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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.11 no.1 Fortaleza mar. 2011

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Adolescentes em conflito com a lei: função materna e a transmissão do nome do pai

 

Adolescent in conflict with the law: maternal role and the transmission of the name of the father

 

 

Rejane Botelho Teodoro XavierI; Cláudio Vital de Lima FerreiraII; João Luiz Leitão ParavidiniIII

IPsicanalista; Especialista em Psicologia Jurídica e Mestranda em Psicologia no Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. End.: Alameda Jacy Gonçalves, Nº 58, Jardim das Acácias CEP: 38.411-208 - Uberlândia-MG. E-mail: rejanebtx@yahoo.com.br
IIPsicanalista; Professor Associado do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Doutor em Saúde Mental (UNICAMP). End.: Av. João Naves de Ávila Nº 2121 - Bairro: Santa Mônica - CEP: 38.400-902 - Uberlândia-MG E-mail: cvital2@hotmail.com
IIIPsicanalista; Professor Adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia; Doutor em Saúde Mental (UNICAMP). End.: Av. Uirapuru Nº 485 - Bairro: Cidade Jardim - CEP: 38.412-166 - Uberlândia- MG E-mail: paravidini@ufu.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade fazer uma reflexão sobre a função materna, especificamente, no que tange a questão da forma com que o discurso da mãe tem possibilitado ou não a transmissão do Nome do Pai, em casos de adolescentes em conflito com a lei, levando-se em consideração as configurações familiares contemporâneas, as quais não possuem o mesmo formato daquelas que deram origem às teorizações do Complexo de Édipo. A partir deste escopo analisou-se como isto repercute na adolescência, momento em que a mãe, na qualidade de Outro Primordial, será novamente interrogada e momento também do adolescente separar-se de seus objetos primordiais. Tendo como referência uma leitura psicanalítica, analisou-se a configuração de uma família em que o filho adolescente estava cumprindo medidas sócio-educativas de Liberdade Assistida, permitindo a coleta de informações qualitativas como as diversas dimensões da feminilidade a partir de onde foi possível compreender a construção do Outro Primordial e do sujeito desejante que operou a transmissão do Nome do Pai. Os resultados encontrados demonstram um funcionamento familiar pautado pela horizontalização das relações entre pais e filhos na contemporaneidade e na fragilidade da nomeação paterna nos casos de adolescentes em conflito com a lei, levando o adolescente ao ato transgressor, como forma de fazer suplência a esta precária nomeação.

Palavras-chave: Função Materna. Nome do Pai. Adolescente. Psicanálise. Família.


ABSTRACT

This work aims to reflect on the maternal role, specifically with respect to question the way that the discourse of the mother is allowed or not a transmission of the Name of the Father, in cases of adolescents in conflict with the law, taking into account the contemporary family configurations, which do not have the same size as those that led to theories of the Oedipus complex.From this scope we analyzed how this affects a teenager when her mother acting as Other Primordial will be questioned again and time also the adolescent to separate from their primordial objects. Reference to a psychoanalytic reading, we analyzed the configuration of the one family in which the teenager was serving socio-educational Assisted Freedom, allowing the collection of qualitative information such as the various dimensions of femininity from where I was possible to understand the Other Primordial construction and the desiring subject who operated the transmission of the Name of the Father. The results were the flattening of the relationship between parents and children in contemporary society and the fragility of the appointment father in cases of adolescents in conflict with the law, leading the adolescent offender to act as a way to do this precarious substitutive appointment.

Keywords: Maternal Role. Name of the Father. Adolescent. Psychoanalysis. Family.


RESUMEN

El presente trabajo tiene como objetivo reflexionar sobre la función materna, específicamente en lo que respecta a la pregunta de la forma en que el discurso ha permitido a la madre o no la transmisión del Nombre del Padre, en los casos de los adolescentes en conflicto con la ley, teniendo en cuenta las configuraciones de la familia contemporánea, que no tienen el mismo formato que los que dieron origen a las teorías del complejo de Edipo. Desde este ámbito se analizó cómo afecta esto a la adolescencia, cuando la madre, como Otro primordial será interrogado de nuevo y ahora también al adolescente a separarse de sus objetos primordiales. Tomando como referencia una lectura psicoanalítica, se analizó la configuración de una familia en la que el adolescente estaba sirviendo socioeducativa Libertad Asistida, que permite la obtención de información cualitativa, como las diversas dimensiones de la feminidad, desde donde es posible entender el construcción de lo Otro primordial y el sujeto deseante que operó la transmisión del Nombre del Padre. Los resultados muestran una empresa familiar guiada por el aplanamiento de la relación entre padres e hijos en la sociedad contemporánea y la fragilidad nombramiento del padre en los casos de adolescentes en conflicto con la ley, conducen los adolescentes a lo acto delincuente, como una manera de hacer este nombramiento pobre sustituto.

