SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número3O aborto é uma dor narcísica irreparável?"A soberania da clínica na psicopatologia do cotidiano" índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.9 no.3 Fortaleza set. 2009

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Formação em psicologia e as novas demandas sociais: relato dos egressos da Universidade de Fortaleza

 

 

Karla Patrícia Holanda MartinsI; Tereza Gláucia Rocha MatosII; Regina Heloisa Mattei de Oliveira MacielIII

IUniversidade de Fortaleza, Professora Programa de Pós-Graduação em Psicologia. End.: R. Pascoal de Castro Alves, 1044. Fortaleza, CE. CEP: 60175-575. E-mail: karlamartins@unifor.br
IIUniversidade de Fortaleza, Professora Programa de Pós-Graduação em Psicologia. End.: R. Galdioso Carvalho, 150. Fortaleza, CE. CEP: 60340-150. E-mail: terezamatos@unifor.br
IIIUniversidade de Fortaleza, Professora Programa de Pós-Graduação em Psicologia. End.: R. Rangel Pestana, 2424. Fortaleza, CE. CEP: 60834-250. E-mail: reginaheloisamaciel@gmail.com

 

 


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo refletir sobre a formação do psicólogo tomando como referencia o discurso dos egressos do curso de psicologia da Universidade de Fortaleza - UNIFOR - universidade privada mantida pela Fundação Edson Queiroz, a fim de verificar se a formação profissional responde às demandas sociais da região. A pesquisa foi realizada por meio de questionários enviados a todos os egressos que concluíram o curso no período compreendido entre 2001 e 2005, totalizando 436 indivíduos. Dos 60 respondentes, correspondendo a 13% do total de egressos do período, 81,7% atuam como psicólogos e 18,3% trabalham em atividades não relacionadas à psicologia ou estão momentaneamente desempregados. As áreas de atuação desses profissionais dividem-se em psicologia organizacional e do trabalho (35,8%); psicologia clínica (30,6%); psicologia social/saúde/comunitária (20%) e; psicologia escolar (12%). Muitos profissionais atuam em duas ou até três áreas diferentes em locais distintos ou em duas atividades em um mesmo local. A partir dos dados coletados observa-se o enriquecimento das práticas profissionais do psicólogo, principalmente direcionadas aos campos sociais e da saúde, focalizando o sofrimento da população e colocando em debate a formação do profissional de psicologia diante das demandas sociais surgidas nas últimas décadas. Os resultados encontrados podem contribuir para a questão da reestruturação curricular dos cursos de psicologia, posto terem possibilitado avaliar o percurso acadêmico dos egressos, bem como as demandas sociais feitas aos profissionais da área, abrindo novas diretrizes para o planejamento de oportunidades de reciclagens sistemáticas e contínuas.

Palavras-chave: formação, psicologia, egresso, profissão, demandas sociais.


ABSTRACT

The present article aims to discuss the professional training in psychology, taking as a reference the opinions and professional life of students recently graduated from the Universidade de Fortaleza - UNIFOR (University of Fortaleza), belonging to Fundação Edson Queiroz (a nonprofit foundation), in order to investigate if the training meets the social local demands. A survey was carried out by means of questionnaires sent to all students graduated between 2001 and 2005: a total of 436 professionals. Of the 60 psychologists who answered the survey, corresponding to 13% of the total population of students graduated in the period, 81,7% work as psychologists whereas 18,3% work in activities not related to psychology or are currently unemployed. The areas in which these professionals work are divided in organizational and work psychology (35,8%); clinic (30,6%); social psychology/health/community (20%) and school psychology (12%). Many professionals work in two or even three distinct areas in different locations or in two activities in the same institution. From the collected data, one can observe the variety of professional activities carried out by psychologists in the region, specially related to the fields of health and social assistance, focusing the suffering of the population groups attended. This leads to a debate about the training of the psychology professionals that now faces the new social demands of the last decades. The results can contribute to the curricular restructuring of the graduation in psychology, since they enabled an evaluation of the academic evolution of psychologists as well as the new social demands imposed to the professionals, opening up new guidelines for the planning of opportunities concerning systematic and continuous education.

Keywords: graduation, psychology, newly graduated student, profession, social demands.


 

 

Introdução

Diante das diretrizes do Sistema Nacional de Avaliação Institucional da Educação Superior (SINAES) e das atuais expectativas do mercado de trabalho, as universidades têm sido desafiadas a buscar meios que possibilitem uma formação profissional condizente com os avanços científicos e tecnológicos, mas, principalmente, com as demandas sociais de suas regiões de abrangência (Carvalho et al, 2009; Bargardi et al, 2008; Yamamoto, 2007; Dimenstein, 1998). Tal formação deveria garantir uma preparação competente e comprometida com a ética e a qualidade dos serviços que o profissional venha a prestar à sociedade e ainda, ser uma formação que avance para além da graduação por meio de ofertas de aperfeiçoamentos, especializações, mestrados e doutorados.

