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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.10 no.1 Fortaleza Mar. 2010

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Função paterna e adolescência em suas relações com a violência escolar1

 

 

Isael de Jesus SenaI; Maria de Lourdes Soares Ornellas FariasII

IPsicólogo do CRAS de Camaçari. Aluno do Curso de Especialização em Teoria da Clínica Piscanalítica - Universidade Federal da Bahia. Membro do Grupo de Estudos em Psicanálise, Educação e Representação Social - Gepe(rs) - (UNEB). End.: R. Luiz Eduardo Magalhaes, nº 44 / 205, Itapuã, Salvador-BA. Cep: 41630-700. Email: isaelsena@yahoo.com.br
IIPsicóloga, Psicanalista, Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Pós-doutoranda no Instituto de Psicologia/ - USP, Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa de Representações Sociais em Educação - PUC/SP, vinculado / ao CIERS- FCC. End.: R. Tenente Fernando Tuy, 318, Ed. Central Park, apto 702, Itaigara. Salvador-BA. Cep: 41810-780. Email: ornellas1@terra.com.br

 

 


RESUMO

O artigo, de acordo com a perspectiva da Teoria Psicanalítica, aborda os impasses e as implicações vivenciadas por adolescentes diante do declínio da função paterna na contemporaneidade. Este trabalho, em seu desenvolvimento, discute a concepção de função paterna, colocando os contrapontos que dizem respeito à figura do genitor e às particularidades de seu papel, mesmo em sua ausência, revelando, com isso, os diferentes modos como a lei pode ser representada por outros agentes, entre estes o professor. A adolescência, neste contexto, é tomada como uma crise psiquíca, um tempo de subjetivação do sujeito, em contraposição à psicologia que entende este processo como uma etapa evolutiva, um momento de crise, situada numa faixa étária. Retratando essas questões a partir do cinema, em interface com o filme Elefante, a tragédia da Columbine Hig School, recriada sob a direção de Gus Van Sant, busca refletir as dificuldades enfrentadas por adolescentes diante do mal-estar gerado pelo enfraquecimento da autoridade do pai e do professor. Por fim, sublinha as frustrações enfrentadas pelos mestres de adolescentes frente à banalização da violência no contexto escolar e aponta críticas ao modelo de ensino instituído, que não leva em consideração a subjetividade do aluno.

Palavras-chave: Função paterna. Adolescência. Escola. Violência. Professores.


ABSTRACT

The article, according to the perspective of psychoanalytic theory, discusses the implications and dilemmas experienced by adolescents before the decline of paternal function in the contemporary. The work discusses the development in his conception of paternal function, placing the counterpoints concerning the figure of the father and the particularities of its role even in its absence, showing that with the different ways in which the law can be represented by other agents, among these the teacher. The teens in this context is taken as a psychic crisis, a time of subjectivity of the subject, as opposed to psychology that understands this process as an evolutionary step, a moment of crisis located in an age. Portraying these issues from the film, interface with the film Elephant, the tragedy of Columbine Hig School, recreated under the direction of Gus Van Sant, search reflect the difficulties faced by adolescents in the face of ill-being generated by the weakening of the authority of the father and the teacher. Finally emphasizes the frustrations faced by teachers of adolescents against the trivialisation of violence in the school and the critical points established model of education that does not take into account the subjectivity of the student.

Keywords: Paternal function. Adolescence. School. Violence. Teachers.


 

 

Introdução

Na contemporaneidade, o tema da adolescência e o fenômeno da violência na escola vem despertando intresse para a psicanálise, uma vez que a interlocução entre a psicanalise e o campo da educação possibilita "escutar" os questionamentos dos mestres a respeito de seu papel na formação de adolescentes que demonstram dificuldades para tolerarem os limites. Trata-se de alunos que apresentam baixa capacidade para lidar com as frustrações e desrespeitam regras necessárias para a convivência social. A instituição escola, ao se deparar com o declínio da lei, em alguns contextos, às vezes funciona como um palco para a violência, que implica dificuldades presentes na relação professor-aluno.

A psicanálise aponta consequências para uma sociedade que enfrenta a exarcebação da violência e as implicações que o declínio da função paterna pode acarretar. A lei, que delimita e norteia as relações intersubjetivas, deve possibilitar a introjeção das normas necessárias ao convívio social.

Na atualidade, pode-se destacar que o modo como a violência aterroriza os mestres, muitas vezes destituindo-os de sua suas funções concretas e, sobretudo, simbólicas, os faz apelar tanto para dispositivos coercitivos, que incluem seguranças armados, guaritas, circuitos de câmeras, entre outros, assim como recorrem ao psicólogo, à assistente social e aos juizados da infância e da juventude em busca de referenciais que os auxiliem a prosseguir em sua função educativa. As questões abordadas neste artigo serão analisadas a partir de uma leitura psicanalitica que, ao modo de compreender os laços sociais, considera-se como situações que apontam a necessidade de tecer metáforas que atribuam algum sentido às vivências subjetivas e sociais.

Não se trata, no entanto, de "aplicar" a psicanálise ao campo social, mas de servir da metapsicologia como um operador de leitura dos fatos e fenômenos sociais, na intenção de problematizar e desvelar o que está em jogo no cerne do campo social: a saber, a noção de cultura ou civilização, portanto, a questão de educação das pulsões e de transmissão de normas e ideais culturais (Almeida, 1999, p.56).

A destituição do mestre, a crise nas referências simbólicas como efeito da desordem familiar, a fragiliação da imago paterna e o apelo da escola a outros saberes são problemáticas que reverberam a ausência de projetos individuais e a perda de alguns ideais sociais que são necessários para sustentar os modos de vida e os laços sociais. A experiência clínica demonstra que o declínio da imago paterna possibilitou emergir novas formas de patologias psíquicas. Birman (1999) sustenta uma posição de que o modelo de vida da contemporaneidade impõe exigências à subjetividade, um singular permanentemente marcado pelos processos de transformação contínua da ordem social. O sujeito contemporâneo vive diante de um mundo com infinitas possibilidades, mas que também aponta impossibilidades existenciais, incertezas, insegurança e angústia.

