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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.10 no.3 Fortaleza set. 2010

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

A sedução divina no neopentecostalismo: um estudo psicanalítico

 

 

Gustavo Adolfo Ramos Mello NetoI; Mauricio Cardoso da Silva JuniorII

IPsicólogo, pós-doutorado em Psicanálise na Université de Paris VII. Professor da Universidade Estadual de Maringá. End.: R. Professor Ney Marques, 21, Jardim Universitário. Maringá-PR. CEP: 87020-300. E-mail: garmneto@gmail.com
IIPsicólogo, mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá. End.: travessa Urupês, 183. Vila Santo Antônio. Maringá-PR. CEP: 87030-350. E-mail: mauricio_cs@hotmail.com

 

 


RESUMO

O presente trabalho se propõe a lançar um olhar psicanalítico sobre o movimento religioso denominado neopentecostal. Esta corrente nasce dentro do protestantismo e propõe uma série de inovações teológicas, tais como a Teologia da Prosperidade, a Teologia do Domínio e uma maior flexibilização de usos e costumes, apresentando uma nova forma de relação com o sagrado. A fim de compreender que mensagens circulam no par fiel-Deus dentro destas igrejas, que enigmas são lançados em direção ao fiel e que traduções este realiza da palavra divina, empreendeu-se uma pesquisa bibliográfica acerca dos temas religião, psicanálise e neopentecostalismo, cujo referencial encontrado compõe a base do estudo. A partir desta, analisa o neopentecostalismo em alguns pontos principais: em sua função terapêutica (curas, milagres ou restabelecimento do sujeito diante das dificuldades encontradas em sua vida), em sua formação de massa (os laços que unem os irmãos entre si e com o líder religioso), na função do dinheiro dentro dos templos (em seu papel de intermediação entre o fiel e Deus) e na relação do crente com Deus e o Diabo (sobretudo no estágio máximo de tais relações: o êxtase religioso e a possessão demoníaca). Conclui-se que o encontro com este Deus, revivescência do encontro adulto-criança, traz como marcas a exigência da passividade do fiel como condição para fornecer seu amor e proteção, reinstaurando a feminilidade originária da história do sujeito. Diante desta, o religioso, em seu trabalho de tradução das mensagens deste outro que lhe é superior, encontra no discurso neopentecostal um fechamento, possibilitando ao fiel reescrever sua própria história e salvaguardar-se do desamparo.

Palavras-chave: Neopentecostalismo. Psicanálise. Religião. Teoria da sedução generalizada. Cultura.


ABSTRACT

The aim of the present paper is to offer a psychoanalytical point of view about the religious movement entitled neo-Pentecostal. Such movement has been initiated inside the Protestantism and proposes a wide range of theological innovations, such as the Prosperity Theology, the Dominion Theology and a wide flexibility in customs and habits. It also presents a new kind of relationship with the Sacred. A bibliographical research on the themes religion, psychoanalysis and neo-Pentecostalism was carried out in order to comprehend which messages are passed on between the couple believer-God within these Churches; which enigmas are offered to the believer and which comprehension can be achieved of the divine word. Based on the references found, we analyse Neo-Pentecostalism from a few main matters: its therapeutic function (cures, miracles, or the subject reestablishment from the difficulties of life); its group formation (the bonds between believers and with their religious leader); the role money plays inside these temples (as an intermediation between the believer and God) and the relationship between the believer, God and the Devil (especially when these relationships achieve their highest level: the religious ecstasy and the Devil possession). We conclude that the encounter with God, a reliving of the meeting between adult and child, brings the demand for the believers' passivity as a condition to receive God's love and protection, reinstituting the original femininity of the subject's history. The religious person, in his or her effort to comprehend this superior other's messages, finds a conclusion in the neo-Pentecostal discourse, making it possible to the believers to rewrite their own history and keep themselves safe from helplessness.

Keywords: Neo-pentecostalism. Psychoanalysis. Religion. Theory of generalized seduction. Culture.


 

 

A sedução divina no neopentecostalismo: um estudo psicanalítico1

Introdução

O homem, ser auto-teorizante, como nos diz Laplanche (1992), está sempre à busca de elaborar uma espécie de "texto", de tradução da realidade; uma demanda de simbolização que eclode a partir das aberturas do encontro adulto-criança, a chamada Situação Antropológica Fundamental (Laplanche, 2003).

Tal encontro, a situação originária, não é marcado somente pelos cuidados auto-conservativos que o outro dispensa ao recém-chegado ao mundo, que lhe garantem a sobrevivência e nem apenas pelos afetos conscientes dirigidos pelo cuidador ao infante; o adulto, diz-nos Laplanche (1992), é sujeito ao inconsciente, cindido, e sua relação com a criança é atravessada por mensagens enigmáticas, inconscientes para ele mesmo. Tais mensagens, que invadem o pequeno ser em seu contato com o outro, forçam um trabalho de metabolização/tradução, a partir do qual se funda o consciente (o traduzido) e o inconsciente (o não-traduzido), bem como produz a "força-motriz" que impulsiona o homem a decifrar, a construir sua história.

Nessa busca, o homem pode deparar-se com as mensagens religiosas, seus mitos e dogmas. Estes poderiam ser vistos, pois, como traduções que intentam dar ordem ao não traduzido. Na revelação religiosa, o outro das origens é reeditado na figura de Deus, sedutor e enigmático, a partir do qual as mensagens religiosas promovem traduções que permitem um re-ordenamento da vida do fiel (Laplanche, 2001).

A diversidade de religiões pode ser pensada, segundo Benmasour (1998), enquanto diferentes tentativas de tradução, diferentes recursos mito-simbólicos oferecidos ao eu enquanto fechamentos à pulsão desligada. Desta forma, o surgimento de novas religiões ao longo da história funcionaria enquanto quebra de velhas traduções, reabrindo o enigma e propondo seu novo fechamento por meio de novas propostas de compreensão do mundo e de Deus, reformulando ou contrariando as existentes até então.

[...] quando o desamparo não deixa de ser apaziguado por certas representações religiosas, os homens experimentam, então, a necessidade de apelar para representações novas e mais tranqüilizadoras, mais satisfatórias. É assim que se explicam, segundo Freud, as transformações históricas do sentimento religioso e das representações que lhe correspondem (Benmasour, 1998, p. 35-36).

Como Freud (1927/1996g) afirmara, seus estudos acerca da religiosidade tomaram como objeto o universo religioso que lhe era familiar, isto é, as religiões ocidentais de sua época - o cristianismo e o judaísmo. Suas conclusões, portanto, estão diretamente relacionadas às crenças e práticas de tais movimentos. No entanto, desde então algumas transformações ocorreram no cenário religioso e dentro do próprio cristianismo.

Uma dessas mudanças ocorreu a partir de meados do século XX dentro do protestantismo norte-americano. De acordo com Mariano (1999), novas interpretações à Bíblia e relações com o sagrado foram lançadas, dando origem ao neopentecostalismo. No Brasil, este último está representado, sobretudo, pelas igrejas Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), Igreja Universal do Reino de Deus (1977), Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) e Igreja Renascer em Cristo (1986).

