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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.10 no.2 Fortaleza June 2010

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Revisão histórica e psicossocial das ideologias sexuais e suas expressões

 

 

Dilcio Dantas Guedes

Doutorando do Programa de Pós- Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, na Université Paris X, e Mestre em Psicologia, pela Universidade de Fortaleza. End.: 103, R. Haxo, 75020, Paris-França. E mail: dilcio@gmail.com

 

 


RESUMO

Trata-se de um ensaio sobre as formas de interações afetivas e sexuais entre homens e mulheres e entre pessoas do mesmo sexo em diferentes civilizações do mundo Ocidental e Oriental. Objetivou-se descrever e articular os modos de interatividade afetiva e os modos como a sexualidade manisfesta-se em diferentes épocas da História. Também procurou-se sublinhar a expressão desses modos de interatividade através do fundo sócio-político que os permeia. Nesse percurso, o ensaio apresenta algumas influências no modo de subjetivação do sujeito contemporâneo, descreve como as pessoas uniam-se, qual o sentido do casamento e do divórcio, as práticas sexuais regulamentadas e o significado dessas práticas nas civilizações das Idades Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. A pesquisa bibliográfica aponta que modelos de amor romântico e sua expressão constituem-se por diferentes mecanismos culturais, sociais e políticos no decorrer da História. A sexualidade entre homens e mulheres e entre pessoas do mesmo sexo também é compreendida à luz dos mecanismos ideológicos de diferentes épocas. Longe de tecer conclusões, o ensaio aponta elementos que possibilitam uma maior compreensão do sentido do envolvimento amoroso e sexual seja qual for a orientação do desejo dos indivíduos em uma dimensão histórica, antropológica, social e psicológica.

Palavras-chave: Afeto. Sexualidade. História. Ideologia. Subjetividade.


ABSTRACT

This essay is about sexual interaction and fondness between individuals in different Western and Eastern civilizations from Antiquity to Contemporaneity. It has aimed to describe and articulate some elements which would describe the ways interaction, in terms of affection, and the ways which sexuality are displayed and expressed among people throughout different historical times. Also, this essay intended to underline the expression of these sexual and interactional ways according to cultural, societal and political influences upon the subjectivity of the contemporary individuals. For this purpose, this essay describes how people used to build bonds, how they understood and practiced the marriage and divorce; how they understood their sexual roles and practices during Ancient, Middle and Modern Era and how they understand all these practices in the Contemporary Era. The review of the literature suggests that models of romantic love and its expression were constituted from different socio-political and cultural elements. The sexuality, in this perspective, is also constituted by different ideological mechanisms from each historical period. Far from suggesting definitive conclusions, this essay pointed out some elements which would offer major understanding about romantic and sexual bonds independently of the sexual orientation on historical, anthropological, social and psychological regards.

Keywords: Affection. Sexuality. History. Ideology. Subjectivity.


 

 

Introdução

Este ensaio descreve características dos modelos sociais de interações afetivas entre pessoas do sexo oposto e pessoas do mesmo sexo, no contexto dos relacionamentos que hoje seriam descritos como amorosos. Nosso primeiro impasse apresenta-se nesta introdução: relacionamentos amorosos não eram compreendidos nem social, nem subjetivamente na era pré-moderna, como hoje concebemos. Sendo assim, é difícil adjetivar o que eram esses relacionamentos afetivos vividos entre esses indivíduos antes da modernidade.

A noção de afeto, de amor, de relação romântica não fazia parte do universo da subjetivação do homem pré-moderno, uma vez que remetem à noção de sujeito psicológico. Não havia uma noção de Eu. O indivíduo da Antiguidade e da Idade Média não era pensado em termos de dimensão da subjetiva porque não havia ênfase sobre os indivíduos a partir do modo como eles organizavam suas experiências do dia-a-dia. Não havia uma individualidade auto-reflexiva nem uma representação de si decorrente da vivência em determinado momento histórico, devido à ênfase na coletividade e no papel que esse indivíduo exercia na manutenção dessa coletividade. O indivíduo era o que ele fazia. Não importava sua dimensão existencial.

Vários autores sugerem que a subjetividade é uma construção de representações de si e a organização dessas representações a partir das experiências cotidianas. A subjetividade implicar-se-ia no poder auto-reflexivo de um indivíduo na constituição das noções de Eu. No entanto, não se confunde como base da identidade e nem com a interioridade que se atinge pela via da auto-reflexão. Também, muito embora seu traçado seja definido pelo modo de ser, de agir, de pensar e de sentir, a subjetividade não se define por esses modos - ela se organiza em contornos que trazem elementos do modo de ver e pensar o mundo pelo decorrer da história (Guattari, 1989/1999; Mezan, 2002; Rey, 2003).

No entanto, para que se possa articular a dimensão do "relacionamento" a modelos sociais de interatividade "afetiva", partimos de referências históricas que indicam que relatos de admiração, de estima, de amizade, de honraria, de respeito, de consideração, de apreço, de necessidade, entre outros elementos, remetem a um tipo de vínculo que, em algumas circunstâncias, refletem, segundo o modo de ver e pensar hordieno, ao amor - uma categoria subjetiva construída pelo sujeito moderno. Essa construção será descrita nesse ensaio (e se tornará evidente como construção histórica) quando se tratar do período do fim da idade média e início da idade moderna.

O objetivo desse ensaio é descrever, através de um estudo bibliográfico, o modo como as pessoas interagiam afetivamente, como seus modelos de interação afetiva eram institucionalizados nas sociedades de diferentes épocas históricas e como influenciaram o modo de expressar e organizar a vida cotidiana em torno dessas interações à luz do contexto social das épocas descritas. Procuramos também identificar aspectos dessas influências no modo de subjetivação do sujeito contemporâneo.

Para essa apresentação, seguiremos a seguinte ordem histórica: discutiremos sobre a civilização do Egito, da Mesopotâmia, dos Hebreus, dos Gregos, dos Romanos, dos Chineses, dos Hindus e dos Árabes passando pelas diferentes fases históricas. Em seguida, apresentamos algumas considerações sobre o sujeito contemporâneo e suas relações afetivo-amorosas.

 

Antiguidade

Iniciaremos no Egito. Nessa época, a mulher tinha os mesmos direitos do homem, com exceção de não poder servir ao exército. Ao contrário da situação das mulheres em outras civilizações, a mulher egípcia podia ser letrada e exercer profissões. O casamento era mais um pacto social no qual a mulher e seu futuro marido eram anuentes e se caracterizava, praticamente, pela ação de viver juntos. Entretanto, essa união só era socialmente aceita quando filhos eram gerados.

Neste contexto, ela poderia escolher com quem casar, mas tinha que ter o consentimento dos pais. Além disso, a fidelidade era um preceito básico nesse enlace e o adultério era considerado um crime grave. A mulher egípcia, ao ser desposada, era respeitada e recebia o investimento afetivo do marido. Para ilustrar tal perspectiva, apresentamos um dos preceitos do sábio Ptah-Hotep que diz o seguinte: "Ama a tua mulher com ardor, enche seu estômago, veste a suas costas (...) alegra o seu coração enquanto viveres, ela é um campo fértil para o seu senhor" (Araújo, 2000, p.252). Em outras palavras, muito embora haja referência à idéia da figura do homem como dominante, revelando que persistem conceitos de diferenciação entre os gêneros, a figura da mulher, na relação afetiva concretizada pelo casamento, tinha um papel importante, merecedor do investimento amoroso do marido.

A relação afetiva que desembocava no casamento baseava-se no desejo de formar uma família, mas também não eram incomuns envolvimentos sexuais entre homens. Existem escritos que indicam que alguns faraós tinham relacionamento íntimo dessa natureza. Via de regra, havia uma desaprovação implícita em relação a esse tipo de envolvimento justamente em decorrência da necessidade de herdeiros.

A análise da literatura egípcia da época indica que um homem ter um intercurso sexual com outro homem era vergonhoso e humilhante (sobretudo se fosse penetrado) mas, mesmo assim, o desejo sexual por outro homem era abertamente discutido e até praticado por alguns deles (Montserrat, 1996). De acordo com o Livro dos Mortos, que determinava como o indivíduo deveria ser preparado para a vida eterna, existiam premissas que condenavam as relações sexuais com outro homem (Parkinson, 1995). No entanto, nesses mesmos registros também se indicava que a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo era aceita com fins místicos e ritualísticos - a prostituição sagrada. Nesses ritos, praticavam-se defloramentos sexuais e ofertas a partir do ato sexual. Nesse sentido, a prostituição sagrada não é compreendida como ato equivalente ao intercurso sexual entre homens mundanos. A literatura é restrita e, dada a importância social do homem naquela sociedade, estes dados referem-se mais ao fenômeno enquanto prática entre homens do que entre mulheres. Certa similitude desse modelo de interação social era verificada em outras sociedades.

As relações afetivas na região da Mesopotâmia variavam de acordo com os códigos e costumes de cada civilização-Estado e, obviamente, da época. No geral, os relacionamentos entre um homem e uma mulher livre foram mais documentados em relação à instituição do casamento. Os registros indicavam que o casamento era arranjado pelos pais, mas definido pelo pai da moça, ou pelo irmão mais velho, no caso da falta do pai. O futuro esposo pagava um dote e a mulher assumiria o papel de esposa e, futuramente, mãe, diante da promessa de fidelidade e devoção perpétua (Charpin, 1980).

Nas sociedades mesopotâmicas, havia uma série de circunstâncias que permitiam a bigamia, dentre elas a esterilidade da esposa. Ela tinha um prazo de até sete anos, após o casamento, para dar descendentes. O divórcio poderia ser reclamado, dentre várias causas possíveis: quando o marido se sentisse insatisfeito com a esposa em função do não comprometimento com as responsabilidades domésticas, se a esposa recusava-se a ter uma vida sexual com ele ou se encontrasse a esposa com outro homem em flagrante (Westenholz, 1990; Stol, 1995). Nesse conjunto, fica claro que a situação da mulher remete à idéia de servidão e dedicação em torno da instituição familiar, que é considerada a pedra angular das sociedades mesopotâmicas.

Como no Egito, os atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo na Babilônia eram institucionalizados no domínio da prostituição sagrada e, da mesma forma, não eram compreendidos como práticas sexuais mundanas. Existiam algumas leis que indicavam formas de interdição e condenação quando pessoas do mesmo sexo eram identificados como praticantes desses atos.

Se no contexto da prostituição sagrada a prática sexual penetradora poderia valorizar o homem, sobretudo se o penetrado fosse um prostituto cultuado (geralmente, um jovem eunuco ou efeminado), fora desse contexto o ato de penetrar algum homem "inferior" ou companheiro de prisão era considerado desgraçante para quem penetra (Nissinen, 1998) e condenável. No entanto, a literatura também oferece algumas referências de envolvimento afetuoso e sexual entre guerreiros - sendo esses, paradoxalmente, conhecidos e ignorados (George, 1999).