Frente a essas vicissitudes, interrogar-se: quais seriam as consequências para uma sociedade que se depara diante do declinio da imago paterna e de mestres que claudicam em sua função educativa? Aonde está o pai?

 

A função paterna em Psicanálise

Na contemporaneidade, perguntar sobre a função de um pai ainda é necessário, embora sua imago esteja em declínio. Um breve olhar, num dado momento histórico, nos permite observar que as mudanças introduzidas na família reverberaram sobre o lugar do pai. Na família nuclear, o pai tinha um lugar definido desde o seu assento e consentimento sobre os filhos. Na atualidade, constata-se que, até na concepção de um filho, o pai pode estar ausente, uma vez que os bancos de sêmen possibilitam à mulher ter uma gestação que prescinde de um homem. Elas prolongam a fertilidade e engravidam mesmo sem a presença de um homem. Este só comparece no anonimato da doação.

É inegável a contribuição que os avanços da medicina trouxeram em relação à questão da fertilização e bancos de sêmen. As mulheres podem engravidar em datas agendadas, definir certas características do doador do sêmen, mesmo que esse tenha a sua identidade mantida em sigilo.

Interrogar as implicações subjetivas desse não-lugar para um pai torna-se relevante, uma vez que, independente de sua presença, a função paterna é estruturante para o sujeito. A constituição da subjetividade da criança se dá a partir de sua relação com a mãe e o pai. No interior da família, cada criança aprende a diferenciar e apontar a sua função e a dos seus pais, recebendo desses a transmissão da lei e as primeiras regras necessárias para a sua inserção na cultura.

A mãe, esse primeiro objeto precioso para a criança, às voltas com a sua função materna e as questões da feminilidade, se coloca como uma porta-voz de toda tentativa de comunicação que a criança, nos primeiros meses, vai tentar estabelecer com o mundo. Observa-se, por exemplo, que é sempre o desejo da mãe que vai se tornar desejo para o filho. Se a criança chora ou demonstra algum desconforto, a mãe, como uma interprete da criança em apuros, vai dar sentido, colocando palavras em torno desse vazio.

No que concerne ao pai, Lacan (1958/1999) trouxe essa questão para o debate de um dos seus seminários, colocando, em princípio, a função do pai na centralidade do complexo de Édipo e no complexo de castração, uma vez que, nesse momento, a criança ascende ao sexo. Uma corrente ambientalista tratava a função do pai pelo viés normativo. Lacan considerou que se tratava de um erro de orientação, pois confundiam dois pontos que estão relacionados, mas que não deveriam ser confundidos, que se trata do pai como normativo e o pai como normal. Normativo, nesse contexto, se refere à estrutura do pai - neurótica ou psicótica. Então, neste aspecto, a normalidade do pai é um ponto, e a sua posição normal na família é outra questão.

Qual é a posição do pai na estrutura familiar? Lacan (idem) vem esclarecer que a posição do pai na família não deve ser confundida com o seu papel normatizador, como aquele que está presente ou ausente, mas, sobretudo, porque tem uma função, um lugar no complexo de Édipo. Isso significa que caberá a ele interditar a mãe, princípio fundamental do complexo. Sendo assim, o pai se liga à lei primordial da proibição do incesto. Ele é encarregado, uma função que pode exigir uma ação direta, em certas ocasiões em que a criança se expande, excede limites. Mas não é somente desse modo que o pai opera. A sua ação não se restringe somente a isso. Vai mais além esse exercício de mandato.

O pai, como um representante da lei, interdita a mãe sob a ameaça de castração que, vale ressaltar, se trata de um objeto imaginário. A castração é um ato simbólico, mas é real o agente dessa intervenção. A proibição do pai é para demonstrar para a mãe que ele tem o direito de possuí-la, ao contrário do filho. O pai vai frustrar o filho da posse da mãe. Uma intervenção imaginária sobre um objeto real, a mãe. A privação, que intervém na articulação do complexo de Édipo, leva à formação do ideal do eu. Esse ponto é fundamental para que ocorra uma identificação. Ao se tornar modelo de identificação, o pai produz na menina o reconhecimento de que ela não tem falo. Portanto, a função paterna é uma metáfora, situa-se no inconsciente, um significante que surge no lugar de outro significante, introduzido na primeira simbolização, o significante materno.

A atribuição simbólica do pai é sustentada justamente pelo papel imaginário do objeto fálico. Essa instância do pai simbólico permite que se inscreva no sujeito o significante do Nome-do-Pai e do falo. Dor (2003) esclarece que essa designação do Nome-do-pai é endereçada ao reconhecimento de uma função simbólica, circunscrita no lugar de onde se exerce a lei, o novo significante (S2) que, para a criança, substitui o significante do desejo da mãe. Um significante neste aspecto poderia ser o trabalho da mãe ou as suas atividades domésticas. O fundamental desse processo é que no psiquismo da criança apareça algo que limite a mãe.

A lei, representada pelo pai, é fundamental para que a criança possa se estruturar e se integrar à sociedade. A intervenção do pai leva a criança a renunciar às suas pulsões incestuosas e parricidas para poder civilizar-se. A criança, em troca dessa renúncia, recebe nome, filiação, tem um lugar na estrutura de parentesco e o acesso à ordem do simbólico. O pacto com a lei é a tarefa primordial da criança na primeira etapa do seu desenvolvimento psicossexual (Pelegrino,1987).

A função do pai, muitas vezes, é tratada com equívocos. Marques (1998) assinala que a simples presença física do pai não garante essa operação. Se a mãe não tiver um olhar dirigido para esse sujeito, ou se ele participa das atividades domésticas, mas como um mero criado, seguindo à risca as prescrições que lhe são colocadas, o pai não tem condições de exercer sua função de corte. Lacan (1999/1958) fez um comentário a esse respeito, quando retoma o caso Hans, revelando a carência do personagem paterno, embora o pai estivesse presente, mas fosse muito cuidadoso com o filho e pouco ausente. Nesse caso, o pai estava ao lado da mulher, era atencioso, mas, enfim, cuidava muito do filho.