Palabras chave: La funcion Materna. Nombre del Padre.Adolescentes. Psicoanálisis. Familia.


RÉSUMÉ

Le présent travail a l'objectif de réfléchir sur le rôle de la mère, en particulier en ce qui concerne la question de la façon comme le discours de la mère a permis ou non la transmission du Nom du Père, dans le cas des enfants en conflit avec la loi, en tenant compte des configurations familiales contemporaines, qui n'ont pas le même format que ceux qui ont donné lieu à des théories du complexe d'Édipe. A partir de ce champ, nous avons analysé comment cela affecte l'adolescence, lorsque la mère, comme Autre Primordial, sera interrogé à nouveau et aussi le moment de l'adolescent se séparer de leurs objets primordiaux. Prenant comme référence une lecture psychanalytique, nous avons analysé la configuration d'une famille dans laquelle l'adolescent a été au service socio-éducatif de Liberté Assistée, ce qui permet la collecte d'informations qualitatives, telles que les différentes dimensions de la féminité d'où il a été possible de comprendre la construction d'Autre Primordial et du sujet désirant qui a opéré la transmission du Nom du Père. Les résultats montrent une opération familiale guidée par l'aplatissement des relations entre parents et enfants dans la société contemporaine et dans la fragilité de la nomination paternelle dans les cas des adolescents en conflit avec la loi conduisant l'adolescent à l'acte délinquant, comme un moyen de remédier cette précaire nomination.

Mots-Clé: Rôle de la Mère. Nom du Pere. Adolescent. Psychanalyse. Famille.


 

 

Introdução

O presente trabalho tem como finalidade fazer uma reflexão sobre a função materna, especificamente, no que tange a questão da forma com que o discurso da mãe tem possibilitado ou não a transmissão do Nome do Pai, em casos de adolescentes em conflito com a lei, ou seja, analisar a função paterna enquanto um lugar atribuível, pela mãe. Para analisar a função materna, faz-se necessário lembrar que esta função pressupõe um ser encarnado, nomeável e, neste sentido, a forma como a mãe irá investir libidinalmente sua cria estará diretamente relacionado à sua historicidade, a maneira com que introjetou a Lei do Interdito, bem como ao lugar que foi reservado as mães na sociedade.

As configurações familiares contemporâneas não possuem o mesmo formato daquela que deu origem as teorizações do Complexo de Édipo. Atualmente, o pai não é mais o guardião desta função e, diante disto, faz-se necessário discutir como estaria se dando o exercício da função materna, perante as novas legalidades e como isto repercute na adolescência, momento em que a mãe, na qualidade de Outro Primordial, será novamente interrogada, e também em que o adolescente, terá de separar-se de seus objetos primordiais.

A partir desta reflexão é possível analisar a delinqüência juvenil como algo que evoca a questão do laço social, ao infringir a lei, o adolescente está endereçando ao Outro um sintoma. Portanto, o presente trabalho tratará da questão da mediação materna, no contexto do adolescente em conflito com a lei, e o problema será analisado à luz da psicanálise extramuros ou em extensão conforme conceito de Rosa (2004), que analisou o sujeito em relação aos fenômenos sócio-culturais e políticos e não diretamente ligado ao tratamento psicanalítico.

Dessa forma, o presente artigo está organizado em quatro itens: o primeiro item abordará a questão da função materna relacionado ao Outro Primordial, um ser encarnado submetido à lei do interdito (Freud, 1931), No segundo item, a análise será feita no sentido da articulação da função materna em relação à função paterna, tomando como referência as novas configurações familiares. Na sequência, o terceiro item discutirá a crise da adolescência, especificamente, o ato transgressor do adolescente em conflito com a lei. Por fim, no quarto item apresenta-se um estudo de caso, onde a partir da análise da história de vida de uma mãe, em que o filho cumpriu medida sócio-educativa, desvela-se a forma como ocorreu a resolução edípica, a eleição de seu objeto de amor e a transmissão do Nome do Pai. Vale esclarecer que o estudo de caso foi apresentado utilizando nomes fictícios.

 

Função Materna: o Outro Primordial e o Sujeito Desejante

Quando se fala de função materna, na verdade o que se está querendo indicar é uma "posição" assumida por uma pessoa que deseja a criança, que pode não ser necessariamente aquela que deu à luz a ela. Esta é uma função de limite entre o somático e o erógeno, que não pode ser confundida com a pessoa da mãe, trata-se ainda da operação que realiza a mediação da Lei, mais especificamente, da lei do interdito, que constitui a identificação primária.

