em 4 de junho de 2007
Revisado em 31 de julho de 2007

 

 

Notas

1. Este artigo compreende uma reformulação de capítulo de nossa dissertação de mestrado, intitulada "Da angústia ao recalque numa passagem pela fobia", defendida em 1999, pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da UFRJ, sob orientação da Profª Drª Vera Lopes Besset.
2. Cabe esclarecer que Lacan modifica suas considerações no sentido da delimitação do objeto da angústia em muitos momentos de sua obra. Abordamos preferencialmente seus seminários sobre a relação de objeto (1956/1997) e sobre a angústia (1962/2005), mas um pouco mais tarde, em 1974, em RSI (ainda não publicado entre nós), no que consideramos sua última delimitação do objeto da angústia, Lacan a relaciona ao real, enfatizando que ela parte do real.
3. O conceito de real é extremamente importante nas considerações sobre a angústia. Do seminário seguinte ao seminário sobre a angústia, intitulado Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1998), Lacan define o real como aquilo que padece de sentido, constituindo-se como barreira fundamental ao significante.

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