No ano de 2009, o curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza - UNIFOR completou vinte e cinco anos, neste período foram formados cerca de 1600 psicólogos. Atualmente, com a ampliação de vagas do curso para o turno da noite, a partir de 2011, aproximadamente 200 alunos por semestre deverão receber seus diplomas. Nestes três últimos anos, a UNIFOR tem refletido acerca do modelo de ensino, com o objetivo de desenvolver ações referentes à formação do psicólogo nos níveis de graduação e pós-graduação. Algumas dessas ações coincidiram com a necessidade de implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais e, conseqüentemente, com a construção de um novo currículo para o curso.

Dentro desse contexto, em agosto de 2005, foi formalizado um projeto de pesquisa sobre o perfil profissional e a inserção no mercado de trabalho dos egressos do Curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza. O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados dessa pesquisa. As discussões sobre a reestruturação do currículo da graduação da UNIFOR foram subsidiadas pelos resultados da pesquisa, uma vez que estes possibilitaram considerar o percurso acadêmico dos egressos, bem como as demandas sociais feitas aos profissionais de psicologia, abrindo novas diretrizes para o planejamento de oportunidades de reciclagem sistemáticas e contínuas.

No entanto, a discussão em torno do compromisso social do psicólogo e sua formação não são tão recentes. Os Conselhos Federal de Psicologia (CFP) e Regional de São Paulo (CRP06) realizaram pesquisas com seus afiliados a fim de determinar o tipo de atuação profissional (CFP, 1988; 1992; 1994 e CRP06, 1994) e já apontavam a existência de uma considerável lacuna entre a universidade e o mercado de trabalho na atuação do profissional de psicologia no Brasil.

Uma das principais dificuldades relacionadas à atuação do psicólogo diz respeito ao compromisso dos profissionais com um fazer voltado para as necessidades das populações mais carentes: sua atuação enquanto profissional da saúde pública. Como bem apontam Yamamoto (2007) e Dimenstein (2000), essa dificuldade tem a ver com o ideário e contexto cultural da profissão, por sua vez, decorrente das vicissitudes do desenvolvimento do saber psicológico no nosso meio, que se reflete, finalmente, na formação dos psicólogos. O distanciamento entre a formação profissional e as necessidades dos grupos sociais desfavorecidos se acentua ainda mais se consideradas as diferenças regionais existentes no Brasil.

 

Breve relato do desenvolvimento da psicologia

A institucionalização dos saberes psicológicos ao longo do tempo, bem como seu contexto cultural e social permite entender as várias facetas da profissão do psicólogo e a referida lacuna existente entre a formação e a atuação profissional. É importante ressaltar que os contornos dessa profissão foram sendo moldados, no Brasil, não como uma resposta aos problemas sociais dos diferentes períodos históricos, mas, em grande parte, por necessidades de diferenciação profissional e delimitação de áreas de atuação.

Como explica Figueiredo (1992 e 1995) o surgimento da psicologia na Europa do século XIX, foi fundamental para a consolidação do projeto ocidental de privatização da subjetividade que autenticava o indivíduo enquanto uma categoria representativa do sujeito moderno e de suas aspirações ideológicas e políticas. Na época, seguindo a ideologia de um conhecimento científico puro e desvinculado das instituições políticas e religiosas, as explicações dos fenômenos psicológicos pautadas no discurso religioso foram perdendo espaço para a visão médica e fisicalista, considerada mais científica (Jacó-Vilela & Bitar, 2003).

O crescimento do processo de industrialização, no final do século XIX e começo do século XX, também demandou da psicologia idéias e propostas de intervenção que fossem associadas à administração e gestão do trabalho e à propaganda, em uma tentativa de criar espaços diferenciados de atuação para os psicólogos. Baseando-se no pensamento taylorista, a psicologia passa a construir dispositivos de seleção que possibilitariam a escolha de trabalhadores supostamente adequados aos postos de trabalho das empresas. O desenvolvimento dos testes psicológicos, entre os anos 20 e 30, possibilitou à psicologia ocupar um lugar de prática diferenciadora e categorizadora, servindo diretamente ao sistema capitalista.