A Lei da Interdição do Incesto é a montagem institucional que regula e ordena os termos de parentesco, a partir da elaboração de "ficções", ou seja, a partir da construção de regras jurídicas e tácitas, que fabricam, por sua vez, a noção de parentesco. Em outros termos, a Lei da Interdição do Incesto possibilita a instituição do ser vivo.

Legendre (p. 64, 1995 apud Hurstel, 1999) demonstrou a partir do "Princípio Genealógico" a maneira como se organiza a instituição do ser vivo. Para este autor "... a genealogia escorada pelo sistema de nominações funciona como terceiros elementos para os "vivos falantes"; é nesse lugar das nominações que eles encontram as ancoragens de suas identidades".

Lacan utilizou ao longo de sua obra o termo Outro com letra maiúscula para designar um lugar simbólico, ocupado pelo homem em sua relação com o meio, na perspectiva de um lugar inconsciente, lugar terceiro que escapa à consciência. Para ele, o sujeito é determinado por uma ordem simbólica, que é um sistema de representações baseado na linguagem. Este conceito foi construído a partir da conceituação do estádio do espelho, "momento em que a criança antecipa o domínio sobre sua imagem corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante" (Roudinesco e Plon, 1998, p. 558). Desta forma, é através da linguagem que o sujeito se constitui e é neste sentido que estaremos falando de função materna e função paterna, algo que transcende a relação entre duas pessoas.

O primeiro Outro/outro que acolhe o infans em seu desamparo original e que cuida das necessidades básicas da criança, nomeando-as e assim inserindo a criança no mundo simbólico, da linguagem, é o agente materno, um ser desejante, chamado Outro Primordial, o qual supõe uma pessoa que o opere.

A função materna estaria diretamente relacionado à questão do Outro Primordial, sendo assim é o agente materno quem veste o outro de significantes, dando a ele consistência em seu enunciado e em sua enunciação. Mas para que esta operação ocorra há que se ter um sujeito encarnado e nomeável. Este sujeito é determinado pela sua própria história, atravessado pela sua resolução edípica. Portanto, será determinante para o exercício da função materna a forma como quem o encarna se inscreveu na ordem de filiação e se posiciona como um ser desejante.

Em seu artigo "Do Infanticídio à Função Materna", Iaconelli (2008), apoiada em reflexões de Aulagnier, pontua que diante do embrião a mãe poderá adotar dois posicionamentos: ver o embrião no registro do real, ou seja, em sua condição natural, ou projetar sobre ele algo do seu psiquismo e esta projeção é condição para a constituição do sujeito como para suas posteriores patologias. O exercício da função materna supõe a mãe como sujeito dividido, barrado pela própria castração, pela Lei da Interdição do Incesto. É o significante da falta, a metáfora paterna, que permite que o sujeito seja representado por outro significante. Esta função é estruturante, pois limitando o gozo da mãe, propicia a separação desta com o bebê, permitindo assim a entrada da lei, inserindo o sujeito na cultura, no mundo simbólico, retirando o sujeito da relação dual. Portanto, para situarmos o significante do Nome do Pai é necessário averiguar de que maneira esta mãe, na condição de mulher desejante, posiciona-se em relação à lei simbólica da proibição do incesto e como um filho integrou em si esta proibição e tornou-se capaz de instituir seu próprio limite.

Em função da fragilidade do filhote humano o bebê é totalmente dependente de quem o toma para cuidar e este suporte simbólico deverá atendê-lo ao nível das necessidades biológicas e do desejo, pois cada necessidade satisfeita será nomeada e interpretada, de acordo com o código simbólico deste cuidador. Sendo assim, o infans cada vez mais, passará a reagir, menos instintivamente.

Na adolescência, a mãe, na qualidade de Outro Primordial, aquela que deu lugar a outras encarnações possíveis do Outro no estádio do Espelho, (momento de identificação em que o sujeito assume sua imagem, interiorizando-a) será novamente interrogada e se houve algo neste percurso que tornou esta nomeação precária, tornar-se-á explícita no momento da reedição das primeiras relações infantis

Portanto, a forma como a mulher se institui como sujeito desejante condiciona a inserção de seu bebê no mundo da linguagem, já que irá depender disto a possibilidade de admitir ou não a entrada de um terceiro que barre a relação dual Mas, na contemporaneidade outros objetos se oferecem à completude da mulher e, nos casos de adolescente em conflito com a lei, a função paterna opera de maneira frágil, embora não de forma inteiramente ausente.