O pai é a causa do desejo e do "destino" do sujeito neurótico, psicótico ou perverso. Ele constitui um ponto crucial para a estruturação psíquica do sujeito. Aquele que, ao mesmo tempo em que frustra, se apresenta, também, como um modelo de identificação na formação da sexualidade dos filhos, permitindo a criança passar da vida familiar à social. Um mediador entre o privado e o público, que transmite a lei para o sujeito, embora a mãe também possa encaminhar essa mensagem dirigida pelo pai, fundamental para outras "fases" do sujeito, em particular a "crise adolescência".

Durante a "crise" da adolescência, o que se pode esperar de um pai? Para essa questão, Melman (2007) responde que, imaginariamente, o sujeito acreditava que, como estava privado do objeto, operação realizada na infância, o pai poderia "restituí-lo" quando chegasse a adolescência. Porém, o grande confronto para o adolescente é que, ao se deparar com a "crise" psiquica, o pai aparece no real como um sujeito castrado, impotente para dar ao filho o objeto perdido. Em outros termos, na hora da grande negociação, o pai comparece marcado por uma impossbilidade de cumprir uma suposta esperança do tempo de latência do filho.O adolescente se sente traído pelo pai ideal. Frente a esse impasse o adolescente se propõe a constituir uma nova geração, na qual seria possível uma relação com o pai ideal, um pai não castrado, o famoso de Totem e Tabu.

 

A "crise" da adolescência

No campo da psicologia, a adolescência é concebida como uma fase do desenvolvimento humano marcada, sobretudo, pelas mudanças corporais introduzidas com a chegada da puberdade. Mudanças que implicam nos pensamentos, nas atitudes, mas que constitui um momento singular para cada sujeito. Durante esse tempo de subjetivação, surgem impasses, questionamentos dos ideais parentais transmitidos e há uma busca constante de auto-afirmação, através do confronto com aquilo que é sempre colocado para si, que vem do campo do outro. Esse tema da adolescência tem sido uma fonte de interesses para pesquisadores em diversos campos de saber como a educação, as ciências sociais, humanas e biológicas.

Ruffino (1993) nos lembra que foi o psicólogo norte-americano Stanley Hall que, através de uma pesquisa sobre dificuldades escolares, na adolescência, possibilitou prescrições para tornar essa fase do desenvolvimento uma fonte de criatividade. A psicologia da adolescência abordaria o fenômeno através de propostas de intervenções com os adolescentes. No entanto, vale ressaltar que esses trabalhos estavam circunscritos a determinações de causas biológicas ou sociológicas. Os estudos que abordavam pelo viés biológico colocavam o surgimento da adolescência a partir das transformações pubertárias, reduzindo as alterações fisiológicas do sistema endócrino, responsáveis pela reprodução e as manifestações das características sexuais secundários no jovem. As teses que tinham o caráter sociológico, por sua vez, apostavam na determinação social do mesmo fenômeno, enfatizando o caráter social dos critérios pelos quais um adolescente passaria ao estágio adulto em um determinado meio social. Apontavam, ainda, que a transição para a adolescência tenderia a ser mais longa quanto maior fosse a complexidade da organização social frente à qual ela se situasse.

Os contrapontos dessa abordagem organogênica e sociogênica revelavam alguns limites. A primeira determinava o início da adolescência e, quanto ao seu término, revela impossibilidade de descrevê-la. A segunda teoria, ao contrário, é contundente ao delimitar aquilo que é determinante para o final de uma adolescência a partir das exigências sociais vinculadas ao trabalho. Desse modo, em se tratando de uma psicologia do adolescente, essa se referencia entre ambas as teorias apontadas.

Observamos que, por exemplo, os serviços de saúde ofertados aos adolescentes que trabalham na perspectiva da promoção e prevenção da saúde, restrigem as suas práticas, muitas vezes, sob enfoque biologicistas. Nessas práticas, é comum os profissionais questionarem o fato de os adolescentes terem tantas informações, mas estão sempre se expondo ao risco. A abordagem da adolescência, nessa perspectiva, muitas vezes exclui o aspecto subjetivo e a singularidade. Uma lógica de tratamento na qual o sujeito, alvo e centro das abordagens, nem sempre é escutado.

Os estudos que abordam a adolescência pelo viés orgânico e social, tratando como uma fase ordinária do desenvolvimento humano, nos permite interrogar a contribuição da psicanálise sobre essa questão. Afinal, como se concebe a subjetividade e a constituição do sujeito nesse tempo da adolescência?

A questão da adolescência, para a psicanálise, tem sido muito debatida em encontros, jornadas, conferências e congressos. O debate não significa que a questão está esclarecida, ou que exista concenso quanto à abordagem do adolescente, uma vez que este demande uma escuta analitica. Melman (Idem) se propõe a analisar a adolescência sob o termo de "crise psíquica", considerando o fato de que o sujeito, nesse tempo, é convocado a ocupar um novo papel, mudando o seu estatuto social, tendo que se assumir como "responsável" por seus atos, pela própria mudança subjetiva e pelo seu lugar no mundo dos adultos. O adolescente ocupa outra posição. Posição que exige rupturas, mas, ao mesmo tempo, tem a possibilidade de manifestar a sua singularidade, na medida em que faz laço social com um grupo, novas identificações que têm sempre um cárater sexual e fálico. Dúvidas e incertezas frente a essas mudanças são tentativas de responder ao Outro, uma vez que o adolescente não compreende o que o Outro quer para si. Como não entende, vai tentar adivinhar uma forma de agradar esse Outro.

Se, durante a infância, o sujeito supunha que os pais eram heróis e únicos modelos ideais para serem seguidos, com a irrupção da "crise psíquica" esses pais são deslocados dessa posição. O adolescente confronta-se no real com pais limitados, que também estão marcados pela castração.