Um registro cunhado em argila sobre a história de Guilgamech e Enkidu, encontrado em 1853, narra o enlace de afeto sentido entre esses dois homens que eram reconhecidos pela força e virilidade. Nesse caso, há a indicação de que o afeto entre homens era associado à masculinidade e à honra. O código de Hamurabi não condenava a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo e certamente influenciou as leis do povo Hititas (povo vizinho aos mesopotâmios e hebreus, cujas leis prevaleceram entre 1400 a 1225. a.C.) que reconheciam e legitimavam relacionamento e coabitação entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, não se tem dados sobre expressão afetiva entre pessoas do mesmo sexo (nem com as pessoas do sexo oposto, conforme vimos), mas muito mais sobre práticas sexuais, porque eram consideradas como práticas naturais e místicas. Na região da Mesopotâmia essas práticas não eram condenadas caso não infringissem as leis (Bottero, 2001). Como vimos, a posição da mulher não era muito valorizada, o que pode explicar porque não existem referências a elas nesse contexto.

Entre os Hebreus da Idade Antiga existia, através da lenda de Zohar, a idéia de que Deus criava em cada alma duas metades, uma parte do homem e outra da mulher. A união dessas partes é o caminho natural da predestinação divina. Essa idéia era tão arraigada que havia uma pessoa que exercia o papel de "casamenteiro" (em hebráico: shadchan), como agente humano da ação de Deus nas tribos. O primeiro deles foi um dos servos de Abraão, Eliézer, através do qual o casamento de Isaac e Rebeca foi realizado. À parte dos elementos lendários, o relacionamento entre um homem e uma mulher, com base em afeto, tinha basicamente o intuito de formação de um núcleo familiar, e também uma função política.

Os hebreus eram povos nômades e eles prezavam a homogeneidade do grupo familiar, a linhagem masculina e seus bens. A mulher, nesse ínterim, não casava necessariamente por ternura ou por sensualidade. Elas casavam cedo com um pretendente escolhido pelo pai e tal união tinha fins reprodutivos - devido à necessidade de produção de herdeiros, manutenção do grupo devido os altos índices de mortalidade infantil e às perdas devido às inúmeras guerras que participavam. A poligamia era aceita, assim como o concubinato. A mulher era propriedade do homem, com quem satisfaria seus prazeres sensuais. É importante salientar que o prazer sensual nunca fora condenado pela Bíblia Judaica, mas ele deveria ter um foco no controle social do grupo. Ou seja, manter a família como base social, geradora de descendentes e transmissoras dos ensinamentos hebraicos.

O "amor," (aheb, como é designado na Bíblia Judaica) é ativo, exerce função de verbo, e está implicado no sentido de dever. Nele, Deus ordena que se ame o próximo (incluindo os inimigos), e ao cônjuge. No que diz respeito ao amor pelo cônjuge tem-se, no livro de Jeremias, um dos versículos que diz que a esposa cercaria o marido de cuidados e que sua vida giraria em torno dele. No Talmud, livro com os ensinamentos rabínicos, ensina-se que o amor remete-se ao princípio da fidelidade, da total devoção da esposa e ao casamento, pois é um vínculo sagrado.

É importante situar que, muito embora observassem a devoção por um único deus, o antigo povo de Israel ainda era sincrético e sofria influências das civilizações vizinhas. Como vimos, nessas civilizações havia o culto sagrado de prostitutos e, no Israel antigo, esse culto também ocorreu. Há referências de que entre os Cananeus havia prática sexual entre pessoas do mesmo sexo associada às práticas religiosas. Existem referências na Bíblia (1 Reis 14: 23-24 ; 2 Reis 23:4-7) que sugerem confirmação de tal afirmativa.

Grande parte da literatura indica que, para os hebreus, o envolvimento sexual com pessoas do mesmo sexo era condenável. Mas essa assertiva é controversa. Primeiro porque a condenação parece ser mais diretamente relacionada à prática sexual em lugares sagrados, como é indicado no Levítico: "Com homem não te deitarás como se fosse mulher; é abominação (18:22) [...] Se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticarão coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles" (20:13). E segundo porque a tradução para o termo "abominação" (no hebraico, toevah), seria mais correta no sentido de "impuro" ou "contrário ao rito", o que focaliza a condenação ao aspecto da sacralidade dos templos, relacionando-se à idolatria.

Os discursos de religiosos ortodoxos de diferentes seitas apontam que a prática homossexual é uma abominação levando em conta o sentido literal do termo. Eles sustentam que a causa da destruição das cidades de Sodoma e Gamorra decorrem das práticas homoeróticas entre os cidadãos dessas cidades e por isso estaria justificado que as práticas de amor e sexo entre pessoas do mesmo sexo são legitimamente condenáveis. Porém, a passagem referente à Sodoma e Gamorra remete ao costume de hospitalidade ao estrangeiro. Nessas cidades (que eram ricas e abastadas) o estrangeiro era sempre mal visto. E certa feita, dois visitantes chegam à casa de Lot, que como seguidor dos preceitos da hospitalidade, recebe esses estrangeiros (que eram anjos enviados de Deus). Os homens da cidade indignaram-se com essa receptiva e queriam humilhar tais visitantes. A forma de humilhação mais comum nos povos antigos era o atentado ao pudor pela penetração. Lot, no entanto, os protege e chega oferecer uma de suas filhas em troca da integridade dos visitantes. Por conta da hostilidade do povo dessas cidades, os anjos acabam por destruí-las e assim se construiu a narrativa acerca de Sodoma e Gamorra. Na verdade, parece mais tratar-se de um combate ao orgulho e à xenofobia do que a práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo (Nissenen, 1998).

No que diz respeito a tais práticas, se por um lado isso sugere que é algo contrário ao costume hebreu, por outro lado, mais uma vez, sugere que os hebreus eram influenciados pelos costumes dos povos circunvizinhos. Isso seria decorrente do fato de que a problemática dessa prática entre homens faria igualá-los aos gentios, ou seja, aos não-judeus. Além disso, era uma quebra da norma social- a multiplicação de atores sociais era crucial para a sobrevivência do sistema social desse povo. Nesse sentido, mais do que uma condenação à interação afetivo-sexual entre os homens, tal gerência social estava implicada na quebra de um princípio religioso (a prática sexual como ato lúdico era considerado um ato de idolatria), cujo mesmo princípio seria aplicável ao ato praticado entre um homem e uma mulher.

Em outras palavras, a condenação das práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo devia-se mais ao sentido político-identitário da comunidade hebraica. Ainda em Levítico encontramos suporte para essa idéia: "Não procedam (referente às práticas sexuais) como se procede no Egito, onde vocês moraram, nem como se procede na terra de Canaã, para onde os estou levando. Não sigam as suas práticas" (18, 3). Claramente, essa norma era uma regra de diferenciação identitária.

Lembremos que a prática sexual entre homens não implica em uma característica da identidade individual como entendemos hoje pois não pressupõe ainda a noção de eu. As pessoas na Antiguidade eram definidas pelo que faziam no conjunto da comunidade, não pelo que eram enquanto individualidade. Daí a ênfase que o povo hebreu dava à consistência de seus laços e de sua coletividade. O mesmo pode referir-se à Grécia antiga.

Na Grécia, as pessoas estavam interessadas na busca de uma estética da existência, que apontava para o reconhecimento do Bem e da Beleza, como valores máximos do homem sábio e para a construção socializante, que procurava submeter o sujeito às necessidades da polis. A busca do Bem e do Belo eram estratégias políticas para a manutenção do laço entre as pessoas, com objetivo da formação e manutenção da família. Tal implicação tinha tamanha importância que a separação de um casal (que era divulgado socialmente, quando este formava uma família) era encarada como problema social, pois a manutenção da família era considerada base para a sociedade. Neste contexto, a separação dar-se-ia por dois motivos básicos: adultério e esterilidade (principalmente da mulher). Continuar com uma esposa adúltera era uma desonra intolerável perante a sociedade.

Como na maioria das sociedades da Antiguidade, a união entre um homem e uma mulher, para fins de casamento, era determinada pela figura do pai e havia um pagamento de um dote. Este poderia até organizar torneios para verificar a virilidade (força e coragem) do pretendente. Os noivos, muitas vezes, só se conheciam no dia do casamento. Como em várias civilizações antigas, o casamento também era um contrato cujos fins eram, acima de tudo, a manutenção da estrutura social, e por isso quase nunca havia um envolvimento socialmente semelhante, como veremos mais adiante, entre um homem e um jovem rapaz.

Como a concepção básica que regia a união entre um homem e uma mulher era a procriação, os homens podiam encontrar prazer sexual com as prostitutas, e atenção e cuidado especial com as concumbinas (Murstein, 1974). Os homens adultos poderiam desenvolver afeição e amor por meninos e adolescentes e os preparava para a vida de cidadão. O sentido desse amor estava ligado ao amor ao Belo. A beleza física para os gregos dessa época associava-se à beleza da alma. O afeto homossexual na Grécia antiga era um sentimento que se unia ao sexo e ao prazer - era, antes de tudo, um mecanismo de educação moral e cívica (Halperin, 1990, Foucault,1994).

As referências iniciais sobre a prática sexual entre homens (um adulto e um jovem) na Grécia Antiga são vastas. Por elas, o afeto é um conceito que remete ao estético, ao belo. A prática sexual, nesse contexto, era considerada esteticamente bela. Esse ato inspirava um estilo de enlace que era legitimado enquanto mecanismo pedagógico entre um homem mais velho, mais experiente, e seu pupilo - a pederastia (Halperin, 1990, Foucault, 1994). Esse envolvimento permitia que o jovem rapaz se tornasse um patrício, pois esse preparo para um mundo social advinha de um homem de boa ascendência intelectual e econômica.

Uma vez adulto (assim que aparecessem os primeiros pêlos), a prática sexual anal era condenada, mas não necessariamente evitada (Hubbard, 2003). Cidadãos não poderiam ser penetrados no ânus, nem praticar felação, demonstrar comportamentos apaixonados ou simplesmente contatos físicos afetuosos publicamente, ainda mais se fosse com um outro homem de nível social inferior (como escravos). A amizade íntima, que abria espaço para prática sexual entre militares era bem aceita e indicava lealdade, coragem e virilidade.

Em síntese, na Grécia antiga havia uma prática institucionalizada de que o jovem preecheria o desejo sexual do seu amante (um homem mais velho) através do afeto e admiração - o que, em si, já era considerado um grande lisongeio. Para o amante, a passagem do saber intelectual e também vivencial, aceita pelo jovem, traduzia-se na satisfação maior. Lembremos que a prática sexual pelo ato em si não era valorizado entre os gregos da antiguidade, porque eles entendiam que essa atitude significava deixar-se levar pelo instinto, enquanto que esteticamente o sexo deveria estar a serviço da dimensão política do cidadão (procriar com a esposa e praticar a reflexão moral e filosófica).