 

Função Paterna: da Metáfora e das Ausências

Quando o agente materno supõe um sujeito no grito da necessidade, esta necessidade é transformada em demanda e neste simples ato situa-se a inseminação do simbólico, o S1, Significante Mestre que dará início a cadeia de significantes. Neste momento, a maternidade fornece a ilusão de que a mulher pode ser e ter o falo e o que se tem é o gozo, o desejo da mãe, uma lei singular e louca que congela o infans em S1. Para ter acesso ao Outro e sair desta condição de assujeitado, a criança tem que se separar da "Lei da Mãe", apenas assim terá acesso a realidade, mas muitas coisas podem acontecer nesta passagem. Portanto, existe uma identificação primordial que é ser o objeto de completude do outro e a criança só sairá desta condição mediante o recalque originário. Desta forma deixa-se de ser o falo, para ir em busca dele, inscrevendo-se assim na lógica fálica, na ordem do desejo.

Para que isto ocorra, a mãe deverá reconhecer a palavra do pai, integrando-a ao seu discurso. A entrada de um terceiro viabiliza, por sua vez, a inscrição da criança na ordem simbólica ao remetê-la ao Nome do Pai, que representa para a criança outra filiação que não a da mãe. Como afirma Mannoni (1981, p.70): "... a posição do pai para a criança vai depender do lugar que ela ocupa no discurso materno. E isso tem importância para a maneira como a criança vai poder, desde então, resolver corretamente ou não o seu Édipo".

O ponto central do Complexo de Édipo está no sujeito perceber que está excluído de uma relação e se a resolução edípica não ocorrer adequadamente haverá, dentre outras conseqüências, a fragilização de uma das instâncias da personalidade, descritas por Freud no quadro de sua teoria do aparelho psíquico, o superego. Este último é, por assim dizer, herdeiro direto do Édipo, na medida em que, ele expressa a interiorização das exigências e das interdições parentais, internalização dos códigos de civilidade, sua possibilidade de inserção na Cultura (Freud,1924).

Mas não podemos esquecer que, anterior a ele e o determinando, está o Complexo de Castração (Freud, 1931). Neste momento, rompe-se a onipotência e o sentimento de totalidade, com a descoberta da diferença dos sexos. A partir daí ocorrerá à renúncia ao narcisismo primário, em função dos valores culturais aceitos e outros processos de perdas e de limites marcados por movimentos pulsionais e identificatórios.

A operação descrita anteriormente depende do Outro primordial, encarnada inicialmente pela mãe, a qual enviará a criança em direção ao mundo da metáfora paterna onde os objetos secundários substituem os primordiais, ou seja, para manter-se o narcisismo secundário, deve-se renunciar ao narcisismo primário. A resolução do complexo de castração Násio (2007) denominou-o de tempo da solidão, pois neste momento ocorre a separação mãe-bebê.

Mas, para que tudo ocorra adequadamente, é necessária que, outro aspecto da função materna esteja operando, a suposição de um sujeito pela mãe e isto só é possível se ela também estiver sujeitada a lei do interdito, ou seja, é importante neste processo a forma como a mulher que opera a função materna se relaciona com a lei.

Vale lembrar que, na sociedade ocidental, a metáfora paterna é comumente representada pelo pai, mas ele não é seu guardião. Birman (2006) nos chama a atenção para o fato de que o mal estar na atualidade reside exatamente no desdobramento da soberania do pai para soberanias, no descentramento da metáfora paterna.

Na época das teorizações de Freud sobre o Complexo de Édipo, a composição familiar demarcava lugares e funções, dando consistência ao Outro, sendo os valores universais e incontestáveis. Com a destituição do chefe de família, a lei deixou de possuir a radicalidade de outrora, passando a ser algo negociável e de caráter temporário. Como diz Miller (1996), são tempos em que o "Outro não existe". Na contemporaneidade os sujeitos estão em busca de outros ideais identificatórios para se orientar quanto ao campo do desejo e do gozo

A saída proposta ao desamparo gerada pela morte do pai é a fraternidade, ninguém se oferece como líder para não correr o risco de "morrer", todos seguem igualmente as determinações da moda, do consumo, que são formas de controle de massas, estas são as novas legalidades. Quando o jovem furta um objeto ele está tentando se adequar a estas regras, mesmo que por vias marginais, já que o que importa é alcançar o objetivo de "salvar-se do desamparo".

Miguelez (2007) cita a posição de diversos autores os quais se propõem a falar sobre o declínio da função paterna. De acordo com eles, na contemporaneidade, haveria diversas modulações edípicas que trariam de acordo com cada autor um tipo de consequência. Rassial (apud Miguelez) pontua que os laços sociais contemporâneos têm se caracterizado pela incerteza de referências, levando a um prolongamento da adolescência. Lebrun (idem) ressalta como a passagem do discurso religioso para o discurso da ciência estimulou uma multiplicidade de verdades, horizontalizando a sociedade; Lebrun e Melman (idem) também ressaltam a horizontalização das relações sociais, na constituição de grupos e este último autor explica tais transformações naquilo que ele conceituou como sendo duas mutações culturais: a "foraclusão do Outro" e a passagem do gozo fálico para o objetal.