Enquanto a psicologia aborda a adolescência como uma etapa evolutiva, circunscrevendo-a em uma faixa etária, a psicanálise vem problematizar a adolescência como uma "crise" que visa a um efeito no sujeito. Esse, por sua vez, terá que fazer um novo percurso. Mannoni (2004) considera que essa "crise" é um momento importante da conquista de um saber que vem do outro, mas que essa conquista é realizada a partir de fugas e rupturas com as primeiras ligações familiares.

Destaca-se que é um momento decisivo quanto às novas possibilidades de identificação. Essas identificações são perceptíveis na maneira como os adolescentes filiam-se aos grupos, com pares que compartilham determinados estilos de músicas, modas, e, na contemporaneidade, pode-se acrescentar as comunidades do orkut e os blogs. Esses artificios de "comunicação" assumem uma função de diário de uma escrita, que, ao ser traçada, convoca o olhar do outro, portanto, tem uma função imaginária.

O biológico e a linguagem, o público e o privado vão se reencontrar durante essa "crise". Segundo Chassaing (2004), a adolescência é este cruzamento entre o íntimo e o social: um lugar de passagens, encontros, possibilidades, aberturas e fechamentos.

Quanto às possbilidades, podemos destacar a novidade do sexo para o adolescente, uma vez que nem sempre atenderá aos modelos e aos desejos esperados pelos pais.Em se tratando das aberturas, poderiamos inferir que o adolescente, principalmente nessa atual conjuntura social, vai se permitir circular entre gupos, numa posição mais plástica.

Um retorno a Freud (1905/2006a) permite identificar que, com a chegada da puberdade, introduzem-se as mudanças que interferem na vida sexual infantil, levando a uma configuração definitiva. Enquanto na infância a pulsão sexual era predominantemente auto-erótica, na puberdade passa a ter um objeto sexual. A pulsão sexual fica a serviço da reprodução e torna-se altruísta.

O uso da palavra puberdade, em detrimento de adolescência, vale ressaltar, é a marca da inserção do pensamento freudiano na cultura de sua época, pois denota a maturação fisiológica como limite à infância, e não a constatação clínica das mudanças na identidade sexual. Freud, ao relatar as metamorfoses da puberdade, destaca, não só o novo fim sexual e o reencontro com o objeto, mas, também, o aparecimento de uma nova excitação sexual. (Dias, 2000).

Um "trabalho de luto", nessa "crise" da adolescência, é fundamental, uma vez que tem repercussões em várias esferas da vida do sujeito, implicando em sua relação com a sua imagem, com os pais, até o momento em que poderá encontrar uma "estabilização" que possibilite abandonar as velhas identificações. Rassial (1999) se propõe a analisar a adolescência colocando na perspectiva do Nó Borromeu: Real, Imaginário e Simbólico. Para o autor, o real em jogo na adolescência não são somente as mudanças introduzidas com a puberdade, mas, também, o que afeta a encarnação imaginária do Outro, que são os pais, o que vai exigir um deslocamento. O imaginário conta muito para dar sentido à vida, conforme defende o psicanalista.

Esses recortes do real, simbólico e imaginário são de natureza totoplógica, pertindo situar a adolescência com o que existe de real vindo do campo do Outro. É preciso, também, determinar o valor simbólico, pois, sem negligenciar os outros registros, é a ênfase neste campo que definirá uma "cura pela palavra", em se tratando de um encontro do adolescente com o psicanalista. Ruffino (1993) destaca que esse Outro com maiúscula deve ser visto como uma "exterioridade", campo tanto do desejo quanto do mundo em meio ao qual circula o sujeito.

A puberdade apresenta caracteres de um sintoma. O sintoma, nesse sentido, seria a manifestação de uma luta relançada contra as pulsões parciais. Cotet (1988) sublinha que o adolescente se depara diante de uma batalha que está em seu auge, um ponto em que o sujeito deve se identificar aos ideais de seu sexo. Para além desses ideais e das dificuldades vivenciadas nessa "crise" psiquica, o adolescente se depara diante da questão amorosa. Os amores que nascem na adolescência são reveladores do impasse da relação sexual, e, longe de ser estruturados como romances, que podem fornecer disso a matéria imaginaria, são efitivamente dramáticos.

Na atualidade, os canais de comuncação apresentam desfechos de alguns relacionamentos entre adolescentes que, às vezes, são marcados por morte e suídicio. Frente à "crise" da adolescência, às vezes os sujeitos fazem passagem ao ato, consequência de um "erro de cálculo" em que a tragédia nem sempre tem um "final feliz".

A "crise" da adolescência constitui um desafio tanto para o sujeito, que vivencia as transformações pubertárias sob a própria pele, como para os seus pais, os educadores e a sociedade que, a priori, não sustenta modelos para atravessamentos. Os adolescentes constroem suas referências a partir do vinculo com outros que partilham dessa mesma "crise". Os adolescentes, nesse momento, podem se encontrar num estado limite, fazendo apelo através dos seus atos, que exigem intervenções concretas e clínica. Mannoni (Idem) destaca a complexidade da questão e traz para o debate as dificiculdades vivenciadas pelos adultos, que, embora não estejam em crise, não deixam, entretanto, de ter problemas. As crises dos adolescentes também são influenciadas pelos problemas de seus pais.

A "crise" da adolescência dos filhos repercute nos pais, pois estes também se confrontam com os conflitos de sua época. A maneira como os pais conseguiram elaborar essa crise vai trazer influências nesse tempo de atualização. Expressões do cotidiano como: "no meu tempo não era assim", revelam disparidades entre as gerações. Isso permite observar que as referências que os pais possuem de suas adolescências, nas quais foram "batizadas", não dão conta de atender à expectativa do adolescente desse novo mundo.

