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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.9 n.2 Fortaleza jun. 2009

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

As tecnologias, as subjetividades contemporâneas e o (hiper)controle

 

 

Cristianne Maria Famer Rocha

Doutora do Programa de Pós-Graduação do Brasil. Atualmente, é Consultora Internacional da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS). End.: R. Irmão José Otão, 170, apto. 905. Porto Alegre-RS. CEP: 90035.060. E-mail: cristianne.rocha@terra.com.br

 

 


RESUMO

Vivemos, atualmente, sob a égide de uma ordem discursiva que nos sugere existir uma série de vantagens relacionadas à introdução e à manutenção das "novas" tecnologias em nossas vidas. Ao mesmo tempo, é preciso analisar o quanto esta potente ordem discursiva fortalece um sistema de pensamento, típico das sociedades de controle, onde os inúmeros recursos e produtos (sobretudo os tecnológicos) oferecidos e disponibilizados no "mercado", visam, quase que exclusivamente, que nos tornemos sujeitos hipercontrolados. Com o objetivo de refletir sobre alguns dos discursos produzidos e veiculados em duas revistas de circulação nacional (Veja e IstoÉ), busca-se compreender a produtividade destes textos e imagens que sugerem o que devemos fazer e quais tecnologias, mecanismos ou instrumentos devemos utilizar para vivermos melhor o presente e o futuro, ainda que nos tornemos virtualizados, digitalizados, biônicos, chipados, controlados e sós. As promessas são muitas, e analisar tais discursos nos permite reconhecer a multiplicidade e a instabilidade dos mesmos, as ênfases e os recursos utilizados, além das possíveis relações com outros discursos que circulam e fortalecem a necessidade de vivermos um uma sociedade altamente tecnológica, mesmo que o custo dos benefícios anunciados produza, entre outros malefícios, um (hiper)controle sobre todos nós.

Palavras-chave: tecnologias, subjetividades, sociedade de controle, (hiper)controle, mídia


ABSTRACT

Currently we live under a discursive order that suggests the existence of a series of advantages related to the introduction and the maintenance of the "new" technologies in our lives. At the same time, it is necessary to analyze how much this potent discursive order strengthens a system of thought that is typical of the control societies, where all the resources and products (technological ones, above all) that are provided and made available in the "market" aim, almost exclusively, that we become hypercontrolled subjects. Aiming to reflect upon some of the discourses that are produced and published in two Brazilian nationally-distributed magazines (Veja and IstoÉ), it is sought to understand the productivity of these texts and images that suggest what we have to do and which technologies, mechanisms or tools we have to use to live the present and the future in a better way, even though we may become virtualized, digitalized, bionic, chiped, controlled and lonely. There are many promises, and analyzing these discourses allows us to recognize their multiplicity and instability, as well as the emphases and the resources that are used, besides the possible relationships with other discourses that circulate and strengthen our need to live in a highly technological society, even if the cost of the announced benefits produces, among other harms, a (hyper) control over all of us.

Keywords: technologies, subjectivities, control society, (hyper) control, media


 

 

As "novas" tecnologias invadem nossas vidas

Não somente a geladeira inteligente ou a mesa que esquenta os pratos. Mas o garçom telemático, o médico digital, o monitor que testa as comidas exóticas. Em nome do High Design e da criatividade italiana. (Casalegno, 1999, p.78, trad. minha).

Uma nova "raça" de objetos inteligentes irá salvar os homens, disponibilizando, democraticamente às comunidades "inteligentes", máquinas, utensílios e tecnologias que permitirão à humanidade interagir, dialogar consigo própria, com suas necessidades e com tais objetos:

A verdadeira revolução que nos espera é relativa à possibilidade de que cada objeto deva se comunicar conosco, com os outros objetos e com o seu ambiente. A inteligência do objeto será o fenômeno que transformará a nossa existência. Nós não interagiremos mais com objetos passivos, digamos "mortos", mas sempre mais com coisas capazes de aprender. Objetos inteligentes, portanto, que aprenderão sempre mais a viver no nosso cotidiano, conhecerão os nossos gostos e os nossos hábitos, assumindo finalmente o papel de mordomo silencioso e inteligente capaz de entender as pequenas sutilezas de nossos desejos, de nossos humores. Estarão às nossas ordens, capazes de tornar o nosso cotidiano mais agradável. (Casalegno, 1999, p.80, trad. minha, grifo do autor).

Não precisar sair de casa para trabalhar, para comprar, para passear; não precisar viajar para conhecer lugares, comidas e pessoas exóticas; não precisar tocar para sentir; não precisar de livros, jornais ou revistas para ler; não precisar realizar as tarefas domésticas, não precisar estar presente para atestar a presença; enfim, estas são algumas das muitas novidades que se apresentam, nestes tempos e espaços atuais, como revolucionárias e ultranecessárias.

Tudo isto e muito mais está sendo pensado, projetado, visualizado, desejado por empresas e programadores para que, em um futuro muito próximo, a interconexão digital seja a lógica de nossos relacionamentos interpessoais.

A tecnologia está permitindo também que se façam visíveis as ações públicas (não só as ações governamentais, mas também aquelas empresariais, societais, organizacionais, de todos os poderes de um modo geral), antes fechadas nos tradicionais modos de arquivamento documental ou de comunicação pessoal, através da ciberdemocracia (Lévy, 2002):

As grandes empresas no mundo são em sua grande maioria [sic] comunidades virtuais: elas se comunicam por e-mail, possuem sites na web, intranet etc. Atualmente, ser uma comunidade virtual e aperfeiçoar seus processos de cooperação intelectual tornou-se a norma das empresas e das instituições em geral. (p.2)

O uso que se fizer da Internet poderá, portanto, segundo Lévy (2002), conduzir a uma renovação da democracia participativa local ou mundial. Será necessário, de qualquer forma, um comprometimento dos cidadãos para que utilizem as tecnologias disponíveis com responsabilidade e de forma inclusiva. Para promover a "inclusão digital", não basta, por exemplo, dotar uma comunidade de um software que permita realizar fóruns de discussão on-line ou conectar uma cidade para que aconteçam transformações radicais (Casalegno, 1999), já que tal tecnologia não garantirá, de imediato, a participação democrática e o envolvimento dos cidadãos na gestão pública.