Os diversos autores citados aqui, bem como os citados por Miguelez (2007), falam deste declínio da função paterna, como uma falta, evidenciando que na ausência paterna, ausência do "chefe", não haveria ninguém ou nada para simbolizar a proibição do incesto, levando a um déficit na simbolização ou a uma precariedade na constituição do superego, haveria também um redobramento da mãe e a uma falta de limites ao imaginário.

Esta mesma autora discorda deste posicionamento, visto que para ela a ausência do poder paterno, foi substituída por outros poderes que sustentariam as proibições fundantes. Neste sentido cita Foucault, (1975a) pois de acordo com aquele autor, há uma fragmentação da autoridade na passagem da Sociedade Disciplinar centrada na figura do soberano, no pai de família e nas instituições, para a Sociedade de Controle, ou seja, a autoridade única e substituída por novas legalidades e conjuntos axiológicos que teriam a mesma função. Neste sentido, enfatiza-se o indivíduo e não mais o coletivo, ocasionando um sentimento de desamparo e dificuldade de conquistar um "lugar" na sociedade.

Em relação a estas novas legalidades, Prata (2004) ressalta que este poder é exercido a partir de um novo espaço de circunscrição e possuem as características de um Império ele atinge todos os registros do social, não possui fronteiras espaciais e temporais, exercendo um controle dos corpos e das mentes. As instituições foram substituídas pelo sistema de comunicação e as redes de informação: A mídia nos diz o que desejar, constrói também modelos de sucesso que se tornam referência de como deveríamos ser para obter a garantia do reconhecimento social.

Para analisar de que forma o discurso materno tem viabilizado a transmissão do Nome do Pai objetivando compreender como a criança e o adolescente, são ou não são, introduzidos na ordem simbólica, especificamente nos casos de adolescentes em conflito com a legislação jurídica, faz-se necessário abordarmos algumas questões ligadas a este conceito Nome do Pai e uma possível ligação da Lei do Interdito e o conflito com a Lei Jurídica

Freud quando formulou o conceito de Complexo de Édipo considerou que sua função principal era a inserção do sujeito na cultura, mas este autor (1930) deixou claro também, em seus estudos que esta inserção não ocorre de forma natural ou fácil. Este processo gera um grande mal estar, advindo das renúncias instintuais necessárias para fazer parte da civilidade.

Lacan irá avançar nesta conceituação, na medida em que para este autor trata-se mais precisamente da inserção do sujeito na linguagem, a partir da nomeação do sujeito através da metáfora paterna. Isto possibilita, por sua vez, a articulação do Édipo com a Castração como uma via possível de acesso da criança a uma identidade sexual e a um lugar na cadeia de filiação.

Quanto a esta questão, Rosenberg (2002, p. 62) diz "... A criança está fascinada, capturada por este olhar: identifica-se com a mãe e por ela se aliena", ou seja, ela é o objeto que satisfaz o desejo da mãe. Apenas a entrada paterna viabilizará a possibilidade da criança deixar de ser o desejo do desejo da mãe, para se constituir como um sujeito desejante.

Quando a criança fica capturada no desejo materno ela ocupa o lugar de um substituto fálico para mãe, perpetuando a relação dual, podendo gerar vários quadros psicopatológicos. Conforme assinala Goldemberg (1991, p. 64): "... A falta da entrada da lei paterna no lar é um fator crucial que impulsiona a criança a cometer uma infração". Esta autora continua explicando que o ato infracional pode ser uma forma inconsciente de criar uma via para a entrada de um terceiro, (idem), de acordo com aquela autora, na medida em que a lei interna não foi estabelecida, o adolescente busca a lei externa personificada na figura do Juiz. Portanto, a infração está endereçada ao Outro, como um sintoma.

Em suma, para a psicanálise, a inserção do sujeito no mundo da linguagem, ou ainda, a passagem do ser não falante para o ser falante, estaria ligada a função paterna, visto que, apenas uma mãe atravessada pela castração conteria em seu discurso o Nome do Pai. Desta forma, cabe à função materna ligar o bebê a uma ordem de filiação, ser a mediadora da lei. Portanto, vale salientar o que esclarece Faria (1998, p. 67) quando ressalta que a função paterna é uma função atribuível: "... Se a função paterna pode ser pensada como atribuição de um lugar ao pai, e se este lugar diz respeito ao desejo materno, à mãe caberia fazer esta atribuição. Para que um pai "funcione" enquanto tal é preciso que ele tenha um lugar viável no discurso materno".