A adolescência é um fenômeno da modernidade. Isso significa que é algo recente. A ausência de dispositivos em geral, comumente observados nas organizações pré-modernas ou não-ocidentais, torna problemática essa "crise", implicando um prolongamento da adolescência. O que se observava nas sociedades tradicionais era que elas dispunham de condições que dispensavam o surgimento do fenômeno da adolescência. Nessas organizações comunitárias, o atravessamento para a vida adulta de seus membros, bem como outras experiências que apontavam mudanças no ciclo da vida, ocorriam sob certos cuidados de dispositivos que tinham um caráter simbólico. Ruffino (1993) destaca que esses rituais que eram realizados eram suficientemente eficazes para mediar a relação do sujeito frente aos impasses do real. O autor observa que a ausência desses dispositivos seria siderante para os adolescentes.

Do universo infantil ao mundo adulto, a adolescência exige abandonar velhas identificações. Significa questionar o mundo que o rodeia, pois o adolescente tende a acreditar que a moral do mundo é falsa. As "mudanças revolucionárias" que, às vezes, abraçam como causa, são tentativas de interrogar o absurdo do mundo no qual estão inseridos. Rassial (Idem) considera que o importante é que o adolescente possa se apropriar do seu sintoma, aquilo que representava no desejo dos pais, e se responsabilizar por sua própria sexualidade e suas escolhas.

Frente aos imapases subjetivos, o adolescente ainda vai ter que se confrontar com os modelos instituídos, que "exigem" que ele seja capaz e possa participar da economia que regula as relações de consumo. Por outro lado, vai idealizar conquistar a fonte da eterna juventude, pois o mundo que o cerca coloca como belo e admirável o jovem e recharça a velhice. Manter-se sempre jovem faz com que a "crise" da adolescência se prologue por outras décadas. A experiência clínica com jovens que se encontram em dificuldade para assumir funções sociais, nos possibilita interrogar se desejam permanecer adolescentes por muito tempo?

É importante ressaltar que os modelos de inciação na adolescência são diferentes em cada sociedade. No entanto, os seus objetivos consistem em levar o sujeito a uma integração social no mundo dos adultos. Essa entrada no universo adulto é que vai permitir que esse adolescente compreenda o seu lugar, consiga lidar com as exigências escolares e com os ideais do mundo do trabalho, estabelecendo uma relação possível com os valores instituídos pela sociedade. Seria uma possibilidade de fazer laços sociais sem precisar recorrer a atuações que demandem intervenções do Outro.

Observamos, em alguns casos, que, nessa "crise", o adolescente pode protestar junto àqueles que exercem posição de autoridade. O professor, por exercer um papel importante, em sua prática de tornar a "educação possível", sendo um dos representantes que encarna essa atribuição simbólica da lei, às vezes pode se deparar com situações limites na relação com os alunos adolescentes.

As dificuldades enfrentadas por educadores perpassam desde a evasão escolar, situações de indisciplina até mesmo atentado contra suas próprias vidas. Isso nos permite questionar: sendo o limite uma condição fundamental para a manutenção da ordem, dentro e fora da sala de aula, o que resta ao mestre ao se deparar com sujeitos que não toleram as regras e vivem a desafiá-las?

 

O declínio da lei na escola

Uma análise atenta do filme Elefante nos permite compreender como as relações familiares desempenham um papel crucial para o futuro do adolescente em sua relação com a lei e os limites necessários para a convivência social. A história, nesse filme, se desdobra cheia de tarefas comuns em uma sala de aula, na qual observam-se a participação e a integração dos meninos no futebol, as meninas compartilhando histórias sobre paixões, aventuras e o esforço do personagem John -adolescente- para lidar com um pai alcoolista. Dirigido por Gus Van Sant, Elefante permite assistir a uma tragédia em uma escola americana secundarista.

O drama que impactou o mundo aconteceu em Columbine High School, E.U. A. Dois adolescentes representaram o massacre que culminou no assassinato de alunos e professores. Afinal, o que o "Elefante" tem a ensinar sobre os "protestos" que ocorrem na adolescência? A violência no interior de uma escola, cena real em um país potencialmente desenvolvido, realidade também em nosso contexto, o que ela está denunciando? Se o pai fracassa em sua função, como o pai de John, qual saída restaria ao filho na condição inversa como cuidador do pai? Em nossas escolas, se não ocorrem assassinatos, qual é a violência que cerca professores e alunos? Quando a lei falha, e as regras não são mais seguidas, a quem apelar para colocar os limites?

Na contemporaneide, observa-se que alguns educadores se sentem "incompetentes" na sua missão de educar. Esse sentimento não se refere à questão de transmitir um saber, mas relaciona-se ao enfraquecimento de seu referencial enquanto lugar que transmite um limite necessário às relações intersubjetivas. Além do limite, a educação possibilita ao sujeito ter um lugar na sociedade. No entanto, a autoridade do mestre vem sendo questionada e os pais, por sua vez, não se dipõem a auxiliar e nem acompanhar os filhos no processo educativo. É nesse contexto que Rosa (2001) propõe dois questionamentos: como colocar limites, se é exatamente a posição autoritária dos pais que vem sendo questionada? O que poderia substituir a força, e a imposição, para obter respostas educativas com esses alunos, que demonstram não ser dominados pelos pais nem a eles submetidos?

Esses questionamentos vêm revelar como os pais assistem estarecidos e, ao mesmo tempo, paralisados à perda dos filhos, sem que possa assistí-los nessa passagem. A autora acredita que, movidos por esse não saber, o que resta aos pais é recorrerem a especialistas, entre ele o psicanalista.

