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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.9 n.2 Fortaleza jun. 2009

 

RELATOS DE PESQUISA

 

"Corpo-mercadoria", sob controle e punição: prenúncios de uma subjetividade aniquilada?

 

 

Alexandra Arnold RodriguesI; Angela Maria Pires CaniatoII

IPsicóloga clínica e professora (CESUMAR e SENAC), aluna do Mestrado em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. End.: R. Padre Raimundo Le Goff, 725. Ap.06, zona 07. Maringá, PR. CEP: 87020-040. E-mail: xanda_kim@hotmail.com
IIPsicóloga clínica e Professora Drª do Mestrado em Psicologia do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. End.: R. Joaquim Nabuco, 1496. Maringá, PR. CEP: 87013-340. E-mail: ampicani@onda.com.br

 

 


RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi, primeiramente, localizar o processo degenerativo do ser-homem ao longo da história a partir de um resgate das concepções e valores depositados no corpo em diferentes sociedades e períodos históricos, tendo como base uma visão histórico-dialética do homem. Por conseguinte, visou uma compreensão acerca do corpo humano, hipercotado, mas, contraditoriamente, tão violentado na contemporaneidade. Para tanto, utilizamos o método pesquisa bibliográfica e uma fundamentação pautada na Teoria Crítica da Escola de Frankfurt amalgamada à teoria psicanalítica. Neste artigo significativas conclusões puderam ser alcançadas, entre elas a identificação de uma importante conseqüência histórica: a perda de uma concepção de corpo integrado à mente, e uma negação da totalidade humana, que vem permitindo um uso perverso do corpo em prol da manutenção do sistema socioeconômico vigente. Identificou-se ainda a base ideológica que vem sustentando o conceito de saúde, já que "parecer bem" determina o "estar-bem", e neste movimento a dor passa a ser valorizada e normatizada como imperativo para alcançar a imagem desejada. Assim se reconfigura a concepção de dor! Práticas de modificação corporal seriam um reflexo deste contexto, ou seja, de uma cultura que, ao invés de amparar o indivíduo, parece estar jogando-o na mortificação do sentimento de culpabilidade e na autopunição. Contudo, acredita-se que esta violenta situação que se impõe ao homem na contemporaneidade não determinará sua ação transformadora da cultura em que vive. Este artigo é um desdobramento do PIBIC-CNPq/UEM, "Corpo violado: injunções perversas da cultura", ligado ao projeto de pesquisa-intervenção "Phenix: a ousadia do renascimento do indivíduo-sujeito"(Fase II), do Departamento de Psicologia - UEM

Palavras-chave: Psicanálise; indústria cultural; corpo; dor; subjetividade danificada.


ABSTRACT

Foregrounded on the historical and dialectic aspect of the human being, the degenerative process of being-a-person throughout history is pinpointed through a recovery of concepts and values which endowed the body in different societies and in different historical periods. Current research aims at understanding the contemporary highly valued and, paradoxically, terribly violated, body. Methodology comprises bibliographical research and principles taken from the Frankfurt School's Critical Theory, coupled to Psychoanalytic Theory. Important conclusions may be reached, or rather, the identification of an important historical consequence: the loss of the concept of the body integrated to the mind, a denial of human totality, which allows a vicious use of the body for the maintenance of current social and economical system. The ideological basis has been identified which gives support to an idea of health by which "seeming well" determines "being well". Pain is valued and naturalized so that the desired image may be achieved. Since the concept of pain acquires new forms, body changes are a symptom of a culture that, instead of helping individuals, seems to involve them within a feeling of culpability and self-punishment. However, the violent situation which people currently experience will not determine the transforming role of culture in which they live. Current paper is part of the monograph "Violated body: vicious injunctions of culture", funded by PIBIC-CNPq/UEM, and linked to the research-intervention program "Phenix: the challenge of the individual-subject's rebirth" (Phase II) of the Department of Psychology of the State University of Maringá.

Keywords: Psychoanalysis; cultural industry; body; pain; damaged subjectivity.


 

 

Transitando por uma concepção histórica do corpo

[...] o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que antes de tudo investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. (Foucault, 1986, p. 80)

Com o propósito de atingir o objeto deste estudo de tal forma que, sem fazer reducionismos, pudéssemos superar as neutralidades exigidas pela ciência, embasamos a pesquisa em questão na visão de homem em que este é concebido como ser que constrói e é construído na relação com o outro, via cultura (Leontiev, 1978). Portanto, partiremos do pressuposto de que os valores, percepções e ações dos homens estão sempre permeados e relacionados à forma como as sociedades se organizam em cada momento histórico. Neste sentido, entendemos que as concepções de corpo - ideais corporais construídas pelos homens - estruturaram-se e diferenciaram-se nas várias sociedades e períodos históricos.

A partir dessas idéias, compreendemos a importância de pontuar brevemente as concepções de corpo que receberam adesão em alguns períodos históricos, tendo por intuito localizar o processo degenerativo do ser-homem, construído historicamente, que resultou neste corpo, hipercotado na contemporaneidade mas, contraditoriamente, tão violentado.

Iniciaremos esta localização histórica das concepções de corpo pela sociedade grega, por ser esta considerada o apogeu, um marco do desenvolvimento histórico-cultural da humanidade que influencia e permeia a ciência - o conhecimento e seu poder - desde sua gênese. Sob este olhar, indicamos a concepção de corpo grega como um referencial de integridade, já que essa sociedade depositava no corpo um grande valor.Na sociedade em questão, o corpo era valorizado e concebido enquanto uma totalidade: a carne (sistema biológico e mente) e essência, que caracterizaria a potencialidade humana para a razão, aprendizagem e criação. Em outras palavras, o corpo era concebido em sua natureza humana, como uma unidade, sem dualismos nem reducionismos.

Esta concepção de corpo refletia seus ideais nos exercícios físicos praticados pelos gregos, os quais naquele período estavam associados não só ao fortalecimento corporal, mas também a outros atributos intelectuais, a saber, a música, a filosofia e a política, e por isso eram estimulados pela sociedade por possibilitar o desenvolvimento qualitativo e a autonomia própria da natureza humana, do corpo enquanto uma totalidade.

Com o declínio da Grécia e a ascensão do Império Romano, novos sistemas filosóficos - como o epicurista e o estoicista - ganharam força, pregando a eminência do corpo e subalternizando o espiritual (o imaterial dos seres), prevalecendo assim um reducionismo da natureza humana à sua corporeidade/materialidade. Reflexo disto foi o caráter utilitarista que assumiram as práticas corporais no Império Romano, voltadas essencialmente à guerra. Assim, a natureza humana se fragmenta, o corpo ganha o significado de excelência e os atributos espirituais ficam relegados a um segundo plano.

Com a decadência romana, o cristianismo ganhou força no século VIII, delimitando o início da Idade Média. Este nascente ideal, o cristão, marcou uma importante e profunda cisão entre corpo e mente, que foi, na modernidade, potencializada. A natureza humana, o corpo em sua integridade, foi execrada. O corpo passa a ser considerado um empecilho ao homem na conquista da contemplação divina. Destarte o corpo foi subjugado e desprezado, visto como depreciador do indivíduo, identificado como algo pecaminoso a ser castigado.

Nesse período, a valorização da idéia de alma e a procura por uma proximidade com Deus justificaram uma intensa abnegação e privação com relação ao corpo, tido como morada do "diabo", como também justificaram massacres dos que autonomamente escapavam a esses códigos moral-religiosos. Vale pontuar que o temor em relação ao (des)conhecido, amparado pelas ideologias cristãs, garantiu a subserviência dos indivíduos aos mitos da Idade Média e, conseqüentemente, a manutenção da concentração de poder e das riquezas nas mãos de alguns poucos privilegiados, que inclusive usufruíam dos "prazeres da carne".

Com o advento do Renascimento a Igreja Católica perdeu força, e a idéia de "liberdade" conquistada por meio da razão e do conhecimento preponderou com o Iluminismo, enunciador da era moderna. O que este movimento libertador propunha era a possibilidade de o homem dominar a natureza por meio do conhecimento, buscando livrá-lo dos medos do desconhecido e elevá-lo a condição de senhor de si.

Assim, as possibilidades de conhecimento, que passaram a se expandir e a consolidar novas ciências, outrora repreendidas e abafadas pela Igreja, e que visavam libertar os homens dos mitos da Idade Média, acabaram sendo pervertidas; ou seja, o ideário burguês de eliminar, por meio do conhecimento, as amarras impostas pelos mitos, caiu por terra quando a própria burguesia trouxe para si o poder de produzir o conhecimento para manipular e adestrar as classes desfavorecidas em prol de interesses econômicos. Assim, a modernidade produziu mitos ainda mais cruéis.

Permeado por este contexto, o corpo deixou de ser negado e silenciado pela religião, entretanto, tornou-se puro instrumento da produção - força de trabalho - e foi submetido a um adestramento dos seus movimentos em prol da necessidade de manutenção da produção industrial, regido pelas leis da ciência. O caráter utilitarista do corpo, que marcou o período romano, retornou então na modernidade com um diferencial perverso: os atributos intelectuais/espirituais não eram mais apenas ignorados, eram usados pelos detentores do poder hegemônico/econômico, para dominar o restante da população. Assim sendo, o corpo ganhou uma concepção positivista e reificada: passou a ser visto como propriedade privada passível de controle - submisso agora ao Capital. Vale pontuar que estes "mitos da modernidade" acabaram lançando as bases da contemporânea concepção de corpo, a qual nos dedicaremos a ampliar na análise que se segue.