O impacto desta corrente no meio religioso e social é notável, arrebanhando um significativo número de fiéis2. Dentre as principais modificações que ela introduz no cristianismo, como afirma Mariano (1999), destacam-se a Teologia da Prosperidade (segundo a qual o fiel tem direito a gozar de uma vida abençoada, em todos os sentidos), a Teologia do Domínio (a qual pensa o Diabo como origem de todos os males, necessitando ser exterminado da Terra), assim como uma maior liberação de usos e costumes (rompendo com a imagem do evangélico que nega e se afasta das coisas mundanas), propondo-se em confronto aberto com outras religiões (sobretudo as de matriz afro) e buscando imersão na política e na mídia (principalmente televisiva).

Se o cenário religioso sofreu algumas alterações com o surgimento dessas novas igrejas, se elas rompem com a imagem do cristão de até então e se suas teologias trazem novas práticas e uma nova maneira de se colocar no mundo e diante do deus cristão, nos perguntamos, pois: que novas traduções do enigmático essa forma de religiosidade trouxe aos fiéis?

Desde Freud, mesmo antes, sabe-se que as construções culturais (entre elas a religião) constituem-se não somente pela racionalidade, mas também pela dimensão inconsciente, posto que o homem é um ser cindido. Por meio do método da redução psicanalítica uma gama de fenômenos podem ser nivelados, tomados todos no mesmo plano, postos em analogia podendo ser compreendidos enquanto manifestações do inconsciente. Desta forma, propomo-nos aqui a analisar a religiosidade neopentecostal como se fosse uma "tina", tal como Laplanche (1993, p.118) pensa a situação analítica, que se constitui a partir de algumas "regras que delimitam um campo destinado a fazer surgir um certo número de fenômenos". Essas regras (como a abstinência, a associação-livre, o tempo, o dinheiro e o divã) formam as "paredes" que compõem o setting analítico, que o autor denomina de "tina". É o espaço em cujo interior o inconsciente torna-se analisável. Por analogia, poderíamos pensar a igreja neopentecostal enquanto tina? Quais seriam suas paredes constitutivas? Que destino é dado ao pulsional dentro desse espaço?

Ao responder essas perguntas, pois, buscamos compreender o sistema religioso enquanto elaboração secundária, como um sistema tradutivo para conteúdos mais primitivos, latentes, inconscientes. Nesta nossa incursão no campo religioso, vale ressaltar, não tivemos a pretensão de lançar interrogações à fé do crente em tais religiões. Primeiro, porque não sustentamos uma espécie de iluminismo tardio, tal como Freud afirmara cerca do poder da ciência em suplantar a religião. Não se trata de questionar a fé, de desvendá-la, de lançar um juízo de valor, de impor a nossa verdade. Não é o objetivo da psicanálise, na medida em que tratamos de realidade psíquica, e não de realidade concreta. Trata-se, aqui, de tentar traduzir essa experiência para a linguagem psicanalítica, sem, com isso, retirar a verdade da religião - estatuto que lhe é dado pelo fiel.

 

A tina neopentecostal

As paredes do templo religioso demarcam um lugar diferenciado do comum. Este se caracteriza por ser um lugar sagrado, a casa de Deus, demarcação que se dá literalmente pelas paredes que contornam os templos, desenhando seu espaço físico e arquitetura, delimitando um lugar distinto de todos os outros - basta lançarmos nosso olhar para as construções religiosas ao redor do mundo, como catedrais, mesquitas, capelas, entre outras.

Se nas catedrais católicas - que impressionam pelas suas construções históricas e riqueza artística - e nos grandes templos protestantes tradicionais o sujeito contempla a grandiosidade divina e se depara com sua pequenez quando adentra a casa do Criador, pensamos que os templos neopentecostais trazem algo diverso. Nestes, também temos exemplos de catedrais majestosas, com aparência moderna e retoques luxuosos. Pelo seu design, trazem para uma linguagem mais moderna a grandiosidade divina, representada pelo sucesso financeiro. Segundo Almeida (2009), tais igrejas procuram se instalar principalmente nas vias principais das cidades, avenidas e lugares centrais, procurando, com isto, visibilidade e transmitir uma imagem de sucesso aos fiéis.

Porém, também podem ser encontradas "moradas" que tocam mais de perto a realidade material de seus seguidores ao se estabelecerem em locais igualmente humildes e carentes de rebuscamento, um tanto mistas ao meio urbano; fixam-se em lugares comuns, por exemplo, substituindo cinemas, teatros, bares e estabelecimentos comerciais.

Sobre o espaço físico da igreja, Almeida (2009) chama a atenção para o fato de que os neopentecostais introduziram uma nova concepção de igreja. O local não é, em si, sagrado: este só se torna santificado com a reunião de fiéis. Por isso é comum vermos, lembra-nos o autor, cultos acontecendo em praças públicas e estádios de futebol. Também podemos pensar, a partir deste apontamento, por que os neopentecostais abrem igrejas, sem constrangimentos, em locais que seriam considerados obscuros, ou antes usados para fins não tão "elevados", como bares e cinemas.

Resistentes ao discurso científico, avessas à intelectualidade e apegadas à palavra bíblica, como mostra Mariano (1999), tais igrejas se inserem no mundo e oferecem um espaço ao fiel de acolhimento, sem exigir um alto grau de formação cultural para admirar afrescos, esculturas barrocas ou músicas clássicas executadas por orquestras ou corais. Isso, unido à flexibilidade dos usos, costumes e indumentária, permite a entrada de todos nos templos, sem distinção ou constrangimento.

Próximas ao lugar-comum em suas paredes de concreto (ou sem paredes, no caso das pregações ao ar livre), dentro delas circulam regras muito próprias, com um modo próprio de funcionamento, que a separa daquele. É como se as paredes dos templos religiosos constituíssem uma atmosfera inexistente em outros espaços, instituindo um novo direcionamento pulsional, que só se torna possível pela existência de certas normas e regras específicas. É semelhante ao que Laplanche (1993, p.118) assinala acerca da situação analítica, a qual se constitui a partir de algumas "regras que delimitam um campo destinado a fazer surgir um certo número de fenômenos". A essas regras denomina de "paredes", que, reunidas, compõem o setting analítico, que o autor denomina de "tina": um espaço diferente do lugar-comum, no qual, em seu interior, o inconsciente torna-se analisável.

Nesta, o analista tem por coordenada principal o sexual, tangenciando o adaptativo, abstendo-se de dar conselhos, de ceder aos pedidos do paciente, enfim, de trabalhar a nível egóico, colocando-se no mesmo nível do inconsciente, da realidade psíquica, obtendo um espaço no qual o inconsciente e o sexual tornam-se, digamos, potencializados, analisáveis. Isso não significa que na situação analítica o adaptativo, o egóico, esteja excluído, descartado, mas ganha um destino diferente do lugar comum para que, neste espaço analítico, tenha origem um novo campo da vivência humana.

Ao tomar a religião enquanto tina, contudo, é preciso ter em mente que seu objeto não é o mesmo da psicanálise, embora na aparência (e talvez só em aparência) se aproximem em seus intentos3. A princípio, o discurso religioso exclui o sexual e se debruça sobre a autoconservação: oferecer conforto, amparo, proteção, esperança, sentido à vida, tal como Freud (1927/1996g) observa. A religião percorre o caminho inverso da tina analítica, na qual, de acordo com Laplanche (1993), o autoconservativo é deixado em um plano segundo, dando-se primazia ao sexual e ao inconsciente.