Cuidar dos filhos, na contemporaneidade, passou a ser um trabalho praticamente centífico, necessitando do apoio de um terceiro para poder mediar essa função. Com a invasão do social sobre o território familiar, cada vez mais nos deparamos com os "representantes da sociedade" intervindo na relação entre pais e filhos. Julien (1997) considera que, em nome do bem-estar do filho, um conjunto de profissionais como o pediatra, o psicólogo, a assistente social, o juiz de menores, o juiz de varas de família são convocados a dizer quais são os direitos da criança, o que convém mais ao filho ou à filha. Uma análise dessa forma de responder às demandas da família permite situar "esses tercerios" como novos papais e mamães em posição de tutores, em razão de sua suposta capacidade de resolverem tanto os sintomas das crianças e dos adolescentes, tanto quanto os conflitos entre os pais. Eles têm uma função de esclarecer os pais sobre as suas competências e, ao se posicionarem desta maneira, oferecem o seu julgamento. O profissinal acaba tendo um saber e poder sobre a criança, de tal modo que a lei, que deveria ser transmitida pela família, fica relegada à sociedade. Uma lei cada vez mais tercerizada.

Na escola, escutamos com frequência as queixa dos educadores sobre a ausência dos pais durante as reuniões e a falta de implicação e comprometimento, em alguns casos, de adolescentes que apresentam um baixo rendimento escolar. Na tentativa de encontrar um "equilíbrio" entre essas dificuldades, promovem reuniões com os responsáveis pela criança, convidam policiais para tratarem de questões relacionadas ao vandalismo e amparam-se no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em busca de uma norma que minimize os efeitos desse mal-estar.

O malogro vivenciado pelos pais tem sido tema de encontros para professores que também se sentem impotentes diante da dura realidade do enfraquecimento de sua autoridade. O mal-estar gerado pelo desrespeito ao educador é tratado por este como efeito da "desestruturação" da família. Esse último termo é recorrente em seus relatos. Sobre esta questão, Gutierra (2002) esclarece que são notórias as dificuldades vivenciadas pelos mestres na atualidade, principalmente aqueles que se dedicam ao ensino de adolescentes. Situações de indisciplina, violência e desinteresse pelo conteúdo formal, são bastante frequentes no cotidiano escolar. Os mestres, por sua vez, perdem o autocontrole, entram em suados embates, respondendo no mesmo nível ao adolescente. O resultado tem sido uma relação de extrema tensão e animosidade, que dificulta o processo educativo.

A importância do mestre na formação do aluno foi destacada por Freud (1914/2006b). Este acreditava que o efeito da influência do professor sobre o aluno estava mais relacionado aos aspectos da personalidade do mestre do que aos conteúdos formais transmitidos em seus ensinamentos. Por isso considerou que a modalidade de vínculo estabelecido entre o aluno e o professor estava atrelada às primeiras relações que o aluno, enquanto criança teve com a imago do pai e da mãe.

O professor, simbolicamente, representava um pai substituto para o aluno. Nesse vínculo, que poderia ser considerado transferencial, o adolescente transferia para o mestre as expectativas que teve em relação ao pai. Vale ressaltar que esse pai da infância estava investido, pelo filho, de uma fantasia de onipotência, considerado como um ser dotado de grande sabedoria e poderoso.

Freud destacou que a ambivalência, amor e ódio, vivenciada com os pais, nos primeiros anos da infância, seriam atualizadas na atual relação com o professor, em situações nas quais o mestre poderia ser confrontado, destituído e, às vezes, desautorizado de sua função. A relação do aluno com o professor, no presente, traria a herança afetiva das relações ulteriores da infância. O presente seria vivido a partir das marcas mnemônicas deixadas por cada um dos modelos primitivos.

Responder com violência, no mesmo nível de embate que os alunos se colocam, só pode ter como consequência a destituição do mestre. O que está em jogo, nesses impasses, diz respeito à própria "crise" da adolescência. A análise do professor possibilitaria trazer à luz o que existe de particular na transferência e no seu papel como educador. "Nesse sentido, pode-se pensar que a transferência pode ser uma via para escutar a trama discursiva da relação professor-aluno que enlaça o espaço de aula" (Ornellas, 2009, p.31).

Isso permite considerar que, se os pais não se posicionam frente aos filhos com atitudes que frustrem, a tarefa de educar acaba se tornando uma "missão impossível". No argumento de Teixeira (1997), deparamo-nos com os sujeitos que se encontram sem as referências da tradição da família e dos seus limites simbólicos. Isso possibilita aos adolescentes acreditarem que vivem numa verdadeira autonomia, que podem fazer tudo que "desejam", pois estariam livres para controlar o mundo.

Essa sensação de liberdade sem regras, sintoma do mundo contemporâneo, ocorre concomitante ao declínio da função paterna. Os efeitos arrebatadores dessa problemática trazem consequências diretamente para a escola. Os educadores, na concepção de Gutierra (2002), são destituídos de seu valor simbólico, uma vez que, sem apoio social e simbólico, não prosseguem no exercício de sua função, que remeteria os adolescentes à tradição, às significações que pudessem contribuir para uma ressignificação do futuro. A autora concorda com o argumento de que a ausência de referências leva os adolescentes a formarem gangs e grupos rígidos, e isso estaria marcado por uma explosão do imaginário. Essa agressividade é projetada no mundo adulto, no laço social, inibindo o adolescente de (re)inscrição simbólica, e, mais ainda, colocando em seu lugar o imperativo do gozo.

Os adolescentes que vivem nessa condição se encontram com dificuldade para seguirem as regras e os limites colocados pela sociedade. Na ausência das imagos ideais, eles acabam abandonando a escola e cometem atos infracionais, que podem ser analisados como um apelo ao pai. O adolescente infrator expressa em seu ato a necessidade de um pai, justamente porque este fracassou em sua função. Winnicott (1999) ratifica dizendo que o adolescente acaba recorrendo à sociedade, em vez de recorrer à família ou à escola, para que esta lhe forneça a estabilidade de que necessita, a fim de transpor os estágios de seu crescimento emocional.

Uma cena do filme, que ilustra essa problemática, se revela no momento em que o personagem Jonh decide portar uma arma e invadir a escola, acompanhado dos seus amigos, para cometer os assassinatos em série. Nesse aspecto, pode-se considerar que são apelos de natureza não somente concreta, mas simbólicos, uma vez que o pai estava presente, mas claudicava em sua função.

