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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148On-line version ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. vol.8 no.2 Fortaleza June 2008

 

RELATÓRIOS DE PESQUISA

 

O sofrimento psíquico no puerpério: um estudo psicossociológico

 

Post partum psychic suffering: a psychosocial study

 

 

Evelyn Rúbia de Albuquerque SaraivaI; Maria da Penha de Lima CoutinhoII

IMestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba. End.: Rua Gláucia Maria dos Santos Gouveia, 418. Joäo Pessoa, PB. CEP: 58038-640. E-mail: evelynsaraiva@hotmail.com
IIPós-doutora pela Universidade Aberta de Lisboa, Portugal. Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Docente do Departamento de Psicologia e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Aspectos Psicossociais da Prevenção e Saúde Coletiva da Universidade Federal da Paraíba. End.: Rua Dr. Frutuoso Dantas, 216. João Pessoa, PB. CEP: 58045-170. E-mail: penhalcoutinho@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Este estudo baseou-se na Teoria das Representações Sociais, buscando apreender o senso comum acerca da depressão pós-parto e da experiência materna, elaborado pelas puérperas com sintomatologia depressiva. Trata-se de uma pesquisa descritiva, realizada em um serviço público de saúde da cidade de João Pessoa, na Paraíba. A amostra foi constituída por 20 mães com sintomatologia depressiva, avaliada pela Escala de Edinburgh, instrumento para rastreamento da depressão pós-parto. As participantes submeteram-se a uma entrevista em profundidade, cujos registros, após gravados e transcritos, foram tratados pela Análise de Conteúdo Temático. As mães ancoraram as representações sociais da depressão puerperal nos seus fatores desencadeantes, objetivados nas adversidades socioeconômicas e nas conflituosas relações sociais familiares e amorosas. A maternidade foi ancorada nas experiências vivenciadas no puerpério, objetivadas na ambivalência psicoafetiva, na sobrecarga advinda com o cuidar do bebê e da família, nas mudanças na identidade feminina e nas expectativas futuras em relação à vida familiar. Encarado sob um ponto de vista psicossociológico, este estudo possibilitou a compreensão de como a mãe puérpera deprimida se sente em relação a si e como pensa a respeito dos eventos da vida cotidiana, da sua experiência materna e do seu ambiente social. Os resultados sugerem a necessidade de elaboração de programas diferenciados de políticas públicas de saúde coletiva voltados para a comunidade feminina durante sua fase reprodutiva, de modo a dar visibilidade e tratamento ao sofrimento psíquico presente no ciclo gravídico-puerperal.

Palavras-chave: sofrimento psíquico, depressão pós-parto, maternidade, puerpério, representações sociais.


ABSTRACT

This study was anchored in the Theory of the Social Representations, searching to recognize the common denominator concerning post partum depression and the maternal experience elaborated by post partum mothers with depressive symptomology. This descriptive research was administered in a public health service in João Pessoa, Paraíba. The sample was constituted of 20 mothers with depressive symptomology, evaluated by the Edinburgh Scale, an instrument for tracking post partum depression. The participants went through an in depth interview and after the information was recorded and transcribed, it was treated by the Analysis of Thematic Content. The mothers anchored the social representations of port partum depression in its triggering factors, objectified in the social-economic adversities, conflicting family and amorous relationships. Maternity was anchored in the experiences lived deeply in the post partum, objectified in the psychoaffective ambivalence, being overwhelmed by taking care of a baby and the family, in the changes in the feminine identity and the future expectations in relation to family life. This study, under the psycho-sociologic viewpoint, allowed us to understand how a post partum depressed mother feels in relation to herself, the events of her daily life, about the maternal experience and her social environment. The results suggest the necessity of the elaboration of public politics differentiated programs in collective health system directed toward the feminine community during her reproductive phase, in order to give visibility and treatment to the present psychic suffering in the gravid-puerperal cycle.

Keywords: psychic suffering, post partum depression, maternity, puerperal, social representations.


 

 

Introdução

Na sociedade atual, é visível o crescimento das doenças psicoafetivas, as chamadas "doenças da tristeza", engendradas, possivelmente, como reações da subjetividade frente às dificuldades existenciais contemporâneas, sinalizando as mazelas do homem civilizado. Enquanto uma "doença da tristeza", a depressão não deixa de refletir um adoecimento da sociedade, revelando-se como um amplo fenômeno de saúde pública que, a despeito de ser conhecido há centenas de anos, ainda se destaca pela dificuldade de definição e de explicação. Concebida como um sofrimento psíquico, a depressão é uma doença ou síndrome que se manifesta através de transtornos bio-psico-afetivos. Apresenta-se acompanhada de sintomas multivariados, que compreendem aspectos orgânicos, hereditários, sociais, econômicos e religiosos, entre outros. Representa um problema de saúde mental que preocupa os serviços de saúde, na medida em que se revela em indivíduos sem distinção de sexo, idade, classe socioeconômica, cultura, raça e país (Coutinho, Gontiés, Araújo & Sá, 2003).