Seguindo as tendências dos movimentos europeu e americano e sua vertente cientificista, o Brasil procurou se adequar aos novos tempos. De acordo com Dimenstein (1998), o ensino da psicologia já era praticado nas escolas normais desde a década de 30 e, em 1956 e 1957 foram implantados cursos de formação de psicólogos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e na Universidade de São Paulo, respectivamente. No entanto, foi somente em 1962 que a psicologia passou a existir como profissão oficialmente, aproximadamente um século depois dos primeiros acontecimentos dos movimentos originais da Europa e Estados Unidos.

O conhecimento e o fazer psicológico no Brasil passaram por outras vicissitudes para além da oficialização da profissão, como explica Jacó-Vilela & Bitar (2003) e Massimi (1990 e 2005). Na colonização do nosso país, em especial pela atuação da Igreja Católica, os saberes psicológicos estiveram aliados às relações de dominação e controle dos povos que aqui se encontravam. Já no início do Império, as idéias psicológicas, seguindo a tendência européia, se aproximavam também do projeto de higienização da sociedade, propostos pela medicina e pela educação. A vinda da Corte Portuguesa para o Brasil resultou no crescimento acelerado da cidade do Rio de Janeiro, cuja infra-estrutura não suportou tamanho desenvolvimento, surgindo, assim, doenças, miséria, prostituição e loucura. No âmbito da educação, as práticas eram autoritárias e disciplinares a fim de controlar os impulsos inadequados das crianças, vistas como de natureza reprovável. Na medicina, a criação de hospícios como asilos higiênicos e de tratamento moral para a reclusão dos "imorais" caracterizaram as idéias psicológicas do final do século XIX que associavam, com facilidade, a imoralidade à pobreza e à negritude, denotando o preconceito com as camadas mais desfavorecidas e a distância dos valores morais destas. Com o início da República e o desenvolvimento econômico cafeeiro no Sudeste, surgiu na educação brasileira, com o movimento da Escola Nova, uma preocupação com o indivíduo e a infância, considerada então uma etapa importante na construção do sujeito autônomo e adaptado. Os castigos e a vigilância disciplinar foram substituídos pela vigilância psicológica. As teorias do desenvolvimento infantil passam a embasar o trabalho pedagógico. A psicologia que se instala no Brasil nos anos 30 mantém-se interessada no projeto de adaptação do indivíduo ao meio e no ajustamento das suas capacidades (Ferreira & Gutman, 2005).

Embora o reconhecimento da profissão, no Brasil, tenha se dado apenas em 1962, a primeira proposta de formação e profissionalização de psicólogos foi feita em 1932, pelo Instituto de Psicologia da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro. No mesmo ano o Instituto foi fechado, entre outros fatores, pela "pressão de grupos católicos junto ao governo Vargas" (Jacó-Vilela & Bitar, 2003, p. 21).

A transição do século XIX para o século XX é profundamente marcada pela neutralização do discurso religioso pelo discurso médico. Em algumas instituições de ensino, asilos e dispensários, os dois discursos foram, por vezes, parceiros de um projeto de moralização do homem, ou seja, de atribuição de causas morais enquanto condições para o adoecimento psíquico. Até o início dos anos oitenta, planejavam-se currículos e cursos de psicologia marcados por esta ideologia.

Nos anos 60, com a chegada na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP do psicólogo americano Fred S. Keller, a análise do comportamento começa a se estabelecer como campo de pesquisa e atuação dos psicólogos brasileiros. Os estudos da psicologia, inspirados pela análise do comportamento ganham espaço junto às propostas de ensino no Brasil e colaboram para o estabelecimento da pesquisa em psicologia junto aos órgãos oficiais, tais como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) (Cançado et al, 2005).

Ressalta-se, aqui, a crise da psicologia social durante essa década e o surgimento de uma psicologia que concebia a visão do homem como um produto histórico e social e ao mesmo tempo capaz de transformar a sua realidade: uma psicologia que atendesse às demandas do país. Todas essas reflexões levaram a discussões em torno do modelo limitado e excludente de atuação do psicólogo, já que havia um predomínio da formação clínica, voltada para o atendimento individual em consultórios, sendo, portanto, um serviço não acessível a uma parcela considerável da população (Bastos, 2002).

 

A formação profissional

A formação dos psicólogos no Brasil até os anos 90 era tecnicista e fragmentada, sendo direcionada fortemente para assegurar o domínio de técnicas de medida e avaliação, bem como atendimentos clínicos. A complexidade da interface entre fenômenos psicológicos e sociais era desconsiderada. O currículo mínimo refletia a psicologia que se fazia nos anos cinqüenta e os currículos plenos, em geral, não incorporavam novas perspectivas de atuação (Bastos, 2002).