Para refletir sobre a forma como circula a Lei na família do adolescente que comete atos infracionais, aqui analisada, é preciso saber como é seu funcionamento. Vale ressaltar que, apesar de ser representante da grande maioria dos casos que chegam até os locais de cumprimento de medidas sócio educativas, esta não é única forma de funcionamento Normalmente, estes meninos são provenientes de uma família em que a mãe é "chefe da casa", sendo ela a responsável pelo sustento da família (mesmo que exista um companheiro convivente) ou às vezes o próprio adolescente é arrimo de família e como não tem estudo, nem experiência de trabalho, vive de pequenos bicos ou se envolve no tráfico de drogas, como constatou Kodato, (2000) em sua pesquisa com os adolescentes institucionalizados. Este autor também observou que o tráfico de entorpecentes era a principal atividade econômica, desenvolvida por eles: "Em muitos casos, com os proventos advindos dessa atividade, os adolescentes contribuíam para o orçamento familiar e alguns chegavam a sustentar suas famílias" (p. 510).

Outra característica presente nesta família diz respeito à volatilidade da figura paterna, quando o adolescente consegue conhecer seu pai biológico, em função da separação do casal, o pai desaparece deixando de dar assistência material e exercer sua função de maneira geral, ou seja, abandona a família. Com o passar do tempo a mãe arruma um novo companheiro, o menino desenvolve uma relação paterno filial com ele, mas logo este casal se separa e lá está, de novo, configurada a família monoparental. Geralmente o motivo da separação está relacionado ao uso de bebida alcoólica, à violência física dos familiares, perpetrada pelo companheiro. Por outro lado, quando não ocorre este desfecho é porque, os sintomas desta mãe não possibilitam a ela separar-se dele, compactuando, consciente ou inconscientemente, com a referida forma patológica do cônjuge.

Em seu trabalho com meninas da periferia de São Paulo, Feffermann (1997, p. 124) contatou que: "A desagregação destas famílias torna difícil a identificação com o modelo parental. Mesmo assim notamos que a figura feminina é sempre mais forte que a masculina, em função do papel da mulher na sobrevivência da família".

Além desta configuração citada anteriormente podemos também enumerar algumas outras tais como: avós que cuidam dos netos, assumindo, por vezes, a responsabilidade legal sobre eles. Em outras situações, juntamente com a figura das avós residem tios, tias, sobrinhos primos, conformando uma família extensa onde as figuras de referências ficam totalmente diluídas. Trata-se da horizontalização da família, ocorre a fraternalização dos vínculos. Caso não se institua algum tipo de legalidade neste formato familiar, existe a possibilidade de se formar sujeitos com menor capacidade de simbolização e de passagem ao ato e ao uso de drogas. Conforme esclarece Sarti (1994, p.89): "A família pobre não se constitui como um núcleo, mas como uma rede, com ramificações que envolvem a rede de parentesco como um todo, configurando uma trama de obrigações morais que viabiliza a existência dos indivíduos enquanto apoio e sustentação básica". No entanto, vale esclarecer que as novas configurações familiares não estão presentes apenas em famílias pobres, é possível observar também estas modificações, na atualidade, em todos os níveis econômicos, gerando transformações nos laços sociais. Ainda sobre esta questão, faz-se necessário ressaltar que, raramente jovens de classe mais abastada economicamente, são alcançados pela Justiça, na medida em que, normalmente seus conflitos com a lei são resolvidos dentro dos consultórios psicológicos, em clínicas particulares de dependência química, ou ainda com bons advogados. Diante desta questão do descentramento da função paterna, faz-se necessário conjecturar sobre qual a função materna na contemporaneidade, ressaltando o aspecto da função materna enquanto mediadora da lei, na medida em que estamos diante destas novas legalidades. Como estará ocorrendo esta função que nomeia e coloca a criança numa via de acesso a identidade sexual e numa ordem de filiação, entendendo função materna como suposição de um sujeito e como advinda de um ser encarnado, uma mulher que, por sua vez está submetida a uma determinada cultura.

 

Adolescência: a Crise, a Lei e Ato

A fase da adolescência é uma criação recente, Levisky (1998, p. 21) cita Áries (1973) em seu livro História Social da Família, para falar que as palavras puer e adolescens, oriunda do latim eram empregadas indistintamente. Apenas em meados do sec. XVI houve uma diferenciação entre os termos infância, juventude e velhice, ainda não havendo lugar para a adolescência. Ela vai surgir apenas no séc. XX, como forma de demarcar uma transição entre o infantil e o adulto, caracterizada por diversas transformações biopsicosexuais, sendo os impulsos agressivos e sexuais os predominantes desta fase. Sua forma de se expressar depende da cultura em que está inserido e sobre isto Levisky diz: "A puberdade é um processo decorrente das transformações biológicas, enquanto que a adolescência é fundamentalmente psicossocial".