Nos últimos vinte anos, tem-se reconhecido que, em algumas mulheres, a gravidez, o nascimento de um bebê e o período pós-parto podem ocasionar problemas de humor e, em particular, a depressão (Zinga, Phillips & Born, 2005; Saraiva, 2007; Saraiva & Coutinho, no prelo; Saraiva, Vieira & Coutinho, 2007). Neste sentido, Schwengber e Piccinini (2003) constataram que a depressão comumente associada ao nascimento de um bebê refere-se a um conjunto de sintomas, que incluem irritabilidade, choro freqüente, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de energia e de motivação, desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sono e sensação de ser incapaz de lidar com novas situações, além de queixas psicossomáticas.

Também denominada de depressão puerperal, depressão maternal ou depressão pós-natal, a depressão pós-parto consiste numa perturbação emocional, humoral e reativa, identificada em mulheres após o seu parto, durante o período de puerpério (Holmes, 2001). Tal como definido por Resende e Montenegro (1999), o puerpério consiste num período cronologicamente variável, de âmbito impreciso, durante o qual se desenrolam todas as manifestações involutivas ou de recuperação da genitália materna, havidas após o parto. Este período compreende as seguintes etapas, que se sucedem após o parto: pós-parto imediato, do primeiro ao décimo dia; pós-parto tardio, do décimo ao 45º dia; e pós-parto remoto, além do 45º dia.

De acordo com Camacho et al. (2006), diversas questões ainda estão em aberto no que se refere a um tema tão amplo quanto a saúde mental das mulheres no período de gestação e de puerpério. Nesta fase, o reconhecimento da depressão muitas vezes contraria a sabedoria popular, que acredita ser o período da maternidade uma época agradável e prazerosa para todas elas. No entanto, é possível encontrar, no espaço midiático, reportagens jornalísticas ressaltando a divulgação dessa em personalidades femininas, revelando os problemas do diagnóstico tardio, assim como a dificuldade das mães admitirem que não conseguem dar afeto aos seus bebês, mesmo em situações ambientais e sociais presumivelmente acolhedoras (Collucci, 2006). Por conseguinte, a depressão no puerpério afeta a saúde da mulher, com repercussões na interação social com o bebê e toda a família, consistindo um importante tópico de estudo para os profissionais envolvidos com o cuidado humano (Saraiva, 2007; Saraiva & Coutinho, no prelo; Saraiva, Vieira & Coutinho, 2007).

Os dados epidemiológicos, apontados pela literatura especializada na área, indicam a importância da avaliação precoce da depressão durante a gestação. Uma vez diagnosticado o quadro depressivo da gestante, viabiliza-se a realização de intervenções, sendo um dos objetivos principais o de apoiá-la neste momento importante de transição. Da mesma forma, o conhecimento sobre os aspectos multifacetados dos transtornos psicoafetivos da mãe, após o nascimento do bebê, representa a possibilidade da realização de intervenções multidisciplinares, tão logo os sintomas sejam detectados. Neste sentido, a atuação preventiva das equipes multidisciplinares, nesse período, pode proporcionar à nova mãe o apoio de que necessita para enfrentar os eventuais episódios de depressão. Mais do que isso, o atendimento precoce à mãe deprimida representa a possibilidade de prevenção quanto ao estabelecimento de um padrão negativo de interação com o bebê, o qual pode trazer importantes repercussões para o seu desenvolvimento posterior.

A despeito do avanço observado nos estudos sobre esta temática, as investigações sobre a depressão pós-parto têm-se concentrado, prioritariamente, nas abordagens médicas e psicodinâmicas. Pode-se observar uma afluência de pesquisadores que vêm aprofundando e descrevendo seus objetos de estudos, inclusive os relativos aos temas da saúde e da doença, fundamentados na Teoria das Representações Sociais, em concordância com a perspectiva dinâmica, numa dimensão simbólica, metafórica e imageante, elaborada no tecido social. Nesta perspectiva, destacam-se os trabalhos sobre saúde-doença e, especificamente, sobre a depressão em crianças, adolescentes, adultos jovens, idosos, soropositivos e puérperas (Saraiva, 2007; Saraiva & Coutinho, no prelo; Saraiva, Vieira & Coutinho, 2007; Coutinho, 2005; Coutinho & Saldanha, 2005; Coutinho et al., 2003).

Esta investigação se desenvolveu sob a ótica da Psicologia Social, com um enfoque psicossociológico, o que possibilitou a compreensão de como a mãe deprimida se sente em relação a si própria e como pensa a respeito dos eventos da vida cotidiana, da sua experiência materna e do seu ambiente social. Sabendo-se que as representações sociais estudam um objeto dentro de um grupo homogêneo, procurou-se apreendê-las de mulheres puérperas acerca da depressão pós-parto e da experiência de ser mãe, buscando relacioná-las com suas práticas, seus sentimentos, sensações, opiniões, conhecimentos e crenças. Além disso, buscou-se identificar e descrever os conteúdos das representações sociais das mães puérperas com sintomatologia da depressão pós-parto acerca da depressão e da experiência maternal.