Porém, como afirma Laplanche (2001), apoiada sobre o adaptativo se encontra o sexual. Ora, o religioso, se é, pois, atravessado pelo inconsciente, diz respeito ao sexual e, mesmo, se há sublimações, não se pode esquecer das origens do que foi sublimado, do que foi desviado ou redirecionado em termos de seus fins. Essa origem é obviamente sexual e se denuncia naquilo que extravasa, isto é, no que foi pouco ou mal sublimado e aparece sob forma espetacular de êxtase e possessão demoníaca.

Esse redirecionamento pulsional, ou seja, o novo destino do sexual no interior da igreja se deve ao seu cerceamento por algumas "paredes", pelos contornos dados pela doutrina religiosa, por seus pilares teológicos. No movimento neopentecostal, uma das paredes fundamentais consiste no dinheiro, depositário de um valor que vai muito além do meramente monetário dentro desses templos.

 

O dinheiro: regra fundamental

Uma das características das igrejas neopentecostais mais conhecidas pelo público em geral é a importância dada ao dinheiro. Mais do que para fins conservativos (garantir a sobrevivência do grupo), o pagamento ao Senhor e à igreja, por meio de dízimos e ofertas espontâneas, cumpre uma função muito especial de mediação na relação estabelecida entre o fiel e Deus, constituindo um dos pilares de suas crenças.

Apoiados em uma ordem dada pelo próprio "Senhor dos Exércitos" (Malaquias, 3.10-12)4, os neopentecostais oferecem parte de seus ganhos a Deus porque este ato constitui, digamos, uma regra fundamental. O dinheiro sela um importante contrato entre as partes, na medida em que, estando em dia com o dízimo, o fiel adquire o direito de usufruir das promessas de Deus lançadas nesses versículos de Malaquias. Como afirma Soares (1998), a dívida humana para com Deus, adquirida nos jardins do Éden, já foi paga através da crucificação de Jesus Cristo; a partir de então, o sofrimento vivido na terra - grande castigo aplicado a Adão e Eva - não é mais necessário e, mesmo, contrário ao desejo de Deus. Os homens, assim, têm direito ao paraíso perdido, a uma vida bem-aventurada, desde que obedeçam aos mandamentos divinos. Esta é a idéia presente na Teologia da Prosperidade (Mariano, 1999).

O dízimo é onipresente nas religiões de matriz cristã5; o que o neopentecostalismo inova é a tradução que realiza da mensagem emitida por Deus e transcrita na Bíblia. Se, tradicionalmente, os fiéis cristãos rogavam e esperavam pela intervenção dos céus, os neopentecostais, ao pagar o tributo, exigem e cobram. Introduzem um cristianismo pintado com fortes tons capitalistas, baseando-se em um contrato mediado pelo dinheiro, tornando o fiel "sócio" de Deus e dando-lhe o direito de exigir sua parte.

Não importa que estejamos negociando com Deus. Não há ninguém melhor para se negociar. Ele é justo, bondoso e quer o melhor para nós. Ele não visa apenas lucros 'pessoais' e sempre cumpre a Sua Palavra. Pense bem o leitor se há alguém melhor com quem possamos 'negociar' (Soares, 1998, p. 82).

Entre o descompasso existente entre a divindade e o homem, tal como o desnível da situação originária, o dinheiro atua como tradução possível, uma metabolização encontrada pelo discurso religioso frente ao excesso do outro sedutor, demandante de significação, que serve de organizadora das mensagens circulantes entre os pólos desse par desigual.

Por um momento, o dinheiro parece assumir a função de chave para o enigma, desfazendo a disparidade existente entre o par, nivelando ou mesmo rebaixando Deus em seu posto (rebaixando ao sexual, pois o dinheiro tem também a natureza do sexual). Tradução que oblitera, momentaneamente, a invasão pelo excesso, por aquilo que não se pode controlar. No intento de "tomar as rédeas" de sua vida, sair da condição passiva e à mercê do desamparo (da doença, da morte, do desemprego, da pobreza) rumo a uma posição ativa (uma vida de acesso aos seus objetos de desejo, status social, autonomia ou simplesmente para sair de situações que lhes causam grande sofrimento), os neopentecostais buscam, sobretudo, sair da condição de objeto, tapar os "buracos" da posição feminina primária (André, 1996), na qual ficam entregues ao demônio do desligado, do caótico e do traumático.

Porém, essa tradução não é definitiva. Cumprir o projeto de Deus e os preceitos bíblicos à risca se trata de uma tarefa demasiado difícil aos pobres humanos. O desamparo volta a espreitar o fiel, o demônio ameaça destruir sua vida; retorna, então, à sua posição de "menos perfeito"6, dependente do outro, da vontade de Deus. Este é recolocado em sua posição superior, portador dos segredos para os enigmasg. Assim, "provar a Deus", manifestamente um desafio ao Pai, acaba por enaltecê-lo. Nesse sentido, o pagamento constitui uma forma de investimento libidinal, que mantém vivo o vínculo com a figura protetora - alimentando um circuito de troca.

A promessa da cura, da abastança é, muitas vezes, de concretização impossível, pela força da realidade. Embora pequenas (ou grandes) graças sejam concedidas por Deus aos fiéis, que testemunham nos cultos as bênçãos derramadas, os bancos de tais igrejas continuam repletos de pessoas em sofrimento ou em busca de algo melhor para suas vidas - ou seja, a prosperidade não chegou às mesmas. Há, nesse "Deus do impossível" - termo utilizado pelos próprios religiosos -, um deus perverso, como expõe Belo (2004). Isto porque este pai não é todo amor, como promete o cristianismo. Ligado a esta representação divina, o crente permanece expectante, nas mãos de um Deus que promete dar, que tem o poder de dar, mas não dá. Em nome do amor, há uma exigência de obediência e exclusividade, e desvios do "bom caminho" são capazes de transformar o amor de Deus em ódio, punindo ou abandonando sua criação e, mesmo, vingando-se, como em tantos exemplos do Velho Testamento. Tais pessoas ficam presas à promessa, à dependência; digamos que ficam presas à neurose. Permanecem, pois, eternos investidores - de capital financeiro e, sobretudo, de capital libidinal.

Além das contribuições financeiras, as igrejas neopentecostais (Mariano, 1999), introduziram em seus cultos a prática de "comercializar" objetos que funcionam como amuletos, representando a proteção divina de maneira concreta para o fiel. Uma espécie de retorno das indulgências, que traz, para o interior do protestantismo, aquilo que havia sido abolido por Lutero. As "indulgências" neopentecostais trazem, se não a salvação definitiva, um amparo para os passos do fiel, protegendo-o do Diabo no cotidiano.