Os adolescentes em conflito com a lei, autores de atos infracionais, invadem o espaço público com suas armas de verdade e de brinquedo, participam do mercado do narcotráfico, matam e morrem. Barros (2000) aponta que essa problemática não tem uma causa ou solução simples. O seu enfrentamento exige a articulação de diferentes esferas do saber. O autor chama atenção para o fato de que estamos diante de uma "nova" juventude no contexto dessa atual sociedade moderna, tecnocrática e consumista. Para se afirmar, os adolescentes buscam experiências imediatas, desafios e, face à ausência de um projeto de vida, deparam-se diante a um esvaziamento do sentido da vida, o que gera o medo, a solidão, o tédio, a frustração, a agressividade e o conflito. Goldenberg (1991) acredita que a questão do adolescente em conflito com a lei tem vinculações com o mau estabelecimento da função paterna. Semelhante aos personagens do filme Elefante, eles acabam recorrendo à sociedade, em busca de alguém que possa representar o pai, que seja forte e lhe apresente a lei.

O ato do adolescente, a sua conduta anti-social, não é necessariamente, uma doença. A perspectiva enfatizada por Winnicott (1997) é que, em certos casos, o ato é um pedido de controle de pessoas fortes, amorosas e confiantes. Interroga-se: não seria o pai quem representaria essa imago? Julien (Idem) ao contextualizar o século XXI, afirma que o poder do pai sobre a família nuclear encontra-se limitado pela intervenção da sociedade e dos especialistas junto à criança, que, em nome de seu interesse, de seu bem e de sua felicidade prescrevem, aconselham, punem e orientam.

Esses atos delinquentes praticados por adolescentes podem ser compreendidos como tentativas de uma inscrição na ordem simbólica, uma vez que esses sujeitos se encontram impedidos de participar da ordem fálica. Um mundo de possibilidades, mas que exclui e segrega aqueles que não participam da vida colocada como modelo. Aos infratores, Rosa (1999) destaca que falta é uma significação determinada pelo Nome-do-Pai. A ausência disso implica um laço social que falha e os adolescentes vão esperar que o Outro lhe produza uma marca simbólica. Questiona-se: quem seria o Outro diferente da educação?

Diferentemente da criança, que em sua posição está submetida a um Outro, e o acolhe sem questioná-lo, o adolescente, ao contrário, vai pôr em xeque o mundo adulto. Gutierra (Idem) observa que o adulto, em lugar de transmissão, é facilmente destituído de sua posição de saber e de identificação. Uma palavra de repressão, uma coerção e, às vezes, um olhar do mestre constitui situações para desqualificar a sua autoridade. O mestre passa a ser uma vítima amedrontada pelos efeitos da violência.

É neste "quadro-negro" que os mestres de adolescentes se encontram. Gutierra (Idem) questiona se existiria o mestre possível de adolescentes? Se este existisse, o que teria em especial, como forma de tornar a sua transmissão mais interessante, sendo ouvido e respeitado pelos adolescentes, conseguindo transmitir conteúdos formais?

Seguimos com Mannoni (2004, p.15) quando enfatiza que, na contemporaneidade, nos deparamos com adolescentes não "esfomeados" de saber intelectual, mas adolescentes "anoréxicos escolares", com dificuldade nas estruturas tradicionais, quer sejam escolares ou médico-pedagógicas. O autor observa que "essas estruturas de acolhimento" estão longe de ter sempre uma vocação educativa. Foram criadas, desde a origem, para dar a instrução obrigatória às crianças, uma lei estendida à saúde física e mental.

Hoje, a sociedade espera dos adolescentes que eles sejam bem sucedidos na educação. A família e a escola, na maioria dos casos, às vezes não "treinam" os adolescentes para viver. Temos instrução pedagógica, mas não se educa mais. Um olhar pela história nos permite obervar que os valores morais, que antes estavam no fundamento da criação das primeiras escolas públicas, na atualidade desapareceram. Teixeira (2002) considera que esse acordo, onde podemos reconhecer o pacto simbólico que possibilita a convivência dos sujeitos na sociedade,encontra-se ameaçado pela debilidade da lei.

A lei, para ser respeitada e aceita, precisa ser temida. Uma lei que não seja temida pode se tornar impotente. Entretanto, uma lei que se imponha apenas pelo temor é uma lei perversa. Pelegrino (1987) traz a perspectiva de que o amor e a liberdade, desde que subordinados e transfigurados ao temor, podem permitir uma relação com a lei. A lei existe, não é com a função de humilhar o sujeito, ao contrário, deve permitir estruturá-lo e integrá-lo à sociedade.

Um tríplice abalo na figura do pai: o político, o religioso e o familiar, foi fonte de análise para Julien (1997). Quanto mais a imagem social do pai declina, mais a criança recorre à sociedade em busca de uma outra imagem forte. O declínio da imago paterna ou declínio do Nome-do-Pai, repercute nas relações entre os sujeitos na nossa cultura, provocando os mais variados efeitos sociais. Esse declínio ocorre paralelo ao sentimento de autonomia do sujeito, que acredita não ter mais que se submeter a nenhuma lei simbólica, quer ela se apresente sob a forma da tradição, da religião ou da paternidade. Brandão (2005) aborda a questão do declínio da lei a partir da noção de imago paterna, uma vez que, para a autora, se existe um declínio, este é da imago patriarcal, e não da sua função, na medida em que a sua operatividade é estrututral.

O declínio do pai como metáfora trouxe implicações para a clínica psicanalítica. Santos (2001) exemplifica, comentando que isso se evidencia na proliferação de casos complexos que não atendem a determinadas classificações que incitam a repensar as fronteiras entre neurose e psicose. A autora acredita que, na modernidade, o Nome-do-Pai deixou de ser um operador estutural da ordem simbólica e a sua função limitou-se à estrutura familiar, relegando alguns papéis sociais, entre esses o do educador.