Para Moscovici (1981; 1983), a Representação Social (RS) é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos. São conjuntos simbólicos/práticos/dinâmicos cujo status é o de uma produção e não de uma reprodução ou reação a estímulos exteriores, caracterizando-se pela utilização e seleção de informações, a partir do repertório circulante na sociedade, destinadas à interpretação e à elaboração do real. Assim, representar um objeto, pessoa ou coisa não consiste apenas em desdobrá-lo, repetí-lo ou reproduzí-lo, mas em reconstruí-lo, retocá-lo e modificá-lo.

O objeto representacional encontra-se inserido num ambiente ativo, reestruturado, pelo indivíduo ou pelo grupo, a partir da realidade social. Os atores sociais reconstroem a realidade tomando por base o sistema cognitivo do indivíduo, integrado aos seus valores, à sua história e ao seu contexto social e ideológico. A Representação Social funciona como um sistema de interpretação da realidade, que dirige as relações dos indivíduos com o seu meio físico e social, determinando seus comportamentos e suas práticas e guiando, portanto, suas ações sociais. Uma vez que se considere a indissociabilidade entre a experiência subjetiva e a inserção social dos sujeitos, pode-se compreender que as representações sociais das puérperas sobre seus transtornos psicoafetivos e experiência materna consistem numa interpretação coletiva da realidade vivida e falada por esse grupo social, direcionando comportamentos e comunicações.

De acordo com Nóbrega (2001), a construção sociocognitiva de uma representação passa por várias fases entre a realidade prática e o pensamento socialmente edificado, demonstrando a existência de um estilo intelectual próprio à representação social de um grupo de pertença. O uso de clichês, de expressões armazenadas em estoques lingüísticos ou fórmulas de interação social, consiste em estilos intelectivos, acrescidos das analogias e metáforas próprias de uma construção do senso comum calcada nos processos de comunicação social e no tecido social.

Estudar as representações sociais das mães puérperas, acerca da depressão pós-parto, significa compreender os processos de classificação e nomeação que permitem retirar a novidade - a experiência com a maternidade - do anonimato e colocá-la numa rede de significação, a partir do consenso do grupo de mulheres que convivem num mesmo serviço público de saúde. Neste ambiente social, são veiculadas as crenças, opiniões, sentimentos e experiências acerca da experiência de ser mãe.

Por esta razão, adotou-se uma forma de abordagem, denominada dimensional, por abarcar as três dimensões da representação social: seu campo estruturado ou imagens; a atitude que ela carrega e que lhe dá coloração afetiva; e o componente de informação que ela contém (Arruda, 2002). Estes elementos teóricos da teoria moscoviciana permitem compreender a construção, a gênese e os processos dimensionais das representações sociais, condições essenciais para apreender a teoria do senso comum elaborada pelas puérperas acerca da depressão puerperal e da experiência materna. Portanto, este estudo busca apreender as representações sociais da depressão pós-parto e da experiência materna elaboradas pelas puérperas com sintomatologia depressiva.

 

Método

Tipo e Local da Pesquisa

Trata-se de uma pesquisa multimétodo, que utiliza uma metodologia qualitativa e quantitativa, trabalhando com uma amostra não-probabilística de conveniência. Foi desenvolvida com o apoio de uma equipe multidisciplinar, num serviço público ambulatorial, situado na cidade de João Pessoa, na Paraíba, que atende mulheres de baixa renda familiar, durante o pré-natal, o parto e o puerpério.

Participantes e Instrumentos

Fizeram parte da investigação 20 (vinte) mães puérperas, que atendiam aos seguintes requisitos: a) possuíam idade igual ou superior a 18 anos; b) seus partos ocorreram entre quinze e noventa dias antes da aplicação dos instrumentos da pesquisa; e c) obtiveram pontuação igual ou superior a 11 pontos na Escala de Edinburg, sendo avaliadas, portanto, como portadoras de sintomatologia da depressão pós-parto.

Foram utilizadas a Escala de Edinburgh (Edinburgh Postpartum Depression Scale) e a Entrevista em profundidade. A Escala de Edinburgh foi validada no Brasil por Santos, Martins e Pasquali (1999) e por Cantilino, Albuquerque, Cantilino, Maia e Sougey (2003). A Entrevista em profundidade, também denominada por Minayo (1998) de entrevista aberta, é aquela em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador.

Procedimentos éticos e de coleta e análise dos dados

O desenvolvimento da pesquisa seguiu a orientação da Resolução CNS/Ministério da Saúde, nº 196, de 10 de outubro de 1996. Para tanto, obteve-se a aprovação do Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal da Paraíba (CCS/UFPB), com o cadastro no Sistema Nacional de Informações sobre Ética em Pesquisas envolvendo Seres Humanos, do Ministério da Saúde, protocolo SISNEP/MS/CAAE, nº 0080.0.126.000-06.