Julgamos necessário enfatizar que este breve resgate é de grande valia na busca de uma compreensão dos ideais corporais contemporâneos, ao suscitar uma importante conseqüência histórica - uma inversão de valores da Grécia à modernidade: de uma totalidade corpo-natureza cuidada e valorizada a um abismo entre corpo e mente, uma clara anulação e fragmentação da natureza humana em prol do Capital.

 

Racionalidade técnica, corpo e eficácia: novas amarras que mortificam os indivíduos

A partir das idéias iluministas, marcadas pela ânsia humana de domínio da natureza, o homem acabou por alienar-se ao propor/aceitar mecanismos de controle e de manipulação da própria natureza humana. Um desses mecanismos seria a Indústria Cultural (Adorno e Horkheimer, 1969/1985). Esta alienação e a conseqüente submissão da natureza humana só foram possíveis a partir das bases dualísticas deixadas pela história no que diz respeito ao corpo humano e pela tentativa de compreensão do mundo pautado na técnica. Segundo Adorno e Horkheimer (1969/1985), esta forma de compreender o mundo caracterizaria o que eles chamariam de razão instrumental, base da ciência: o mundo e o corpo passam a ser manejáveis por meio de leis gerais que minimizam - se não eliminam - a sua complexidade. Seria esta compreensão fragmentadora da realidade, pautada no princípio da técnica - ser eficaz, indiferente aos meios ou à amplitude/complexidade dos processos que estão em jogo - que vem permitindo um uso perverso do corpo na manutenção do sistema social vigente.

O corpo contemporâneo então, fragmentado, pois submetido à técnica, está marcado por "sua reificação, sua transformação em objeto manipulável, operável, medido, programado" (Vaz, 2004, p.122). Isto anuncia uma concepção de corpo estruturada pela Indústria Cultural e pela técnica a favor de uma lógica mercadológica respaldada pela ciência. Sob estas condições, o abismo que separa os homens de sua natureza, de sua essência (ou até de sua subjetividade) se aprofunda.

O papel da indústria cultural, neste caso, é levar os corpos à condição de eficácia! Para que não nos esqueçamos, ser eficaz no "mundo neoliberal" é estar atrelado à lógica consumista e competitiva. A respeito disto, Sibilia (2006) nos dá elementos para pensar sobre este objetivo da indústria cultural quando se vale de uma possível concepção de corpo proveniente da mensagem deixada pelos desfiles de moda - um dos símbolos do consumismo que marca a cultura contemporânea. A mensagem é clara: não se visa apenas apresentar modelos de roupas a serem consumidos, mas também e quase exclusivamente, apresentar modelos de corpos exemplares a serem copiados e exibidos, tudo em nome do consumo, "corpos extremamente jovens, delgados e pulcros" que "com o semblante altivo, ostentam suas figuras como frutos vitoriosos de uma abnegação que todos deveríamos emular: dietas, malhação, cirurgias plásticas, e toda uma cartilha de cuidados e privações." (Sibilia, 2006, p. 39).

Ainda sob este viés é possível observar hoje "[...] o corpo se tornando cada vez mais carregado de conotações: liberado física e sexualmente na publicidade, na moda, nos filmes e romances; cultivado higiênica, dietética e terapeuticamente; objeto de obsessão de juventude, elegância e cuidados" (Courtine, 1995, p.45)

Está se tratando aqui de uma cultura que condena os indivíduos e seus corpos a uma hiperinflação de estimulações sensoriais concorrentes (Lastória, 2004). Baseada na sedução do prazer sensorial, mas principalmente visual, a Indústria Cultural (amparada pela cultura contemporânea) vende seus produtos de rápida obsolescência - assim como coloca os indivíduos numa posição de produto/mercadoria a ser visualizada e cumprir as mesmas funções de seduçãoa. A partir disto, o corpo hoje, assim como uma mercadoria, só tem valor se tiver uma ótima aparência, se sobressair aos demais, se for desejado, cobiçado e até idealizado. Os "corpos-indivíduos-imagens" entram em um nível importante de concorrência, inveja e destruição: vende mais quem der mais ibope e então, "que vença o melhor"!

Neste sentido, a instauração da imagem como um imperativo mantém os indivíduos relacionando-se, vinculando-se ao corpo apenas como exterioridade: superficialidade. Podemos pensar que a idéia de corpo hoje parece se resumir na imagem corpórea - o corpo restringe-se a uma bela embalagem cujo conteúdo não tem valor psicossociocultural. É importante pontuar que estas "embalagens" são reflexos tanto dos esquemas de produção em massa como das regras da sociedade de consumo, portanto são padronizadas e descartáveis. Corpo moldado, corpo da moda: mais um produto de consumo.

Segundo Silva (2001, p.60), é nas propagandas que por meio de "[...] imagens de juventude em liberdade, imagens de opulência e saúde, temperadas pelo erotismo, para vender os mais diversos produtos (...) o corpo assume os traços dessas imagens e dos artigos ali veiculados", mas trata-se apenas de uma "[...] expectativa imaginária do corpo, apenas desejada e não existente, como todo o universo da mídia". A Indústria Cultural apresenta imagens que nem sempre são fiéis aos objetos a que se referem e constantemente estão recobertas de glamour. Isto caracteriza a não-materialização total desta imagem que nos é passada, é uma imagem virtual - esvaziada - e fragmentada.

O glamour destrói a autenticidade e a verdade do objeto real, no caso apaga a fragilidade (mas também a potencialidade) corpórea. A imagem é manipulada de acordo com interesses socioeconômicos, que, sedutoramente, lançam suas promessas aos telespectadores - inebriados pelo esplendor do espetáculo de exibição de corpos. Em meio a este jogo de imagens, a visão - sentido excessivamente estimulado - nos dá noções apenas superficiais, o "contato" com a embalagem: corpo-embalagem. A subjetividade é então esmagada e a imagem corpórea parece ser a única forma possível de adquirir presença nesta sociedade do espetáculo (Debord, 2000).

A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por ele. É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois o espetáculo está em toda a parte. (Debord, 2000, p.24)

Este corpo, construído historicamente e alicerçado em interesses socioeconômicos, vem viabilizando a fácil adesão dos indivíduos à cultura de massas (Adorno, 1986), o que culmina em um desconhecimento e estranhamento das percepções corporais, desejos e até ações constitutivas do indivíduo em sua singularidade. Os indivíduos, então, atomizados/padronizados, apesar de acreditarem conhecer e dominar tanto o próprio corpo quanto a imagem exibida por este, parecem cada vez mais se distanciar de uma consciência referente aos seus próprios limites e território corporal.

Enfim, podemos pensar que este corpo da contemporaneidade, impotente e tiranizado pelas amarras do consumo e do espetáculo, ganha o feitio desvelado de "máscara mortuária" (Adorno, 1986). Assim, a idéia da perfeita aparência usada de forma ideológica parece estar produzindo "corpos mortificados" em sua humanidade, mortificados em sua autenticidade, autonomia e integridade. Trata-se de imagens corpóreas esplendorosas, cuidadosamente recriadas e moldadas, mas sem recheio, com uma escassez importante de valores e vida interna.

Questionamos então: esta hipervalorização contemporânea da imagem corpórea, alicerçada na racionalidade técnica, não seria um retrato deste contexto de massificação (e mortificação) dos indivíduos? Certamente, a concepção contemporânea de corpo está presa a uma espécie de corpolatria dos indivíduos consumidores, o que, segundo Costa (2004, p. 20), seria uma "[...] forma de ascese humanamente pobre e socialmente fútil", em que o "[...] interesse pelo corpo começa e termina nele [...]" - reféns da aparência.

Mas podemos ampliar ainda mais! Se os outros indivíduos-corpos são concorrentes potenciais que ameaçam o reconhecimento social do indivíduo (que se dá hoje pela aparência de "ser"), dificilmente haverá um direcionamento da libido nos pares, as identificações são restritas e muitas vezes ficam voltadas a objetos de consumo: "corpos solitários"! Para fechar este quadro, os indivíduos que tanto buscam bastar-se a si... não são capazes de confiar ao menos no próprio corpo - o que parece anunciar uma falha narcísica importante.

Deixaremos por ora apenas a pergunta: que conseqüências esta falha carrega em seu bojo e quais serão as seqüelas destas para o indivíduo contemporâneo? Segundo Abeche (2003):

Limitar a vida psíquica a essa exterioridade e estreitamento imagético aumenta a fragilidade de cada indivíduo, jogando-o na impotência provocada diante da não-compreensão da complexidade do real. A ideologia encontra nessa fragilidade dos processos psíquicos o suporte para o arbítrio autoritário da sociedade de consumo, que no lugar de acionar as instâncias psíquicas superiores, [pensamento, discernimento, julgamento...] deixa o indivíduo entregue a elementos regressivos de sua irracionalidade.

 

Saúde: uma dolorosa e infindável busca pelo bem-estar perdido.

Vivemos, então, um período histórico-cultural marcado pelo despertar de um interesse pela aparência corporal tomada como sinônimo de felicidade e bem-estar físico e social, havendo inúmeras ideologias que sustentam tais idéias. O conceito de saúde parece estar sendo, em meio a este movimento, esvaziado de significado, ganhando então uma conotação mercadológica e funcionando como amparo ou justificativa a práticas violentas e invasivas referentes ao corpo.