Ao mesmo tempo, é preciso ficar atento para algumas das contradições produzidas nos tempos atuais, em que as grandes produções técnicas e tecnológicas convivem com as dinâmicas típicas de sociedades em desenvolvimento. A convivência entre interesses globais e realidades locais tem provocado interessantes - para não dizer "esquizofrênicas" - situações:

Em geral, os relatos sobre essa teia global (...) são expressos [como] um lugar incrível, onde tribos das mais remotas florestas tropicais digitam em laptops, avós sicilianas conduzem e-business e adolescentes globais compartilham (...) uma cultura de estilo mundial. (Klein, 2002, p.19).

Uma outra contradição contemporânea diz respeito à "perpetuação da miséria análoga à proliferação dos direitos" (Passetti, 2002, p.136), pois a rede democratiza saberes na mesma proporção que aristocratiza relações: para conhecer, é necessário possuir meios e modos tecnológicos nem sempre disponíveis ou acessíveis àqueles sem espaço, sem tempo, sem opção ou sem emprego.

A crescente individualização na rede também é preocupante: somos muitos e sós. A interação com milhões de instituições, grupos e indivíduos através da Internet faz-nos crer que não estamos sozinhos, porém os "chats, netmeetings, pontos de encontro, grupos de discussão e outros similares representam a forma mais explícita e menos formal da nossa participação [sempre mais] individualizada". (Soares, 2001, p.39)

As operações que, atualmente, podem ser realizadas dentro de nossos casulos, diretamente através do controle remoto ou do mouse interativo, maximizam o tempo e minimizam o esforço:

O controle remoto é uma máquina sintática, uma moviola caseira de resultados imprevisíveis e instantâneos, uma base de poder simbólico que é exercido segundo leis que a televisão ensinou a seus espectadores. Primeira lei: produzir a maior acumulação possível de imagens de alto impacto por unidade de tempo e, paradoxalmente, baixa quantidade de informação por unidade de tempo ou alta quantidade de informação indiferenciada (...). Segunda lei: [explorar ao máximo a competição] entre áudio e vídeo. Terceira lei: evitar a pausa e a retenção temporária do fluxo de imagens (...). Quarta lei: a montagem ideal, ainda que nem sempre possível, combina planos muito breves; as câmeras devem mover-se o tempo todo, para encher o vídeo com imagens diferentes e assim evitar a mudança de canal. (Sarlo, 1997, p.57-58).

Na observância dessas quatro leis, reside o sucesso do controle remoto, mas também o do computador interativo e das outras tecnologias que precisam, para sobreviver, exercitar o fascínio do zapping1 permanente. Os equipamentos eletrônicos, em geral, nos permitem acreditar que temos a liberdade e a rapidez (necessárias e desejadas) para podermos percorrer o mundo, o mercado, o banco, o shopping center e, mais recentemente, o médico a bordo de um ônibus espacial atômico, com o mínimo de esforço, o máximo de prazer e nenhum custo aparente (Sarlo, 1997).

Segundo Lévy (2000), uma "crise de sentido" percorre a nossa existência graças ao sentimento de ser estrangeiro na sua própria pátria; à desinstitucionalização das "sagradas" instituições modernas (a família, o quartel, a fábrica, a escola); à rápida obsolescência dos conhecimentos; ao saber-estoque, que é substituído pelo saber-fluxo que os sistemas tradicionais de ensino não sabem mais transmitir; aos ofícios, que se transformam rapidamente, fazendo com que as noções de carreira ou profissão percam espaço para as discutíveis competências; às religiões, que são cada vez mais uma opção individual; às drogas lícitas e ilícitas, que ganham mercado; e à manipulação genética que rediscute o sentido da existência e dos nascimentos (dos sexos, dos genes) tecnicamente programados:

Não é somente nosso DNA biológico que é examinado para ser criado e talvez modificado, mas todos os DNAs possíveis: políticos, sociais, profissionais, familiares, culturais, religiosos, psicológicos, epistemológicos, todas as fontes do sentido e da identidade, que são e serão cada vez mais, no futuro, carregadas em um processo de mutação do qual ninguém conhece o sentido e a finalidade global. (Lévy, 2000, p.26).

Entre os fatores causadores desta crise, Lévy (2000) cita três: a aceleração geral das evoluções (científicas, técnicas e econômicas), a sensação de encolhimento do planeta e o desenvolvimento das telecomunicações, dos meios eletrônicos e da informática que interconecta tudo a todos e vice-versa:

...Dentro de alguns anos, todas as pessoas, todos os objetos, todos os textos, todas as obras, todas as instituições, todas as maneiras de pensar terão seus sítios WEB, bem como seu endereço de correio eletrônico, e serão, pois, virtualmente conectadas em uma única rede. (p.27-28)

As redes, porém, ao mesmo tempo em que conectam, possibilitam a utilização de outros interessantes (e nem tão democráticos) mecanismos - de sujeição, de disciplinamento e de controle - tal como veremos a seguir.

 

Redes de conexão e de controle: recursos para uma boa economia das práticas

As várias maneiras de nos relacionarmos (social, política e/ou culturalmente) com o outro - e, particularmente aquelas maneiras tipicamente "modernas" que procuram conhecer, descobrir, desvelar, estudar, classificar - não foram sempre as mesmas. As relações interpessoais, por exemplo, se diferenciaram ao longo dos séculos e das culturas. Se - para ilustrar - considerarmos a cultura ocidental na relação entre reis e súditos, atos tais como aqueles de obediência, castigo e violência eram os mais comuns. Com o crescimento da população mundial, novas tecnologias de controle e medição populacional - os estudos estatísticos, por exemplo - tiveram que ser adotados para manter docilizados e governamentalizados2 tantos corpos e tantas mentes.

Se o poder-força física (ou violência) tornou-se menos exemplar (ou menos produtivo), porque sempre mais se rebelavam e se insurgiam contra ele - e, portanto, o mesmo deveria ser menos utilizado - outras formas de exercício de poder foram sendo colocadas em prática, a fim de manter sob controle as indesejáveis e crescentes massas indisciplinadas.