Um amuleto pode ser pensado enquanto objeto transicional, como proposto por Winnicott (1975). O amuleto, mediador entre a criança e seu objeto de amor, auxilia-a na árdua tarefa de enfrentar o mundo. O fiel, tendo Deus presentificado, alivia-se pela proteção contra a má sorte e as desavenças, sendo consolado nos caminhos tortuosos do "vale da sombra e da morte" (Salmo, 23,4), do caos do não ligado. Amuleto que também pode ser encarado enquanto fetiche, carregando a função poder, sorte, prosperidade, defendendo o crente, de alguma forma, da posição feminina primária, da posição passiva frente ao excesso pulsional do adulto-cuidador dos primeiros tempos (André, 1996). Assim como o fiel defende-se do demoníaco, isto é, do que lhe escapa ao controle, da agressividade, da pulsão sexual de morte, o objeto fetiche viria a "tapar", mais do que a vagina ou a falta do pênis, o "buraco" da Situação Antropológica Fundamental (Laplanche, 2003), a situação passiva da criança ante as mensagens enigmáticas do outro adulto, situação esta ressuscitada por Deus em sua relação com a massa de crentes.

 

Psicologia da massa neopentecostal

Freud (1921/1996e), ao estudar os agrupamentos humanos, os fenômenos de massa, concluíra que o elemento que liga os homens uns aos outros, dando liga, coesão, unindo os sujeitos em torno de um ideal e formando um corpo só, é a libido. O investimento mútuo alinhava os membros do corpo social entre si, dando unidade à diversidade de sujeitos. Trata-se de uma ligação libidinal que, como propõe Mello Neto (1997), forma uma ligação em cruz: uma horizontal, ligando os irmãos, e outra vertical, ligando-os ao líder. A ligação dos "irmãos" na massa religiosa, representando um grande corpo materno, o qual, segundo o autor, teria a função de pára-angústia, ligando a pulsão na formação social.

Seria a libido homossexual, desinvestida de fins sexuais, pensa Freud (1921/1996e), a promotora da união entre os fiéis, nivelando-os e diluindo as diferenças, inclusive sexuais, que poderiam dissolver a unidade grupal. Como o autor pensara a religião enquanto neurose obsessiva universal (Freud, 1907/1996b), apoiado, sobretudo, na rigidez e ritualismo das religiões de sua época, poderíamos lançar a hipótese, utilizando esse modelo, de que a libido que circularia nos templos das igrejas mais tradicionais sofreria um re-ordenamento pelas mensagens presentes em suas teologias (as traduções feitas ante a mensagem divina), e seria re-orientada para um registro anal, que daria os tons das práticas religiosas dessas igrejas, bem como contribuindo para a coesão grupal.

Os neopentecostais, contudo, já o dissemos, promovem uma reformulação nas crenças cristãs tradicionais, propondo outro modo de se relacionar com Deus e o mundo. O neopentecostalismo parece apresentar uma dinâmica libidinal diversa em relação aos movimentos religiosos antecedentes. Este movimento se opõe às religiões "obsessivas", pois rompe com a velha imagem do cristão, marcado por proibições, cultos estereotipados e rigor em seu modo de estar no mundo. Não há rigidez de usos e costumes, não há exigência de vestimentas nem controle do comportamento dos fiéis e, como já esboçamos anteriormente, uma nova dinâmica se estabelece com Deus. Da mesma forma que o neopentecostalismo estabelece uma cisão com o cristianismo que o antecede, traz um rompimento com a neurose obsessiva de massa. A proposta neopentecostal parece oferecer algo diferenciado para os fiéis, uma nova economia pulsional, podemos pensar que ela propõe que se troque a neurose obsessiva por uma histeria.

Como vimos, o fiel dessas igrejas não se resigna com seu destino e exige uma sorte melhor. Lança-se em um enfrentamento de Deus, desafiando-o e cobrando sua dívida, para reconquistar o paraíso perdido. Parte do princípio, portanto, de que sofrera uma perda, algo lhe foi retirado, e que cabe ao Pai devolver o que lhe é de direito. Tomando esse discurso como se fosse uma queixa inicial, tal união dos seguidores em torno do sofrimento, da perda, nos faz lembrar uma queixa muito comum entre os histéricos: sempre há, em seu passado, uma perda, um luto, um sofrimento, afirma Ramos (2008). Caíram em "desgraça" por força do pai, o grande sedutor, que "abusou" da "indefesa" criança. Podemos pensar que esse pai da histérica - o sedutor, causador de sua neurose - assume a forma, no neopentecostalismo, do Diabo, grande responsável por qualquer tipo de desgraça que venha acometer o indivíduo. Assim, todo o sofrimento ganha significação: obra da sedução do outro demoníaco. Os fiéis, antes de se converterem ao Pai neopentecostal, se assemelham àquelas histéricas que adoeceram e têm seu presente comprometido pelo fato acontecido no passado: a ação do outro, excessivo, sobre sua inocência. Assim como as histéricas, os fiéis também denunciam/delatam a ação do outro demoníaco a um terceiro (uma ao psicanalista, outro ao pastor), e, cada um ao seu modo, trata de "expurgar o demônio" de sua vida.

O outro atua, em suas duas faces, divina e demoníaca - antitéticas e complementares -, como ponto de partida e de chegada, como origem e saída dos infortúnios. O religioso se dilui frente a esse outro, que guarda dentro de si todo o poder sobre sua vida; seu desejo se encontra alienado no desejo do outro. Sua sorte, seu destino, depende do resultado da batalha entre Deus e Diabo.

Essas idéias, tomadas como mensagem, que atua como coerção - na medida em que demanda um trabalho de metabolização - oferecem um amparo para a massa: o mundo ganha explicação, pois as adversidades são causadas por um agente externo (Diabo), e a salvação pode ser encontrada também no externo (Deus). E, frente a esse outro, os neopentecostais assumem uma postura de reivindicação, de cobrar algo que um está lhe devendo e/ou exterminar quem lhe retirou. Podemos, ainda, tomar o discurso neopentecostal enquanto um discurso semelhante ao histérico também por levar o não metabolizado, o inconsciente para a cena do corpo. É o que vemos na ênfase na cura "física", no êxtase e na possessão. Além disso, a relação do fiel com Deus e com a igreja parece se basear no ciclo insatisfação/satisfação. A "queixa inicial" dos crentes é a de descontentamento com sua situação, e a mensagem das igrejas deste segmento parece se aproveitar desta situação inicial para acirrar este sentimento, de que algo é devido ao fiel, de que ele pode mais, que não precisa se resignar com o modo como sua vida está organizada atualmente - ele merece todas as maravilhas que Deus pode oferecer aos seus filhos, um paraíso aqui e agora, com saúde, riqueza e sucesso pessoal. Uma felicidade inatingível que, por meio da promessa de completa satisfação, só pode trazer a insatisfação. Como trabalhamos anteriormente, cria-se um vínculo interminável, no qual o sujeito está preso à promessa, à insatisfação - e, enquanto permanecer insatisfeito, também permanecerá investindo em sua crença de satisfação.

Nos cultos neopentecostais há um constante oferecimento desta espécie de promessa de satisfação, aos seguidores, que venha a anular a invasão pelo outro demoníaco ou resgatar um tempo paradisíaco, perfeito, completo, em que o sujeito não foi cotejado com o excesso que se faz enigma. Ao invés de cultivar almas resignadas com a impossibilidade, a mensagem neopentecostal instiga a busca desse paradisíaco (através da prosperidade, do sucesso, do status, por exemplo). Muito dessa mensagem é oriunda do braço vertical do corpo religioso, da ligação estabelecida com o líder.