A aparência é que determina o estado do indivíduo e o tipo de relações que ele estabelece em sociedade e consigo mesmo; a aparência de saúde [mesmo que mantida por um transtorno alimentar, por exemplo] determina a condição de saúde e justifica qualquer intervenção sobre o corpo [procedimentos cirúrgicos, próteses, lipoaspirações, etc.], justifica a criação e uso das mais diferentes tecnologias do corpo: parecer bem determina o estar bem. (Silva, 2001, p.65)

A cirurgia plástica aparece neste contexto como uma das saídas apontadas pela ciência, em prol de uma estética estandardizada e até totalitária. Certamente, estes procedimentos podem servir de amparo a quem sofre com problemas orgânicos e dores que afetam tanto a vida social como a psíquica: não se pode negar a importância da ciência em nossas vidas, mas o intuito no presente artigo é alertar sobre seu mau uso - seu uso ideológico. Por exemplo, balões ou cirurgias de redução de estomago podem significar um alívio a quem sofre com problemas orgânicos significativos conseqüentes do excesso de peso, mas também podem anunciar uma compulsão à busca de um ideal de magreza. Para eliminar as "gordurinhas" e aumentar a longevidade, dietas mirabolantes, lipoaspiração, uma infinidade de produtos light e uma febre por produtos considerados naturais nos são apresentados. O fato é que não devemos desconsiderar os riscos de vida que entram em jogo, quando se trata de um procedimento cirúrgico. Encabeçar-se nestes procedimentos de forma inconseqüente, sem cautela, não identificando os próprios desejos, é estar/manter-se alienado do seu real sofrimento, por meio da tecnociência e da Indústria Cultural.

Vale constatar que estes procedimentos compõem uma parcela grande do mercado, extremamente lucrativa e por isso são estimulados pela mídia e endossados como a solução para todos os problemas e sofrimentos. Ocultam assim um sofrimento real, imposto por um contexto sociocultural violento e ameaçador que vai além de "defeitos" físicos destoantes do padrão cultural. Contudo, reconhecemos que o sentimento de exclusão gerado por uma não-aceitação social do corpo caracteriza também um sofrimento concreto. O risco é submeter-se a tais apelos autoritários sobre os corpos, já que os procedimentos cirúrgicos por vezes envolvem mudanças extremas que podem afetar de forma significativa a imagem corporal que marca a identidade individual.

Deixar-se capturar pelo império imagético e pela tirania de uma imagem corporal preponderante e ideal, crendo que com isto se suprirá o vazio existencial e identitário - condição da contemporânea sociedade de consumo - é deixar-se levar pela imagem, pela aparência, pela sensação e desvalorizar a essência, os próprios desejos e o pensar. É ainda anular a possibilidade de confrontar esta condição violenta da contemporaneidade: o "esvaziamento" dos indivíduos proporcionado pela sociedade de consumo, com o objetivo de preenchê-los de ideais, modelos, valores e até objetos compráveis, descartáveis e substituíveis - mercadorias, condição incompatível com a humana, com a necessária estabilidade e concretude identitária, com a possibilidade de individuação.

Por influência desse mesmo grande filão do mercado atual (culto a um padrão cultural de corpo perfeito), encontramos ainda os corpos suados, doloridos, anabolizados, medicalizados, visando a uma alta performance ou ao acúmulo muscular rápido dentro das academias. Tudo pela aparência de alguém "saudável", malhado. Os indivíduos parecem submeter seu corpo a "novas máquinas de tortura", tortura auto-imposta e simplesmente voluntária! Não queremos com isto negar a importância dos exercícios físicos, mas escancarar para quem quiser ver, um nível alto de violência impingida aos corpos, explícita "[...] no excesso, no desempenho, na redundância, na representação, na mutilação e na dor" (Vaz, 2004, p.128). Submeter o próprio corpo a horas intermináveis de musculação dentro de uma academia visando à prática de fisiculturismob e halterofilismoc; levar o corpo à exaustão por uma compulsão pelos exercícios físicos; adquirir vigorexia - dependência de exercício físico; exercitar-se madrugada a dentro, anulando a necessidade fisiológica de algumas boas horas de sono - são reflexos desta violência contra o corpo.

Vale constatar a nova "onda" das academias de expor seus clientes em vitrines tal qual mercadorias a serem cobiçadas; elas têm como fachada grandes vidros, por meio dos quais divulgam toda a movimentação interna. Podemos supor que esta vitrine, além de comprovar a eficácia do que as academias oferecem, possa vir a suprir uma necessidade narcísica individual, mas pode ainda acarretar uma humilhação do individuo que não atinge a expectativa que o olhar do outro aguça, ou pode também motivar o indivíduo a procurar prover esta expectativa (independente de seu real desejo) - de qualquer forma, presentificando o sofrimento da violência contra os corpos.

Entendemos estar também esta violência presente quando as séries repetitivas e exaustivas de exercícios nos aparelhos das academias têm por finalidade única o aumento da massa muscular: parecem reproduzir os movimentos alienantes do trabalho mecânico dentro das indústrias sobre as esteiras de produção "de massa", tudo para ficar "bombado". Se encarados desta forma, os exercícios físicos na atualidade eliminam a possibilidade de valer-se da criatividade ou ainda de estar associado à política ou à arte, como na Grécia Antiga. Eles não se associam a nenhum fim elevado socialmente ou a qualquer finalidade coletiva, mas sim, a fins individualistas e não pensantes. Não é à toa que a disciplina de Educação Física se tornou obrigatória no período da Ditadura Militar de 1964. Ambas as situações parecem ter similar função de desviar para o corpo a atenção e os esforços, minimizando a potência da razão, o que culmina numa importante alienação mantenedora do status quo.

Segundo Courtine (1995, p. 86), "[...] a autodisciplina da transpiração, todo este trabalho feito nas máquinas de musculação, são os usos em espelho, similares e invertidos, das atividades cotidianas de preenchimentos de carrinhos de supermercado e de incorporação de alimentos.". Em outras palavras, a sociedade atual, pautada no neoliberalismo e considerada por muitos autores uma sociedade hedonista, que busca o prazer do consumo desenfreado, acrescentou a seus valores a disciplina e o controle corporal (Ortega, 2002), de forma mutiladora. Ambos os valores, aparentemente contraditórios, são sustentados por uma indústria, por um mercado e um conjunto de práticas de massa (Courtine, 1995), enfim, pela Indústria Cultural. Como assinala Ortega (2002): "a compulsão consumista foi canalizada para os produtos de saúde, fitness e beleza".

Então, hoje se vende saúde e juventude, "promessa fascinante de diversas épocas da civilização, mas foi na atual que conseguiu conquistar espaço inédito na mídia e uma banalização importante no cotidiano" (Sant'anna, 2001, p.18). É como se a ciência tivesse produzindo a vida e a mídia a estivesse vendendo; como se a mídia nos dissesse agora "a vida está na moda" (Ibidem), mas para tê-la é preciso aderir ao consumo proposto pelo grande "mercado do (suposto) bem-estar" - indústrias de cosméticos, vestuários, acessórios, etc.; laboratórios farmacológicos e a ciência com suas inovações médicas e tecnológicas. Neste sentido, Adorno (1951/1993, p.7) nos obriga à reflexão ao identificar que:

Aquilo que "vida" significava outrora para os filósofos passou a fazer parte da esfera privada e, mais tarde ainda, da esfera do mero consumo, que o processo de produção material arrasta consigo como um apêndice sem autonomia e sem vida própria. Quem quiser saber a verdade acerca da vida imediata tem que investigar sua configuração alienada (...) O olhar lançado à vida transformou-se em ideologia, que tenta nos iludir escondendo o fato de que não há mais vida.

Neste sentido, vale constatar que a medicina, área de estudo que pressupõe o cuidado com a vida humana, vem se desdobrando na contemporaneidade e possibilitando espaço à denominada medicina do esporte, que seria uma especialização da medicina que se fixa em questões como forma, composição e performance corporal e a partir deste foco propõe tabelas padronizadas determinando equações e correlações ideais, bem como a obtenção do melhor rendimento físico, principalmente aquele necessário ao "esporte espetáculo e de alto nível" (Silva, 2001, p.19)

Silva (2001) aponta constantemente, em seu livro "Corpo, ciência e mercado", pesquisas da área de medicina do esporte nas quais se faz indicação de substâncias químicas para ajustar o rendimento corporal ao que se espera (ainda que com restrições ao uso):

Dentro da linha do rendimento, encontra-se popularizado o uso de substâncias naturais ou sintetizadas, desenvolvidas e utilizadas com a finalidade de alterar a forma do corpo e suas capacidades orgânicas. Entre as substancias, estão os já reconhecidos mundialmente, esteróides anabólico-androgênicos, hormônios sintéticos de composição análoga à testosterona [...] (Idem, p.47)

Denominadas ainda como bolas ou bombas, estas substâncias trazem sérios riscos de morte, pois a dosagem utilizada para tal fim às vezes chega a ser cem vezes mais do que aquela que corresponde ao nível fisiológico normal (Silva, 2001). Corpo bombado! A autora alerta para uma tendência à medicalização da sociedade, anunciando que o índice de dependência de drogas farmacológicas tem aumentado quase 300% em cada dez anos, taxa que seria superior ao aumento do consumo de álcool e de opiáceos. Por trás disto tem-se uma poderosa indústria farmacêutica, que movimenta bilhões no mercado mundial. Anestesiar este corpo, ter controle sobre as sensações e sentimentos - é o que se busca; mas, acima de tudo, ter o controle sobre a imagem desde corpo. Ante a incapacidade de lidar com as fragilidades e carências, mascara-se o corpo por meio de artifícios comercializáveis que prometem a onipotência, a possibilidade de ser "herói".