No Império Romano o valor da mulher era relativamente diferente de como era concebido na sociedade grega. A organização social romana garantia mais direitos à mulher, sobretudo após as Guerras Púnicas (quando as mulheres assumiram algumas funções antes exercidas pelos homens). Elas tinham direito à educação, participavam de atividades com os homens e tinham liberdade de ir e vir. Dessa forma, sua rede social era mais ampla e diversificada. No entanto, o regime patriarcal prevalecia e regia o envolvimento afetivo entre um homem e uma mulher, quando o fim era o casamento. Este era arrajado e se baseava em um contrato, tendo o dote como pagamento, mas era consensual. O sistema social romano obrigava o casamento mas, ainda era possível que afeto e sexo pudessem ser vividos no seio conjugal.

O adultério era, por lei, proibido; mas, no entanto, exercido. O homens jamais poderiam ser condenados por adultério, mas as mulheres deveriam ser mortas. Nesse sentido não havia, verdadeiramente, igualdade de direitos. A mulher não deixava de ser uma propriedade do homem. O divórcio, no entanto, era aceito e poderia ter uma causa banal (Murstein, 1974).

Interessantemente, o ideal de "amor" grego nem sempre foi bem aceito no Império Romano. Somente na metade para o final da Républica é que esse ideal passa a ser inserido na civilização romana. Embora as práticas sexuais entre homens fossem bem menos condicionadas pelo ideal estético como na Grécia, a pedarastia (amor entre o homem mais velho e um menino) acontecia, mas não era celebrada como entre os gregos. Os homens poderiam fazer sexo com outros homens livres, contanto que a masculinidade fosse preservada (ou seja, não fosse feminilizado, nem penetrado, nem praticasse felação e, muito menos ainda, a prática do cunilingus) - o que, como na Grécia, também não era, necessariamente seguido. O uso da prática sexual como recurso pedagógico, gradativamente, deixa de ter importância e o impulso sexual torna-se imperativo nesse contexto (Williams, 1999).

Assim, o homem romano poderia ter práticas sexuais com jovens não livres até que desenvolvessem os primeiros caracteres sexuais adultos. Era possível, entretanto, que continuassem o enlace depois desta fase, mas isso, embora não fosse proibido, não era visto com bons olhos (Veyne, 1992). Como na Grécia, a profunda amizade e o exercício sexual entre militares eram vistos também como sinais de honra maior e virilidade.

Verificamos que o patrimônio e o status social eram muito mais importantes em relação à prática social entre os indivíduos do que a manisfestação sexual. Por isso que o sexo, seja entre homens e mulheres, ou com alguém do mesmo sexo, não tinha caráter imperativo para a engrenagem socializante. Vimos também que a homossexualidade feminina é muito pouco registrada. Alguns autores indicam que ela era mais comum em Esparta e entre as mulheres da ilha de Lebos (Licht, 1932) onde o modelo de expressão sexual era bissexual.

Na China antiga, e até bem recentemente, o estatuto da mulher determinava os preceitos nos quais a união entre ela e um homem eram dirigidos. Muito embora encontremos registros sobre belíssimos enlaces amorosos na literatura e ensinamentos de Confúcio sobre a valorização mútua entre o homem e a mulher, a mulher comum era vista como atração do azar, seres perigosos e traiçoeiros, sendo consideradas inferiores e servis. Seus filhos não eram vistos como sendo delas, e os próprios maridos poderiam vendê-las. Eram praticamente tratadas como escravas. Ela, se fosse uma mulher comum, não receberia educação e o patriarcalismo era o modelo interativo predominante (Badell, 1997).

O casamento era arranjado, até mesmo antes da criança ser nascida, entre as famílias interessadas. A filhas de famílias pobres eram vendidas para famílias ricas. Os homens poderiam ter vários concumbinos e/ou várias cocumbinas, geralmente adolescentes, após a primeira esposa, mas o adultério era inaceitável. O divórcio podia ser reclamado, sobretudo pelo marido, quando a esposa fosse preguiçosa, fofoqueira, invejosa, ladra, desrespeitosa para com sogros e sogras, incapaz de cuidar dos filhos, e se fosse considerada vulgar e adúltera (Xu & Whyte, 1990)

Nesse contexto, a prática sexual entre homens era regida pela simples motivação do prazer sexual. Bastava que fosse consensual. Esse envolvimento era temporário e não havia regra que envolvesse o papel social ligado a essa prática (Maspero, 1965). Boa parte da referência clássica sobre envolvimento sexual e afetivo entre homens e mulheres na China antiga vem da literatura. Essa é uma limitação quanto a análise histórica desse fenômeno. O resgate histórico sobre esse tema ainda é restrito e algumas fontes são anônimas devido o sistema opressivo na China Populista. Assim, nossa pesquisa histórica é carente de maior aprofundamento antropológico.

Os mais recentes debates sobre esse tema articulam-se aos da análise da cultura da "homossexualidade" entre os povos de Taiwan e da China. Segundo Hinsch (2005), existem dados sobre comportamento eróticos entre homens da dinastia Qing na pequena vila de Fujian. Há indícios de que a prática não era sofisticada como em Pequim, na China, onde havia casas de chá e uma espécie de subcultura homoerótica entre atores. Em Pequim eles poderiam se travestir e ter envolvimentos sexuais com outros homens (sobretudo seus patrões). Há também referências de que na dinastia de Han havia uma certa predileção do imperador a certos servos, mas esses envolvimentos com "prediletos" também poderiam ser encontradas entre homens de baixo status. Igualmente existem dados que indicam a existência de comportamentos sexuais entre monges e seus discípulos (entre Daoístas). Como a posição da mulher era bastante excluída, quase não existe referência à prática sexual entre mulheres, mas alguns autores arriscam afirmar que existia (Hinsch, 2005). Com o confucionismo e o budismo, o exercício sexual passou a ser considerado como um fator de desequilíbrio espiritual e, assim, passam a ser enquadrados as práticas sexuais entre homens e entre mulheres.

Já entre os hindus, na antiga Índia, a união entre um homem e uma mulher era deliberado pelo pai, sendo a filha um objeto de contrato. Além dessa união ser determinada pela organização social de castas, o casamento era, desde a infância da menina, prometido pelo patriarca ou as colocava sobre disposição dos sacerdotes. A menina era (e é) ensinada, desde cedo, ser obediente à figura masculina. A situação da mulher determinava o sentido da ligação com o homem - ela é um objeto de obediência absoluta que pode até ser usada como recompensa de guerra e artigo de saque. O casamento pautava-se, assim, em um contrato social donde a principal cláusula seria a impossibilidade da independência da mulher. Nesse contexto, uma vez unidos, somente a morte poderia romper esse enlace e mesmo assim, se fosse o marido o primeiro a morrer, a viúva passaria a ser propriedade dos filhos. Em alguns casos, ela deveria ser queimada viva com o marido morto. Somente com a dominação islâmica é que esse estatuto vai sofrer algumas modificações.

O tema do envolvimento afetivo e sexual entre homens na Índia antiga sempre foi pouco explorado na literatura ocidental acadêmica, mas existem referências sobre essas práticas na literatura e nas artes plásticas (Vanita e Kidwai, 2000). Por eles há indícios de intercurso sexual e troca de papel social (masculino para feminino e feminino para masculino). Existe também referência aos homens que não exercem sua masculinidade e são legitimados como um tipo particular de ator social que exerce papel feminino, podendo até serem castrados. Mas isso não era um ato punitivo, era, ao contrário, legitimador: a tolerância era maior nesse caso.

Segundo os autores, a prática afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo não era considerada inferior ou vegonhosa. Mas esses dados são controversos, porque também existem algumas obras que indicam que algumas práticas são condenáveis na vida presente como, por exemplo, um homem penetrar o ânus ou a boca de outro homem (ou mulher), ou a prática sexual entre mulheres. Todas essas categorias passíveis de punição associavam-se ao princípio da castidade, como é pregado nas leis hindus antigas e em sua religiosidade mítica (Pattanaik, 2002). Esse controle advinha, provavelmente, do fato de que a instituição familiar tem um peso importante na concepção da prática sexual, mas isso não impedia necessariamente que o envolvimento afetivo e sexual entre homens acontecessem - tanto que existiam práticas de natureza homoerótica que eram condenáveis. Aos poucos, no avançar da história elas vão sendo mais e mais estigmatizadas e passíveis de controle punitivo, sobretudo com a influência islâmica.

Nas civilizações árabes islâmicas antigas partia-se do princípio que o homem era a "alma gêmea" da mulher, fazendo parte da mesma essência. Nesse sentido, a idéia de que a mulher era traiçoeira, impura, desgraçante, não era defendida entre os povos do islam. Desde sempre, a mulher é considerada igual ao homem perante Deus e têm os mesmos direitos (Cf. Alcorão Sagrado 2:228). Sendo assim, interdições como do adultério aplicam-se a ambos (Cf. Alcorão Sagrado 2:24). A união por via do casamento pautava-se no sentimento de amor, e visava o bem estar do casal e a procriação. Pressupõe-se uma vida compartilhada, respeituosa e afetuosa, com um zelo mútuo. No Alcorão ensina-se que as esposas são figura principal: "Elas são vossas vestimentas e vós o sois delas." (Alcorão Sagrado 2:187).

Caso os preceitos do casamento não fossem encontrados, conforme predestinava-se, tanto a mulher quanto o homem poderiam pedir o divórcio, mas esse seria o recurso derradeiro, pois o casamento era sagrado e não era considerado temporário. Esse processo é amistoso como reza o Alcorão, pois ensina-se: "O divórcio revogável só poderá ser efetuado duas vezes. Depois, tereis de conservá-las convosco dignamente ou separar-vos com benevolência. Está-vos vedado tirar-lhes algo de tudo quanto lhes haveis dotado" (Alcorão Sagrado 2:229)

O homoerotismo foi moderadamente exposto e discretamente vivido entre os povos árabes. Isso pode ser explicado porque a homossociabilidade era a regra (homens estabeleciam mais contatos entre homens, enquanto mulheres estabeleciam com mulheres. Havia inclusive separação de espaços sociais nesse sentido). Práticas homoafetivas e homoeróticas ocorriam em vários lugares públicos (por exemplo, em saunas, cafés, tavernas, acampamentos militares). Há referências também que a prática do sexo anal foi difundida nos povos da Ásia pelos árabes. A pederastia clássica também era exercida e a intimidade amigável entre homens era considerada natural e indício de lealdade. Basicamente, mesmo após o florecimento do islamismo, o homoerotismo era tolerável, uma vez que não existia condenação direta em relação a essas práticas, e isso é bastante divulgado na literatura sobre o mundo árabe antigo (Colligan, 2003). O excesso era o fator maior para a categorização do pecado. Entretanto, a sociedade islamista trata de tornar esse modo de expressão afetivo-sexual condenável, assim como entre os cristãos.