A partir de então, com as intensas transformações ocorridas em conseqüência - entre outras, do enfraquecimento do regime militar, nos anos 70 e 80, do processo de redemocratização e modernização do país -, inicia-se um período extremamente rico de discussões a respeito da atuação e formação do psicólogo. As reflexões e críticas produzidas apontavam a necessidade de mudanças profundas nos modos como a psicologia chegava à população e na formação do psicólogo nas instituições de ensino. A crítica à formação dos profissionais se estendeu, inclusive, às instituições de psicanálise, até então marcadas pelo discurso médico e normativo. Alguns destes analistas, como por exemplo, no Rio de Janeiro, Hélio Pelegrino (1924/1988), inauguram uma importante discussão da função política das práticas psicológicas e das intervenções no campo social. Segundo Bastos (2002), a partir dessas discussões foram desencadeados, paulatinamente, processos de mudanças, levando a tensões inevitáveis para o campo, já que a psicologia propõe, nas suas diferentes matrizes, concepções distintas de homem, de modelos de sociedade e de concepções de ciência.

Uma das proposições que resultaram dessas reflexões foi à idéia de uma formação generalista, como forma de rejeição à forte hegemonia da clínica, ou seja, ao modelo limitado de atuação profissional. Foram abertos espaços para a inserção de outras disciplinas de produção de conhecimento e em alguns cursos de Psicologia tornaram-se obrigatórios estágios nas três grandes áreas: clínica, educacional e organizacional. Dessa forma, o psicólogo poderia inserir-se no mercado de trabalho com um nível de preparo mais compatível e atuar em outros contextos.

Ainda, como sugere Bastos (2002), outra idéia resultante foi a de uma formação pluralista, com a inclusão das três grandes abordagens - behaviorismo, psicanálise e humanismo - como forma de reconhecimento da diversidade e pluralidade teórica que marcam os estudos psicológicos.

A busca de uma formação generalista e pluralista apoiava-se na necessidade de ampliação e diversificação de práticas e de orientações durante o processo de formação do psicólogo. O foco da crítica é, segundo Yamamoto (2007: 30), o chamado "elitismo da psicologia: a notável preferência dos psicólogos pela atividade clínica associada ao modelo subjacente de profissional liberal, moldado à luz das profissões médicas", que afastaria o psicólogo do setor público, cuja abrangência potencial do atendimento psicológico seria muito maior, pois estaria voltado para o sofrimento dos sujeitos.

O objetivo deste trabalho é verificar como o profissional é inserido no mercado de trabalho e em quais condições exerce sua profissão no estado do Ceará. Por outro lado, busca-se conhecer sua percepção quanto às faltas ou lacunas em sua formação frente a esse mercado e as demandas sociais de sua região. Além de refletir sobre a trajetória acadêmica do egresso e de suas opiniões quanto a esta trajetória na UNIFOR, procurou-se identificar, nesta investigação, a sua situação no mercado de trabalho, as principais áreas de atuação e as dificuldades de inserção, bem como seus interesses na consolidação de sua formação.

 

Método

Participantes

Foram enviados questionários a todas as pessoas que concluíram o curso de psicologia no período compreendido entre o primeiro semestre de 2001 e o primeiro semestre de 2005, totalizando 436 indivíduos. Desse total, 60 profissionais responderam ao questionário, correspondendo a 13% da população de egressos no período, o que é considerado um bom percentual (Roeher, 1963). Houve uma maior participação dos indivíduos (41,6%) que concluíram o curso entre 2004 e 2005, reforçando que os recém formados continuam mantendo um vínculo com a universidade de origem.

A amostra apresentou as características mostradas na Tabela 1.

 

 

Instrumento e procedimento de coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário fechado contendo questões sobre as características sócio-demográficas, salário, área de atuação, avaliação do curso e formação posterior dos psicólogos graduados no período estudado. O questionário foi enviado pelo correio para todos os alunos que haviam concluído o curso no período anteriormente relatado juntamente com um envelope selado e endereçado à universidade para que o egresso pudesse responder e devolver o questionário. Não havia necessidade de identificar-se.

Os questionários recebidos foram computados e analisados com o auxílio do programa estatístico SPSS para Windows, versão 16.0.