Neste contexto, observamos haver da parte da ciência, da medicina e da idéia de saúde, uma tendência a enxergar o corpo com uma imprescindível paranóia. Sem coragem de confiar nos seus corpos e percepções, os indivíduos ficam à mercê das autoridades, dos especialistas, enfim, da Indústria Cultural, que ditam crenças, valores e regras para uma suposta felicidade e bem-estar individual. O perigo disto é a adesão às escuras que se pode acabar dando a idéias totalitárias e eugênicas. Segregaremos então corpos "não-saudáveis"? Geneticamente "não-sociáveis"? Corpos inadequados e inadestrados aos ditames das autoridades? Casos de projetos eugênicos (esterilização em massa) adotados por alguns países em seus sistemas securitários4 ou os rumos ideológicos que a ciência vem tomando ao anunciar a possibilidade de identificar criminosos geneticamente5, por exemplo, anunciam perigosas bases para o uso violentador e ideológico do corpo.

Segundo Johnson (1990, p. 128), estamos "[...] deixando que as autoridades comandem o espetáculo, mesmo que este tome forma de uma histerectomia ou de uma guerra nuclear". Destruição de corpos em massa! Se assim for, a hegemonia vem deixando rastros na contemporaneidade e anseia por uma maior negligência de nossa parte para tornar-se parte do discurso dominante e em seguida alastrar-se - em nome da vigilância (Caniato e Nascimento, 2007) justificada pela ideologia de "segurança social" - sob a forma de espetáculo.

Este nosso alerta se baseia nas idéias de Adorno (1971/1995) de que as tendências que nos levariam novamente à submissão às idéias fascistas estariam presentes na cultura contemporânea de forma visível. Uma delas seria a valorização da idéia de virilidade significando "o máximo de capacidade para suportar" - em especial a dor, o que segundo o autor, permite o masoquismo e a fácil fusão deste ao sadismo. Esta tendência se expressa claramente na concepção de corpo contemporânea já exposta ao longo deste artigo: em nome da felicidade e bem-estar, os indivíduos têm procurado exibir no corpo a presteza de alguém sem fraquezas ou tristezas; um corpo - de aparência - "saudável". Para tanto, a dor passa a fazer parte do árduo caminho a ser percorrido para alcançar a plenitude da imagem corporal procurada.

Um exemplo disto é a filosofia "no pain, no gain" - sem dor não há ganho - difundida massivamente entre os indivíduos que buscam constantemente a perfeita aparência por meio da infinidade de possibilidades apresentadas pela ciência. Os homens estariam entendendo a dor impingida por outrem ou por si próprio como um mal necessário para atingir as expectativas sociais! Esta banalização da dor leva os indivíduos a dar adesão a comportamentos e princípios violentos. Vivemos numa cultura que se mantém valorizando e premiando a dor e a capacidade de suportá-la. Segundo Adorno (1971/1995, p.128), "aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar, que precisou ocultar e reprimir.".

Isto caracterizaria as bases que sustentaram o funcionamento de campos de concentração como o de Auschwitz. O princípio de Auschwitz, de acordo com Adorno, estaria presente também na "atual atitude para com a tecnologia [que] contém algo de irracional, patológico, exagerado (...) as pessoas tendem a considerar a tecnologia como algo em si, como um fim em si mesmo, como uma força com vida própria, esquecendo-se porém, que se trata do braço prolongado do homem" (Idem, p.132)

Neste caso a ciência, munida da Indústria Cultural, coordena e incita toda essa violência e exige dos indivíduos esta nova relação com a dor, o que não se dá sem conseqüências para a vida psíquica do sujeito.

 

A dor: mais um joguete das violentas injuções culturais da comteporaneidade

De acordo com Morris (1996), a dor é uma experiência essencialmente solitária, e remete a algo mais primitivo nos seres humanos; mas o autor a considera ainda como uma construção cultural: "el dolor absorbe, ineludiblemente, el perfume y el sentir de su vida social" (p. 43).

el dolor no es sólo algo que se siente de un modo ciego o que se soporta irreflexivamente como una serie de impulsos bioquímicos. Cambia con el lugar que ocupa en la historia humana (...) experimentamos el dolor según se lo interprete, envuelto en sistemas formales o informales de pensamiento que lo dotan de un significado ligado a los tiempos - sea teológico, económico, científico o psicológico. Comprendemos el dolor casi del mismo modo que comprendemos el mundo. En algunos casos el dolor nos puede revelar valores y creencias que ignorábamos poseer. (Idem, p. 51)

É possível identificar que a dor hoje caminha junto com a construção da imagem corporal que se deseja exibir a respeito de si. A dor perde a sua conotação original de que algo não está bem em nosso organismo ou psiquismo e passa a ser quase sinônimo de "saúde", assim como chega a ser motivo de vanglória, por caracterizar a superação e até a negação dos limites corpóreos, ou seja, por representar o domínio/controle sobre o próprio corpo.Não obstante, se vem caracterizar problemas orgânicos ou psíquicos, a dor deve ser calada, acalmada, anestesiada, negada, pois, neste caso, ela representa e expõe a fragilidade e os limites humanos tão indesejados/negados na contemporaneidade: é difícil esbarrar com nossa finitude e incompletude, hoje mais do que nunca, já que os valores culturais que preponderam são incompatíveis com essa condição humana.

Morris (1996) nos aponta duas faces contemporâneas da dor, pontuando de um lado um novo mundo de dor crônica, que, segundo ele "tiene su símbolo más eminente en la proliferación de consultorios en recientes centros especializados" (p.63); dor valorada e crônica esta que está explícita também em todas as formas de trato com o corpo na contemporaneidade, apresentadas anteriormente. Por outro lado o autor (Idem, p.81) pontua que "nuestra cultura nos enseña a encarar el dolor con silencio y negación. Los norteamericanos de hoy quizás sean la primera generación en que esta tierra ha considerado que una vida libre de dolor es prácticamente un derecho constitucional. El dolor es un escándalo" (Idem, p. 81).

A partir disto a dor real, concreta, é negada, medicalizada. A dor física, a dor da alma, a angústia, são então sufocadas, tomadas como vergonhosas mesmo que constitutivas da natureza humana. Ora, não seria a ansiedade, a angústia, sinal da autoconservação (Freud, 1920/2006), o prenúncio de que algo não está bem, o motor para uma ação concreta de proteção do indivíduo? Se os indivíduos hoje estão se valendo da negação - defesa psíquica mais primitiva - e não conseguem lidar e tirar proveito destes sentimentos, estão funcionando regredidamente e encontram-se incapacitados de defender-se dos diferentes perigos a eles impostos pela sociedade.

Pucci et al. (1999) apontam que o sofrimento é a essência para um pensar dialético e que negá-lo é impossibilitar o pensar e o movimento de mudança em uma sociedade que impõe violência a seus membros. A inquietude da dor aponta para uma esperança de mudança; "o momento corpóreo transmite o conhecimento de que o sofrimento não precisa existir, de que deve ser transformado"(Idem, p.93). O autor observa ainda que a sociedade que se pretendeu esclarecida visou negar qualquer tipo de sofrimento e ostentar certo domínio sobre a dor, e isto seria, na visão de Adorno,

um atentado não só contra o indivíduo que sofre a dor, mas também contra toda a espécie a que o indivíduo pertence. O objetivo dessa nova organização da sociedade seria a negação do sofrimento físico até o último de seus membros, assim como a negação das formas interiores de sua reflexão (Pucci et al. ,1999, p. 93)

Ao mesmo tempo em que somos conduzidos a anestesiar a dor/sofrimento concreto/real para que nos alienemos das causas, da fonte deste sofrimento e deixemos de reconhecer a violência a que estamos submetidos ou a que nos submetemos nesta sociedade, somos ainda levados a valorizar o ato de suportar a dor. Aprendemos então a manipular a dor: a dor auto-impingida é valorizada, pois dá aos indivíduos uma idéia de controle (onipotente) e propriedade sobre o próprio corpo. Já a dor física ou psíquica, que anuncia algum problema no funcionamento natural do organismo, mas que salutarmente impulsiona o indivíduo a buscar ajuda, deve ser amordaçada. Para Morris (1996), a dor perdeu quase todo o seu significado: "esta nueva aflicción crónica - creación de nuestra época científica y desmitificadora - puede acercarse velozmente a lo inhumano: a un dolor al cual no podamos asignarle significado alguno"(p. 89)

Toda esta lógica violenta e de culto à dor vem atingindo uma realidade extrema nas práticas denominadas Body Modification - modificações corporais. Trata-se de curtir e cultuar a dor e a exaustão corpórea, de extravasar os limites, os contornos corpóreos.

 

Body Modification: um corpo torturado.