Com o advento do cristianismo, os romanos e seus povos conquistados passam a se interessar mais e mais pelos ensinamentos que defendiam a abominação de práticas pagãs, politeísmo, exacerbação de práticas sexuais e ostentação. A castidade, a pobreza e a noção do pecado passariam a reger o pensamento ocidental sobretudo a partir da ascenção do Imperador Constantino (323 a.C). Assim, como o cristinanismo propaga, o ideal ascético e o amor carnal são condenados.

O casamento passa a ser associado à noção ritualizada, devendo ser o mais simples possível. Deveria haver consentimento entre os noivos, a noiva deveria ser virgem, e não poderia haver intercurso sexual prazeroso, sendo a procriação o fim maior . O coito deveria acontecer à noite e nunca se deveria orar ou comungar após sua consumação no mesmo dia. O adultério era condenado e envolveria até o marido casado que "amasse" sua esposa com exagero. Esse sentimento deveria ser comedido. A questão da beleza física não era mais exaltada, o sexo tornara-se um ato pecaminoso e a castidade tornara-se um valor supremo. O amor deveria ser acima de tudo altruísta e voltado para Deus, ou seja, puro (não associado ao sexo e ao prazer carnal) (Murstein, 1974).

No entato, a posição da mulher continua sendo inferior, muito embora propague-se uma filosofia igualitária. Muitas passagens da Bíblia, mais especificamente do novo testamento, indicam que a mulher não partilha exatamente dos fundamentos dessa filosofia: A mulher aprende em silêncio, com toda a sujeição. Não permite, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Pois primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado mas a mulher, sendo enganada caiu em transgressão (I Timóteo 2:11-14).

Como vimos, com o advento do cristianismo, todas as práticas contrárias à castidade e valorativas dos comportamentos pagãos passam a ser condenáveis. Não seria surpresa que a prática sexual e afetiva entre homens fosse tratada diferentemente. Tais práticas são associadas aos modos de vida dos povos politeístas e, pela doutrina Cristã, deveriam ser também condenadas. Dados históricos indicam que a partir do ano 342 d.C, os imperadores criaram leis intolerantes a qualquer prática homoerótica. Aqueles que mantivessem práticas "sodomitas" deveriam ser perseguidos e mortos na fogueira. Um exemplo claro do nível da intolerância está na idéia que esse envolvimento sexual e afetivo era comparável à cópula com animais.

Ao analisarmos as passagens Bíblicas, verificamos que tais práticas deveriam ser extintas porque eram completamente contrárias aos desígnios do Senhor. As passagens que condenam o homoerotismo são Romanos 1: 26-27, Coríntios 6:9-10 e Timóteo 1: 26-27. A passagem menos ambígua sobre a condenação ao homoerotismo é dada em Romanos onde, ao falar do pecado da idolatria (como referiam os Hebreus citados anteriormente), Paulo cita que impurezas e degradada paixão toma conta dos homens - entre elas a relação sexual entre homens.

É nesse complexo sistema de códigos e condutas que, na Idade Média, sobretudo na civilização Ocidental, a noção de amor nas interações afetivas vai se consubstanciando. No entanto, somente na modernidade essa noção será associada à noção de interioridade. Até lá, ver-se-á que a instituição religiosa também vai operar na forma como as interações devem ocorrer.

 

Idade Média

Durante o feudalismo, no contexto europeu cristão, o fenômeno das interações afetivas "amorosas" entre um homem e uma mulher estava atrelado às relações de poder entre as famílias. Elas voltavam-se, via de regra, para formação de famílias. A igreja defendia que as uniões matrimoniais fossem negociadas e, algumas vezes, sem haver a concordância dos noivos. O amor cortês, como reação de oposição, defendia a idéia de que a união matrimonial não deveria pautar-se nessa negociação. Pelo contrário, deveria valorizar um enlace, como sentimento individualizado. Para celebrar o sentimento de amor, os trovadores compunham trovas sobre tal sentimento e como suas vidas mudariam se fosse recíproco para com uma determinada dama. Essas trovas dão início a uma literatura de ficção cujo foco narrativo está no indivíduo, cuja história associa-se à dimensão de um eu apaixonado e, portanto, de um protótipo de individualidade. Da mesma forma, aos poucos faz surgir um novo modelo de indivíduo, o urbano.

De fato, com a vida da corte, fez-se necessária a construção de condutas citadinas e, sobretudo a necessidade de autocontrole. A igreja continuava a exercer poder sobre o casamento e defendia o argumento de que o adultério era o critério maior para estabelecer um fim do enlace, não permitindo um novo casamento, após tal desfecho. Os clérigos mais radicais, entretanto, apoiavam a indissolubilidade do casamento por qualquer motivo. Neste contexto, as prostitutas não sofreriam forte objeção da Igreja, pois assim seria possível manter a sacralidade do lar. Sem elas, haveria sodomia e a virtude feminina da esposa decairia. Daí o aparecimento da idéia da dupla moral, que será uma característica marcante dos casamentos dos sistemas patriarcais modernos - muito embora possamos perceber essa dupla moral, por exemplo, em algumas sociedades antigas (Murstein, 1974).

São raros os registros sobre a questão do homoerotismo na Idade Média. Alguns autores referem que os gregos continuaram a exercer a prática da pederastia e que práticas homoeróticas também ocorriam no Império Bizantino (Eglinton, 1964 ; Bullough, 1976). O termo usado para designar a prática homoerótica na Idade Média era a sodomia e foi fomentado pelos primeiros cristãos. Tudo indica que esse conceito apareceu entre os cristãos latinos por volta de 1175, na Península Ibérica, com a invasão otomana. Os árabes-otomanos tinham um modo de homossociablidade (restrição do espaço social para homens que segregava mulheres, andar de mãos dadas, o beijo na face, etc.) que poderiam ter sido conotados como comportamentos aberrantes pelo olhar dos cristãos.

No contexto dos árabes antigos, o intercurso sexual não tinha necessariamente a conotação de envolvimento afetivo. Era muito mais relacionado a atos de dominação e subjeção do outro (quem é penetrado é o desonrado), de forma que não há comprometimento da masculinidade de quem penetra. No entanto, a expressão afetiva deve ser casta e resguardada. Entre o povo árabe antigo e medieval a pederastia também era uma expressão comum (entre um homem com barba e um jovem sem barba). Admirar a beleza de um jovem não era pecado. Pecado era manifestar o desejo homoerótico. A condenação severa (podendo ser a morte) voltava-se para o específico ato da penetração e não diretamente ao desejo (El-Rouayheb, 2005). Ademais, o povo cristão provavelmente interpretava tais manifestações como pecados inerentes aquele povo, como mecanismo de estereotipia e discriminação.

Entre os cristãos, a procriação configurava-se como o fim maior da união entre um homem e uma mulher visando, também, um controle da mulher sobre seus impulsos "desenfreados". Igualmente, visando marginalizar o envolvimento sexual-afetivo entre pessoas do mesmo sexo - designados peccatum contra naturam (pecado contra a natureza). Assim, caracterizava-se como demoníaco. Aliás, qualquer manifestação sexual para além do ato de procriação era assim considerado. Clérigos e teólogos incluem o homoerotismo na lista das heresias e atos demoníacos passíveis de morte, como determinava a Inquisição (Boswell, 1980)

No entanto, sabe-se por registros históricos e da literatura, que em certos mosteiros os monges tinham intercurso sexual com jovens iniciantes e até saíam para o deserto à procura de garotos para saciar seus desejos sexuais (Ranke-Heinemann,1991). A despeito dessas práticas escondidas, os cristãos da Idade Média condenaram fortemente a sodomia. Com a invasão dos Bárbaros, uma atenção menor foi dada a esse tema. O Papa Gregório proclama o esforço para converter os germânicos e celtas, criando uma lista de pecados e normas que os padres deveriam orientar em relação às condutas sexuais. Mais uma vez a prática homoerótica entre mulheres nem chega a ser tocada a não ser após a dissolução do Império Carolíngio, que incita ódio contra as mulheres que praticam esses atos ditos demoníacos. Também é no império de Carlos Magno que as penas contra sodomia são reforçadas e incluem punição também aos monges.

Com o Papa Gregório VII, o celibato é instaurado e com ele a perseguição aos islamitas, ortodoxos, judeus, heréticos e sodomitas. O código canônico e outros concílios foram criados para lapidar a perseguição aos que praticavam heresia, o que também aprimorou os requintes de crueldade dos castigos praticados pela Igreja em relação a essa questão. Apesar disso, através da literatura vemos que existem vastas referências ao desejo homoerótico: a beleza de jovens rapazes é enaltecida e o amor leal entre cavaleiros faz paralelo ao amor cortês e, mais tarde, ao amor romântico em relação à figura da mulher (Curtius, 1953)

O comportamento social nas sociedades européias da Idade Média era regido pelas normas da igreja que monopolizava toda forma de saber e interferia no poder real (da nação-Estado). Dessa forma a prática homoerótica é cada vez mais condenável e se torna um exercício velado, até mesmo um protótipo de uma subcultura. Em outras palavras, essas práticas ocorriam (havia até denúncias delas entre nobres, incluindo reis) mas deveriam ser extremamente escondidas (Goodich, 1979). No entanto, uma forma de literatura cladestina surge para abrir canal comunicacional acerca do desejo homoerótico, indicando o caráter encoberto do exercício sexual entre pessoas do mesmo sexo. Daí surgem as raízes da marginalização decorrente da cultura sexual dominante - o que antes era um tabu, determinado pela Igreja, aos poucos vai se tornando uma prática social que necessita de controle repressivo (Rocke, 1987, Pavan, 1960) e estabelece uma regra de comportamento mais refinado entre as pessoas que tinham desejo (e exerciam-no) para com pessoas do mesmo sexo, a saber, a hipocrisia e dissimulação (Canosa, 1991).

O envolvimento entre pessoas do mesmo sexo passa a ser, gradativamente, ato qualificado como subversivo e, assim, passível de controle repressivo severo, seja pela Igreja Católica Romana (que mais tarde, na Itália, instaura os policiais para vigiar as práticas homoeróticas), seja pela Igreja Católica Ortodoxa. Na vida cotidiana dos indivíduos dessa época, ela poderia ser exercida de forma clandestina, seja do vassalo ao membro da corte.

Enquanto o exercício homoafetivo e erótico permanece no obscurantismo, o amor romântico começa a se estabelecer. A ideologia sexual dominante no Ocidente configura-se pelo modelo monogâmico, heterossexual e patriarcal. A mulher-esposa é tida como ente sacralizado, voltada para a procriação, para o cuidado dos bens do marido, e para ajudar no trabalho do sustento da família (no âmbito rural) enquanto ao marido cabiam a proteção e a participação social pública (incluindo o uso dos prazeres fora de casa). Na corte, o papel do homem e da mulher distinguia-se pelas funções do espaço microssocial palaciano. O homoerotismo perpassava esses espaços igualmente pela via da dissimulação.