Após a concordância dos gestores do locus da pesquisa e da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido por parte das participantes, os instrumentos foram aplicados, numa única sessão e, por se tratar de participantes que conduziam seus bebês no colo, o pesquisador anotou as respostas à escala de avaliação da depressão puerperal. No caso da Entrevista, as falas foram gravadas com o devido consentimento das participantes.

As respostas à Escala de Edinburgh foram processadas pelo pacote estatístico SPSS for Windows e analisadas pela estatística descritiva (frequência e percentagens). Após a gravação de todas as entrevistas, as narrativas foram transcritas e os conteúdos apreendidos foram analisados por meio da análise de conteúdo temático (Bardin, 2002). As freqüências e percentagens obtidas, a partir das unidades temáticas emergentes, foram calculadas por meio do programa Microsoft Office Excel, versão 2000.

 

Resultados e discussão

O material oriundo das entrevistas foi decomposto e agrupado em duas classes temáticas, de onde emergiram seis categorias empíricas e simbólicas e dezoito subcategorias, conforme apresentadas na Tabela 1. Foram identificadas 1506 unidades temáticas, oriundas das interlocuções das participantes e as duas classes temáticas, Depressão Pós-Parto e Ser Mãe no Puerpério, aglutinaram, respectivamente, 67,9% e 32,1% dos recortes do discurso das mães.

 

 

Com relação à primeira classe temática, Depressão Pós-Parto, observou-se a emersão de quatro categorias: Concepções, convergindo 10,6% das falas; Fatores Desencadeantes, correspondente a 32,9% dos recortes analisados; Manifestações, com 50,7% das unidades temáticas; e Tratamentos, que agrupou 5,8% das falas das puérperas.

A categoria Concepções da Depressão Pós-parto agrupou as objetivações da representação social da depressão pós-natal em três subcategorias: Psicoafetivas, Físico-orgânicas e Neuro-psíquicas.

As interações psicoafetivas foram marcadas pela temporalidade que antecedeu o puerpério, como o namoro ("... a gente deixou acontecer...") e o relacionamento ("...ficou com ele..."); a notícia da gravidez ("...quando descobriu foi a maior confusão..."); a gravidez propriamente dita ("...não me sentia feliz com minha barriga..."); e o parto ("...desespero total no parto.."). Os recortes das falas sobre o namoro e o relacionamento apontam para a ingenuidade, a carência afetiva e a falta de controle eficaz e amadurecido da natalidade. Ressalte-se, ainda, a fugacidade do relacionamento sexual, ocasionada pela ausência de afeto e de compromisso conjugal, assim como pela traição. Neste contexto, a constatação da gravidez parece ser recebida pela mulher como um fato inesperado, trazendo uma avalanche de elementos estressores para a vida da futura mamãe e altamente prenunciadores de sofrimento psíquico.

O sofrimento psíquico fica demonstrado na vivência da fase gravídica, associado à dor física da ocorrência do parto. A expressão "...pensei que meu parto ia ser problemático..." demonstra a ausência de confirmação de um prognóstico, geralmente atribuída às dificuldades vivenciadas na gravidez, com provável repercussão na hora do parto. Dessa maneira, revela que, face ao sofrimento psíquico presente na fase pré-natal ("...fiquei triste na gravidez..."), a dor física do parto foi inexpressiva.

As subcategorias das Concepções Físico-orgânicas e Neuro-psíquicas da Depressão Pós-parto corresponderam à compreensão das participantes de que a depressão associa-se a uma dor física e a uma doença dos nervos, conforme mostram as unidades temáticas "...estou doente...", "...dor puxando da nuca para a cabeça...", "...fico doida...", "...chega a ser loucura..." e "...fico nervosa...". A subcategoria Físico-orgânica refere-se à concepção da depressão puerperal objetivada pelo elemento associado à lactação. Isto aponta para uma dificuldade da mãe puérpera deprimida dar atendimento eficiente ao seu bebê, principalmente na fase de aleitamento, em razão do seu adoecimento físico-orgânico. De acordo com os recortes, a depressão também é representada na esfera neuro-psíquica das participantes, o que leva a supor que as representações sociais da depressão pós-parto, elaboradas por este grupo, estão permeadas por estereótipos e preconceitos com relação à doença.

A segunda categoria que emergiu da classe temática Depressão Pós-Parto refere-se aos Fatores Desencadeantes, com os recortes das falas das puérperas agrupando-se em objetivações das representações sociais de fatores Socioeconômicos, com 27,6% das unidades temáticas, de Relações Sociais Familiares, com 29,7% e de Relações Sociais Amorosas, com a prevalência de 42,7%.