Então, o que seria Body Modification? Segundo Alonso (2007),

é toda transformação ou mudança, que pode ter volta ao normal ou não, feita no corpo sem razões médicas. Os motivos são os mais variados: culturais, religiosos, ou espirituais, ou então comportamentais e estéticos. Por isso geralmente quem faz já está envolvido com tatuagens e piercing. (Alonso, 2007)

Neste sentido, "a prática de enfaixar os pés das meninas para mantê-los num tamanho minúsculo, a redução da cintura com espartilhos apertados, a extensão do pescoço executada por certas tribos" (Hitomi, 2007), bem como a correção ortodôntica pontuada pela personagem Lui do romance "Cobras e Piercings", são tipos de modificações corporais. Mas o que caracteriza a contemporânea "tribo" de adolescentes e jovens adeptos do mais variados tipos de modificação corporal não é um retorno ao primitivismo tribal em que a marca corporal registra signos, pois não temos uma valorização destas culturas em nosso imaginário cultural (Birman, 2007).

Os mais novos adeptos das body modifications submetem-se a tais procedimentos por vontade própria, sem estar pautados na busca de uma identidade cultural específica. Ao marcar/transformar a "superfície" corporal, os praticantes contemporâneos buscam exibir uma marca de significado individual e supostamente diferenciada, o que de fato inexiste no homem da "pseudo-individuação" atual. Esta ausência do simbólico da marca corporal nas sociedades ocidentais (presas ao consumo) se contrapõe às práticas orientais que deram origem às ocidentais. Na África, por exemplo, as marcas corporais são carregadas de significados e simbolismos individuais e, principalmente, comunais. De acordo com Costa (2003, p.11) na África negra,

o corpo nu precisa ser marcado para existir. Os anéis, pinturas, escarificações ou multilações, cobrem o corpo do indivíduo, dando-lhe uma identidade de pertença. Sem esses elementos, a nudez o deixaria vulnerável. Nessas sociedades, essas marcas não têm somente função ornamental. Trazem também reconhecimento social e religioso, muitas vezes fazendo função de amuletos ou de proteção.

Estas práticas são, então, formas de inserção social e de identidade carregadas de significados coletivos. Em oposição, as práticas de modificação corporal aparecem na sociedade ocidental exploradas pelo mercado, seu início foi marcado por uma "[...] explosão de estilos e performances, a ascensão de estúdios especializados e o surgimento de revistas, websites [...]"(Urbim, 2005). Da mesma forma, a idéia de corpo "herói" - que pode tudo - está presente também nas marcas corporais, "[...] tatuagens e escarificações são dolorosas de serem feitas e carregam riscos de infecção. Como guerreiros que exibem, orgulhosos, as cicatrizes das batalhas, os modificados estão mostrando que enfrentam e superam um desafio físico" (Idem, 2005, p.70) - encobrindo toda a vulnerabilidade e impotência, limites inerentes ao ser homem.

É possível compreender a violência destas práticas ao notar que os body moders, como são chamados aqueles que fazem a body transformation, não podem aplicar anestesia, já que apenas profissionais médicos podem fazê-lo (Alonso, 2007); a dor é então uma imposição, condição necessária para passar por estes procedimentos.

Definiremos então algumas dentre as variadas práticas de modificação corporal em questão: "escarificações", que são cicatrizes pelo corpo em forma de desenho, como a tatuagem, mas ao invés das agulhas e tintas, estas marcas são feitas pelo corte da pele com bisturi; "branding", que são marcas feitas por chapas de aço esquentadas com maçarico e aplicadas sobre a pele; "split tongue", que é a divisão da língua, tornando-a bifurcada por meio de piercings de alargamento para por fim cortar a ponta que ainda se encontrar unida ou por meio do corte direto e a conseguinte cauterização com ferro quente para estancar o sangramento. Fazem também parte destas práticas "implantes subcutâneos", que "são objetos, geralmente de silicone, osso, de aço, etc. que são aplicados sob a pele, formando um alto relevo" (Alonso, 2007); "pocket" é como um piercing, mas uma parte dele fica para fora da pele e as pontas ficam para dentro; "surface", que é o contrário do pocket, "as pontas ficam para fora da pele e as hastes ficam dentro"; "implante transdermal", que é aço cirúrgico ou bolinhas também, que são colocadas entre a gordura da pele e o músculo, metade da peça ficando dentro do corpo e metade, fora (Idem, 2007). É possível pontuar ainda as "body play", que seriam brincadeiras com agulhas que perfuram o corpo; "blood play", que seriam as brincadeiras com sangue; "cuts", amputações, seja de dedos ou do genital e os "rituais de suspensão", nos quais as pessoas são presas em grandes ganchos e penduradas por cordas ligadas a estes ganchos.

Muitas destas modificações corporais contemporâneas lembram animais, em especial os répteis, pelas línguas bifurcadas, implantes de próteses e tatuagens que remetem à rugosidade desta classe de animais. É possível inferir a importância desta mimese, pois remete a uma classe de animais perigosos, às vezes peçonhentos, que procuram afastar e amedrontar qualquer coisa que venha a seu encontro ou ameace seu bem-estar e seu "espaço", e que, no máximo, se aproximam de indivíduos da espécie do sexo oposto para acasalar. Será que não é um retrato do homem contemporâneo, arredio e solitário?

As modificações lembram ainda as mutações humanas dos filmes, desenhos ou histórias em quadrinhos, representando pessoas que, apesar de excluídas da sociedade por serem diferentes, estão sempre munidas de superpoderes ou de qualidades excepcionais. Isto pode ainda anunciar uma condição social de exclusão, mas, além disto, anuncia aspectos de regressão em que os indivíduos estão confinados ao mundo das fantasias onipotentes, característica das crianças e de suas brincadeiras em que o pensar (garantido pelo confronto com a realidade externa ao indivíduo) ainda não se fortaleceu para permitir uma ação concreta (derivada de reflexão) no mundo.

O leitor observador já pôde reparar que as denominações em inglês destas práticas já nos dão a dica da origem da contemporânea prática de Body Modification: o "Primeiro Mundo" - o que denota uma vez mais sua origem ocidental-consumista e o caráter violento da globalização acoplada a estas práticas. É possível ainda identificar que tais práticas demandam certa dose de coragem, tempo e dinheiro. Apesar de muitas vezes se pretenderem revolucionárias ou uma forma de resistência política contra o ideal da imagem corporal perfeita, ao sustentar a prevalência de passagens ao ato e ao prescindir da capacidade de pensar, acabam por manter os indivíduos regredidos, seguindo as mesmas regras do império visual e mercadológico, alienados de si e da realidade social violenta que os cerca. Assim, simplesmente fortalecem a manutenção do status quo e não se opõem ao funcionamento hostil do sistema socioeconômico.

Estas práticas são também reflexo de fantasias (infantis, regressivas) de onipotência e culminam na constante negação dos limites, essencialmente os corporais. São capazes de anular o equilíbrio e/ou a homeostase corpórea, uma propriedade da natureza humana de caráter autopreservativo. Exemplos disto seriam a negação explícita da reprodução humana nas práticas de cutting (amputação) genital ou simplesmente a constante possibilidade de adquirir uma infecção.

É possível fazer uma análise e identificar que, assim como o extremo da anestesia corporal em prol da suposta idéia de saúde, estas práticas, sob o extremo da dor, não fogem à cultura da aparência e do espetáculo. Ambos os movimentos ocorrem sob uma hipervalorização das sensações corpóreas em detrimento da experiência, ambos estão presos a uma cultuação do corpo, como se fosse divino e, portanto, bastasse a si. Assim também, elas não vêm ancorar a identidade (construída pela diferença) do indivíduo, por que se trata de práticas que padronizam este corpo e o mantêm desprovido do simbólico, que pressuporia uma história de vida, experiências. Experiência e história, posições que as mudanças exigidas constantemente pelo consumo não permitem manter, são hoje ideologicamente sinônimo de velhice, e conseqüentemente de ausência de "saúde".

Segundo Moreira (2003, p.17), "o esvaziamento dos sistemas simbólicos, a degradação e transformação dos valores produzem efeitos imprevisíveis, como uma inibição na vida psíquica associada a uma deficiência para simbolizar experiências significativas.". A Indústria Cultural, com seu bombardeio maciço e aleatório de informações que não se constituem como um todo, faz com que a experiência prévia, que faz parte do arcabouço psíquico no enfrentamento das situações, tenha uma consistência frágil em virtude de ter que estar sempre reconfigurada, falhando na atuação de ancoragem psíquica.

Em uma reportagem da revista Super Interessante, Urbim (2005) apresentou um casal de canadenses que "[...] não queria um anel para selar o casamento. Decidiram morder [e arrancar] a ponta do dedo um do outro. 'não queriam um compromisso de metal, mas de carne' [...]". Este fato denuncia uma perda da noção do simbólico que fica reduzido ao concreto imediato, que é incorporado, encarnado.

Enfim, tanto estas práticas de modificação corporal como as de cultuação de uma aparência corporal ideal estão sujeitas à lógica do consumo, que violenta este corpo levado a seus extremos, sob a potencialização e estimulação da pulsão de morte, desprendida do amálgama com a pulsão de vida no caminho da autoconservação (Freud, 1930/1981).

 

Da barbárie à subjetividade danificada

As ordenações práticas da vida, que se apresentam como se favorecessem o homem, concorrem, na economia do lucro, para atrofiar o que é humano, e quanto mais elas se estendem, tanto mais podam tudo o que é delicado. Pois a delicadeza entre humanos nada mais é do que a consciência da possibilidade de relações isentas de interesses (Adorno, 1951/1993, p.34)

Convidamos agora à reflexão sobre as implicações deste contexto totalitário da lógica consumista sobre a constituição da subjetividade dos indivíduos. Contexto esse, marcadamente sustentado pela Indústria Cultural, que mantêm os homens sob a crueldade da violência e a banaliza - inclusive no que se refere a violência sobre os corpos.