 

Resultados e discussão

A renda, proveniente dos salários, de 43,3% dos respondentes encontra-se entre 1000 e 2000 reais; 33,3% ganham menos de 1000 reais; 11,7% recebem entre 2000 e 3000 reais e apenas 1,7% ganham acima de 3000 mil reais. De acordo com Leone & Baltar (2006) o salário mediano dos profissionais de nível superior no Brasil em 2004 girava em torno de 3700 reais. Comparando-se essa última informação com os dados obtidos dos respondentes, percebe-se que os salários recebidos pelos psicólogos da região encontram-se bem abaixo da média nacional para profissionais com nível superior. O fato dos profissionais perceberem salários relativamente baixos pode estar relacionado à idade dos profissionais em questão e o pouco tempo de formação. Vale salientar que 92% dos que ganham entre 1000 e 2000 reais tem entre 20 e 30 anos, o que parece corresponder à faixa salarial inicial de inserção no mercado de trabalho no Ceará. Um outro fator que pode também explicar, em parte, os resultados encontrados é o fato dos profissionais estudados serem do sexo feminino em sua maioria, que, segundo os mesmos autores, costuma receber, em média, salários menores que os homens no nosso país. Além disso, podem estar implicadas na questão dos salários as grandes diferenças econômicas regionais presentes no Brasil.

Com relação à situação profissional, 50% dos respondentes têm sua carteira profissional assinada, 30% são autônomos, 8,3% mantém vínculos com organizações e trabalham ao mesmo tempo como autônomos, somente 5% estão desempregados e 5% são empregadores. Nota-se aqui uma porcentagem relativamente alta de profissionais que trabalham como autônomos (38,3%), o que pode ser um reflexo da reestruturação produtiva atualmente em curso no mundo do trabalho, ou estar relacionado à cultura desse grupo profissional que ainda tende a ver sua atuação dentro de um modelo de profissional autônomo (Yamamoto, 2007; Dimenstein, 2000).

Dos 60 profissionais que responderam ao questionário, 81,7% atuam como psicólogos e 18,3% trabalham em atividades não relacionadas à psicologia ou estão momentaneamente desempregados. Resultados semelhantes foram encontrados por Bardagi et al (2008) em sua pesquisa sobre egressos da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Esses dados demonstram que parece haver uma boa absorção dos egressos pelo mercado local.

As áreas de atuação desses profissionais dividem-se em psicologia organizacional e do trabalho (35,8%); psicologia clínica (30,6%); psicologia social/saúde/comunitária (20%); psicologia escolar (12%) e docência em psicologia (2%), conforme mostra a figura 1. Esses resultados diferem marcadamente dos encontrados na pesquisa de Bardagi et al (2008), onde houve predominância de atuação na área clínica, seguida da área organizacional. Outro ponto interessante de discordância tem a ver com a quantidade de egressos que, no Rio Grande do Sul, se direcionam para os cursos de pós-graduação (lato e strictu sensu). Por outro lado, a atuação em "psicologia da saúde/hospitalar" surgiu naquele estudo com uma porcentagem baixa, uma vez que aparece apenas no item "outras atuações" juntamente com outras 12 atividades. No caso desta pesquisa, a área de psicologia organizacional e do trabalho é a que mais tem requisitado profissionais e a psicologia social tem avançado, aparecendo como a terceira área de atuação mais freqüente, talvez devido a um maior número de programas sociais no campo da saúde mental e comunitária. É possível que essas diferenças estejam refletindo um maior direcionamento à necessidade de uma psicologia voltada ao bem-estar das camadas mais carentes e ao sofrimento decorrente das condições sócio-econômicas da região. Como já apontado por Yamamoto (2007) e Dimenstein (1998 e 2000), é esse campo de trabalho que necessita ser ampliado, mostrando o compromisso social dos psicólogos e da psicologia. O que os resultados indicam, portanto, é que, pelo menos no Ceará, esta provavelmente em curso uma mudança de postura dos psicólogos do "elitismo" para uma preocupação com a escuta das demandas sociais, como concluíram Brandão et al (2009) em seu estudo sobre a atuação dos psicólogos de Fortaleza no sistema de saúde pública.

 

 

Muitos profissionais atuam em duas ou até três áreas diferentes em locais distintos ou em duas atividades em um mesmo local, como psicologia organizacional e do trabalho e hospitalar e saúde. Este aspecto aponta para a diversidade dos campos de atuação do psicólogo, mas pode também ser uma decorrência da baixa remuneração dos profissionais estudados que leva o psicólogo a ter mais de uma atividade e/ou local de atuação.

Dos 60 respondentes, 46 (76,7%) não possuem outra graduação. 23,3% concluíram outra graduação, sendo que a maioria é anterior ao curso de psicologia, o que mostra o crescimento do número de graduados que busca na psicologia uma segunda atividade. Em geral, as graduações anteriores são em ciências humanas (76,9%), entre elas pedagogia, ciência social e serviço social. O crescimento do número de graduados que busca na psicologia uma segunda atividade é representativo do diálogo da psicologia com o campo das ciências sociais.