Diferentemente da concepção de poder exercido por alguém ou algo contra outro(s), em uma relação de força (violenta) em que o mais "forte" vence o mais "fraco" (ou, em último caso, mata o mais fraco), Foucault (1989; 1999) nos aponta que existe uma outra forma de exercer este poder que deixa de ser simples violência, para ser um jogo de relações, baseado no saber (conhecimento sistematizado, difuso, adquirido) e que funciona como uma "maquinaria, (...) uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas [que] se dissemina por toda a estrutura social" (Machado, 1989, p.XIV). O poder, para Foucault (2000), é exercido mediante a produção de verdade: "...[ele] não se dá, nem se troca, nem se retoma (...) ele se exerce e só existe em ato". (p.21) Além disto, ainda segundo Foucault (1999), ele deve ser compreendido como

...a multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de tal organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou, ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais. (...) O poder [portanto] não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados; é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada. (p.88-89)

Assim, o poder não está situado em uma matriz geral (seja o Estado, os tribunais, a escola), mas ele vem de baixo, desmitificando a dualidade entre dominantes e dominados. Como afirma Machado (1981), os poderes

...funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos a que nada ou ninguém escapa, a que não existe exterior possível, limites ou fronteiras. Daí a importante e polêmica idéia de que o poder não é algo que se detêm como uma coisa, como uma propriedade que se possui ou não. Não existe de um lado os que têm o poder e do outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que poder é algo que se exerce, que funciona. ...Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação. (191-192).

As relações de poder são, ao mesmo tempo, intencionais e não subjetivas. Para Foucault (1999), não há exercício de poder que não pressuponha um conjunto de miras e objetivos, jamais resultando da escolha ou da decisão de um sujeito, individualmente, mas somente como resultante de táticas que se desenvolvem no corpo social, trazendo, implícitas, as estratégias anônimas "quase mudas, que coordenam táticas loquazes, cujos inventores ou responsáveis quase nunca são hipócritas" (p.91, grifo do autor).

Segundo Foucault (1989), em uma sociedade como a nossa, o exercício do poder é capaz de produzir discursos de verdade com efeitos muito produtivos. Ao produzirmos saberes, organizamos um sem-número de práticas que nos condicionam (disciplinam) a nos relacionarmos conosco e com os outros a partir destes conhecimentos produzidos e reconhecidos como verdadeiros. Através deles exercemos poder, sujeitamos o outro, impomos as nossas vontades/verdades. A produtividade deste poder, por sua vez, está relacionada à capacidade do mesmo em inter-relacionar posições diferentes, economizando os "custos" de uma imposição violenta que explicitamente domina, viola, violenta, obriga. O poder produz diferentes arranjos (subjetivações) na medida em que é exercido, na medida em que se reage e se resiste a ele. Ao se utilizar um outro saber, uma outra verdade, são criadas novas forças, que impõem e sujeitam em função de outras argumentações. A produção destas "reações" - ações sobre ações, tais como "incitar, induzir, desviar, facilitar ou dificultar, ampliar ou limitar, tornar mais ou menos provável..." (Deleuze, 1998, p.120) - é que qualifica o poder como produtivo, uma produtividade econômica que faz inventar outras estratégias, tornando-o potente e engendrando saberes que o justificam e encobrem:

O que faz com que o poder se mantenha, seja aceito, é essencialmente o fato de não ser percebido apenas como potência que diz não, mas sim que (...) produz coisas, induz prazer, forma saber, produz discursos; tem-se que considerá-lo como uma rede produtiva que passa através de todo o corpo social ao invés de uma instância negativa que tem por função reprimir. (Foucault, 1995, p.137, trad. minha)

A verticalidade da violência e da força física vai, aos poucos, cedendo lugar à horizontalidade do poder "disciplinar": um poder ligado aos saberes cada vez mais difusos no mundo, que, se espera, produza corpos dóceis que reagirão ou resistirão ao poder sempre em relação a um outro exercício de poder, onde a força física não será mais tão necessária, por não ser a única forma de imposição do desejo de alguém ou de sujeição do outro.

Ao dispensar as relações violentas, a disciplina (dos corpos) se torna extremamente útil ao exercício do poder, pois ela

...fixa; imobiliza ou regulamenta os movimentos; resolve as confusões, as aglomerações compactas sobre as circulações incertas, as repartições calculadas. Ela deve também dominar todas as forças que se formam a partir da própria constituição de uma multiplicidade organizada; deve neutralizar os efeitos de contrapoder que dela nascem e que formam resistência ao poder que quer dominá-la: agitações, revoltas, organizações espontâneas, conluios... (Foucault, 1997, p.192-193).

A disciplina produz uma forma diferente de exercer o poder (ou assujeitar o outro), já que através dela é possível "observar, comparar e controlar os rendimentos, as presenças e as ausências dos monocromáticos sujeitos-pontos: modelo panóptico de ver o todo permanentemente. Aqui se individualiza globalizando e se globaliza individualizando". (De Marinis, 1998, p.32, trad. minha) O olhar disciplinador está sempre atento, olhando para cima e para baixo, intervindo continuamente, é perseverante, consequente, cotidiano e sistemático. É, acima de tudo, vigilante.

A vigilância é um mecanismo, uma tecnologia de coerção "leve", permanente e que, ao se internalizar, nos impõe a, disciplinada e docemente, agir segundo aquilo que cremos (ou que nos fazem crer) estar dentro da norma. Não precisamos do "olhar do outro" e de sua força física para que violentamente leis e obrigações nos sejam impostos; basta sabermos que nos vigiamos recíproca e continuamente para impedirmos a manifestação indesejada de atos obscenos, anormais, indisciplinados, ilegais etc.

A contínua docilidade se sustenta em alguns mecanismos ou tecnologias de exercício de poder, tais como a constante disciplina, o exame, o controle dos tempos, dos espaços e dos movimentos, a organização, a ordem, a hierarquia.