Como Freud (1921/1996e) afirmara, o líder religioso vem a ocupar o lugar de ideal de eu para a massa. Isso fica muito evidente nas igrejas neopentecostais na medida em que seus bispos e pastores incorporam e elevam ao máximo esse lugar que ocupam na dinâmica pulsional do grupo. Colocando-se como bem-sucedidos (aquele que saiu da massa ou das forças do Diabo e foi agraciado), todos os seguidores gostariam de ter o mesmo destino. Em seu posto identificatório, exibe uma imagem fálica, de um homem bem sucedido e impenetrável pelo demônio, e sua postura é a de exibir esse poder para os fiéis, instigando-os a também conquistarem-no. Mesmo que se envolvam em escândalos, permanecem aclamados pela massa, pois portam a aura do ideal do eu.

Essa dinâmica da massa neopentecostal traz, para seus membros, alguns fechamentos que os possibilita refazer suas vidas, desde o restabelecimento pessoal até o recebimento de curas e milagres. Tal tina exerce uma função de tratamento, possuindo uma terapêutica específica.

 

A terapêutica neopentecostal: a reinstauração da sedução originária

Uma das principais funções encarnadas pelas igrejas neopentecostais é a de se oferecer enquanto espaços de cura: crendo que o homem não necessita sofrer, pois sua dívida contraída no Éden já foi saldada. Nisso, dizendo seguir a ordem dada pelo próprio mestre Jesus - "Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demônios" (Mateus, 10,8) -, esses fieis se propõem a, segundo Macedo (2000), libertar os males da vida daqueles que buscam consolo em suas igrejas.

Deus deseja que Seus filhos gozem de perfeita saúde física tanto quanto de excelente vida espiritual [...] Para viver plenamente a vida abundante e receber, consequentemente, a cura de todas as enfermidades, um dos passos mais importantes é saber que o tempo dos milagres não passou. Nos tempos bíblicos, os doentes eram curados, os leprosos eram purificados, os paralíticos andavam e os cegos passavam a enxergar. Esses milagres continuam a acontecer atualmente, porque o nosso Deus é o mesmo e Ele jamais muda! (Macedo, 2000, p. 104).

O culto, assim, se aproxima da tina analítica quanto à sua função de tratamento. Em ambas as situações, buscam-se significados para a vida, alívio para o sofrimento, novas traduções para os enigmas. Porém, como destaca Belo (2004), enquanto a psicanálise trata de quebrar as traduções patológicas do sujeito, em um trabalho semelhante ao luto, para que ele mesmo construa seu próprio texto, na religião o texto já é dado pronto, por meio dos preceitos supostamente contidos na Bíblia. Sua terapêutica baseia-se no recalcamento, no cerceamento da pulsão e no oferecimento de recursos mito-simbólicos ao eu - por meio de narrativas bíblicas, por exemplo - que oferecem significantes, respostas ao sujeito, fechamentos à pulsão desligada (Laplanche, 2003).

Essa (re)escritura da vida do fiel só é possível porque, na tina neopentecostal, ocorre um encontro muito especial: aquele entre o fiel e Deus, que reinstaura a situação originária, reeditando o encontro criança-outro. Deus se mostra por enigmas, e coage o fiel a traduzir (Laplanche, 2001). Nesta passividade diante das mensagens do outro, há uma revivescência do que André (1996) denomina posição feminina primária, a situação passiva diante do outro, ou, ainda, o substrato histérico da gênese da constituição do sujeito ao qual Freud (1896/1996a) se refere. A exposição ao excesso mobiliza o recalcamento, a partir do qual se fundam elaborações possíveis. O pastor, nesse contexto, funciona como um tradutor da mensagem, um porta-voz da Lei, fornecendo elementos a serem escritos na história do fiel. Neste sentido, a histeria de massa, na tina neopentecostal, seria instaurada pela assunção desta posição passiva diante do Criador, a partir da qual se constroem as teologias e as práticas dessas igrejas.

[...] quanto mais ele [o fiel] se esvaziar de si mesmo e depender do Espírito Santo, mais compreensão obterá. Na verdade, toda vez que abrir a Bíblia, tem que se comportar como uma criança, quando se assenta no colo do pai, para ouvir-lhe os ensinamentos (Macedo, 2000, p. 16).

Como traduções dessa abertura promovida pela reedição da Situação Antropológica Fundamental, temos, no discurso neopentecostal, a postura de enfrentamento de Deus, a identificação com o pólo ativo, a exigência do reino dos céus e a "sede" de tomar posse das bênçãos; tudo isso funcionando, pois, como medidas protetoras contra a posição passiva frente às mensagens enigmáticas do outro, uma solução dada para o desamparo do fiel.

Porém, a ação terapêutica do neopentecostalismo não se restringe ao oferecimento de um novo sentido para a vida. Sua ação toca o chão da realidade, atravessa os corpos e propõem curas para os mais variados tipos de sofrimento físico e mental, inclusive de causa econômica. Através das palavras do pastor, da conduta cristã e da expulsão do demônio causador do mal, o milagre acontece. Algo opera psiquicamente, possibilitando que a graça seja alcançada.

Podemos pensar, à luz de Charcot (2003), por exemplo, que via na cura religiosa uma capa para fenômenos histéricos, que os templos neopentecostais são redutos modernos da velha histeria, no qual convulsões, conversões e ataques, tidos como sintomas histéricos (supostamente) extintos nos dias atuais (Ramos, 2008) encontrariam um palco privilegiado para sua manifestação.

Em um contexto histórico no qual vemos a medicina contemporânea anulando o sujeito e sua implicação no sintoma, recorrendo a explicações biologizantes e baseando os tratamentos pela via medicamentosa, restam incógnitas, casos incuráveis ou sem explicação para essa medicina8. Desacreditados pelos médicos, tais doentes, para os quais os fármacos não puderam trazer conforto ou significação, encontrarão seu palco, ou um espaço de elaboração, em algum templo neopentecostal, que oferecerá um acolhimento a esse sofrimento, estabelecendo uma organização - neurótica - para o desligado, não-traduzido. Desta forma, as bruxas e santas da Idade Média continuariam vivas - apenas travestidas com os trajes da modernidade.

A massa neopentecostal se forma, como vimos, buscando soluções para o desamparo da sedução originária. Autores como Oro (2001) e Almeida (2009) afirmam que essa busca é pessoal, de cunho íntimo, e o sentimento de coletividade, a ligação entre os irmãos, não seria muito forte no neopentecostalismo. Assim, a pulsão, não suficientemente sublimada na ligação social, investida no eu, transformaria a tina neopentecostal em caldeirão, dentro do qual efervescem possessões demoníacas e arrebatamentos extáticos - experiências de cunho tão íntimo, embora se legitimem socialmente, como expõe Lewis (1977), e tão comuns nesses espaços, enquanto destinos possíveis da pulsão.

Nesses momentos explosivos, nos quais o pulsional toma os corpos e faz efervescer a tina religiosa - o que nos remete à comparação realizada por Laplanche (1993), entre a tina analítica e uma usina nuclear - Deus e o Diabo assumem papéis fundamentais nessas igrejas, constituindo paredes da tina neopentecostal.