Engajamento em programas de pós-graduação strictu sensu (mestrado e doutorado) após a graduação não parece ser uma prática comum entre os pesquisados. É interessante comparar esse resultado com os dados da pesquisa de Bardagi et al (2008), já citada, onde foi encontrado que 25% do grupo pesquisado de egressos do curso gaúcho se encaminham para uma pós-graduação tipo "mestrado/doutorado/pesquisa". O direcionamento para a pós-graduação parece ser algo ainda relativamente distante para o grupo de egressos pesquisado aqui, considerando que somente 2,2% dos respondentes têm mestrado concluído, mas parece haver um quadro em mudança uma vez que 13,3% estão cursando um mestrado. Podemos relacionar estes resultados ao tempo de duração desses cursos, ao investimento econômico e pessoal necessário e à idade do grupo. A área de concentração dos estudos de pós-graduação é a psicologia (60%) e as instituições de preferência se distribuem entre as duas universidades do estado que oferecem esse tipo de formação, havendo uma ligeira preferência pela universidade privada (40%) em relação à universidade pública (30%). Cabe ressaltar que a implantação do mestrado na universidade pública é mais recente do que na universidade particular. Quanto ao doutorado, nenhum dos respondentes está inscrito em um programa desse nível. Talvez isso se deva ao pouco tempo de formado da maioria dos sujeitos, bem como por não haver ainda doutorado na área de psicologia no estado, embora um primeiro curso de doutorado em psicologia tenha sido recentemente aprovado na UNIFOR.

Entretanto, em relação à especialização, há uma maior procura, pois 43,3% já concluíram alguma especialização ou estão cursando. A busca pelos cursos de pós-graduação (lato sensu) parece estar diretamente relacionada à área de atuação, ou seja, à prática profissional, pois percebe-se uma maior procura por cursos na área de psicologia organizacional e do trabalho (46,1%) e clínica (26,9%). As áreas de saúde e educacional obtiveram o mesmo percentual (11,5%). As instituições onde estes cursos foram realizados são as mais variadas, mas ressalta-se que somente uma pessoa das 26 que cursaram ou cursam uma pós-graduação lato sensu continuou na mesma universidade a sua formação. Isto pode estar refletindo a falta de uma variedade maior de cursos na região.

Um número expressivo (88,3%) dos sujeitos pesquisados deseja fazer cursos de formação, atualização e/ou extensão. Os cursos na área de psicologia clínica nas diversas abordagens foram os mais citados pelos respondentes (21); na área da psicologia da saúde, que se refere aos aspectos de atenção em saúde coletiva, foram contabilizadas (10) respostas; na área organizacional, (8); escolar (7); psicologia do desenvolvimento (5); psicodiagnóstico e psicologia social/comunitária (4). Quanto ao interesse em estudos especializados nas práticas de saúde coletiva e comunitária, é importante pontuar que a área é relativamente nova, ainda em construção, e não fazia parte da grade curricular dos pesquisados. É possível que o interesse manifestado pelos profissionais por esse tipo de formação esteja relacionado às expressivas conquistas realizadas pelos psicólogos já inseridos no Sistema Único de Saúde (SUS). A descentralização dos serviços, promovidos pelo SUS, tem repercutido no número de profissionais recém-formados contratados pelas prefeituras do interior do estado para ocupar nos CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) a função de psicólogo. De qualquer forma, os dados obtidos parecem indicar que a prática de consultório particular não desfruta mais da antiga hegemonia, embora ainda permaneça nos anseios dos egressos, pois a grande maioria costuma atuar na clínica, em consultórios particulares, em paralelo a outras atividades. Assim, uma prática comum é a manutenção ou desejo de exercer uma função junto ao sistema de saúde pública e, ao mesmo tempo, a manutenção ou desejo de atuar em seu consultório. Essa mesma questão aparece na discussão de Magalhães et al (2001) onde foram analisadas as escolhas profissionais dos estudantes de psicologia.

Para 76,7% o curso possibilitou condições adequadas para desempenhar a profissão. No que se refere à facilidade de obter emprego, 58,3% logo se inseriram no mercado de trabalho e 36,7% continuam fora do mercado. Esses dados corroboram os resultados obtidos por Bardagi et al (2008) e apontam para a necessidade de ampliação do mercado aos profissionais de psicologia.