No poder disciplinar, o exercício de governar os outros e a si mesmo - talvez o grande problema deste mundo atual, cuja população cresce rapidamente, em que os limites territoriais precisam ser continuamente bem demarcados e reconhecidos, os recursos econômicos começam a se fazer sempre mais escassos e os instrumentos de segurança precisam se "modernizar" para poder fazer frente às constantes reações aos atos violentos - se desloca do indivíduo único, soberano e detentor de todos os privilégios - inclusive e, sobretudo, aquele de comandar os outros segundo sua própria vontade e desejos - para se alargar (responsabilizando mais pessoas) e "conseguir o máximo resultado a partir de uma aplicação mínima de poder". (Goldstein citado por Veiga-Neto, 2002, p.25)

Este outro jeito de se exercer o poder - circular, relacional - ou "esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança" (Foucault, 1989, p.291-292) - entre outras duas acepções referidas por Foucault - foi por este autor chamada de "governamentalidade" que, segundo Rose (1998),

...se tornou o terreno comum de todas as nossas formas modernas de racionalidade política, na medida em que elas constroem as tarefas dos governantes em termos de supervisão e maximização calculadas das forças da sociedade. A governamentalidade é o conjunto formado pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, os cálculos e as táticas, que permitem o exercício dessa forma muito específica, embora complexa, de poder e que tem como seu alvo a população. (p.35-36).

Ao descrever, analisar, calcular, relatar ou organizar dados e fatos relativos a nós mesmos, estamos nos governando, impondo nossos limites e possibilidades dentro desta circunscrita teia, nos localizando em seus emaranhados, nos disciplinando, determinando a nós mesmos nossas posições e aquilo que consideramos ser nossas "liberdades".

A submissão do corpo pelo controle das idéias - com o poder-saber regulando, regulamentando e disciplinando sujeitos sempre mais assujeitados - começou a entrar em discussão e causar incômodos com o vigor da crescente descrença nas verdades absolutas, sejam elas científicas ou não. Se por um lado a globalização parece ter massificado hábitos, culturas e povos, por outro lado nos fez perceber que somos muitos e, sobretudo, diferentes. A tentativa de universalização de nossas sociedades, culturas, economias e compreensões de mundo acabou produzindo mais conflitos do que se poderia esperar.

A população mundial e a escassez de alimentos continuaram a crescer; as "consagradas" formas de manutenção do capital - com o constante aumento da pobreza, da exclusão, do desemprego, da queda do consumo, da falência da produção primária, da violência - se atualizam para produzir novos sentidos; os índices de qualidade de vida são desiguais nas várias regiões do mundo e a acumulação/produção de bens e serviços de "última geração" não conseguiram nos fazer alcançar as tão sonhadas igualdades, justiças e fraternidades universais. Bons exemplos deste desequilíbrio e constante sofrimento mundial são as contínuas guerras e guerrilhas regionais, às vezes motivadas pela divisão ou libertação territorial em relação a uma outra nação/área, outras motivadas pelas questões étnicas, ou pelas questões econômicas, ou pelos motivos sociais "preocupantes", tais como o narcotráfico, o tráfico de bebês, as correntes imigratórias do chamado "terceiro" mundo para o primeiro, o destino do lixo nuclear, o terrorismo, entre tantos outros.

Interessante artigo foi publicado por Ottone (1999), questionando "o falso progresso" e as inevitáveis consequências do capitalismo avançado que produz muita comida para os povos que já estão no limite do seu excesso de peso, com doenças cardiovasculares graves e contínuo desperdiçar de alimentos (em comparação aos que nada têm para comer e morrem de fome); que produz tantos bens de consumo duráveis (tais como automóveis, eletrodomésticos, telefones celulares) quando sequer se tem espaço físico para conviver com a enorme variedade deles sem que causem tantos transtornos; que produz serviços, turismo e viagens sempre menos desejados, pois cada vez mais se procuram lugares paradisíacos, isolados e distantes para serem consumidos; que produz desenvolvimento que deveria produzir emprego, apesar do constante aumento do desemprego mundial.

Além disto, Cardoso Jr. (2002) argumenta que a crise da sociedade disciplinar está diretamente relacionada à ineficiência de suas instituições mais poderosas: "a família já não forma moralmente, aprendemos, na escola, o que não se deve, [e] a prisão já não recupera". (p.194)

Deleuze (1998), apropriando-se do conceito de "controle" desenvolvido por Burroughs, escreve-nos também que as sociedades disciplinares - pelo acima exposto, mas também pelo tipo de desenvolvimento tecnológico e industrial que tem caracterizado nossa sociedade de consumo - estão sendo substituídas pelas sociedades de controle. Mais econômicas, permitem que o controle seja contínuo e que seja feito abertamente, e que a comunicação seja instantânea.

Continuamente se publicizam e se informam as pessoas sobre os "novos" modos de manter sob controle os espaços públicos e privados: câmeras que filmam dia e noite; raios-x que fazem ver todos os objetos desejáveis e aparentemente invisíveis; cartões magnéticos cujas senhas podem permitir ou não o livre acesso; binas que informam, antes mesmo de se atender ao telefone, quem está chamando; os telefones celulares que permitem encontrar qualquer pessoa em qualquer lugar; as redes de acesso à TV por assinatura (que controlam quem vê o quê, quando e porque); os telefones com câmeras que permitem também "ver" ao invés de só escutar e falar; a Internet e suas infinitas possibilidades de controle: microcâmeras, redes de acesso, senhas de acesso, contadores de acesso às homepages; entre inúmeras outras tecnologias continuamente criadas para permitirem o "livre" acesso às informações pessoais de cada um de nós.

É importante salientar que esta rede de observação permanente (vigilante e controladora) sempre existiu - seja na sociedade de soberania (onde o poder se exerce pela ação violenta, normalmente em praça pública, e o suplício é o melhor dos exemplos), seja na sociedade disciplinar (onde o poder-saber se exerce pela disciplina que seleciona, divide, segmenta, classifica, ordena, categoriza, hierarquiza, normaliza e centraliza). No entanto, é na sociedade de controle que ela tem maiores possibilidades de ser mais eficiente e mais eficaz, com um maior número de tecnologias ou instrumentos que permitem controlar, por um tempo infinito e em um espaço indeterminado, o maior número de indivíduos:

Os fluxos tecnológicos (...) tornam-se cada vez mais importantes para o controle porque eles são meios de extensão, isto é, de virtualização do corpo humano. Eles não se contêm em fornecer ao corpo grandes braços virtuais (uma ferramenta, uma máquina) ou um cérebro ampliado (computadores), pois os fluxos que eles produzem, os fluxos que eles são, penetram nosso corpo, modificando-o, já que extrapolam nossas relações psicomotoras naturais. (Cardoso Jr., 2002, p.195).