 

Êxtase religioso: mergulho no enigmático

O êxtase, segundo Nunes (2005) "ser fora de si", consiste na experiência de ruptura da distância existente entre homem e o sobrenatural, o estágio máximo de comunhão entre fiel e Deus. O senso de si, de realidade interna e externa é diluído, não havendo diferenciação entre eu e o outro. Cada religiosidade apresenta uma concepção própria do que consiste tal estado e das maneiras de se atingi-lo; no caso das religiões neopentecostais, podemos compreender que o êxtase se manifesta no fenômeno de "ser tocado" pelo Espírito Santo.

Este contato com a divindade, crença preservada do movimento protestante precedente (o pentecostalismo)9, consiste em uma atualização do fenômeno de Pentecostes descrito na Bíblia (Atos, 8,1), no qual o Espírito Santo "derramou-se" sobre os presentes. Este evento é significativo para os cristãos, pois se a lei de Deus antes fora escrita nas tábuas de Moisés, expõe Rivas (2001), a partir de então, com a descida do Espírito Santo, o dedo de Deus a inscreveu nos corações dos homens. Sem mediações, a graça divina poderia ser experimentada por todos os crentes. A glossolalia, dom de falar em línguas, passou a ser a manifestação deste encontro com o divino, uma comunicação íntima entre o fiel e seu deus.

Freud (1930/1996h) abordou o êxtase em sua correspondência com Romain Rolland, denominado de sentimento oceânico, que se caracterizaria como uma percepção de si enquanto ligado ao meio externo, não havendo um limite que separe o sujeito das coisas ao seu redor. Expõe, ainda, que o sentimento oceânico seria um mecanismo que defende o sujeito ante a percepção de aniquilamento e desproteção - uma defesa contra o desamparo. Tal sentimento seria uma revivescência da proteção vivenciada na infância, e o reencontro com o pai traria este conforto perdido para a vida atual. Como aponta em Moisés e o Monoteísmo (1939/1996i), o êxtase religioso seria o único meio de revivenciar a relação com o pai da infância novamente, atualizado na figura de Deus.

Para Laplanche (2001), o sentimento oceânico é eminentemente sexual; a percepção mística desta revivescência do encontro adulto-criança seria o mergulho no "oceano" do sexual não-traduzido, do enigmático. A partir desta colocação, Belo (2004) lança a hipótese de que as experiências extáticas parecem desfazer o recalcamento originário, estando eu e isso integrados, tal experiência sendo vivida de forma não angustiante.

Antes do recalcamento originário, podemos dizer que não há tradução, há apenas a imersão da criança no reino das sensações que atravessam seu corpo. São experiências intraduzíveis, mas que, quando se tenta colocá-las em palavras, lá está o sexual. O sentimento oceânico seria, de acordo com Laplanche (2001), a percepção do enigmático em si.

O enlevo proporcionado ao fiel nesta experiência-limite nos propõe alguns desafios teóricos. Como a percepção do enigmático e um estado anterior ao recalcamento originário poderiam ser vividos de forma não-angustiante pelo religioso?

Freud (1910/1996c) assinala que a relação mãe-filho é uma das formas de felicidade acessível aos homens. Podemos pensar que é nesse nível que se daria a vivência não-angustiante, através dos atos de amor que a mãe dirige ao filho, desde os cuidados autoconservativos - apaziguando sua fome, seu frio ou calor - e, apoiada nestes, a sexualidade que atravessa essa relação, em um nível anterior a qualquer codificação em forma de mensagem. O sinal que surge dessa relação tão íntima é a glossolalia, a fala em línguas estranhas e ininteligíveis. A língua do coração10, como os fiéis a denominam, pode ser pensada enquanto linguagem não ligada, linguagem não significada, intraduzível.

Por fim, podemos pensar que o êxtase revela uma outra face de Deus, uma face associal. Se Deus condensa as relações do sujeito com o outro, poderíamos entendê-lo como composto de dupla-camada: uma primitiva, acessível somente no êxtase (uma experiência pessoal, muito íntima, do fiel para com sua divindade, não podendo ser partilhada com os demais, e mal pode ser comunicada, pois faltariam palavras, portanto, não-partilhável com a comunidade religiosa) e outra secundária, organizadora desta relação originária, simbolizada pela figura de Deus-Pai. Esta seria social. A figura do pai no êxtase vem como elaboração secundária, encobrindo uma relação mais primitiva e entrando como lei para uma relação, digamos, perigosa, relação originária com o outro.

Podemos concluir, assim, que a fusão edípica está barrada pela cultura. Green (1994) considera que será somente pela figura paterna que o indivíduo entrará nas vias da cultura, por meio do corte que este promove no par mãe-criança. No entanto, somente bebendo das fontes de Jocasta é possível criar; no caso da religiosidade - em nosso caso, a neopentecostal - essa é a fonte da revelação. A religiosidade teria um movimento, sim, em direção ao recalcamento, isto é, as interdições/proibições/pecados, mas também realizando desejos, assim como o sintoma, e uma das formas se dá pelo êxtase. Temos, portanto, uma concomitância de defesa e realização de desejo.

 

O demoníaco: tradução para o desligado

Se as igrejas neopentecostais, por um lado, buscam a inspiração pelo Espírito Santo, por outro estreitam seus laços com o extremo oposto: o Diabo. Figura tão presente no imaginário medieval e um tanto menosprezado pelas religiões contemporâneas, tal como de certo modo aponta Freud (1923/1996f)11, sua presença é marcante nos templos neopentecostais, dando sinais de que continua vivo. Tais igrejas parecem resgatar o demônio do fundo das trevas, de onde parecia adormecido ou recluso, trazendo-o de volta à ativa, de forma que ele "possa" perseguir e realizar suas barbaridades no mundo dos pobres mortais.

Isto porque todos os tipos de males podem ter como causa a ação do "inimigo". Há até uma sintomatologia do demônio, proposta por Edir Macedo (2000), composta de dez sinais típicos: nervosismo, dores de cabeça, insônia, medo, desmaios, ataques, vícios, pensamentos suicidas, depressão, doenças incuráveis e alucinações visuais ou auditivas.

A grande maioria dos problemas pelos quais os homens passam tem origem na ação de Satanás, Ele é o responsável por tudo de ruim que acontece. Sem ele não haveria maldade na Terra. Deus criou o homem para ser feliz, justo e perfeito. Quando dá ouvidos a Satanás e não é fiel a Deus, fica sujeito a toda sorte de males e problemas (Soares, 1998, p. 124).

Porém, a influência do Diabo não se restringe à vida individual; de acordo com sua teologia, como afirma Mariano (1999), os demônios podem ser classificados em hereditários (responsáveis pelos males que afligem as famílias, vindos de gerações anteriores) e territoriais (demônios de uma nação inteira). De acordo com os neopentecostais, o Brasil não é um país de primeiro mundo devido aos seus desvios do caminho do Senhor, tais como a devoção a Nossa Senhora Aparecida e a grande presença dos cultos afros, tornando o país um território no qual o Diabo se sente em casa.