Sabe-se que a inserção no mercado de trabalho é uma das grandes preocupações dos alunos quando estão concluindo ou já concluíram o curso e as atividades de estágio nas diversas áreas podem facilitar essa inserção profissional. Para 78,3% das pessoas que responderam a pesquisa o estágio contribuiu para a entrada no mercado de trabalho, entretanto para 18,3% isso não ocorreu e 3,3% não responderam essa questão. Ao analisar os motivos expostos pelos participantes, 61% afirmam que o estágio permite conhecer a prática profissional, a relação com a teoria, bem como dá uma idéia das dificuldades com que podem deparar-se; 10,6% foram contratados ao final do estágio e 10,6% afirmam que o suporte dado pelo orientador do estágio contribuiu para essa inserção. Já para os que consideram que o estágio não facilitou o ingresso no mercado de trabalho, 27% acreditam que essa vivência não conta como experiência para o mercado de trabalho, pois não geram emprego.

 

Considerações Finais

Os resultados da pesquisa mostraram que os egressos do curso de graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza são absorvidos pelas instituições locais, o que indica uma adequação da formação às necessidades do mercado. Cerca de 80% conseguem inserção em alguma área de atuação, prevalecendo os profissionais empregados em organizações e aqueles que atuam na área da psicologia clínica. O estágio parece ter cumprido o papel de integrar teoria e prática e de facilitar a inserção profissional. É importante notar o crescimento dos psicólogos que trabalham na área da saúde, provavelmente decorrente da abertura de vagas nas Unidades Básicas de Saúde do SUS e dos CAPS e CRAS.

Apesar disso, uma alta porcentagem dos pesquisados (quase 90%) busca o aperfeiçoamento por meio de cursos de especialização ou extensão, paradoxalmente, na área clínica. A procura de aperfeiçoamento pode estar relacionada à busca de maiores rendimentos, seguindo a idéia vigente do "capital humano", isto é, a idéia de que o investimento em cursos de especialização pode levar a uma melhor remuneração e ascensão na carreira (Cattani, 2002).

No entanto, isto não explica a procura preferencial por cursos da área clínica. Este resultado pode estar indicando um retorno à idealização do psicólogo como profissional autônomo. Ou ainda, indicar uma mudança no modo como a clínica pode ser pensada, com vistas a sua inserção nos diferentes contextos, principalmente os relacionados à saúde pública.

No que se refere à pós-graduação stricto sensu ainda é pequeno o número de profissionais que buscam esse tipo de formação, indicando, provavelmente, a pouca oferta de cursos existente na região. Isto se constitui em um problema para a própria formação dos psicólogos, uma vez que são poucos os docentes pesquisadores que podem atuar e direcionar os graduandos para a produção do conhecimento científico em psicologia, tão necessário para o desenvolvimento da área e da região. Apenas cerca de 15% dos respondentes possuem pós-graduação stricto sensu ou estão cursando.

É interessante observar o enriquecimento das práticas profissionais do psicólogo. Isso se manifesta na emergência e consolidação de novas áreas de conhecimento e de intervenção e nas suas interfaces com outros campos do saber, como também no desenvolvimento e ampliação das possibilidades de atuação das áreas clássicas. O maior encaminhamento para a área social, mostra que essa perspectiva teórica-aplicada tem crescido no direcionamento da inserção profissional. A formação básica, contudo, deve aprofundar as competências e habilidades que são centrais e indispensáveis para o psicólogo, dando a ele a capacidade de pensar as suas diferentes inserções e fazeres específicos a cada uma delas. Essa visão, portanto, exige um esforço maior em identificar as habilidades e competências profissionais básicas para o recém-graduado, não esquecendo que este é jovem, em sua maioria. Assim, é consenso que os cursos de graduação precisam oferecer uma formação que contemple conhecimentos sobre as áreas emergentes, incluindo aí a produção de pesquisas aplicadas e um posicionamento crítico em relação às práticas tradicionais (Bastos, 2002).

Os resultados encontrados na pesquisa contribuíram e subsidiaram, substancialmente, as discussões sobre a reestruturação do currículo da graduação em psicologia na UNIFOR. Tendo em vista que os dados possibilitaram também avaliar o percurso acadêmico dos egressos, bem como as novas demandas sociais feitas aos profissionais de psicologia, eles podem apontar caminhos para o planejamento de oportunidades de reciclagens sistemáticas e contínuas na região. No entanto, as conclusões não se limitam às questões regionais, uma vez que os dados apontam na mesma direção das reflexões e críticas que perpassam as discussões em torno da formação e atuação dos profissionais psicólogos em geral.