Embora reconheça que a eficiência e eficácia de um sistema tecnológico esteja diretamente relacionada à capacidade dos seres humanos de fazerem tais tecnologias funcionarem adequadamente, o pesquisador Marvin Minsky - tido como o "papa da Inteligência Artificial" - do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos, em entrevista à IstoÉ (Máquinas, junho 10, 1998), afirma que em breve os computadores substituirão as pessoas na realização de atividades e tarefas, até bem pouco tempo atrás, impensadas. O Jornal da Ciência (Computador, julho 9, 2004) também apresenta dados e fatos que confirmam tais argumentos, ao reportar os resultados de uma pesquisa, feita nos Estados Unidos, com macacos, em que o computador lê os pensamentos (e capta as intenções) dos símios. Tais pesquisas, ainda segundo este Jornal, visam à criação de próteses robóticas inteligentes que poderão, no futuro, substituir muitas das (consideradas) inúteis ações humanas e seus esforços demasiados.

Mudou a lógica de exercício dos poderes: a violência física (que visa a controlar os corpos e às ações através do suplício, da marca, da força física) ainda existe, embora menos frequente e mais reprovável; o poder-saber continua disciplinando, embora menos acreditado; o controle se instrumentalizou com variadas tecnologias. Mudou (está mudando), sobremaneira, o modo como nos fazemos sujeitos na atual sociedade de controle: são valores, desejos, verdades, práticas etc, que nos agenciam e nos modelam de acordo com interesses complexos e, não raras vezes, antagônicos. Os fluxos tecnológicos nos perpassam permanentemente e, utilizando-nos de tais fluxos, nos tornamos fluidos, difusos, moleculares, modulares, ínfimos, controláveis. Da força física à câmara invisível, continuamos, portanto, constantemente controlados.

 

Sobre os sujeitos tecnológicos (ou sobre os Cyber-zumbis)

Sem sentido, sem passado, sem presente, sem futuro, sem liberdade, sem tempo, sem espaço, sem esperança, sem utopia; aos excluídos claustrofóbicos cyber-zumbis3 resta investir pesadamente em segurança privada, em rastreadores de veículos, em "câmaras [sic], satélites, computadores e até um chip implantado sob a pele...". (Lepiani, 2001, p.77).

A necessidade destes investimentos é ilustrada por inúmeras reportagens publicadas continuamente na mídia. Para ilustrar, as alternativas apresentadas para vigiar a casa são: webcam (câmara simples conectada ao micro transfere a imagem para um endereço na Internet), videoporteiro (interfone com câmara embutida para identificar visitantes), time lapse (videocassete capaz de gravar até 1.280 horas, como se tirasse uma foto do ambiente de tempo em tempo), DVR (gravador digital para microcomputador; registra imagens só quando há mudanças no ambiente), e espião portátil (sistema sem fio, complementar ao DVR; usa um computador de mão para acessar as imagens de qualquer lugar).

O Digital Angel ("anjo digital" ou o chip antes referido) já está sendo comercializado no mercado americano para, argumentam, dar maior segurança (nos casos de sequestro ou perda de crianças ou animais) ou melhorar a vida das pessoas (pelo envio de sinais a um centro médico, avisando que a pessoa sofreu um acidente, por exemplo, ou está passando mal). Além destas duas aplicações, outros possíveis usos são referidos: pacientes com mal de Alzheimer, Parkinson, problemas cardíacos, epilepsia e diabetes; crianças desacompanhadas; idosos com saúde frágil ou problemas de senilidade; presos em liberdade condicional ou aguardando julgamento; localização de animais; rastreamento de objetos e veículos roubados ou perdidos; controle de soldados ou policiais; e monitoramento de funcionários. (Lepiani, 2001)

O Digital Angel nada mais é do que um chip do tamanho de uma moeda de um centavo, que pode ser embutido no relógio de pulso, em uma fivela de cinto, na argola de um brinco ou ser implantado sob a pele de uma pessoa; e é alimentado apenas pela energia gerada pelo próprio corpo. Este chip envia e recebe, eletronicamente, sinais vitais (tais como batimentos cardíacos, pressão arterial) que podem ser captados por um satélite, a fim de rastrear ou localizar uma pessoa em qualquer lugar do planeta:

O lançamento do Digital Angel é um exemplo extremo das mudanças que envolvem um dos aspectos mais prezados da vida em sociedades avançadas: o direito à privacidade. (...) A privacidade virou uma moeda de troca. Ao aceitar as comodidades oferecidas pela tecnologia, as pessoas concordam em renunciar à parte de sua individualidade. (Lepiani, 2001, p. 78)

Os sites da Internet são permanentemente rastreados e através deles é possível identificar os hábitos dos consumidores; os cartões bancários ou de crédito permitem saber onde e quando a pessoa circulou nos últimos meses e o que comprou; as antenas localizadas em toda parte conseguem captar os movimentos pelos sinais que o aparelho celular móvel emite; nas grandes cidades, muitos movimentos são registrados e acompanhados por câmeras de vídeo. Na própria reportagem citada, um dos aspectos que demonstra a irreversibilidade deste processo de vigilância contínua é o fato de que ninguém está impondo nada a ninguém: "é tudo consensual" (Lepiani, 2001, p.79).

Algo interessante - embora fictício e, talvez, exagerado em sua tentativa de nos convencer de como será a nossa vida em um futuro não muito distante - é o filme de Tony Scott, Inimigo do Estado (Marconi, 1998). Nele, é mostrado como é a vida dos personagens "agenciada" pela Agência Nacional de Segurança e o seu total estado de aprisionamento produzido por câmeras infinitas, satélites de localização permanente, chips, microfones diminutos, bancos de dados e toda uma parafernália de equipamentos que sabemos existir, mas que não imaginamos (nem desejamos) que possam ser usados para nos espionar, rastrear, controlar. O fato de o filme ter sido ambientado nos tempos e espaços atuais - ao contrário de outros que também retratam este tema, mas que nos mostram paisagens e cenários futurísticos - dá ao mesmo um caráter ainda mais terrificante. Ao final do filme, a sensação que fica é a de angústia, pois nos sentimos passíveis de sermos (ou já estarmos sendo) "capturados" a todo instante, em que os aparelhos de rastreamento e espionagem fazem desta nova modalidade de monitoramento digital uma arma poderosa contra o anonimato e o desejo de se permanecer oculto.