Questionamos então, quais seqüelas e conseqüências que este corpo violentado imputaria à subjetividade? Que tipo de psiquismo está sendo exigido dos indivíduos para administrar esta situação? Ou melhor, que tipo de subjetividade sustentaria estes corpos devastados? A nosso ver, toda essa violência cultural (voltada ou não para o corpo) culmina em uma danificação do processo de construção da subjetividade dos indivíduos.

Fatores importantes a analisar são o imperativo de uma vivência imediatista e a procura insana por satisfação por meio dos modelos corporais apresentados pela Indústria Cultural, que sempre exalam uma suposta felicidade. Essa "suposta felicidade" seria inviável já que sempre fugas e assim, permite uma retroalimentação da busca por novos modelos. As conseqüências subjetivas deste processo alienante é a imposição do predomínio do sensorial, chegando à insanidade da mutilação do corpo e à impossibilidade de identificá-las como tais. Isto porque havendo a prevalência deste sensorial, os indivíduos não acumulam experiências e memórias para poder, confrontando-se com esse terror do real, formar julgamentos de valor que orientem sua proteção psíquica. É evidente que o que resta desta vivência é imersão dos indivíduos nas contingências do trauma (Freud, 1920/2006).

Podemos entender então que nestas condições os indivíduos estariam vivendo num nível de regressão psíquica significativa, que se reflete nas distorções da percepção, na defasagem da habilidade de pensar, de elaborar e nas possibilidades de fazer ressignificações. Este ego-corporal corre assim o risco de ser tomado pelo id (e até por um superego extremamente rigoroso) sob a tirania da pulsão de morte. Este funcionamento conduz à frustrações que atingem o grau do insuportável: os indivíduos passam a funcionar praticamente no nível do princípio de prazer e abandonam o principio de realidade, lançando-se no perigoso caminho da pulsão de morte.

Para estreitar, mas também aprofundar a análise destas conseqüências subjetivas para os indivíduos, tomaremos como pressuposto que este hiperinvestimento contemporâneo no corpo atinge preferencialmente os adolescentes, por serem a parcela populacional mais vulnerável às intempéries sociais. Para compreender isto se faz necessário assinalar que a fase da adolescência, considerada por vários autores como "moratória social", indica um momento de espera e transição. É neste momento que o individuo nega as marcas parentais, aqueles de quem almeja se desprender e figura-se (roupas e atitudes) como seus pares para abafar o desamparo experimentado por esta procura de diferenciação em relação aos pais. Os adolescentes vivem ainda uma fase socialmente crucial:

A adolescência, como segundo momento da sexualidade humana, se dá quando o sujeito tenta desprender-se da autoridade parental e, ao fazê-lo, defronta-se com as fissuras e contradições da organização social da qual faz parte. A vertigem experimentada nesse período atualiza as marcas de desamparo da infância e, por isso mesmo, de modo inverso, suscita fantasias onipotentes de subverter o instituído. (Matheus, 2007, p.60)

Estas fantasias onipotentes se refletem no trato com seus corpos, no sentido de procurar constantemente extravasar e dominar os limites corpóreos, principalmente por meio de violência, tão a gosto dos modelos identificatórios atuais centrados na destruição do corpo. Quando a cultura e o mercado de consumo oferecem e valorizam a possibilidade de viver tais fantasias, as situações de perigo a que os indivíduos na adolescência se expõem se potencializam.

A Indústria Cultural e o mercado se valem desta fase delicada para atrair a sua maior parcela consumista: os adolescentes, que se agarram às mercadorias e ideais produzidos para este fim como se fossem âncoras - são presas fáceis dos fascínios corporais em moda e do conseqüente desmazelamento subjetivo. Neste sentido, a Indústria Cultural apresenta e vende uma infinidade de modelos identificatórios sedutores, que remetem às imagens/manifestações pulsionais mais primitivas. Segundo Moore (1992), se nosso ideal de ego se prende a tais ideais (modelos) primitivos, obtém-se um nível patológico que impede a formação de ideais em estágios posteriores. Segundo o autor,

Uma patologia deste tipo ["patologia" que consideramos como um "mal" contemporâneo] torna o indivíduo vulnerável a grave dano narcísico e à experiência de afetos intensos e arcaicos, tais como raiva, vergonha, depressão e ansiedade, assim como aos afetos narcísicos mais derivados, como inveja, ciúme, despeito e desprezo.(Moore, 1992, p.95).

Não são estes os sentimentos que prevalecem na contemporaneidade? A raiva contida da "anorexia nervosa" ou da simples apatia perante a vida, que refletem, além da exigência interna, uma grande opressão externa sobre os corpos? Ou a vergonha de não fazer parte daquela pequena parcela de indivíduos que atingem os ideais corporais "suntuosos", que são apresentados pela Indústria Cultural? Um exemplo disto seria o ideal de corpo "perfeito", "belo" e "saudável", que exige um investimento de tempo e dinheiro a que poucos têm acesso. O resultado: exclusão e humilhação de simplesmente ser/ter seu corpo real. Assim, podemos dizer que estes modelos identificatórios atuam nos indivíduos no nível da inveja, que tem como seu derivado mais fiel a competição, nossa grande conhecida; regra de "sobrevivência" na "selva" neoliberal.

Vale lembrar, para tanto, que a lógica neoliberal da livre-concorrência, que estimula uma competição exacerbada entre organizações no acirrado mercado global, mostra suas caras ao nível individual - subjetivo e corpóreo. O corpo neste sentido parece seguir os parâmetros impostos pela competição: alcançar o que o mercado espera dele - valer-se de tudo para ser um bom consumidor no mercado das aparências: corpos rivais. O essencial é saber fazer seu "marketing pessoal".

A inveja e as respectivas ansiedades com relação a tal sentimento caracterizam a posição mais primitiva do desenvolvimento humano - para Melanie Klein, a posição esquizoparanóide. Sob as circunstâncias deste meio que favorece a regressão, observa-se esta fase sendo potencializada e prevalecendo na vida dos indivíduos contemporâneos. O sentimento de inveja carrega consigo uma carga efetivamente grande de ódio, que se traduz em um masoquismo e em um sadismo sobre si e sobre o objeto de amor, objeto idealizado. Neste movimento a alteridade/diferenças são destruídas, já que prevalece um amálgama simbiótico que sela as relações. Esmaece assim o indivíduo e assume posição a fusão: eu no outro e vice-versa.

Um bom exemplo disto é o programa de televisão "I want be a famous face", onde os participantes desejam imensamente transfigurar-se, reconfigurar-se no artista do qual são fãs por meio de cirurgias plásticas. Assim o participante ganha uma nova face: "transforma-se" (basicamente funde-se e confunde-se) no seu "objeto idealizado". O indivíduo, regredidamente, nega e anula sua diferença, esvazia seu eu (que também é corporal) de tudo o que tem de bom. Seu corpo nunca é bom o suficiente. Em outras palavras, o indivíduo projeta no objeto (de consumo ou nos seus pares) todos os seus conteúdos bons para salvaguardar a bondade/perfeição do objeto idealizado, enquanto seu eu destrói-se. Este objeto é, na verdade, idealizado pela própria Indústria Cultural e o indivíduo, neste jogo cruel, adere a tal idealização e passa a desejar tudo que de bom este objeto tem, como se nada tivesse.

Tamanha ansiedade perante tal sentimento de inveja e idealização leva o indivíduo a destruir o objeto (fantasisticamente ou não), mas, ironicamente, acaba destruindo a si, pois está identificado com o objeto. Raras são as vezes em que o indivíduo consciente da situação mantém sua integridade, identificando a Indústria Cultural no contexto sociocultural como semeadores de "sentimentos de inveja". Tudo isto confere forma à competitividade e anuncia um processo destrutivo de esvaziamento e desvalorização do eu e, conseqüentemente, do corpo. Mais do que isto, marca um contexto de contaminação dos vínculos entre indivíduos que acaba assumindo, inclusive, uma dimensão extremamente dramática, nos moldes do filme "Clube da luta", onde os personagens só recebem guarida em um local em que impera a violência.

A amputação dos genitais, feita por alguns dos adeptos das Body Modifications, apenas reflete tal situação. Freud pontua que a relação sexual seria o protótipo da felicidade. Neste sentido, não estaria havendo uma negação da felicidade e dos vínculos? Aos homens solitários da atualidade resta quase exclusivamente a superficial relação com seus corpos e sensações - resta a corpolatria. Resta uma exagerada estimulação corpórea incitada pelos ideais de consumo.

Safatle (2004) retoma as idéias de Foucault para pontuar que estes ideais não mais se configurariam em "controle-repressão" como outrora, mas sim em "controle-estimulação". Ou seja, o gozo é permitido (e até obrigatório), mas de forma totalmente administrada (pela Indústria Cultural). Ora, este gozo não seria então autêntico nem partiria do indivíduo autônomo, pelo contrário, estaria vinculado às mercadorias de forma imperativa, como uma reformulação da repressão. Trata-se então de uma cooptação da pulsão, por meio da sedução, pelos objetos-mercadorias fornecidos pelo consumismo. Este gozo acaba assumindo um caráter insensato, já que se trata do superego que "[...] não tem nenhum conteúdo normativo, ele nada diz sobre como gozar ou qual o objeto adequado ao gozo." (Safatle, 2006). A pergunta assombra: estaríamos gozando então com a destruição?