As representações sociais, ancoradas nos Fatores Desencadeantes, concentradas nas adversidades socioeconômicas, foram edificadas na difícil sobrevivência econômica e na dependência monetária de terceiros ("...a gente mora num quarto...", "...não tinha nada para comer...", "...fiquei 8 meses com minha água cortada...", "...estou na casa dos outros..."). Destaca-se a extrema pobreza deste grupo de mulheres que, diante do novo filho, vêem se agravarem as suas necessidades, já acumuladas diante de uma vivência histórica de privações econômicas, acrescidas das limitações financeiras do "pai do bebê". O inevitável recurso à ajuda financeira de terceiros, principalmente com a chegada de um bebê, coloca a mãe deprimida diante da cruel realidade do adiamento da melhoria da qualidade da sua vida, que, juntamente com a falta de suporte material por parte da sua família e do pai do bebê, completa a gama de adversidades que auxiliam na construção do senso comum da Depressão Pós-parto.

No tocante às Relações Sociais Familiares, as seguintes falas demonstram a problemática das puérperas: "...minha mãe é doente, é depressiva também...", "...apanhei muito de meu pai...", "...meu pai prejudicou a minha mãe..." e "...ninguém vê minha necessidade...". Por seu lado, as Relações Sociais Amorosas com o parceiro são ilustradas nos relatos: "...ele é uma criança sem responsabilidade...", "...chutou as coisas dentro de casa...", "...ele se aproveitou de mim...", "...reclama comigo...", "...quis que eu abortasse...", "...ele desprezou meu filho..." e "...a família dele quer o DNA...".

A estrutura do pensamento manifestado consensualmente pelas participantes, sob a ótica da família nuclear, ressalta a impossibilidade ou limitação das mães puérperas em contar com o suporte social tanto de suas mães, quanto das demais figuras femininas do universo familiar, como irmã, avó, tia e sogra, neste momento de sofrimento puerperal. Neste contexto de infelicidades, ainda se evidenciam questões relativas a uma imagem negativa dos membros masculinos da família nuclear e estendida. Nas narrativas das mães deprimidas, as figuras masculinas, tais como pais, irmãos, cunhados e sogros, apresentam-se com imagens carregadas de afetos restritivos, utilizadas para objetivarem o conceito de depressão que as participantes estão experienciando. Este quadro de adversidades, concentrado nos homens da família, é construído pelas puérperas englobando referências ao abandono, imaturidade, agressividade, violência, alcoolismo, marginalidade e desamor.

Com esta interpretação da realidade, não é surpreendente que o imaginário em torno da figura masculina associada ao parceiro, companheiro ou pai do bebê apareça carregado de simbolismos danosos para o bem-estar da puérpera. Nas objetivações das Relações Sociais Amorosas direcionadas ao "pai do bebê", são encontradas narrativas envolvendo suas características físico-orgânicas e psicológicas, além dos vínculos com outra parceira. O relacionamento afetivo-conflituoso com a puérpera aparece em destaque, agregando a maioria dos recortes das entrevistas. Também se destaca a relação do pai com o bebê, incluindo as dúvidas quanto à paternidade, além das dificuldades para assegurar o suporte econômico-social à mãe deprimida.

A categoria Manifestações da depressão puerperal agrupa os recortes das falas das puérperas deprimidas em quatro subcategorias: a Psicoafetiva, responsável por 20,4% das unidades temáticas, a Psico-cognitiva, com 41,1%, a Psico-comportamental, agrupando 34,3% e, por último, a Psicossomática, totalizando 4,2% dos sinais depressivos.

As Manifestações relacionadas à subcategoria Psicoafetiva foram objetivadas, pelas participantes, nos sentimentos de tristeza e sofrimento, enquanto as manifestações Psico-cognitivas foram naturalizadas pelos pensamentos mórbidos, pela auto-imagem negativa e pela preocupação. As Manifestações Psico-comportamentais da Depressão Puerperal concentraram-se nas expressões de choro e irritabilidade, enquanto elementos relativos às alterações fisiológicas do sono e da fome.

O elemento tristeza aparece com uma alta freqüência, indicando, em média, que cada uma das vinte mães entrevistadas manifestou a depressão pós-parto, com a expressão "...fico triste...". De modo geral, estes achados encontram respaldo na caracterização da depressão formulada tanto pelo conhecimento científico (APA, 1994; WHO, 2007; Holmes, 2001), quanto pelo conhecimento do senso comum (Saraiva, 2007; Saraiva & Coutinho, no prelo; Saraiva, Vieira & Coutinho, 2007; Coutinho, 2005; Coutinho & Saldanha, 2005). A manifestação do sofrimento vem acompanhada de metáforas, que demonstram o padecimento: "...arrasada...", "...tudo está perdido...", "...caindo no pesadelo...", "...sem chão...", "...perdida...", "...voltei à estaca zero..." e "...no fundo do poço...". São indentificadas expressões em que a mãe puérpera se auto-diagnostica, como, por exemplo: "é depressão mesmo". O auge das manifestações das representações sociais da depressão coincide com as formulações típicas do ser depressivo, que se dão de forma mórbida, com a menção a idéias suicidas e a pensamentos de morte em relação ao bebê.