A dúvida em relação ao possível "exagero" do aprisionamento cotidiano parece não se justificar, no entanto, se considerarmos que a eterna vigilância deixou de ser privilégio das aplicações militares e começa a observar os cidadãos comuns. Através do "sensoriamento remoto" ou dos Sistemas de Informações Geográficas (SIG), empresas utilizam imagens de satélites-espião que são captadas e estudadas. As informações geográficas, combinadas com vários dados de outras fontes são, depois, disponibilizadas aos mais diferentes usuários - em geral, empresas comerciais - que adquirem "produtos de inteligência geográfica" para melhor posicionar seus produtos no mercado, utilizando-se de uma preciosa informação: saber exatamente onde e como encontrar o seu cliente (Eterna, 2003).

A União de Liberdades Civis dos EUA (ACLU), em relatório sobre o aumento da vigilância eletrônica sobre os americanos, divulgado em 2003, também denunciou que a vigilância total já não é tema de romances e filmes de ficção. Para a ACLU, "o simples uso de um telefone, o envio de e-mails, a visita de um consultório médico e a busca ou o pedido de emprego podem submeter as pessoas a um exame minucioso por parte do Governo" (Grupo, 2003), sobretudo a partir da crescente espionagem em busca de terroristas.

O Big Brother da vida real - consensual, mas sem autorização prévia - não permite que nos rebelemos, por exemplo, contra os mais de dois milhões de câmeras públicas de vigilância instaladas em Londres (o mais alto índice do mundo), ou com as duas mil (também públicas) da cidade de Nova York, ou com as 125.000 (entre públicas e privadas) da cidade de São Paulo, ou com a impossibilidade de que os moradores de Washington deem um passo nas ruas sem que seus movimentos sejam monitorados por câmeras controladas, única e exclusivamente, pelo Departamento de Polícia.

Em Porto Alegre (RS), a decisão da Secretaria Estadual da Justiça e da Segurança de instalar câmeras de vídeo no centro e em alguns bairros da cidade teve ampla repercussão na mídia, em função das várias polêmicas que gerou, tais como: a definição dos locais de operação das câmeras, a divulgação (ou não) desses locais, os critérios a serem utilizados no uso das imagens, os índices de redução de criminalidade nas áreas monitoradas e, até, a pertinência da iniciativa. A proposta inicial, defendida pelo Gerente do Projeto, era manter a localização das câmeras em segredo. Uma reportagem de capa de Zero Hora (Governo, 2004) mostra, porém, que o Governo Estadual retrocedeu em relação a esta questão depois de ter recebido inúmeras críticas de autoridades e especialistas da área de segurança pública e vigilância eletrônica. Interessante argumento foi utilizado por um especialista da área que afirmou o quanto "a divulgação dos locais tem efeito positivo na redução da criminalidade [pois] um dos motivos para ser eficiente é o fato de as pessoas saberem que estão sendo monitoradas" (p.35).

Se a vigilância tecnológica nos garante segurança e os aparelhos eletrônicos nos permitem viver melhor e mais intensamente (comunicar com as diferentes partes do mundo, fotografar ou filmar diretamente do celular, enviar tais imagens para quem desejamos, controlar nossos ritmos vitais através do relógio), nenhuma oposição frontal a estas invenções parece estar sendo colocada em prática.

No entanto, um movimento contrário ao da vigilância permanente (surveillance) foi lançado por um professor canadense com o nome de Sousveillance Day e deveria ter ocorrido na véspera do Natal de 2003, quando, em geral, os shoppings centers ficam lotados. Para protestar, este professor sugeriu que bastaria que todos os que se sentem ameaçados pela lógica do controle se manifestassem e fixassem uma caixa de acrílico - a MaybeCam ("uma câmera talvez", em tradução literal) - em uma camiseta com os seguintes dizeres: "para sua segurança, você e sua loja estão sendo gravados e retransmitidos a locais remotos". Talvez, argumenta o idealizador do protesto, a "simples possibilidade de estar sendo filmado mude o comportamento das pessoas ao redor". (Deibert, 2003, p.1)

Todavia, o argumento de que "as câmeras de segurança se multiplicam, reduzem a violência e entram com naturalidade no cotidiano das pessoas" (Big, 2004, capa) procura, constantemente, nos convencer da importância destes mecanismos de prevenção, vigilância e controle, pois, apesar de estarmos cada vez mais sendo filmados, muitos parecem ser os pontos positivos a favor do monitoramento permanente. Afinal, todos desejam e confiam nos "olhos eletrônicos".

Além disto, a tecnologia digital caminha a passos largos para a interação total entre todos os aparelhos de uso cotidiano e doméstico. Neste sentido, um dos atuais projetos que estão sendo desenvolvidos pela IBM, por exemplo, é o Blueyes ("olhos azuis", em tradução literal) que permite, em um simples olhar, que o computador (ou o eletrodoméstico) perceba o que se está olhando e entenda imediatamente o que se deseja: acender ou desligar a televisão, trocar de canal (se a expressão facial demonstrar raiva ou desconforto), ampliar ou diminuir na tela do computador a publicidade on-line. Um outro projeto é um mecanismo multilinguar, que sabe quase todas as línguas do mundo, reconhece vozes e permite que dois falantes de línguas diferentes se comuniquem entre si a partir de uma tradução simultânea realizada pelo aparelho.

Também as televisões interativas - que oferecem programação sob medida para o usuário, que permitem acesso à Internet, que possibilitam fazer compras ou efetuar operações bancárias - registrarão na operadora todos os movimentos realizados através do aparelho "inofensivo": quanto tempo o usuário empregou com novelas, com esportes, com documentários ou com filmes eróticos. Estas opções, devidamente registradas, serão depois utilizadas para compor as ofertas "sob medida" aos usuários que não podem perder tempo para explicar quem são e o que gostam de fazer a cada um dos que ofertam novidades comerciais.