O cerco se fecha se pensarmos que a predeterminação e administração deste gozo levam a uma constante insatisfação (repetição compulsiva do trauma) norteada pela busca do gozo autêntico. Isto acaba por preparar os indivíduos para a aceitação do substituto, isto é, a busca pelo gozo oferecido: mercadorias a serem consumidas. Sendo assim, este ideal de ego preso a esse objeto de gozo incondicional, internalizado pelo superego, pode assumir uma onipotência desmedida rumo ao "mundo nirvanesco da morte" (Caniato, 2000). Assim, a Indústria Cultural passa a "glamourizar" essas formas destrutivas de "vida" e a libidinizar a morte, a qual, inclusive, é colocada como ideal. Que tipo de superego esta cultura estará produzindo? Talvez um superego sem contornos, um superego arcaico, preso a toda a agressividade e destrutividade primitivas que, obrigatoriamente, punirá o corpo até a exaustão. Entendemos ser este processo mórbido que vem movendo a concepção de corpo nesse momento histórico e acarretando um esvair-se no desvanecimento da subjetividade.

Acreditamos, então, haver um processo em comum nos indivíduos hoje: a desintrincação pulsional e a prevalência da pulsão de morte. Esta prevalência da pulsão de morte vem elucidar a fácil adesão à atitudes tão destrutivas em relação ao corpo, atitudes essas inclusive incitadas pela mídia. É o caso do site www.bmzine.com, onde a mídia transforma em um espetáculo sedutor a destrutividade corporal.

Segundo Rosenberg (2003), esta prevalência da pulsão de morte remete a um "masoquismo mortífero", que entra no nível patológico. Esse autor desenvolve, pautado em Freud, a idéia de que o masoquismo é, a priori, uma condição indispensável à vida enquanto há um amálgama/intrincação entre pulsão de vida e de morte. Neste caso, o masoquismo estaria implicado em toda a relação de objeto, seria o que a torna possível, pois permite ao indivíduo suportar frustrações e usar a sua agressividade de forma positiva, como proteção, visando à manutenção da vida e à integridade egóica. Não obstante, Rosenberg (2003) alerta que, se há uma desintrincação pulsional, o masoquismo se aproxima da pulsão de morte e recebe uma potencialidade mortífera: "o sujeito investe masoquistamente todo o sofrimento, toda a dor, todo o território de desprazer, ou quase" (p.109). Esse autor remete tal fato aos casos psicóticos e às mutilações que eles se auto-infligem. Como muitos dos adeptos da "body modification" admitem, sentir dor é extasiante, gera alívio e prazer, isto é, a pulsão de morte ganha força e prepondera, e então as atitudes de autoconservação ficam diminutas e prevalece o "barato na dor"e o "prazer em lamber as próprias feridas". Ousamos pensar que as Body Modifications (ou ainda a submissão à processos dolorosos infligidos ao corpo em nome da aparência "perfeita") não estão muito longe do funcionamento subjetivo que sustenta estes casos psicóticos citados por Rosenberg.

Trata-se para eles, parece-nos, não somente de tornar (masoquistamente) suportável, e circunstancialmente agradável, a excitação, mas de encontrar seu prazer exclusivamente (ou quase) na vivência da excitação por um investimento maior desta. O corolário desta atitude é que a descarga com a satisfação objetal torna-se, no limite, supérflua, e em última instância impossível. (Rosenberg, 2003, p.109)

O masoquismo mortífero se traduz, assim, na impossibilidade de conquistar a satisfação libidinal-objetal pela descarga como ponto culminante do prazer e por isso necessitar valer-se da excitação em si e passar a centrar-se nela - fato ideal à manutenção da lógica social de "controle-estimulação". Não há a projeção do masoquismo que conferia a presença de um amálgama pulsional; há, sim, uma introjeção massiva do sadismo, o que consiste no masoquismo mortífero. Ou, ainda, como Freud pontua em El malestar en la cultura, mas a presença de um "superego da mais-repressão"; superego que tem sua agressividade potencializada por uma opressão externa e pela impossibilidade de exprimir externamente tal agressividade. Por conseqüência, este superego entra em um sentimento profundo de culpabilidade inconsciente e adere a um nível significativo de autopunição, a qual se retrata na extrema violência contra o corpo na atualidade.

É neste contexto que vemos se intensificar na sociedade o caráter depressivo das patologias, cuja incidência é significativa entre os praticantes das body modifications. Podemos considerar, como Rosenberg (2003), que na depressão há uma desfusão pulsional extrema em que reina o superego como "pura cultura da pulsão de morte". O indivíduo fica complacente e entregue a todo o sadismo disponível em si. Este sadismo sobre o objeto perdido (ou ideais perdidos) fica encoberto pelo investimento narcísico do objeto após a perda, ou seja, a identificação e necessária idealização do objeto leva a uma constante autopunição.

Chegamos, então, a um ponto crucial, em que os elementos até agora apresentados convergem acerca da representação de um indivíduo que na contemporaneidade vive sujeito à condições tais como: à constante perda de ideais, maquinada pela Indústria Cultural sob o imperativo "goza!", à idealização - fruto da inveja, ao conseqüente esvaziamento do eu , à regressão produzida pela simplificação e fragmentação da existência e da cultura, à autopunições e depressões e à desintrincação pulsional - ou seja, toda uma série de seqüelas subjetivas funestas resultantes destas imbricações da violência social na subjetividade dos indivíduos e em seus corpos.

A partir disto, cabe-nos pontuar como o adolescente se encontra diante de tal situação de barbárie, se esta fase caracteriza-se essencialmente pela estruturação e solidificação da identidade6, já que a adolescência é a fase em que os ideais culturais se posicionam na subjetividade e ganham forma, auxiliando-o em sua busca de "vir a ser", a partir da aceitação de si e do seu corpo.

De acordo com Moore e Fine(1992, p.96), a identidade é garantida pelas múltiplas identificações que o sujeito faça ao longo de sua história de vida; mas também é mediatizada pelo corpo na estruturação da imagem corporal:

O desenvolvimento da imagem corporal acha-se no cerne da formação da identidade, a qual adquire ímpeto à medida que o processo de separação-individuação se desdobra, mas só se completa depois da adolescência (...) uma vez que indivíduo se tenha definido em uma variedade de contextos sociais [e de ideais] (Moore e Fine, 1992, p.96)

Entretanto, o que observamos hoje é o esgarçamento dos laços afetivos, a perda constante dos ideais, já que estes estão cooptados pelo consumo; mas, mais do que isto, vemos a ausência de ideais concretos que sirvam como pontos de referência. Neste sentido, como observa Birman (2007), o reconhecimento simbólico que o adolescente procura não se dá mais pelo laço social ou pelo discurso, então este busca tal reconhecimento pelo registro do olhar. A partir disto vemos o corpo ser superinvestido, objetivando a aparência, a imagem corporal ideal que se deseja exibir e ver no outro.

De acordo com Sibilia (2006, p. 46), "tendências exibicionistas e performáticas alimentam as novas modalidades de construção e consumo identitário, numa espetacularização do eu que visa à obtenção de um efeito: o reconhecimento nos olhos do outro e, sobretudo, o cobiçado fato de ser visto." Birman (2007, p.47) concorda: "a antiga discrição transforma-se em indiscrição". Ao contrário dos costumes burgueses de discrição da imagem corpórea, hoje esta imagem é marcada por uma "assinatura visual" que delimita o usuário ou portador do corpo em questão. Neste sentido, os indivíduos vêm se pautando no olhar acusatório e persecutório do outro - tirano consigo e com seus pares - e na aparência de si que apresenta perante a sociedade para conseguir garantir sua "identidade", como condição de permanecer aceito na massa (você é o que aparenta ser). O prenúncio disto é a impossibilidade de manter uma autenticidade e solidez da identidade, ainda mais se esta se constrói a partir de identificações com tantos outros "corpos" marcados pela destruição. Ou seja, todos os ideais oferecidos pela Indústria Cultural estão permeados pelo ditame: "seja isto e não você", "consuma isto, e conquiste o ideal social" - e os corpos aos quais temos de nos identificar apresentam-se violados, cindidos, massacrados, apesar de aparentemente "saudáveis". Como conseqüência a imagem corpórea, resultado da construção da identidade, está marcada por tal destruição/fragmentação.

Vale reforçar: a imagem corporal, que deveria fornecer um continente para a anárquica produção pulsional originária do corpo infantil, hoje encontra-se deturpada e amorfa. Neste sentido, as marcas corporais - Body Modifications/mutações musculares - seriam resultantes de uma busca desesperada por uma identidade, já que parecem permitir um doloroso (re)encontro com os contornos corpóreos, com a possibilidade de testar e sentir os limites possíveis desta imagem "esfacelada" que os indivíduos anseiam "restaurar". De acordo com Birman (2007, p.53, grifos nossos),

Pelas tatuagens, os jovens de hoje, como os marinheiros de ontem, se sentem sem cidadania e sem referências familiares, órfãos do mundo desértico que lhes foi outorgado pelos pais (...) buscam, na atemporalidade das referências simbólicas, aquilo que o mundo real não lhes oferece. É crescente e profundo seu ressentimento em relação aos pais e à ordem social, pelo destino funesto e sem esperança, destituído de qualquer horizonte visível, ao qual foram lançados. Por isso mesmo, procuram animalidades imaginárias que lhes permitam inscrever-se em sistemas de filiações, tentando, pela tribalização, encontrar um lugar seguro onde possam inserir-se no cenário errático da atualidade. O que se pretende com isso é alguma forma de pertencimento.