Porém podemos destacar alguns aspectos universais, como a aquisição da capacidade reprodutiva que leva o sujeito a procurar fora da família seu objeto de amor, já que as famílias se organizam sob a égide do tabu do incesto e no significado da visão totêmica. Para que isto ocorra deverá assumir uma identidade sexual e se colocar numa ordem de filiação.

Outro aspecto considerado para que o jovem alce a condição de adulto, diz respeito ao fato de poder manter-se financeiramente. As dificuldades atuais de inserção no mercado de trabalho, bem como a diversidade de opções e a ampla gama de oportunidades de realizações de experiências, tem prolongado esta fase de transição, a adolescência

A adolescência sempre se caracterizará por um período de crise, independente dos aspectos socioculturais presentes no processo. Quanto à intensidade desta crise, ela será maior ou menor dependendo de como tenha sido os pontos de fixação e as características regressivas durante a infância. Portanto é neste sentido que estaremos relacionando a inserção da criança no mundo simbólico, através da mediação materna e o adolescente em conflito com a lei. Em alguns casos a violência é o elemento de auto-afirmação entre alguns grupos.

Existem indivíduos que vivenciam a adolescência de forma curta e outros que a prolongam demasiadamente. Os primeiros, geralmente têm que se haver com as questões de sobrevivência, não tendo tempo para vivenciar situações sem o peso da responsabilidade, sem oportunidade de errar, reformular, questionar, duvidar, restringindo seu campo de experiências intelectuais. No segundo caso, os indivíduos não sentem desejo de assumir as responsabilidades da vida adulta e perder seus privilégios infantis e geralmente encontram respaldo na família. Portanto, o adolescente deve poder errar e reformular seus conceitos, na busca de uma identidade adulta, mas não indefinidamente.

Diante disto, podemos pensar o ato do adolescente em conflito com a lei como um discurso endereçado ao Outro, como um sintoma que simboliza o "lugar" deste adolescente na sociedade, que na verdade é o da falta de lugar e, ao contrário do que se pensa, ele não está se comportando de forma rebelde como qualquer outro adolescente, mas está na verdade reificando seu lugar.

Hermann (1997), ao analisar especificamente o atentado contra João Paulo II em 1981 explica que o agir sem a mediação da razão está na ordem do ato, e sendo mais preciso do ato coagulado: "... a coagulação em torno do significado transformado em ação, no caso que tomamos como modelo, não acusa exatamente um sintoma individual e sim um gesto individual, expressão sintomática de certa estrutura patológica que ultrapassa o executante" (p.164). Portanto, a violência presente nestes casos seria a expressão da cultura contemporânea e o que esta na base deste ato é o sentimento de impotência, o qual se faz presente numa sociedade que massifica, diluindo o sujeito, mas que exige ao mesmo tempo uma eficácia individual e é neste sentido que se constrói o superego contemporâneo. Portanto sem um Outro para se remeter, o que fica é um sujeito só e impotente tendo que responder por si mesmo a tudo. Quando analisamos os conceitos citados acima, em relação ao adolescente em conflito com a lei observamos que a violência presente nestes casos, está relacionada a uma resistência a diluição como sujeito. Mesmo sabendo que é alto o risco de morte a que estão expostos, existe uma glorificação do crime no caso dos adolescentes institucionalizados, sendo os mais temidos e respeitados aqueles que cometeram o crime mais bárbaro. Desta forma, o ato transgressor diferencia o executante dos demais, dando-lhe um status superior, alguns se tornam notícia na mídia. Será que agora ele possui um NOME, um LUGAR?

Para conquistar uma identidade adulta, há que se renunciar aos objetos infantis, ou como diz Benhaim (2008) neste momento de passagem, de reorganização psíquica "um sintoma deve sustentar o desejo do sujeito tornado adolescente. O que coloca a questão de saber o que é feito do objeto de amor da infância, a mãe" (p.3). Também é importante saber como ele elaborou a suposta potência do pai, enfim como lidou com a castração, com a renúncia ao objeto. No caso do adolescente em conflito com a lei, parece haver uma dificuldade de renunciar a este objeto, tentando buscá-lo de forma desesperada, de forma repetitiva, para não lidar com o desamparo que esta renúncia traria. Na falta da linguagem, viria o ato.