Propostas sob medida, roteiros personalizados, programas exclusivos, informações que não estão nos guias, orientações para evitar armadilhas para turistas amadores, dicas exclusivas, tudo planejado conforme seu tempo e seu bolso. Todas as ações visam a alcançar o máximo do exotismo, da individualidade, do prazer incomparável.

 

As tecnologias e o (hiper)controle

O cartório digital, a garota-propaganda virtual, a casa digital4, o carro que fala, a secretária multimídia, o dinheiro eletrônico, a agência bancária virtual, o fogão ou o freezer cibernético, o e-paper5 são tecnologias que estão sendo disponibilizadas, a um maior ou menor custo, a habitantes das mais diferentes partes do planeta por multinacionais da informação ávidas em nos fazer perceber o quanto tais invenções são úteis, necessárias e desejáveis. Se a relação custo-benefício for suficientemente conveniente, muitos serão os adeptos destas tecno-economias virtuais, que permitem, em algumas situações - ao simples comando da voz, de gestos ou de expressões faciais -, acionar complexos sistemas, que garantem segurança, eficiência e, acima de tudo, economia de tempo.

Uma das nossas atividades - rotineiras e dispendiosas de tempo - tem sido ir ao supermercado, com a frequência que nossos hábitos (de higiene, alimentares etc) exigem. Para evitar este desgaste - além daquele proporcionado pelas inúmeras vezes com que devemos tirar e botar as mercadorias (e seus pesos) no carrinho -, uma invenção já está sendo utilizada no Brasil e que permite fazer compras sem precisar carregar as mercadorias. Isto é possível graças a uma máquina eletrônica que armazena todos os produtos escolhidos (através do código de barras). Ao final das compras, basta passar no caixa do supermercado e pagar. Com a efetivação das compras, através do pagamento realizado, o supermercado se encarrega de selecionar os produtos e entregá-los no local fornecido pelo comprador.

A capacidade de estas tecnologias reconhecerem necessidades ou problemas antes que eles aconteçam está sendo chamada de "inteligência artificial" (AI) e será capaz de desenvolver uma série de ações baseadas em um tipo de intuição, tal como os aplicativos de computador capazes de analisar o comportamento das máquinas e perceber quando elas estão prestes a pifar a fim de transferirem arquivos para um lugar seguro e desligarem o equipamento.

A utilização contínua da tecnologia produz, por outro lado, um hipercontrole: nada escapa ao aparato da vigilância, porque tudo, incluindo o vigilante - especialmente o vigilante - é uma simulação que, parece, supervisiona/monitora tudo e todos. As mais simples ações podem ser previstas de acordo com o instrumento tecnológico de que se dispõe, e os riscos de se viver são permanentemente "simulados", a fim de que se evitem surpresas desagradáveis. (Bogard, 1996)

Segundo Vattimo (2002), estas tecnologias - entre elas, a Internet - "universalmente abertas", sem centro, prometem dar como prêmio a liberdade, já que são estruturas sem hierarquia, de dimensões mundiais e autonomia "total". Ainda conforme Vattimo (2002), quem as usa e quem sempre criticou a expansão da ciência e da técnica, temendo o crescente domínio destas sobre o homem, está mudando de opinião radicalmente, pois as máquinas cibernéticas parecem representar um novo espaço de percepção e vivência, capazes de modificar emoções e sentimentos, e de possibilitar ao homem, perdido nesta sociedade violenta e insegura, momentos de entretenimento e prazer, independentemente do lugar onde esteja ou do tempo que for.

Tanta tecnologia, porém, cansa, pois pode nos tornar superdependentes ou vítimas de uma nova modalidade de estresse, provocada pela dependência cada vez maior de sistemas ou equipamentos nem sempre tão eficientes: "ficamos irritados quando algo não funciona bem. Pode ser tanto o telefone celular quanto a máquina de fazer café" (Verano, 2000, p.14). O tecnostress é resultado de uma sensação de que não podemos viver hoje sem as máquinas rápidas e fascinantes (que nos permitem fazer coisas inimagináveis, há até bem pouco tempo) e que nosso tempo, por mais coisas que façamos, está cada vez mais curto. Esta paradoxal sensação - poder fazer muitas coisas e não ter tempo para realizá-las com a intensidade que seria desejável ou "para ter todo tempo [se] perde todo o tempo" (Pelbart, 2000, p.34) - provoca angústia, sofrimento, ansiedade.

Outro paradoxo, portanto, desta realidade pós-moderna de super-máquinas é aquele resultante da sensação de que as inovações vieram para agilizar as tarefas e proporcionar mais tempo livre, mas, ao contrário, estão ocupando cada vez mais nossos tempos em função da grande quantidade de informações que geram, da quantidade de novas atividades possíveis, do desejo de ter-se sempre mais (o último modelo, a última geração, o último tipo).

Além disto, a ocupação máxima de nossos tempos individuais na produção laboral provoca, como consequência, uma outra contradição: quanto mais trabalhamos, menos tempo ao lazer temos, mais cresce nossa jornada de trabalho informal não-remunerada e menos chances terão outros trabalhadores de serem contratados para realizarem as tarefas que realizamos informalmente. E a tendência, afirma Pelbart (2000), "é cada vez mais trabalhar-se em casa, já que o espaço doméstico torna-se ele mesmo 'produtivo' de modo que a empresa coloniza a privacidade do tempo livre". (p.32, grifo do autor).

Houve uma época em que o tempo do trabalho e o tempo do lazer eram visivelmente separados. Atualmente, a flexibilidade de ambos e a possibilidade de serem ampliados espaço-temporalmente, graças às novas tecnologias, transformam trabalhadores em "servos controlados":

...Uma nova mutação do sistema capitalista em que os mecanismos de produção e regulação das subjetividades - os controlatos - operam suas funções de modulação, (sobre codificação) e (re)territorialização de forma ultrarápida, muito mais fina, em meio aberto, mediante controle contínuo e comunicação instantânea. (...) Trata-se, por exemplo, do indivíduo (operário-aluno ou executivo-universitário) que - pela ação dos controlatos reguladores - passa a gerenciar a sua vida introjetando como principais valores e princípios a serem seguidos nesse intuito aqueles que regem e são animados pelas grandes corporações ou organizações, de tal modo a funcionar e ter, como imagens de si e de seu existir, as de uma micro-empresa. (Costa, 2000, p.128-129, grifos do autor)

Aos sem trabalho, sem opção, não resta outra alternativa a não ser fazer parte desta "nação de agentes livres": os free-lancer high-tech, independentes, móveis, autônomos que estão acima da lealdade e da segurança institucional, sem chefes para controlar o horário de trabalho, sem estar sujeitos a ordens arbitrárias de gerentes insignificantes e, sobretudo, capazes de permitirem às empresas - que não arcam com os direitos trabalhistas destes trabalhadores (férias, décimo terceiro salário, salário desemprego, licença-gestante, entre outros) - lucros recordes e nenhum compromisso social.