 

Referências

Bardagi, M. P., Bizarro, L., Andrade, A. M. J., Audibert, A., & Lassance, M. C. P. (2008). Avaliação da formação e trajetória profissional na perspectiva de egressos de um curso de psicologia. Psicologia: Ciencia e Profissão, 28 (2), 304-315.         [ Links ]

Bastos, A. V. B. (2002). Perfis de formação e ênfases curriculares: O que são e por que surgiram? Revista do Departamento de Psicologia-UFF, 14 (1), 31-57.         [ Links ]

Cançado, C. R. X., Soares, P. G., & Cirino, S. D. (2005). O behaviorismo: Uma proposta de estudo do comportamento. In A. M. Jaco-Vilela, A. A. Ferreira Leal & F. T. Portugal (Orgs.), História da psicologia: Rumos e percursos (pp.179-194). Rio de Janeiro: Nau.         [ Links ]

Carvalho, L. B., Bosi, M. L. M., & Freire, J. C. (2009). A prática do psicólogo em saúde coletiva: Um estudo no município de Fortaleza (CE), Brasil. Psicologia: Ciencia e Profissão, 29 (1), 60-73.         [ Links ]

Cattani, A. D. (2002). Teoria do capital humano. In A. D. Cattani (Org.), Dicionário crítico sobre trabalho e tecnologia (4a ed., pp.51-55). Petrópolis, RJ: Vozes; Porto Alegre, RS: Ed. UFRGS.         [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia. (1988). Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Edicon.         [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia. (Org.). (1992). Psicólogo brasileiro: Construção de novos espaços. Campinas, SP: Átomo.         [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia. (Org.). (1994). Psicólogo brasileiro: Práticas emergentes e desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Conselho Regional de Psicologia-6a. Região. (1994) Uma profissão chamada Psicologia: CRP-06, 20 anos. São Paulo: Autor.         [ Links ]

Dimenstein, M. D. B. (1998) O psicólogo nas unidades básicas de saúde: Desafios para a formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia (Natal), 3 (1), 53-81.         [ Links ]

Dimenstein, M. D. B. (2000). A cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista: Implicações para a prática no campo da assistência pública à saúde. Estudos de Psicologia (Natal) 5 (1), 95-121.         [ Links ]

Ferreira, A. A. L., & Gutman, G. (2005) O funcionalismo em seus primórdios: a psicologia a serviço da adaptação. In A. M. Jaco-Vilela, A. A. Ferreira Leal & F. T. Portugal (Orgs.), História da psicologia: Rumos e percursos (pp.121-140). Rio de Janeiro: Nau.         [ Links ]

Figueiredo, L. C. (1992) A invenção do psicológico. São Paulo: Escuta.         [ Links ]

Figueiredo, L. C. (1995). Modos de subjetivação no Brasil e outros escritos. São Paulo: EDUC.         [ Links ]

Jacó-Vilela, A. M., & Bitar, A. P de M. (2003). Tensões entre o físico e o moral na constituição da psicologia no Brasil. In H. de B. C, Rodrigues, A. M. Jacó-Vilela & A. C. Cerezzo (Orgs.), Clio-psyché: Paradigmas, historiografia, psicologia, subjetividades (pp. 19-25). Rio de Janeiro: Relume Dumará         [ Links ].

Leone, E. T., & Baltar, P. (2006). Diferenças de rendimento do trabalho de homens e mulheres com educação superior nas metrópoles. Revista Brasileira de Estudos de população, 23 (2), 355-367.         [ Links ]

Magalhães, M., Straliotto, M., Keller, M., & Gomes, W. B. (2001). Eu quero ajudar as pessoas: A escolha vocacional da psicologia. Psicologia: Ciencia e Profissão, 21 (2), 10-27.         [ Links ]

Massimi, M. (1990). História da psicologia brasileira. São Paulo: Edição Pedagógica Universitária.         [ Links ]

Massimi, M. (2005) O processo de institucionalização do saber psicológico no Brasil do século XIX. In A. M. Jaco-Vilela, A. A. Ferreira Leal & F. T. Portugal (Orgs.), História da psicologia: Rumos e percursos (pp. 159-168). Rio de Janeiro: Nau.

Roeher, G. A. (1963). Effective techniques in increasing response to mailed questionnaries. Public Opinion Quarterly, l (27), 299-302.         [ Links ]

Yamamoto, O. H. (2007). Políticas sociais, "terceiro setor" e "compromisso social": Perspectivas e limites do trabalho do psicólogo. Psicologia e Sociedade, 19 (1): 30-37.         [ Links ]

 

 

Recebido em 05 de janeiro de 2009
Aceito em 19 de março de 2009
Revisado em 22 de maio de 2009

Creative Commons License