Nas Manifestações Psico-comportamentais, as participantes enfatizaram os afetos dirigidos ao bebê, ao pai do bebê e à sua própria mãe, demonstrando impaciência e comportamentos de agressividade que acompanham a irritabilidade. É freqüente o registro de raiva direcionada ao bebê, ao pai do bebê e a si, com indicação de ambivalência ("...eu não podia ter raiva..."). Os elementos afetivo-comportamentais em torno do isolamento culminam com a expressão "...rejeito carinho...", significando distanciamento de contatos afetivos e tornando-se um indicador preocupante, por se tratar de mães em fase de íntimo relacionamento com seus bebês. A situação de isolamento fica mais agravada diante da alta freqüência de representações sociais da depressão pós-parto com a expressão choro. A subcategoria Psicossomática das Manifestações da Depressão Pós-parto contém indicações de alteração de sono e falta de apetite. Este conjunto de elementos, aliado à concepção da depressão enquanto uma doença, aponta, mais uma vez, para a provável limitação da mãe puérpera deprimida em interagir com o seu bebê, diante do seu adoecimento psicossomático.

A quarta categoria empírica, que emergiu da Análise de Conteúdo Temática, indica que as puérperas com sintomatologia depressiva ancoraram as representações sociais acerca da Depressão Pós-parto na busca da cura do seu transtorno afetivo, ou seja, no Tratamento. Nesta categoria, as objetivações do tratamento da depressão estão agrupadas nas subcategorias Médico/Medicamentoso (25,4%), Psicológico (8,5%), Espiritual (35,6%) e Auto-ajuda (30,5%).

As mães deprimidas demonstram a intenção futura de "...procurar o médico...", para tentarem aliviar seu sofrimento ("...quem sabe ele me ensina a me livrar desse incômodo...") e para terem acesso à medicação gratuita ("...remédio de graça..."), recorrendo a profissionais que especificamente as orientem nas dificuldades de amamentar seus bebês ("...vou mostrar meu peito no banco de leite..."). As falas apontam para uma pequena visibilidade do Serviço de Psicologia, à disposição no locus da pesquisa, enquanto recurso de tratamento da depressão pós-parto, numa atuação individual. A adesão ao tratamento psicoterápico é espontâneo e descontínuo ("...procurei a psicóloga...", "...só participei 2 vezes...") ou ainda por se concretizar ("...vou buscar ajuda..."). As mães entrevistadas recorrem a circunstâncias imprevisíveis que podem alterar o curso dos acontecimentos, como o apelo à fé, buscar forças em si próprias e aguardar o tempo passar. Além disso, podem ser encontradas representações sociais da depressão pós-parto ancoradas sob a ótica do sobrenatural e do imponderável. As expressões "...vou esperar...", "...agüentar mais um pouco..." e "...vou esperar a sorte..." assinalam as objetivações da Auto-ajuda, revelando uma representação da mãe depressiva como aquela que deve superar a doença sozinha ou buscando a resignação. O apelo à fé e aos desejos divinos, assim como ficar à espera, paralisada pela passagem do tempo ou buscando forças em si, demonstram a passividade das mães entrevistadas em gerir seu destino, agravada pela sua condição de embotamento psicofísico, comum nas alterações advindas dos estados depressivos.

A segunda classe temática, que emergiu da análise de conteúdo temático das entrevistas com as puérperas deprimidas, foi a de Ser Mãe no Puerpério. Como demonstrado na Tabela 1, essa classe temática subdividiu-se em duas categorias, as Experiências e as Conseqüências, com recortes de falas correspondentes a 65,8% e 34,2%, respectivamente. A categoria Experiências foi assim denominada por englobar tanto uma faceta psico-cognitiva da vivência materna, a Ambivalência, agrupando 59,8% das falas, quanto outro aspecto, ancorado no modo de viver e no cuidado maternal, a Maternagem, que congrega 40,2% dos recortes das entrevistas.

Para analisar a Ambivalência, tornou-se necessário recorrer ao discurso mais ampliado das participantes, de modo a não fracionar os recortes das falas, a fim de não comprometer a identificação da existência simultânea de dois sentimentos antagônicos, que definem esta subcategoria: "...um pedaço está ruim, outras partes não...", "...desde que ele nasceu minha vida tem piorado, mas por outro lado me sinto feliz com a chegada do bebê...", "...pensei que ia me distrair...mas que nada...as coisas pioraram...". A ambivalência das Experiências de Ser Mãe no Puerpério está apontada tanto para o bebê, quanto para o pai do bebê. Dirigida ao bebê, a simultaneidade de sentimentos opostos, demonstrada na narrativa das mães, revela-se nos contrastes, do tipo prazer-desprazer, aceitação-rejeição e posse-distanciamento. Direcionada ao pai do bebê, a ambivalência situa-se nas relações amorosas, nos vínculos afetivos precários e indefinidos e na transitoriedade do relacionamento conjugal.