Quais seriam, então, as consequências para uma determinada sociedade diante do enfraquecimento do simbólico? Quem nos "salvará" desse caos instalado? Se a lei é uma condição para a manutenção da ordem social, a quem deveríamos recorrer em sua falta? Teixeira (1999) aponta que, diante da carência simbólica, o sujeito faz um apelo desesperado ao pai, e como se trata do pai imaginário, a carência simbólica permanece.

O declínio do poder paterno seria, ao mesmo tempo, um declínio do patriarcado. Ceccarelli (2002) acredita que esta questão estaria relacionada às transformações, sobretudo econômicas, que produziram o homem moderno. Para esse autor, o que está, de fato, em crise, o que vem sendo reavaliado, é a referência ao pai. A crise da masculinidade é apontada como um reflexo de outra crise com maior dimensão que diz respeito à atribuição fálica como organizador social

O discurso da ciência moderna tem implicado um declínio da função paterna no social e na realidade psíquica do sujeito. As dificuldades, neste sentido, se referem ao fato de faltarem outros dispositivos como saída para os adolescentes. O estado atual da exacerbação da violência pode ser entendido como sendo decorrente da falência da lei do pai. Teixeira (2002) explicita que isso se evidencia na fragilidade suprema do pacto social, quando não se legitima mais as leis culturais. Algo que perpassa desde a desestruturação dos vínculos sociais ao usufruto gozoso dos bens culturais. Trata-se de uma violência que, segundo Costa (1986), invadiu diversas esferas da vida do sujeito, interferindo em sua relação com o mundo, as pessoas, seu corpo e a sua subjetividade.

A problemática da violência e das suas consequências na contemporaneidade é alastrada pela subjetividade e pelo campo social. Teixeria (2002) aponta que essa questão estaria relacionada ao estatuto de pulsão de morte. A autora retoma a base do pensamento Freudiano para situar que toda proposta de construção do sujeito supõe esse exercício de ambivalência entre Eros e Tanatos. O que permite a vinculação entre as duas forças pulsionais seria o Nome-do-Pai. As questões debatidas neste trabalho são apontadas por essa autora como um ponto de emergência em que seria necessário constuir novas metáforas que atribuissem sentido às vivências subjetivas e sociais.

Quando Freud (1937/2006d) tinha advertido que seria impossível educar, tanto quanto analisar, queria expressar como o processo pulsional se inscreve no inconsciente, escapando a toda tentativa de simbolização. Essa advertência, segundo Almeida (Idem), coloca o educador numa posição de suportar o fracasso constitutivo do ato educativo. O mestre, por mais dedicado e inspirado que esteja ao transmitir um saber, vai se confrontar como algo inapreensível, "ineducável" do sujeito. A despeito dessa impossibilidade, o mestre não deve paralisar e nem limitar o seu ato educativo.

Em um das suas conferências, Freud (1933/2006c) coloca a educação como a mais importante de todas as atividades da psicanálise. Prova disso é que pensou a respeito da contribuição da aplicação da psicanálise à educação, um campo marcado por métodos uniformes que, em si mesmo, não cumpre a sua principal tarefa. Freud sugere ao educador, apesar dos diversos problemas que este enfrenta, que possa reconhecer a singularidade na criança. Recomenda ao mestre que trabalhe em busca de encontrar um certo grau de amor e frustração.

Os adolescentes, na contemporaneidade, se deparam diante do declínio da imago paterna, restando para cada um encontrar as suas saídas. A quebra do pacto com a lei do pai trouxe grandes consequências para a escola. Será que alguém poderia nos livrar desse "Elefante" que invade a escola? Acreditamos que a questão não será simplificada ou resolvida com a presença de um legislador que represente o pai e comande com as mãos de ferro. Um caminho é apontado por Dias (2002) ao propor que apostemos nos nossos jovens. Aposta que inclui acreditar no potencial do adolescente. Uma potencialidade criativa de que o adolescente, apesar deste mundo em que, "sem pai", pode construir uma nomeação própria, ter referenciais e estabelecer novos laços sociais.

 

Considerações finais

O declínio da imago paterna na contemporaneirade acabou produzindo novas formas de sofrimento psíquico e implicando em sujeitos com dificuldades para lidar com a introjeção das normas, demonstrando intolerância e falta de limites que culminam na violência presente no contexto escolar. Seria pretensioso reduzir a violência, no interior da escola, somente à problemática da função paterna. Sustentando os fatos nessa perpectiva do pai, deixamos de lado outras questões que tornam o fenômeno complexo e desconsideraríamos, também, os impasses vivenciados pelos adolescentes em suas crises psíquicas.

Destacamos e sustentamos a importância que a representação simbólica da função paterna tem como condição estruturante fundamental tanto para o sujeito como para a relação que o mesmo estabelece com a lei e a sociedade. O artigo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas apontar que a violência manifesta por adolescentes, que, na atualidade, aterroriza e ameaça nossos mestres nas escolas, necessita de intervenções de diversos campos de saberes e discursos distintos. Essa realidade permite sugerir novos trabalhos de pesquisas que contemplem esse eixo de discussão.

O questionamento sobre quem poderá conter a fúria desse "Elefante", no interior das escolas, se traduz em um apelo, como porta voz dos mestres que se sentem simbolicamente demitidos de sua função. Ao mesmo tempo, todas essas problemáticas também funcionam como um convite a refletirmos sobre as possíveis novas modalidaes de trabalho em sala de aula, que contemplem outros aspectos para além da transmissão do conteúdo formal e possam instituir um lugar para o adolescente ter voz e vez, portanto, uma palavra.

 

Notas

1. Este texto, com algumas modificações, foi apresentado na disciplina Psicologia e Educação, na condição de aluno especial de mestrado do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação- Faculdade de Educação (FACED) (2007:1) - Universidade Federal da Bahia (UFBA).

 

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Recebido em 11 de novembro de 2009
Aceito em 27 de novembro de 2009
Revisado em 15 de dezembro de 2009

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