Com o advento da urbanização, a nova concepção de família (que inclui o conceito de criança, antes considerada um adulto em miniatura), a reformulação do espaço da casa e o aprimoramento da medicina, os comportamentos e hábitos, sobretudo sexuais, passam a ser controlados com medidas de higiene. Nesse ponto, encontramo-nos na modernidade.

 

Modernidade

A característica marcante desse momento é o controle médico sobre a vida das pessoas. A medicina interferiu não só na determinação acerca do que seria normal e patológico, mas na arquitetura das casas, no preparo dos alimentos, na prática sexual, na educação dos filhos e, sobretudo, no policiamento desses hábitos (Costa, 1983). Contrária à ideologia sexual dominante, a sodomia (a prática homoerótica ainda é designada como fenômeno da sodomia) era enquadrada como um comportamento libertino, desregulado que merecia o mesmo tratamento dos deficientes físicos e mentais, prostitutas, ladrões e outros marginalizados. Essa reorganização social fomentaria o amor romântico. Os elementos-chave do amor romântico ligavam-se ao discurso de um amor idealizado, que pôde se utilizar a mesma tecnologia de cuidado de si frente à contenção emocional - o de interiorização e singularização. Esses pontos refletem o ideal romântico do amor sustentado pela figura do cavaleiro.

Em linhas gerais, o discurso amoroso do final do século XIX articulava-se ao desejo de uma relação afetivo-amorosa, na qual se encontravam a fidelidade exclusiva e constantes provas de sustentabilidade do sentimento amoroso (Costa, 1998). A essência do sujeito do amor romântico estaria no seu desejo indefinidamente constante, pelo fato de, agora, compreender que os sujeitos estão em constante mudança. Neste sentido, cada pessoa determina o que é bom para si, favorecendo a uma construção de uma ética individual e apontando para a necessidade de leis, que regulem as éticas individuais dos sujeitos. Daí, a noção de interesse individual passa a ser chave na constituição subjetiva do homem moderno (Monzani, 1996). Considera-se que o amor romântico seja viável, no instante em que aponta dois caminhos para esta relação: a transformação da paixão em amor e a manutenção dos amantes, em nome de uma eterna paixão.

Do enlace entre homens e mulheres motivado pelo bem querer e pelas determinações sociais, até a interação entre pessoas do mesmo sexo motivada pela admiração e lealdade durante a Antiguidade e a Idade Média, começam a surgir alguns elementos constituidores do ideário do amor romântico na Modernidade: enquanto que na Idade Média, o ideal de 'amor' entre os casais estava fundado no amor cortês, que era um amor platônico (nem sempre) entre amantes, na Modernidade o ideal de amor passa a ser um projeto narrativo na constituição do que vai se entender como amor romântico (Capelão, 2000).

Esse novo ideal contribuiu para a construção subjetiva dos indivíduos dos séculos XVIII a XIX (e em alguns aspectos, do indivíduo dos séculos XX e XXI). Tal ideal enfatizava a fidelidade e o compromisso amoroso ante a constituição de uma família segundo o modelo burguês. Essa idéia de amor deveria sustentar o casamento, legitimando o sentido da procriação. A 'família' deve ser concebida pela a união de parceiros de sexos opostos, pelo princípio da monogamia e motivada pelo ensejo de uma união vitalícia. Deve também haver um reconhecimento e a aceitação da autoridade do pai e do marido, por parte da figura da mulher, cujas funções seriam 'resumidas', segundo a ideologia dominante, aos papéis de mãe e de esposa. Se por um lado esse ideal sustentava o modelo de família sacralizado pela virtude romântica; por outro, também sustentava, de forma velada, a liberdade social e sexual do marido, incluindo o prazer sexual fora do casamento.

Todos esses elementos são consoantes à idéia propagada, em vários povos, em diferentes períodos históricos, de que a mulher possui uma sensualidade desenfreada. Portanto, reforçavam a representação de que seria necessário dominá-la. Igualmente concordavam com a determinação que o casamento configurava-se um desfecho legitimador dessa hierarquia (homem dominador versus mulher dominada). Por isso que o adultério cometido pelo marido era considerado um problema, mas infinitamente inferior, se comparado ao adultério da esposa (Badinter, 1986).

Para Giddens (1993), o amor romântico introduziu, na vida dos indivíduos, uma forma de pensar sobre si através de narrativas de vida, associadas à construção de uma biografia sempre em relação a um outro em vista do enlace amoroso. Com esta postura, o amor romântico abriu espaço para que as pessoas buscassem um sentido para suas identidades à luz da idealização do outro, como elemento significador de si, visto que existia a busca da validação de si no outro. Por exemplo, as pessoas começavam a expressar o sentimento de um senso de pertencimento, a idéia de busca de um amor eterno e de completude. É naquilo que se volta para o outro que uma noção de eu demarca-se enquanto elemento subjetivo.

Nesse contexto, criaram-se contornos mais definidos sobre o amor romântico pela via da institucionalização do casamento. O amor, entretanto, também foi associado às noções de maternidade e de machismo patriarcal. Enquanto na pré-modernidade o galanteio e a sedução eram a tônica para o enlace dos amantes - como no amor cortês, na modernidade tardia, o amor foi associado aos ícones do indivíduo moderno: de acordo com a moral burguesa, o correto e mais esperado seria a mulher assumir o posto de mãe, encarregando-se da proteção e da educação da 'criança'. Ao homem reforça-se a representação ideológica daquele que garante a sobrevivência da família, além de ser o único detentor do direito de tomar posição na esfera pública e, sobretudo, do direito de exercer sua sexualidade (de preferência fora do espaço familiar) como uma forma instuída de ajustamento social (Costa, 1983, 1998; Giddens, 1993). Paradoxalmente, a mulher prostituída também tinha seu papel nesse contexto, muito embora fosse excluída do projeto da família burguesa.

No século XIX, uma série de transformações sociais e culturais modificou o palco e as condutas dos atores sociais ante suas idéias e vivências de amor. Até a Segunda Grande Guerra, a ideologia sexual dominante pautava-se em um modelo de relação afetivo-amoroso monogâmico e vitalício, balizado nos preceitos éticos de fidelidade conjugal da mulher e no idealismo da liberdade, do compromisso e companheirismo, do modelo sacralizado da maternidade e da esposa pura e dedicada. Com o advento da primeira e segunda guerras, as mulheres assumiram atividades realizadas somente por homens em vários setores de produção, mas também na situação de guerra.

Por exemplo, na França, muitas mulheres engajaram-se não só na resistência, mas também na desobediência civil, enviando jornais, abrigando crianças judias, trocavam mensagens, entre outras atividades consideradas tão perigosas quanto estar em uma frente de batalha (Morin-Rotureau, 2002). Tanto na Inglaterra, como no Canadá e outros países regidos pelo Império Britânico, houve uma participação massiva de mulheres no esforço de guerra em campo de batalha. Elas ensinavam inglês para os soldados de outros países que lutavam com as forças aliadas (por exemplo, a pilotos provenientes de país em que língua materna não era o inglês), acolhiam as crianças evacuadas das grandes cidades, trabalhavam na indústria bélica, colhiam donativos e materiais para reciclagem, além de várias outras atividades antes exercidas somente pelos homens. Após a entrada dos Estados Unidos na guerra, as mulheres americanas também começaram a fazer parte desse contingente. Em vários outros países, as mulheres participaram ativamente. A partir daí iniciou-se um questionamento sobre a inserção da mulher no espaço social público, fomentado pelos movimentos feministas.

As mulheres passaram a reivindicar direitos semelhantes aos homens no âmbito profissional. Passaram exigir maior participação no mercado e, conseqüentemente, maior independência financeira. Todo este contexto desembocou em um processo de independência social que as fizeram assumir outra dinâmica social perante a figura do homem. Os maridos diminuíram a posição exclusiva de provedor. Da mesma forma, a independência financeira das mulheres terminou por ser "aceita" socialmente, favorecendo maiores possibilidades de ascensão social, além de romper, parcialmente, com a ideologia sexual dominante, mesmo que ainda haja clara diferença entre homens e mulheres em variados campos da sociedade.

Tais eventos sociais serão ponto de partida para um conjunto de mudanças que atingem não só o âmbito sócio-político, mas também o âmbito cultural das relações de gênero em suas variadas dimensões. Por exemplo, segundo Badinter (1986), mulheres solteiras atingem posições muitas vezes melhores que as dos homens solteiros. O ideário de amor romântico, nesse contexto também vai adequar-se às concepções da sociedade contemporânea. No contexto da modernidade o indivíduo não é mais definido exclusivamente pelo seu papel social, mas pela sua individualidade. Ele passa a considerar que seus atos, pensamentos, vontades e desejos decorrem de sua interioridade e essa interioridade o faz singular. Dessa forma, a sociedade precisa de regras para civilizar a manifestação dessa interioridade, via de regra motivada por fatores nada sociáveis. O indivíduo moderno considerava-se, era mais regido pelos impulsos, paixões, ganâncias, egoísmo e toda sorte de "pecados" e doenças do espírito (na qual inclui a dimensão da sexualidade).

Um exemplo dessa nova dinâmica social é que o '/ homossexualismo' é definido como desvio da personalidade para sustentar o ideal burguês de masculinidade. Se antes era visto como vício - ou melhor, inversão sexual; a prática homoafetiva e erótica passa a ser patológica. Como em outras épocas históricas, continua sendo vista como algo que não se deve nomear, nem se expor publicamente. No entanto, a justificativa moderna para essa postura passa a ser evitar os efeitos da marginalização médica e social - como na verdade já havia se tornado uma forma de repressão recorrente desde a Idade Média, sendo que não havia uma dimensão médica, ou seja, uma justificativa científica e "higienizadora" sobre uma prática interativa. Em síntese, desde tempos antigos, o sujeito que desenvolve afeto e possui desejo erótico por outro do mesmo sexo não se enquadra no perfil adequado ao fim maior das interações humanas: a conjugalidade (e reprodução). Na Modernidade, ele não se enquadra como "normal", pois sua identidade sexual não é compatível com a prática social amorosa definida pela monogamia, heterossexualidade e patriarcalismo (Costa,1992) - portanto é anormal e o que é anormal é patológico. Assim, deve ser recolhido, tratado ou, simplesmente, excluído (seja pela morte física, seja pela morte social).

É por volta de 1870 que a Medicina cria dispositivos sobre a sexualidade a fim de estabelecer modelos de análise e controle urbano a partir das práticas íntimas dos indivíduos. Dentre esses dispositivos está o "homossexualismo". Esse termo vai surgir no contexto vitoriano, fomentado pelo cristianismo, e remete a uma categoria médica e representação pejorativa. É definido como um problema de ordem psiquiátrica, sustentado por uma tese de degeneração que sugere uma vigorosa necessidade de controle médico-social. A Medicina, com seu compromisso higiênico, criou espaços de segregação daqueles que não seguiam a norma esperada. Esses espaços foram os hospitais. O intuito não era o tratamento, mas a clara segregação dos indivíduos e, indiretamente, o uso do saber médico como instituição de controle repressivo das condutas. Mais tarde é que a dimensão do tratamento é lançada mão.