Na riqueza de imagens para traduzir estes sentimentos opostos e conflitantes, as participantes lançam mão de conteúdos representacionais que permitem abraçar as três dimensões das representações sociais (Jodelet, 2001; Arruda, 2002): o campo estruturado ou imagens, a atitude ou coloração afetiva e o componente de informação que elas contêm. No campo das imagens, emerge a expressão "...ter filho não era o que eu pensava...", indicando mudança e reconstrução do campo representacional, diante do fato novo de ter um filho, ou melhor, de ser mãe puérpera. A própria imagem ou idéia de ambivalência exemplifica a dimensão estruturada da representação social da experiência materna. Neste antagonismo de pensamento, aparece, em alguns extratos do discurso das puérperas, a dimensão valorativa da representação social da experiência materna, através de expressões como "...missão difícil...", "...agora pior com o bebê...", "...querendo ou não... é barra...", "...está ruim...de dia, é bom de noite..." e "...não...não foi nada bom a chegada do bebê...". A dimensão informativa e os saberes deste grupo de pertença são identificados nas falas que trazem esclarecimento, como em "...parece coisa de novela...".

Na subcategoria Maternagem, vieram à tona unidades temáticas referentes às tarefas domésticas, à amamentação exclusiva e ao perfil do bebê. Do ponto de vista dos cuidados materiais, são identificadas as narrativas que demonstram o trabalho doméstico rotineiro na vida da mulher, aumentado com as tarefas de cuidar do recém-nascido. Este agrupamento de falas inclui a problemática em torno da inexperiência da puérpera com a amamentação, realçando as questões biológicas em torno da fase de lactação: "...de início o peito não tinha leite...", "...eu tentava dar o peito...e não saia nada...", "...o peito ficou pedrado..." e "...eu tenho muito leite...". Além disso, revela as impressões maternas sobre as repercussões, na vida da mãe, da alimentação do bebê exclusivamente com o leite materno, já que muda seu ritmo de sono e de descanso: "...acorda para mamar...", "...é ruim dar leite à noite..." e "...fica o dia todo no peito...".

As unidades temáticas também evidenciam os efeitos da inexperiência materna na qualidade do processo de amamentar: "...boto de um lado e de outro..." e "...não consigo dar de mamar...". A dificuldade em oferecer alimentação natural ao bebê exige da mãe a busca de orientação médica ("...a médica disse pra dar o peito..."), como também a manifestação da vontade de oferecer outra opção de leite ("...sinto vontade de dar leite de vaca...", "...ela não se satisfaz..." e "...ele quer se alimentar..."). Ao objetivarem as representações sociais sobre a experiência materna, as puérperas recorrem aos clichês inerentes à memória social do seu grupo de pertença, em relação à importância do leite materno para o desenvolvimento do bebê: "...leite de mãe, ele fica fortinho...". As falas sobre a amamentação exclusiva chamam a atenção para a necessidade de se entender a amamentação não só como um processo biológico, mas também como um sistema complexo e plural, que envolve aspectos socio-psico-culturais (Nakano, Reis, Pereira & Gomes, 2007).

A segunda categoria da classe temática Ser Mãe no Puerpério, que emergiu empiricamente, foi a das Conseqüências, que se subdividiu em duas subcategorias: Nova Identidade Feminina e Expectativa Futura, correspondentes, respectivamente, a 53,3% e a 46,7% das falas das mães.

As falas das participantes que foram agrupadas na subcategoria Nova Identidade Feminina indicam um conjunto de unidades temáticas positivas e negativas. Os elementos positivos apontam para mudanças subjetivas das puérperas na direção da elevação da auto-estima, do controle pessoal e situacional e da sua forma de pensar sobre os problemas cotidianos. Estas transformações correm no sentido de uma ação oposta aos sofrimentos vivenciados pelo transtorno depressivo, o que permite supor um renovado conhecimento ou uma nova identidade das mulheres pesquisadas.

Os aspectos negativos da subcategoria Nova Identidade Feminina incluem o descuido com a imagem pessoal feminina e a renúncia ou desistência temporária dos divertimentos e da busca de um novo emprego, face à prioridade de atender o bebê. Ainda é mencionado o lado restritivo do perfeccionismo, com a manifestação de extrema exigência das participantes consigo, avaliada como uma mania ou esquisitice: "...me exijo muito..." e "...esta mania de ser rica é de minha cabeça...". Provavelmente, os elementos contraproducentes que ancoram a nova experiência feminina, na etapa da maternidade, significam uma desadaptação, resultante da inexperiência com a função maternal. Isto pode sugerir ser o puerpério um momento de metamorfose na vida da mulher, uma fase de transição entre não ser e ser mãe, de acordo com os seguintes extratos de narrativas: "...é uma mudança muito grande...", "...ainda não me acostumei...", "...não sei cuidar dele direitinho ainda...", "...agora tudo mudou..." e "...está muito recente...".