O Diabo, portanto, é uma representação para tudo o que obstaculiza o bem-estar, a felicidade, necessitando ser destruído. O que fazem os neopentecostais quando empreendem a guerra contra o Diabo é seguir a ordem e o exemplo dados pelo seu mestre, Jesus12. Imbuídos da tarefa de purificar o mundo, investem suas forças contra o "príncipe deste mundo", como é nomeado pelos religiosos (Mariano, 1999). Pela Teologia do Domínio, revertem o tradicional temor cristão do demônio em uma caça à sua influência no mundo dos homens, buscando exterminá-lo para que o reino de Deus advenha com plenitude. A perseguição ao demoníaco, proposta pelos neopentecostais, o traz, a todo o momento, à tona, de tal forma que, como afirma Almeida (2009), a possessão se torna fenômeno mais importante que o êxtase pelo Espírito Santo no culto neopentecostal.

O demoníaco representa o grande inimigo dos neopentecostais, contra o qual lançam mão de todas as armas para destruí-lo, amarrá-lo (termo utilizado pelos religiosos). As desgraças, as desventuras, os sofrimentos do mundo ganham sentido, explicação: são obras do Mal. O Diabo surge, neste contexto, como representação possível para o que é desconhecido ou não-metabolizável, representação para a pulsão desligada, pulsão sexual de morte projetada no externo, nomeada e passível de esforços em dominá-la, em "amarrá-la", em realizar um recalcamento perfeito, bem-sucedido, sem restos, destinando ao demoníaco a reclusão no inferno, calando-o nas profundezas infernais do inconsciente (Belo, 2004). Aliás, referir o que é do reino do demônio à pulsão não ligada é algo bastante fácil de fazer; o próprio Freud (1920/1996d) já o fizera quando vira na compulsão de repetição ou, mesmo, na pulsão de morte, um caráter demoníaco.

Podemos pensar que os demônios hereditários, que fornecem uma explicação às doenças e transtornos passados de geração em geração, podem dar um amparo explicativo tanto às moléstias transmitidas pelo código genético, muitas vezes incompreensível para a grande massa, quanto para as neuroses familiares, constituindo um mito individual do neurótico que outorga ao sobrenatural, à ação de outro maléfico a fonte geradora dos romances familiares.

Já os demônios territoriais são caçados, enfrentados, precisam ser derrotados em nome de Jesus para que a prosperidade recaia sobre o país. Em seu furor curandis, promovem, sobretudo a Universal, como destaca Mariano (1999), um ataque aberto às demais religiões, sobretudo às de orientação afro. Apesar da maior inserção e abertura em relação ao mundo, preservam o antiecumenismo característico do universo protestante; o laço de amor que une as pessoas em Cristo forçosamente faz com que, como afirma Freud (1921/1996e), quem não compartilhe deste mesmo laço, não seja um "irmão", e o ódio, que não pode se manifestar no interior desta massa - a perigo de promover sua dissolução - se volta para todos aqueles que não congregam deste mesmo ideal.

As entidades religiosas afro passam a representar o Diabo, em um mecanismo de transformação de deuses em demônios que Freud (1923/1996f) já observara. Nos templos de algumas igrejas deste segmento desfilam as entidades da Umbanda e do Candomblé, que são citadas, evocadas, provocadas a se manifestarem e amarradas pelos pastores em seus rituais de exorcismo e descarrego. Nota Mariano (1999) que essa atuação, ao invés de negar a existência de tais divindades, acaba legitimando o poder das mesmas, porém, transformando-as em seu negativo, em demoníaco.

Podemos pensar que tal perseguição se trata de uma guerra alimentada por aquilo que Freud (1930/1996h) denominara de narcisismo das pequenas diferenças: pensemos nos traços em comum, naquilo que aproxima as duas religiosidades: público "marginal" (de modo geral formado por uma parcela da população mais carente em recursos financeiros), ênfase no sobrenatural, nos aspectos mágicos, em uma espiritualidade que invade o cotidiano. Em um nível, poderíamos pensar em uma disputa pelo mesmo "nicho" do mercado religioso; em outro, no estranhamento que esse outro suscita, exatamente por se encontrarem muito próximos.

Nesse processo de incorporação das entidades afro (incorporação à teologia e incorporação literal, na possessão dos fiéis), o Demônio passa a ser identificado; segundo Almeida (2009), o mal ganha um nome e, desta forma, o fiel acaba por dar um sentido ao seu sofrimento - fruto do contato com religiões "demoníacas" ou de "trabalho" feito dentro destas religiões para atingi-lo, o que é facilitado pelo imaginário social que ronda sobre tais religiões.

Se há uma legitimação das entidades afro dentro do sistema neopentecostal, podemos pensar que isso se deve a elas prestarem bons serviços neste espaço. Esses últimos devem dizer respeito ao fato dessas entidades funcionarem, dentro do culto neopentecostal, como bons receptáculos do mal, isto é, do lado infernal da pulsão, seu lado não ligado e polimórfico, dando uma representação (acessível à realidade de seus fiéis) ao pulsional desligado. Também podemos pensar em sua função de bem representar o pecado sexual como, por exemplo, a pombagira: dominá-la, exorcizá-la pode significar um trabalho de represamento, de cerceamento da sexualidade. Assim, são comuns os exorcismos, os cultos destinados ao descarrego, a livrar as pessoas do mau-olhado, de trabalhos feitos em terreiros de umbanda.

Na guerra entre céus e inferno, entre os quais se situa o mundo humano (como um campo de batalhas), o fiel se alia a Deus, formando uma espécie de exército, lutando cotidianamente para que o seu reino finque estacas na terra. Um dos palcos deste conflito é o momento do culto, como descreve Almeida (2009), no qual os presentes vivenciam ao vivo a luta de Deus e o Diabo, atuando ativamente em cada possessão e cura realizada - momentos de abertura e amparo à pulsão.

Coagindo, "tentando" o sujeito para sua tradução, o não-traduzido (sexualidade do outro) exerce pressão que pode se tornar insuportável, rompendo as barreiras do eu e irrompendo sob a forma de possessão, de desorganização, de desumanidade; após tomar posse do corpo do piedoso, este não-ligado necessita ser exorcizado, domado, amarrado, significado. A possessão se assemelha ao grito lançado pela histérica, ao acusar o outro sedutor que a invadiu, que a corrompeu. A histérica denuncia seu dilema diante de uma alteridade, através de seu corpo, através da cena. No neopentecostalismo, o demônio seria uma solução histérica oferecida à massa, um respaldo neurótico dado ao sexual indomável.

A batalha contra o demoníaco também nos faz pensar em uma espécie de mecanismo de defesa em ação. Um recalcamento permanente e infindável, que precisa entrar em ação constantemente para dar conta desse desligado, infernal. Se pensarmos na massa enquanto corpo materno, se trataria de um recalcamento que se repete constantemente (nos cultos), nesse corpo histérico tentando barrar o indomável, a pulsão, que, apesar das palavras do pastor (que pode ser pensado enquanto agente do recalque), sempre irromperá necessitando novamente de um sentido, uma tradução (que, no culto, se contorna nos traços do Diabo). Nessa histeria de massa, tal qual uma "histeria de laboratório", semelhante à criada por Charcot pela hipnose (Ramos, 2008), o outro ganha representação através do demoníaco.