Lamentavelmente observamos então que:

Adereços, roupas, maquiagens, tatuagens, piercings, atividade esportivas, musculação, cirurgias plásticas buscam dar conta de um mal-estar que, mesmo que referido ao corpo, geralmente tem pouco a ver com ele. Tentativas muitas vezes vãs de aplacar inquietações, angústias e experiências mais profundas de vazio que apenas no corpo encontram um porta-voz. (Volich, 2005, grifos nossos).

Considerando-se que, segundo Freud (1930/1981), Eros e Ananké, "Amor e necessidade/trabalho ou repressão" são os fundamentos da cultura humana e que a cultura designa a síntese das produções e instituições que distanciam a vida dos homens da de seus antecessores animais e serve a dois fins: proteger o homem contra a natureza e regular as relações dos homens entre si, pode-se falar em uma perversão da cultura. A cultura hoje está ausente em sua função de amparo à qual Freud se refere. Diante de tanta violência é possível pensar em uma cultura que vem produzindo traumas constantes, estando os indivíduos incapazes de identificar de onde parte o desprazer ou o susto da violência (Freud, 1920/2006) a que estamos constantemente submetidos - via Indústria Cultural. Quando muito, eles acabam identificando-se com o agressor e agredindo a si e, principalmente, aos seus pares.

Os indivíduos estão hoje simplesmente coadunando-se com a lógica violenta que atravessa essa cultura, a qual se difunde pela Indústria Cultural e este funcionamento acolhe a lógica mercadológica em detrimento da garantia do amparo aos indivíduos. Se pensarmos no indivíduo, enquanto construto e construtor da cultura e da história, podemos compreender que a manutenção e a priorização deste corpo em punição anunciam uma equalização, alienação, cumplicidade e apatia dos indivíduos enquanto massa. Para Adorno e Horkheimer (1951/1973), a participação dos indivíduos na massa é algo necessário socialmente e comum aos seres humanos; tem o aspecto positivo de garantir a identificação com um outrem - líder, símbolo ou o que comporte uma representação da figura paterna. No entanto, o problema se dá quando:

se produz o chamado masoquismo das massas, sua disposição a submeter-se ao mais forte, sua vontade gregária, sua aversão a todo grupo estranho. Os horrores que hoje ameaçam o nosso mundo não são produzidos pelas massas mas por tudo aquilo e por todos aqueles que se servem das massas, depois de terem-nas engendrado. (Adorno e Horkheimer, 1951/1973, p. 85)

A massa neste sentido perverso, manipulada por um demagogo (hoje, a Indústria Cultural) proporciona aos indivíduos uma ilusão de proximidade e de união; uma falsa alteridade, destruidora dos laços sociais e das identidades. De qualquer forma os indivíduos, esquecidos e impessoalizados em meio à massa, anseiam garantir sua identidade, mas, para tanto, assumem para si a lógica da mercadoria: destacar-se para vender. O importante é conseguir ser admirado, desejado, cobiçado, idealizado. Os praticantes da body modification parecem mergulhados nesse contexto, mesmo que estas práticas em si, por vezes, tomem uma coloração (tal qual uma camuflagem) de resistência e oposição à massa. Não obstante, como nos apontam Adorno e Horkheimer (1951/1973, p. 74),

Vemos formar-se na base, como protesto espontâneo, inconsciente e freqüentemente destrutivo, contra a pressão e a frieza da sociedade de massa, novas configurações de microgrupos que oferecem ao indivíduo uma cobertura coletiva, estreita solidariedade e alguns esquemas de identificação.

São microgrupos que se mantêm simbioticamente colados/grudados pela destrutividade, em que a identificação e a solidariedade são débeis, portanto fogem à posição de resistência social. Estas práticas marcariam muito mais um sofrimento escancarado em atuações (acting out) do que uma forma de resistência. Trata-se muito mais de motivações inconscientes (e destrutivas) do psiquismo do que de atitudes conscientes, voltadas a uma ação política de resistência social.

Em síntese, todo esse funcionamento voltado para o corpo reflete uma cultura da instantaneidade, efemeridade, sem história, calcada nos valores neoliberais. Determina-se hoje um tempo vivencial interior sempre presente, uma fragilização de ideais e um gozo imediato e insensato, preso às sensações. Este contexto acarreta ao indivíduo certa dificuldade em obter auxílio do seu corpo para discriminar sensações prazerosas, sentimentos e sofrimentos em termos verdadeiros, pois estão presos à superficialidade da imagem e a uma "anestesia do viver". O corpo, nesses indivíduos, não mais auxilia na ancoragem psíquica; é um corpo que reflete uma subjetividade fragmentada, ou ainda, anulada. É um corpo sobrecarregado, que só ganha prestígio se é "herói", ou seja, se tudo suporta. Entretanto, este corpo que tudo suporta é humanamente impossível ,apesar de desejável.

Odália (1983), ao definir o conceito de violência, equiparou-o ao conceito de privação. Se assim considerarmos, podemos anunciar que este corpo da atualidade, privado do ócio, da criatividade, do contato com sua natureza e com a natureza "externa", privado de ser do desejo, sem ter acesso às orientações advindas dos sentimentos, impedidos de refletir, do experienciar e de sua integridade, anuncia um "eu-corporal" sob extrema violência cujo desdobramneto são, também subjetividades mutiladas.

 

Um caminho possível

Cimenti (2003) nos incita a refletir sobre a importância de reconhecer o sofrimento em si e no outro:

Deverá, então, o sujeito rastrear suas experiências e reencontrar em si o que viu no outro. Freud destaca, ainda, que um grito dado pelo outro, remeteria ao próprio grito, levando o sujeito a lembrar sua própria dor. O grito e a dor se constituiriam, portanto, em um dos sinalizadores para a formulação dos primeiros juízos elaborados pelo sujeito e seriam precursores na construção do seu pensar.

Estas afirmações indicam um caminho possível para a situação que se impõe na relação cotidiana com nosso corpo "cansado". Ter total controle e manipulação desse corpo é algo inviável, pois a natureza humana escapa, em termos, à domesticação: ele um dia vai envelhecer! Para diminuir o sofrimento que nos acomete, será necessário reconhecer e criar coragem para (re)abrir fendas narcísicas e confrontar-se com a finitude humana. Acima de tudo, um passo inicial deve ser tomado: é preciso que o homem contemporâneo (re)conquiste sua capacidade de ser afetado pelas forças do mundo, da natureza e da sociedade (Pelbart, 2007), assumindo suas dores e abrindo os olhos para - e denunciando - a violência que impera deslavadamente sobre ele e seus pares.

Neste sentido, não devemos nos deixar seduzir por "novos" mitos produzidos por uma sociedade que segue uma lógica mercadológica, mas sim, buscar uma reapropriação de nossos sentimentos e desejos há muito sufocados com a nossa cumplicidade, de certa forma, masoquista aos ditames desta barbárie. Apenas a partir disto é que poderemos pensar novamente em um corpo-natureza (re)integrado, nos moldes gregos de integridade.Bertold Brecht (1966), de forma sensível, parece identificar uma saída para a destrutividade humana: o pensar!

(...)

General, vosso tanque é um carro forte

- derruba florestas e esmaga centos

de homens.

Tem apenas um defeito: precisa de motorista.

General, vosso bombardeio é forte

- voa mais célere que o vento e agüenta

mais do que um elefante.

Tem apenas um defeito: precisa de aviador.

E um homem, general, é muito útil

- serve para voar, serve para matar...

Tem apenas um defeito: serve para pensar.

 

Notas

1. Sedução, segundo Lucchesi (2002), é o processo pelo qual se atrai para privar o outro da autonomia de si, sob a promessa de possibilitar-lhe a experiência do prazer pleno.

2. Que segundo o dicionário virtual Wikipédia, é um "esporte cujo objetivo é buscar, através da musculação, a melhor formação muscular. Sua disputa ocorre em apresentações coletivas ou individuais, de comparação. Os requisitos são volume, proporção e definição muscular.".

3. Ainda segundo o dicionário virtual, o halterofilismo corresponde à disputa de levantamento de peso ou, contemporaneamente, à simples prática do uso de halteres. Ver fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Página_principal

4.Sabe-se de casos de esterilização em massa de mulheres (e homens) indígenas no Peru sob a administração de Fujimori em parceria (e financiamento) com entidades dos Estados Unidos da América. Ver artigo a respeito: BARTHÉLEMY, F. O Crime de Esterilização Forçada.In: ___. Le Monde Diplomatique. Ano 5. N. 53. Jun. 2004.

5. Pesquisas realizadas por universidades do Rio Grande do Sul - PUR-RS e UFRGS - vêm propor a possibilidade de estudar a estrutura cerebral de criminosos para identificar quais os processos que gerariam a violência. Ver artigo a respeito no site do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul: http://www.crp07.org.br/noticias_internas.php?idNoticia=506

6. Segundo Moore (1992), o senso de identidade, uma experiência subjetiva, começa pela percepção que a criança tem de que existe como um indivíduo, em um mundo com objetos externos semelhantes, mas que apesar disto, ela tem seus próprios desejos, pensamentos, lembranças e aparência, distintos dos outros.

 

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Recebido em 04 de dezembro de 2008
Aceito em 23 de abril de 2009
Revisado em 27 de maio de 2009

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