A segunda subcategoria empírica das Conseqüências de Ser Mãe no Puerpério é a Expectativa Futura, que engloba unidades temáticas sobre as probabilidades do que há de vir ou de ser na vida do bebê e da própria mãe.

A análise de conteúdo temático fez emergirem os recortes dirigidos ao bebê, em relação às Expectativas Futuras quanto ao seu crescimento, à sua educação e às dádivas e mimos. As esperanças futuras com o crescimento do bebê convergem para mudanças a curto e longo prazo. Quanto às mudanças próximas, relativas aos primeiros meses da vida do bebê, aparecem as seguintes previsões de variações físicas e orgânicas: "...ele vai crescer...", "...ele vai largar o peito...", "...ele vai me ajudar...", "...ela vai saber dormir direito..." e "...ela vai controlar o sono...". As transformações a longo prazo sobre o crescimento do bebê concentram-se nas conseqüências que virão com o distanciamento da mãe para desenvolver atividades laborais e nas dúvidas sobre a pessoa que a substituirá nos cuidados com o bebê ("...não sei como vai ser quando eu for trabalhar...", "...quem vai ficar com ele..." e "...vai ter que passar para a mão de outra..."). Quanto às Expectativas Futuras relacionadas à educação e às dádivas e mimos oferecidos ao bebê, as mães entrevistadas expressaram desejos de melhorias na qualidade de vida dos seus filhos: "...dar o que a gente não teve...", "...a gente quer passar tudo pra ele..." e "...eu não quero que eles passem o que passei...".

As participantes da pesquisa também se referiram às Expectativas Futuras em relação às suas vidas, agrupando as falas em esperanças que estão ao alcance de uma decisão da mãe: relacionamento afetivo, profissionalização e controle da natalidade. As mudanças futuras nos vínculos afetivos são objetivadas por elementos direcionados para a união conjugal ("...vontade de dar um pai para meu filho..."; "...a gente vai ficar mais unido..."; "...coisa de casamento...") e para a separação dos laços afetivos atuais ("...desligar dele..."; "...não quer conversa com ele..."; "...sair dessa obsessão..."; "...eu deixo o pai do meu filho..."). A decisão futura também se voltou para os estudos, para a profissionalização e para o início ou retorno ao trabalho. Os cuidados que estão nos planos futuros da mãe puérpera ainda incluem as questões contraceptivas, direcionadas para os métodos anticoncepcionais ("...quero voltar a tomar pílula..."; "...não quero usar diu..."; "...penso em ligar..."), assim como para o desejo de não voltar a engravidar ("...não quero ter outro filho..."). O conhecimento de métodos anticoncepcionais, aliado ao desejo de não ter filho, parece se contrapor à situação ingênua encontrada nas unidades temáticas da Concepção Psicoafetiva da Depressão Pós-parto.

 

Considerações finais

Os achados da pesquisa revelam que a construção das representações sociais da experiência materna, pelas puérperas estudadas, encontra-se edificada sobre a mediação das suas vivências e das suas lembranças, envolvidas nas adversidades psicossociais que, historicamente e socialmente, as acompanharam durante o desenvolvimento das fases que antecederam o nascimento de seus bebês. A ancoragem nos elementos psicoafetivos da temporalidade e das relações sociais familiares e amorosas marcou a elaboração das representações sociais, tanto da depressão puerperal como da experiência da maternidade, reveladas por meio de objetivações naturalizadas na composição histórica e factual do discurso das puérperas depressivas.

Dentre as manifestações psico-cognitivas em que estão ancoradas as representações sociais da depressão pós-parto, elaboradas pelas participantes, as evocações e falas que refletem situações preocupantes, relacionadas a pensamentos mórbidos, fazem prever a possibilidade da concretização de condutas destrutivas a serem exercidas por essas mães, com foco em si e em seus bebês. Estes dados justificam a necessidade do conhecimento aprofundado do pensamento elaborado no universo consensual das mães, a fim de se tentar apreender o seu sofrimento psíquico, que tem repercussões na consolidação ou modificação da identidade feminina. Em função disso, esse conhecimento deve ser suficientemente amplo e sistêmico, de modo a abranger tanto a saúde física quanto a saúde psicológica da mulher.

Dessa maneira, os resultados apontados poderão servir de reflexão, com vistas à elaboração de programas diferenciados de políticas públicas de saúde coletiva, voltados para a comunidade feminina durante sua fase reprodutiva. Por fim, este estudo vem demonstrar que, de acordo com a teoria do senso comum, não é mais admissível que a comunidade acadêmica, particularmente no que se refere aos especialistas das diversas áreas do saber, continuem ignorando singelas e triviais verdades, tais como as referentes às mães puérperas, comprovando o quanto o pensamento dito ingênuo veicula significado e merece atenção.

 

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Recebido em 9 de novembro de 2007
Aceito em 24 de março de 2008
Revisado em 24 de abril de 2008

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