Os efeitos estigmatizastes dessa conjuntura fomentam uma idéia (inclusive entre pessoas que amam outras do mesmo sexo) de que a homossexualidade deve ser manifestada em espaços de expressão do desejo à margem da conjuntura macrossocial (talvez como uma continuação das práticas de dissimulação que datam da Idade Média) - obviamente que os mecanismos repressores do Estado reforçam esse ciclo: o Estado reprime e abre lacunas no espaço social que permite tal expressão, e indivíduos buscam espaços à margem para expressar seu desejo por sofrerem a repressão (na mesma lógica do campo da prostituição). Assim o Estado justifica o caráter marginal da prática homoafetiva e erótica e a necessidade de controle repressivo.

Essa periferia microssocial é marginal. Como tal, segue um modelo próprio de linguagem e de regras de conduta, organiza-se por personificações e práticas distinguíveis - é o que alguns autores chamam de sub-cultura homossexual. Dentro da própria sub-cultura vão existir relações de poder (dominador/ativo sexual versus dominado/passivo sexual), categorias individuais (por exemplo, afeminados, másculos, travestis), assim como micro-categorias individuais definidas pela especificidade do desejo sexual, geralmente associada a algum fetiche (por exemplo, fetiche por militares, por vestimentas de couro, por sexo grupal, voyeurismo, e uma ampla gama de possibilidades do desejo), códigos de linguagem (incluindo vestimentas), representações sociais e mecanismos estigmatizadores internos.

Como ilustração, Tamagne (2000) oferece-nos uma clara leitura sobre o ambiente europeu dessa "sub-cultura homossexual" no período entre guerras. A década de vinte foi marcada pelo culto à homossexualidade. Era chique ser homossexual, tanto que as manifestações artísticas e literárias da época floresciam com temáticas ligadas ao homoerotismo masculino e feminino, criando-se também uma singularidade estética. Mais tarde, alguns dos elementos desta singularidade (por exemplo, casacos de pele de camelo, maquiagem, o estilo andrógino e excêntrico) servirão de prova acerca da conduta homossexual do indivíduo pelas instituições de controle social.

A Alemanha (precisamente em Berlim) é o primeiro país a ter uma cena homossexual aberta e politizada, pelo menos para o meio elitista e intelectual. Havia jornais, bares, clubes abertamente destinados a esse público. No entanto, havia também perseguição e punições determinadas por lei, cujo movimento homossexual da época reivindicou a extinção. Enquanto na Alemanha a "sub-cultura homossexual" era mais comunitária e politicamente de esquerda, nos grandes centros urbanos da Inglaterra era mais aristocrática e ligada aos meios acadêmicos e artísticos. Passível de prisão, os homens e mulheres britânicos que exerciam seu desejo homoerótico, reuniam-se em clubes literários ou outros espaços culturais, mas seus comportamentos eram muito mais dissimulados. A prática do uso dos serviços de prostituição era mais intensa, sobretudo entre militares (inclusive de militares que se prostituíam). Na Alemanha, o ramo da prostituição foi aumentado pelas fileiras de desempregados, sobretudo no final dessa década.

Na França, não havia essa perseguição. Desde a Revolução Francesa, o código penal de 1791 já não reconhecia crimes de sodomia. No entanto, restringia-se aos grandes centros urbanos, e aos meios elitizados. A prática homoerótica entre homens e mulheres era mais da ordem do individual, ou seja, não era nem tipicamente comunitária como na Alemanha, nem circunscrita ao meio acadêmico como na Inglaterra. Nos três contextos, é valido salientar, era evidente que as práticas repressivas ocorriam, assim como de estigmatização, sobretudo no meio rural.

Nos anos trinta, tal florescimento é esmagado. A Alemanha nacional-socialista reprime fortemente o movimento homossexual em voga e enquadra esses indivíduos como inimigos cruciais ao projeto da nova sociedade alemã, correlatos aos judeus. O discurso do alto comando militar determinava não só a deportação dos que manifestavam comportamentos homoeróticos (e a morte dos oficiais que exerciam), mas também incitava a prática afetiva-sexual dos adolescentes a partir dos quinze e dezesseis anos com puras moças arianas para estimular e garantir o projeto eugênico, afastando o "germe da homossexualidade"(Pretzel e Rossbach, 2000; Hoffschildt, 1999).

Na Inglaterra e na França, como a "sub-cultura homossexual" era mais individualista, o status quo foi mantido, até que, pelo menos na França, com a ocupação e o estabelecimento do Regime Vichy, é sumariamente condenado. Até então, percebe-se uma grande procura do público homoerótico por Paris, tendo-se em vista o contexto menos repressivo do que em Londres e Berlim. Enquanto isso, na Espanha, o crime de sodomia tinha sido abolido em 1822, mas com no período entre guerras, coincidindo com a Guerra Civil e a ditadura franquista, os "violetas", como eram designados as pessoas com desejo homoerótico, foram fortemente reprimidos. Em Portugal, na mesma época, reinaram intolerância e perseguições aos 'homossexuais', como importante regra do governo salazarino, que eram enviados para as Mitras - instituições reeducadoras de caráter repressivo e punitivo (Bastos, 1997). Repressão semelhante ocorria na Itália, sobretudo na ditadura de Mussolini.

A crise da década de trinta e a guerra favorecem o aumento da prostituição, mas também incrementam o movimento feminista que encontra na figura da 'lésbica' um plano de discussão sobre a igualdade dos gêneros, mas por outro lado, uma ameaça aos valores tradicionais - a mulher queria ter mais oportunidades, mas não queria ser associada à prática homoerótica feminina. Depois da II Guerra Mundial, a ideologia sexual dominante continua sendo a mesma do projeto da modernidade, a 'sub-cultura homossexual' reencontra pouco a pouco seus nichos de expressão afetiva e erótica, e a repressão continua até mais ou menos a década de 70. No entanto, o movimento feminista sai muito mais fortalecido, sobretudo porque a mulher, enquanto esforço de guerra (por exemplo, participando das atividades industriais, sendo bombeiros e enfermeiras voluntárias, etc), mostrou para sociedade o real sentido de suas reivindicações (Morin-Routerau, 2002).

Nos Estados Unidos, após a II Guerra, a paranóia maior do povo americano e seus dirigentes era em relação ao comunismo e, portanto, para todo tipo de comportamento e manifestação anti-americana. Entre as manifestações estava o 'homossexualismo', considerado um desequilíbrio emocional importante, passível de comprometer a segurança nacional (Edsall, 2003). Em vários estados do país, o 'homossexualismo' ou 'sodomia' era considerado crime passível de prisão, castração e até tratamento com eletro choque e lobotomia (especialmente no Estado da Califórnia) (Carter, 2004). Até 1973, 'homossexualismo' ainda é considerado uma nosologia psiquiátrica - um distúrbio de personalidade sociopata. Enquanto isso, as interações afetivas e amorosas entre pessoas do sexo oposto, seja nas Américas, na Europa e na maioria dos povos em vários outros continentes seguem o o padrão do casamento como fim maior dessas interações: heterossexualidade monogâmica e, de forma mais ou menos forte, patriarcal.

É nesse contexto também que, adicionado ao movimento de luta pelos direitos dos afro-americanos, ao movimento de contra-cultura da década de sessenta (incluindo o movimento feminista), conjuntamente as manifestações contra a guerra do Vietnam, vai eclodir a intolerância à repressão policial em Greenwich Village, Nova Iorque, por várias semanas. A conseqüência psicossocial desses movimentos e conflitos foi não somente a revisão do modelo de sub-cultura, mas da própria ideologia sexual dominante na contemporaneidade.

Se antes o desejo e expressão homoeróticos deveriam ser exercidos no âmbito da marginalização, seguir um modelo estereotipado baseado em tipologias caricaturadas. Por exemplo, entre as mulheres, o esterótipo da masculinização dos comportamentos. Já entre os homens, preconizava-se ora o estereótipo flanboyant (efeminado), ora o estilo masculinizado-musculoso. Tal estilo era, inclusive, exposto nas revistas de ficção erótica da época conhecido como estilo pulp fiction. Em síntese, esses estereótipos tinham como fundo a dicotomia do ativo-passivo sexual (Bronski, 2003).

No entanto, após a eclosão dos movimentos de conquista pela igualdade de direitos, abre-se espaço para outras formas de sub-cultura (como aquelas baseadas em fetiches), mas também a novas estilos sociabilidade e de relacionamento amoroso, seja qual for sua forma de expressão.

 

Amor romântico na contemporaneidade

Embora não seja possível circunscrever completamente a compreensão da contemporaneidade em um conceito, é possível apresentar um conjunto de processos e condições que a produz tendo-se como fundo idéia de modernidade. Enquanto que as condições intelectuais, sociais e políticas que criaram o mundo moderno estavam alicerçadas no saber como fundamento do poder, na diversidade de contratos sociais e jurídicos, na ênfase na vida privada, no individualismo, no cristianismo e no nacionalismo; na chamada 'contemporaneidade' a tecnologia da informação e comunicação passam a ser o centro desse debate, influenciando as relações entre capital e trabalho, a experiência do espaco e tempo, fragmentando e descentrando identidades, enfatizando a diversidade e o iconocentrismo (Fridman, 2000; Harvey, 2000).

Na contemporaneidade, entende-se que o homem não é condiderado como a peça mais importante da força de trabalho (podendo até ser dispensável), o conhecimento é ampliado constantemente (não é uma verdade transcendental), e visa retroalimentar o aprimoramento técnico - o que aumenta a polarização da desigualdade social e econômica, porque nem todo mundo tem acesso a essa produção intelectual e técnica.

Entende-se que se produzem relações interpessoais efêmeras (mas também, mais diversas em termos da expressão da sexualidade) e descartáveis, as relações geracionais são redimensionadas pelas possibilidades de novos modelos reprodutivos e de constituição familiar , sempre na em torno de infinita possibilidades de escolha em um processo mutante. Todos esses elementos perpassam pelo homem e não dão tempo para que haja uma elaboração ante a superflexibilização dessas escolhas, gerando pessoas impulsivas-compulsivas, ansiosas, deprimidas e necessitadas de analgesia, pela incerteza do que virá em seguida. Em síntese, o mundo moderno, idealizado como linear e contínuo, daria lugar ao mundo contemporâneo, descentralizado, plural, processual, aberto, mutante e, portanto, descontínuo.

Apesar do ideário amoroso ainda ser regido pela perspectiva de encontrar alguém com que se possa desenvolver um laço afetivo intenso, que permita a expressão da sexualidade, permeando-se pelo apoio recíproco para as conquistas individuais e conjugais (seja entre pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo); no contexto da contemporaneidade parece que a subjetivação do amor parece apontar para tendências cujos relacionamentos podem ser caracterizados como instáveis, frágeis e voláteis.