Enquanto expressão da pulsão sexual de morte, da libido desligada, sem objeto e, portanto, angustiante, o Diabo representa algo inconciliável, algo estranho que irrompe, que toma posse e demanda um trabalho de domínio por parte do eu. O demônio viria assim a manifestar o que não está ligado e não traduzido na sedução materna, por seus aspectos angustiantes e traumáticos inerentes à sexualidade. Assim, enquanto a representação de Deus pode ser compreendida enquanto reunião das traduções bem sucedidas, da pulsão ligada, sobrevindo o enlevo, o Diabo atua como reservatório, um mito, que dá conta da sexualidade desligada e todos os perigos dela decorrentes.

 

Considerações finais

Como o leitor pôde acompanhar, expusemos a religiosidade neopentecostal tomando-a como sistema tradutivo que atua no recalcamento, organizando a pulsão, mesmo que deixando restos, diante da incessante busca por tradução. Oferece uma neurose para seus seguidores, próxima da histeria, uma solução para o enigma do outro, por meio de novas formas de relação com Deus e com o Diabo, de estar no mundo e de lidar com o desamparo.

O crescimento neopentecostal parece se dar pela harmonia com o espírito de nossa época. Seu investimento maciço na imagem midiática, sua mensagem de prosperidade material, o importante papel do dinheiro e um certo imediatismo na postura do fiel em exigir as bênçãos são alguns exemplos de confluência com tal Zeitgeist. A massa de fiéis parece já não se resignar em continuar na base da pirâmide ou distantes da felicidade via enriquecimento. Se o Estado ou a economia não fornecem ao sujeito "uma luz no fim do túnel", Deus olha por este sofredor, acolhendo-o e prometendo um outro mundo - sem que se necessite morrer para usufruí-lo.

Um Deus, digamos, capitalista, que estabelece um circuito de investimento com seus fiéis em tons "mercantis". Em uma sociedade que enfatiza a possibilidade de mobilidade social, a igreja neopentecostal, por meio do estandarte da prosperidade, apresenta aos fiéis uma possibilidade de "vencer" na vida sem que se saia dos mandamentos divinos, pois o enriquecimento e o gozo material são autorizados e desejados por Deus, tornando-se sinônimo de bênção, de estar nos caminhos divinos.

Se, por um lado, podemos atrelar o surgimento e a rápida expansão do neopentecostalismo ao espírito da época, à busca pelo imediato, vemos aí um aproveitamento do princípio de prazer imperando sobre o princípio de realidade. Se Freud (1927/1996g) já observara que os preceitos religiosos são construídos a partir do princípio do prazer parece-nos que o neopentecostalismo sabe utilizar esta característica humana, oferecendo, através de seu conjunto de crenças, uma via para a sua manifestação e talvez por isso encontrando tão grande aceitação e arrebanhando um número cada vez maior de seguidores.

Antes de terminarmos, cabe ressaltar que nosso objeto de estudo se caracteriza como um fenômeno relativamente novo, se encontrando em pleno desenvolvimento. É muito possível que sofra modificações em alguns anos. Ocorrendo modificações nestas igrejas, suas teologias e práticas permanecerão as mesmas? O demônio continuará freqüentando assiduamente os bancos neopentecostais? Tais igrejas se aprofundarão teologicamente, atingindo um grau maior de rebuscamento, valorizando a racionalidade em detrimento dos fenômenos de curas, possessões e milagres? Permanecerão atendendo à parcela mais carente da população, ou com sua sofisticação seu público também será outro? Seus constantes conflitos com investigações policiais e seu desgaste na mídia as forçarão a encontrar uma outra forma de compreender a função do dinheiro? Suas traduções para o enigma divino permanecerão as mesmas? Deixemos tais indagações para pesquisas futuras.

 

Notas

1. O presente artigo apresenta parte da pesquisa de mestrado intitulada "A sedução divina no neopentecostalismo: um estudo psicanalítico", desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, na linha Psicanálise e Civilização.

2. Para dados acerca do crescimento neopentecostal, vide Mariano, (1999 e 2004), Moreira (1996) e Pinezi e Romanelli (2003).

3. Assim se dirige Freud ao pastor Pfister: "Nós sabemos que, por caminhos diferentes, lutamos pelas mesmas coisas para os pobres homenzinhos" (Freud, 1998, p. 150).

4. Levai todos os vossos dízimos ao meu celeiro, e haja mantimento na minha casa, e depois disso fazei prova de mim, diz o Senhor. Se não vos abrir eu as cataratas do céu, e se não derramar eu a minha bênção sobre vós em abundância. E para vos fazer benefício increparei aos insetos devoradores das novidades, e eles não estragarão o fruto da vossa terra nem haverá nos campos vinhas estéreis, diz o Senhor dos exércitos. E todas as gentes vos chamarão ditosos: porque vós sereis uma terra de delícias, diz o Senhor dos exércitos (Malaquias, 3, 10-12).

5. Podemos pensar no dízimo enquanto tradução que marca a sujeição do indivíduo à vontade do outro. Seria um organizador, um limite cultural (de fora) imposto ao "resto", ao não-metabolizado, à sexualidade infantil perversa, ao mesmo tempo uma restrição ao narcisismo do fiel, para que saia do gozo autoerótico e invista seu amor socialmente (abdicar de si e dar ao outro).

6. Conceito de Leibniz, retomado por Laplanche (1992) acerca da situação originária adulto-criança.

7. Como afirma Laplanche (2001), os mistérios divinos, incompreensíveis à alma humana, seriam como que uma forma "domesticada" do enigma, uma forma de tradução, mesmo que alguma significação permaneça oculta para o religioso.

8. Podemos pensar nesse "resto" semelhante àquele da fundação da psicanálise. Albano (2006) se refere à descoberta freudiana como um rompimento com o discurso predominante na medicina e na psiquiatria de sua época, sobretudo ao tomar como objeto de sua investigação aquilo que a ciência rejeitava, como por exemplo as manifestações histéricas - elas simulam, diziam os médicos. Talvez os resíduos que a ciência atual não oferece continência sejam acolhidos e significados pela mensagem religiosa.

9. Segundo Mariano (1999), o protestantismo pode ser historicamente dividido em três grandes "ondas": a primeira formada pelas igrejas protestantes históricas, surgidas a partir das reformas, que têm em Lutero figura emblemática; a segunda, surgida no início do século XX, é denominada pentecostal, que buscou reavivar o protestantismo por meio do resgate da experiência de Pentecostes; já a terceira seria a neopentecostal, introduzindo mudanças litúrgicas e teológicas, as quais abordamos neste artigo.

10. Termo que nos faz lembrar de Ferenczi e sua conceituação de língua da ternura e da paixão, para denominar o encontro adulto-criança (Laplanche, 1992).

11. "O fato de em nossas análises tão raramente termos êxito em encontrar o Demônio como substituto paterno pode ser uma indicação de que, para aqueles que nos procuram em busca de análise, essa figura da mitologia medieval há muito tempo deixou de desempenhar seu papel" (Freud,1923/1996f, p. 103).

12. "Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demônios [...]" (Mateus, 10,8).

 

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Recebido em 22 de junho de 2010
Aceito em 19 de julho de 2010
Revisado em 02 de agosto de 2010

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