As inovações tecnológicas, além disto, alteram nosso relógio biológico, nossa percepção de tempo e nos tornam mais impacientes, ao desejarmos que as atividades físicas acompanhem o ritmo das máquinas cibernéticas. Em consequência disto, as atividades demoradas, tais como as reuniões ou as aulas, são cada vez mais desprezadas, porque tediosas ou enfadonhas.

Por efeito, a jornada de trabalho aumentou, o nosso dia esticou e a carga de trabalho fora da empresa faz diminuir nossas horas de lazer. Nossa conexão tecnológica com o mundo, através do telefone celular ou da Internet, nos torna permanentemente disponíveis e nos impede de "desligar" do trabalho, tornando mais obscuros os limites entre este e o lazer.

O cibernantropo - o novo homem antropocêntrico e megalomaníaco - sofre "de uma profunda neurose de origem ideológica: a necessidade psicológica do trabalho" (Soares, 2001, p.41). Acometido pelas doenças da civilização que se alastram e provocam os distúrbios decorrentes da poluição e da irradiação, o homem cibernético é um cardiopata, um estressado, um funcionalista: "Suas relações com os outros se inserem no plano da organização sistêmica. Os outros também não têm significação pessoal, mas funcional. O novo homem é realizado na impessoalidade da organização e na autoconsciência funcional". (Soares, 2001, p.42)

O cidadão do mundo, produzido à imagem e semelhança da máquina, deve ser capaz de funcionar tecnologicamente e de agir no máximo de sua velocidade, de sua potencialidade, de sua vontade, de sua possibilidade, pois a máxima destes tempos é "produzir ao máximo".

A tecnose - dependência das pessoas aos produtos da tecnologia - é outra das consequências advindas deste mundo digital, onde as pessoas não conseguem desenvolver atividades corriqueiras - tais como calcular ou escrever a mão, ou usar um telefone público, utilizar o correio convencional - sem o auxílio de um equipamento eletrônico. Alguém que não tenha um celular, um endereço eletrônico ou que não receba e-mails6 está fora da lógica cultural dominante.

A falta de memória, tão típica dos seres humanos, também está com os dias contados: a invenção da memória digital permitirá que os esquecidos visualizem todas as suas ações diárias através de fotografias digitais tiradas por uma máquina fotográfica minúscula e supersensível à luz. Acoplada nos corpos dos sem-memória ela realizará incontáveis fotografias a cada movimento humano e, consequente, mudança de luz.

Se continuarmos assim, Rossi (2003) supõe que a vida no ano 3.000 talvez nos permita, entre outras coisas, comprar os anos que desejemos viver, substituir partes do nosso corpo por clones, negociar a substituição de nossos órgãos em um mercado livre, utilizar a telepatia como forma de comunicação ou utilizar os computadores em substituição ao cérebro humano.

O controle exercido através das máquinas torna-se um vício e não se consegue mais relaxar ou tirar férias sem que computadores de bordo (laptops) ou celulares nos acompanhem. Assim, a nossa dificuldade em dominar o vício tecnológico - graças às máquinas irresistivelmente atraentes e à nossa incapacidade de dizer "chega" - nos faz reféns de tecnologias que vieram para nos ajudar e não para nos atrapalhar ainda mais.

Tais reflexões, porém, não devem encerrar-se por aqui. A possibilidade de nos desconectar um pouco de tantos aparelhos, instrumentos e tecnologias deveria nos permitir outras e talvez menos controladas conexões. Fica o desejo de continuar questionando os atuais modos de objetivação com que estamos sendo sujeitos deste tempo, de tantas inovações e de infinitos controles. Foi a isso que se propôs este artigo; é isto que proponho para além da leitura dele...

 

Notas

1. O eletrônico zapping exige que a atenção e a duração sejam duas variáveis complementares e opostas: o máximo de atenção para o mínimo de duração.

2. Ainda neste texto, explicitarei o conceito foucaultiano de governamentalidade. Para outras e maiores informações sobre este, sugiro a leitura de Foucault (1989). Para a diferença, na Língua Portuguesa, entre governo e governamento, sugiro a de Veiga-Neto (2002).

3. Segundo Pelbart (2000), o cyber-zumbi é o "homem médio estatístico, o consumidor ideal, de bens e serviços, de entretenimento, de política, de informação". (p.23)

4. A casa digital ou os edifícios inteligentes prometem oferecer, além do conforto, maior segurança em relação aos incêndios, por exemplo, graças aos "sistemas de prevenção e combate a incêndio [que] vão destrancar portas e fechar janelas, isolando as áreas atingidas. O fluxo de ar será cortado, impedindo que o fogo se propague, e gases inibidores de combustão serão disparados automaticamente. Se a fumaça tomar o ambiente, mensagens sonoras guiarão as pessoas em sua rota de fuga, evitando pânico" (E-agora, p.52). Além disto, um dispositivo detecta vazamentos e chama imediatamente o encanador; a porta reconhece automaticamente o morador pela íris, e a água utilizada na casa será toda reaproveitada.

5. Também chamado de papel eletrônico, é uma invenção conjunta da Xerox com a IBM que se parece com uma folha de papel comum, que pode ser dobrada e guardada no bolso, mas que exibe imagens como uma tela de computador.

6. A quantidade de e-mails recebidos por dia também é um trunfo neste mundo tecnológico: receber poucas mensagens eletrônicas coloca o indivíduo em posição de desvantagem social, cultural, econômica entre outras.

 

Referências

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Recebido em 02 de outubro de 2008
Aceito em 02 de março de 2009
Revisado em 25 de abril de 2009

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