Frágil e instável ao pressupor que os projetos individuais só seriam preferencialmente viabilizados ante a existência efetiva de outro. Volátil, no instante em que a dimensão da sexualidade "individualizada" e "consumível" esbarra-se no projeto monogâmico difundido pela ideologia dominante. Neste sentido, a promessa ao amor romântico, sustentado historicamente, parece tentar mascarar para os indivíduos sua condição existencial de ser ambíguo, finito, responsável por si mesmo e, portanto, só (Costa, 1998).

O desdobramento de todas essas considerações referentes ao fenômeno social das relações afetivo-amorosas em nossa sociedade desemboca no que Giddens (1993) vai chamar de "sexualidade plástica": um estatuto descentralizado, isenta da necessidade reprodutiva, uso dos métodos contraceptivos e pelas tecnologias reprodutivas, expressão recíproca e autêntica do prazer sexual: o relacionamento puro (Giddens, 1993).

Neste tipo de relacionamento, os casais dariam mais importância à ação instrumental, enfatizando a necessidade de uma formação profissional, de um trabalho remunerado e de autonomia a longo prazo. O relacionamento amoroso passa a ser entendido e vivido como vínculo emocional íntimo demarcado, acima de tudo, pela satisfação pessoal mutuamente extraída. O que justifica a continuidade da relação é a obtenção de benefícios recíprocos. Nesse caso, a exclusividade sexual é importante e mantida apenas se for desejável na dinâmica dessa relação.

Em geral as idéias de Giddens indicam que os relacionamentos amorosos na contemporaneidade circunscrevem-se no anti-tradiocionalismo, no igualitarismo, na autonomização e na insegurança psicológica. A partir dessas idéias, Gross e Simons (2002) identificaram cinco hipóteses sobre as conseqüências psicológicas do modelo pós-tradicional que Giddens defende como, por exemplo, 1. Pessoas vivendo um relacionamento teoricamente dito 'puro' vivenciam altos níveis de autonomia; 2. Relatam forte satisfação e felicidade com seus parceiros; 3. Mais provavelmente apóiam um sistema de relacionamento mais igualitário; 4. Sofrem mais de ansiedade e 5. Desenvolvem mais vícios do que casais que vivem um modelo de amor dito 'romântico' (tradicional, sexista, dependente).

Eles decidiram verificar, empiricamente se, de fato, tais hipóteses eram verificadas em uma grande quantidade de sujeitos americanos com idade entre 14 e 75 anos, de ambos os sexos, heterossexuais. Eles se restringiram a essa categoria porque o significado de igualitarismo em casais do mesmo sexo é diferente dos casais heterossexuais: não existe modelo precedente de sexismo entre casais do mesmo sexo, muito embora possa existir uma relação de poder diferenciadora. Mas ela não é suficiente para definir uma exclusão de fator sexista. Por exemplo, em um casal do mesmo sexo não existe uma diferenciação social do que seja tarefa masculina ou tarefa feminina. Essa noção de papéis sócio-sexuais é muito mais difusa do que entre casais heterossexuais.

Seus resultados indicaram que a maioria das pessoas vivia um modelo de relacionamento considerado híbrido, ou seja, possuía características de um relacionamento puro e de um relacionamento romântico (tradicional, sexista). Eles verificaram que pessoas vivendo 'amor puro' indicavam mais forte sentimento de autonomia do que as pessoas classificadas como vivendo amor romântico e híbrido. Ademais, entre as pessoas que viviam 'amor puro', essa autonomia era maior quando os sujeitos eram do sexo masculino, jovens, católicos, empregados e casados (o que bem retrata o modelo bem sucedido do sistema capitalista contemporâneo). Esses mesmos relatavam mais felicidade e satisfação do que os que viviam um amor tipo "romântico" ou híbrido. A satisfação era maior entre homens brancos, mais velhos e casados, se comparados a homens negros, jovens e solteiros. Também viram que pessoas vivendo amor puro relatam maior sentimento de vivência de um relacionamento igualitário, sobretudo se o nível de educação é superior. O único ponto que não se associava à premissa teórica do amor puro defendida por Giddens estava relacionado à ansiedade e aos vícios. Eles não verificaram a presença desses aspectos hipótese. Apesar disso, viram que a ansiedade era mais elevada entre mulheres brancas jovens solteiras desempregadas com baixo nível de formação educacional. Verificaram também que o abuso de álcool e drogas era maior entre homens jovens solteiros. Como conclusão, a despeito de que o modelo de relacionamento contemporâneo gera maior ansiedade e engendra abusos de álcool e drogas, as idéias de Giddens parecem confirmar-se naquele grupo. Alguns aportes teóricos, apresentados a seguir, ilustram conteúdos explicativos desse fenômeno.

Começamos com a questão da autonomia e da conjugalidade. Esta nova forma de relacionar-se pauta-se em um compromisso que favoreça a individuação. Para tanto, necessita que o casal afirme e confirme a alteridade do outro, um ao outro. Com outras palavras, as relações devem apoiar ações como compartilhar idéias e decisões, respeitando o outro como indivíduo ímpar. Outro aspecto importante é na modalidade de relacionamento puro é que o prazer sexual mútuo passa a ser o elemento-chave da continuidade do laço amoroso.

O que parece reger as relações afetivo-amorosas na contemporaneidade é a possibilidade do casal permanecer junto enquanto se obtêm satisfações mútuas. Quando isso não for possível, é preferível vivenciar o mal-estar da solidão a viver ao lado das inconveniências geradas por estar com o parceiro do qual não mais se obtém e se oferece satisfações. Assim, parece mais provável encontrarmos pessoas que vivem relações amorosas com variados períodos de "solidariedades sucessivas" (Badinter, 1986, p. 292) entrecortados por períodos de solidão; como se vivessem várias vidas amorosas curtas numa só. Além disso, para Lasch (1987), o relacionamento interpessoal cotidiano, em alguns aspectos e momentos concretos da vida pessoal do sujeito, passa a ter um caráter provisório e mantido pela superfície de contato, em decorrência da ênfase na imagem e em impressões superficiais. O 'eu' em relação passa a ser tão superficial quanto a imagem também projetada, visto que está de acordo com o que se espera ver.

Ao nosso entender, o efeito psicológico dessa superficialização das relações é a objetificação do sujeito. Concordamos com Lipovetsky (1996), quando aponta que as relações interpessoais são associais e frágeis, pois se exige imediatismo e uma proximidade que não respeita a intimidade da vida privada. Provavelmente porque os modelos destas relações não reconhecem (ou não querem reconhecer) as regras, códigos e costumes, na busca de uma verdade pessoal. Tal contexto psicossocial favorece que as pessoas se tornem propensas a viver um tipo de relação superficial e virtual com os outros.

Dentre os elementos que podem compor esse contexto e suas conseqüências psicológicas estão o individualismo, o fenômeno do narcisismo intrínseco (como a personalização dos estados internos) e estilo de vida consumista, muito caracterizado pelos comportamentos impulsivo-compulsivos (decorrentes da tentativa de dar conta das infinitas possibilidades de escolha). O corpo, enquanto objeto de culto (e consumo), também se torna substância básica para a cultura narcísica da sociedade contemporânea (Wright, 1997; Atkins, 1998; Gontijo, 1998; Andersen, 1999). Os efeitos psicológicos e físicos desse culto são associados aos transtornos de ordem impulsiva e compulsiva independentemente do desejo sexual (Carlat, Camargo Jr. e Herzog, 1997; Andersen, 1999; Williamson, 1997). Tais compulsões estariam associadas, muitas vezes, à impossibilidade de se obter tudo o que se propaga como bem a ser consumido, incluindo o formato do corpo que se deseja seguir.

Gaines e Handerson (2004) verificaram que, a exemplo do que se aponta como modelo de relacionamento na contemporaneidade, em casais homossexuais a troca de afeto e respeito seria baseada em níveis recíprocos - recebe mais quem dá mais. Entre os casais participantes de uma pesquisa que realizaram, os autores viram que é mais provável que os casais de homens doem afeto esperando retorno do outro do que os casais de mulheres (como nos casais heterossexuais). Isso seria devido ao fato que, entre as mulheres, a dinâmica relacional é mais comunal do que a troca em níveis recíprocos, enquanto que a dinâmica relacional dos homens é mais baseada na maximização de satisfação pessoal mais material do que afetiva.

No entanto é preciso relativizar. Nem todo relacionamento baseia-se nessas premissas, mesmo sem seguir o modelo romântico tradicionalista. Assim como algum relacionamento entre pessoas do mesmo sexo pode seguir um modelo mais conservador e sexista (com diferenciação de 'papéis de gênero'), um relacionamento entre pessoas de sexos opostos pode seguir um modelo de relacionamento 'puro' - afinal, é essa pluralidade de possibilidades relacionais que caracteriza as relações amorosas na contemporaneidade.

O importante aqui é pontuar que, no percurso da contrução dos modelos afetivo e sexuais entre as pessoas, existem conjunturas de ordem psicossociais, incluindo mudanças sociais, ideológicas e culturais, que influenciam na forma de pensar e de se comportar em relação aos outros e a si mesmo.

Por exemplo, enquanto podemos pensar sobre um efeito disruptivo nos relacionamentos amorosos em função de tais mudanças sócio-político-culturais na contemporaneidade, também podemos pensar que tais mudanças favoreceram condições para um maior acesso de informações (e, portanto, uma maior visibilidade acerca das pessoas que se relacionam com parceiros ou parceiras do mesmo sexo, assim como o quão próximo são seus relacionamentos do modelo relacional entre pessoas do sexo oposto) e o desenvolvimento de sociedades mais tolerantes à diversidade sexual (e, portanto, uma maior democratização jurídica e social dessa diversidade).

Alguns estudos (Fères-Carneiro, 1997; Mackey, Diemer e O'Brien, 2003; Solomon, Rothblum e Balsam, 2005; Roisman, Clausell, Holland, Fortuna e Elieff, 2008; e Balsam, Beauchaine, Rothblum e Solomon, 2008) apontam que, em tal contexto, os relacionamentos amorosos entre pessoas do mesmo sexo ou sexo oposto fazem parte de um mesmo universo psicossocial, composto por modelos de conduta, de expectativas de papéis, de interação, e de percepção de si e do mundo confluentes. Os elementos que circunscrevem tais relacionamentos são muito semelhantes e as diferenças são muito mais demarcadas pelas idiossincrasias de cada pessoa do que por uma concepção do que seja próprio de um universo heterossexual ou homossexual.

Roisman, Clausell, Holland, Fortuna e Elieff (2008), por exemplo, fizeram um estudo comparando a qualidade do relacionamento e vários níveis de reatividade em interações, incluindo resposta fisiológica, de casais do mesmo sexo e de casais do sexo oposto. Eles não encontraram nenhuma diferença entre esses dois grupos de casais nem entre os níveis de satisfação, nem na forma como as pessoas reagem no processo interativo. As sensações, os sentimentos as formas de expressão do carinho e do cuidado são os mesmos. Já Balsam, Beauchaine, Rothblum e Solomon (2008) comparam a qualidade do relacionamento, os níveis de compatibilidade e intimidade, além dos níveis de conflito entre casais do mesmo sexo e casais heterossexuais unidos civilmente. Ao analisar dados no primeiro ano e no terceiro ano de união, eles também não encontraram nenhuma diferença entre esses dois grupos de casais.

Mas esses resultados devem ter sofrido também um viés: os sujeitos do mesmo sexo viviam em um contexto em que a união civil tinha sido autorizada há mais ou menos três anos. Como essa conquista social vem sendo fortemente reivindicada, é possível que esses casais estejam ainda sob o efeito dessa conquista. Mesmo assim, o estudo é válido em mostrar que tais conquistas da sociedade ocidental contemporânea vêm somar a legitimidade dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, em outro estudo verificaram que os casais heterossexuais sofriam maior impacto de ideologias sexistas do que os casais do mesmo sexo. Elas viram que, no que diz respeito à dinâmica da divisão de tarefas do casal, o fator salário era muito mais determinante nessa divisão entre os casais do sexo oposto do que entre os casais do mesmo sexo (Solomon, Rothblum e Balsam, 2005)

Mackey, Diemer e O'Brien (2003) também compararam a satisfação de casais do mesmo sexo e do sexo oposto, mas focalizaram em casais da meia-idade e terceira idade unidos há mais de 20 anos. Eles verificaram que, para ambos os grupos, atitudes como gerenciamento construtivo de conflitos e comunicação empática foram importantes elementos para a duração e satisfação desses relacionamentos. Fères-Carneiro (1997) verificou, entre casais brasileiros, que heterossexuais valorizam paixão, fidelidade, integridade e expressão de carinho. Entre casais do mesmo sexo, masculino e feminino, a autora verificou que estes valorizavam mais as trocas de carinhos, integridade e companheirismo.

Embora tenhamos apresentado um quadro, aparentemente, não tão positivo sobre os relacionamentos amorosos na contemporaneidade, seria ingênuo não apontar que alguns estudos e leituras sugerem que o contexto contemporâneo favorece também a formação de relacionamentos amorosos pautados pela satisfação, pela busca do engrandecimento pessoal e emocional dos parceiros e também voltados para a construção de uma unidade familiar por onde podem perpassar sentimentos de amor, confiança, aceitação, empatia e muitos outros valores voltados para o crescimento psicológico do sujeito (Costa, 1999; Singly e Chaland, 2001; Solomon, Rothblum e Balsam, 2005; Peplau e Fingerhut, 2007/ ; Roisman, Clausell, Holland, Fortuna e Elieff, 2008).

 

Considerações Finais

Nos relacionamentos afetivos e sexuais entre pessoas do sexo oposto no mundo ocidental e em algumas culturas orientais, desde de Antiguidade até a Modernidade tardia, a diferença de gênero como propulsor das relações de poder foi determinante das formas de interatividade possíveis. Antes que o amor se tornasse o tema das narrativas que constituiam o indivíduo moderno, a mulher era criada para casar, cuidar dos bens do marido (portanto, obedecer-lhe e ser-lhe servil no sentido da incondicional generosidade) e gerar descendentes ou ser sacralizada. Já no contexto da influência hebraica, ela era posta no extremo da periferia social, como prostituída (seguindo a lógica de obediência e de subserviência, mas no sentido de objeto sexual). O estatuto do homem, no entanto, perpassa esses momentos históricos (seguindo a lógica do ator social que detém o poder e que deve ser servido). Essas formas de ser eram, no entanto, pré-determinadas pelo seu local de moradia, pela posição que o ente ocupa na sociedade e pela sua função na coletividade.

Elementos constituintes da subjetividade moderna, a partir desses relacionamentos, trazem embutidos o registro da preparação da menina para a obediência generosa (passividade), conduta servil e maternal para que seja exercida na idade adulta, a partir do princípio que o fim socialmente esperado é o casamento. Daí a necessidade de se resguardar, exercer a tolerância e a doação de si. Já entre os meninos, são as idéias de sujeição do sexo oposto articulada ao preparo para o domínio na cena pública, por onde perpassam a agressividade, o senso de ser servido (atividade), a ganância e super valorização de si. Todos esses registros revelam aspectos da forma de viver e pensar o que é ser homem e o que é ser mulher em diferentes sítios sociais e em diversos momentos históricos da modernidade porque nesse período os entes pensam sobre si enquanto individualidade. Tais formas de viver e pensar não são mais predeterminadas pela dinâmica da coletividade, mas constituem-se a partir um movimento de reinvenção como pessoa - mesmo que pressionada por modelos de individualidade determinadas por um padrão social. No caso, em termos de modelo de relacionamento amoroso, o padrão descrito remete aquele da classe burguesa.

Enquanto que esse modelo desemboca em uma ideologia sexual que enfatiza o patriarcalismo, o sexismo e a monogamia heterossexual, institucionalizada pelo casamento, uma série de transformações e movimentos sociais, já no século XX, vão pôr em questão essa ideologia e criar condições para que novas formas de interações afetivas-amorosas e sexuais sejam expressas. Com o avanço tecnológico, novas composições familiares são possíveis, pois métodos contraceptivos e de reprodução assistida estão ao alcance; novas formas de interatividade também são possíveis (mas não estão ao alcance de todos); novas dinâmicas e modelos de consumo são viabilizados - com a autonomia financeira e a concorrência profissional, o consumo de bens que funcionam como sinalizadores de poder tornam-se o foco de reconhecimento da identidade do outro (é aquilo que se tem). No entanto, retroalimenta a ideologia meritócrática (tem aquilo que se merece; o que se tem é resultado do esforço pessoal). A conquista amorosa perpassa por essa exposição de bens.

Se por um lado, o individualismo e o consumo propiciam que homens e mulheres almejem posições mais igualitárias; por outro, acabou por fomentar o narcisismo exagerado, o consumo do corpo enquanto produto sexual descartável. Em uma outra perspectiva, se na modernidade as relações amorosas vagavam pela dicotomia mulher-generosa-passiva e homem-egoísta-ativo, na contemporaneidade tais relacionamentos são regidos pela satisfação mútua, companheirismo, respeito e trocas que não se baseiam em concessões. Em certa medida, tais características são as marcas do individualismo contemporâneo que também vão atingir os relacionamentos afetivo-amorosos e sexuais entre pessoas do mesmo sexo (até porque o movimento homossexual também contribuiu para a revisão de vários aspectos da ideologia sexual dominante do século XX).

No que diz respeito as interações afetivas entre pessoas do mesmo sexo, em diferentes civilizações da Antiguidade, o envolvimento sexual (traduzido pelo homoerotismo) e afetivo entre essas pessoas era focalizado como fenômeno à parte da prática social dos indivíduos, exceto quando se referia aos cultos míticos. No entanto, essas práticas eram dirigidas por códigos mais ou menos explícitos que determinavam como deveriam ser efetivadas. Na civilização hebraica, no entanto, o homoerotismo é mais diretamente focalizado (muito embora fosse mais um mecanismo de proteção da coesão social do que um mecanismo punitivo-regulamentador das práticas sexuais dos indivíduos, como vai surgir na modernidade). Com o cristianismo, o sentido regulador configura-se como assertiva social e moral dos povos. Esse sentido torna-se bem mais forte e cáustico na Idade Média.

Uma leitura dos elementos globais para a construção subjetiva de sujeitos que se relacionam afetiva-sexualmente com pessoas do mesmo sexo perpassa por diferentes dimensões. Pela dimensão representacional da religião, persiste a idéia de uma lacuna no âmbito espiritual que não permite frear as tentações sexuais. Essa dimensão algumas vezes confunde-se com representações ético-morais, definindo os relacionamentos homoafetivo e homoeróticos como faltantes de valores, respeito e caráter. O discurso religioso sobre a homossexualidade, sobretudo a partir da difusão do cristianismo, enfatizou essa tônica "amoral" e "demoníaca" do afeto e do amor entre pessoas do mesmo sexo.

Com o advento da modernidade e, com ela, da Medicina e outros saberes normativos afins, a idéia de que a homoafetividade e homoerotismo constituem-se enquanto uma distinção de modelo de sexualidade e como um resultado de vetores inatos (sobre a influência da dimensão biológica) e sócio-interativos (sobre a influência da sociedade) fomentam justificativas que interferem na forma como as pessoas se vêem, como vêem os outros e como operacionalizam seu desejo afetivo e sexual.

Por exemplo, se por um lado esses indivíduos e casais são excluídos e socialmente representados como amorais e/ou entregues ao pecado e/ou traumatizados e/ou doentes entre tantos outros desqualificantes; por outro lado, essas pessoas se munem de estratégias para lidar com tais representações e garantir um estado de resiliência que garantam um mínimo de estrutura psicológica e social para que exerçam sua forma de amar e de viver sua sexualidade. Eles podem responder com uma resistência contrária, como sugeriu Foucault ao fenômeno de super exposição com fins de afrontamento ou de exposição de uma tomada de posição social.

Alguns aspectos do nosso ensaio merecem certa circonspecção e outros estudos mais específicos em diferentes culturas contemporâneas. Além dos resultados de pesquisa apresentados tenham sido baseados em amostras de participantes norte-americanos e europeus, entendemos que tais estudos não são unânimes sobre as características dos relacionamentos amorosos na contemporaneidade, exceto naquilo que parecem indicar como um conjunto de condições psicossociais que favorecem uma maior multiplicidade expressão da sexualidade. Nesse contexto, a satisfação ou insatisfação amorosa nos relacionamentos ou a viabilidade ou inviabilidade do enlace amoroso na contemporaneidade, tendo como ponto de referência o modelo afetivo-sexual, não parece nem determinante, nem passível de uma compreensão única. No entanto, a revisão da literatura, aqui apresentada, permite-nos vislumbrar o fenômeno do relacionamento amoroso com um olhar plural, considerando-os, em sua multiplicidade, como processos construtivos, descontínuos e historicamente mutlifacetados.

Os modelos afetivos e amorosos em outros continentes, a partir desse olhar, é possivelmente mais diverso ainda daqueles descritos nos estudos empíricos revisados aqui, porque a própria revisão da história indica que múltiplos modos de subjetivação foram constituídos entres os povos. Assim, esses dados não podem ser generalizados, tendo-se em vista que é impossível abarcar a prática concreta dos indivíduos. Nesse sentido, mais o que descrever aspectos culturais e psicossociais gerais, leituras e estudos futuros devem focalizar as idiossincrasias do fenômeno amoroso, as ideologias que o perpassam e suas práticas singulares.

 

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Recebido em 12 de fevereiro de 2010
Aceito em 03 de março de 2010
Revisado em 06 de abril de 2010

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