De acordo com Benhaim (2008, p. 5): "A problemática delinqüente repousaria não sobre uma intolerável desilusão, mas sobre uma falta de ilusão", como se houvesse uma falha na nomeação do lugar que aquele ser ocupa no mundo, visto que para ele não haveria a ilusão de ser preenchido por sua mãe e nem de tê-la preenchido. A "mãe simbólica" a que transforma o grito da necessidade em demanda, se ausenta muito cedo, não preenchendo a criança, de forma que se instale a ilusão e a passagem ao ato é o recurso, no real para lidar com este vazio e não desaparecer. "O que protege do Outro é o amor e esta dimensão simbólico-imaginária falha. A única solução é não encontrá-lo, e até mesmo abatê-lo. A violência nesse lugar exprime-se no adolescente com freqüência, como vindo de um paradoxo no qual é possível inscrever-se" (idem).

É o equilíbrio das figuras maternas, real, simbólica e imaginária que sustentarão a dimensão simbólica do pai, ou seja, a regulação do desejo pela função fálica. A adolescência seria uma fase de validação da operação simbólica para além da metáfora paterna.

É nesta perspectiva, que a mudança do lugar que a maternidade ocupa na vida das mulheres, na contemporaneidade modifica a forma de se instituir a lei nas dinâmicas atuais, visto que outras formas de realização de seus desejos se apresentam. A antiga noção da mãe de família, que junto com seu marido cuidava dos filhos sofreu muitas alterações. Atualmente, não observamos mais esta figura, mas sim uma mulher que elege com freqüência diversos maridos, com os quais, quase que por acidente, tem filhos. Esta eleição do objeto de amor demonstra possuir uma lógica mais parecida com a lógica do consumo, que se expressa pela necessidade de obter um objeto e descartá-lo em seguida para obter outro, de forma compulsiva

Soler (2003) lembra que Lacan se recusou a interpretar a mulher pela mãe, esta autora diz que só raramente um filho permite fechar a questão do desejo, visto que esta decorre da dialética fálica do ter, que não lhe é própria. Para Soler (p. 35) "não basta dizer que ela se presta ao desejo do Outro", quando, por exemplo, espera obter de um homem um substituto fálico, de preferência na forma de um filho, "resta ainda interrogar o desejo que sustenta este consentimento" (idem).

Diante deste quadro descrito anteriormente, é possível observar não apenas o declínio da função paterna, mas também o declínio da função materna, ou seja, não há por parte das mães um investimento libidinal em seus bebês, estas crianças ocupam de forma precária o lugar de objeto do desejo da mãe, assim a passagem de objeto para sujeito torna-se prejudicada para o infans. Na adolescência esta falta se explicita, no momento do sujeito se haver com seus objetos primordiais de desejo.

Neste sentido, o ato infracional seria a tentativa de instituir o Nome do Pai no real, como tentativa de lidar com um conflito ligado a Lei da Castração. Além disso, não ocorreria uma ausência da metáfora paterna, mas uma fragilidade na forma com que se institui. Sendo assim, não se trataria de uma estrutura dada a priori e fechada como a estrutura psicótica. O ato delinqüente é uma "luta" no sentido da instituição do Nome do Pai, mesmo que para isso seja necessário tornar-se o Pai do Nome.

 

A condição de Vitória

Vitória é a mãe de Elci, que cumpriu medida sócio-educativa de Liberdade Assistida, pois comercializava drogas ilícitas, bem como, junto ao seu grupo havia uma acusação de homicídio.

Ela é oriunda de uma família pobre e muito cedo precisou sustentar-se, em função disso, quando era ainda muito jovem, disse aos pais que estaria saindo de casa para trabalhar na casa de uma família, como empregada doméstica e estes, simplesmente concordaram. Ocorre, porém, que ela foi morar com José, seu atual companheiro e pai de seus filhos.

Quando iniciou seu relacionamento conjugal morou na casa da sogra, que a humilhava por ser negra, mas ela não relatou este fato como se ela fosse a vítima e a sogra a agressora, mas sim como uma luta pela posse de um objeto, ou seja, ela lutando para ter o controle do marido e a mãe lutando pelo controle do filho. Ele, por sua vez, não sabia de nada, visto que, quando chegava do trabalho, ambas escondiam as desavenças. Mas num determinado momento desta disputa, optou por separar-se dele, porém, quando soube que estava grávida exigiu que ele assumisse a paternidade e desde então, estão juntos.

Na última gravidez de Vitória, seu marido tornou-se alcoolista, deixou de se responsabilizar pela manutenção financeira da família, passou a rejeitá-los, principalmente o filho que preferia, Elci, o adolescente, citado anteriormente. Apesar de demarcar estas mudanças a este momento esta mulher sempre descrevia o cônjuge como sendo uma pessoa fracassada e fornece como exemplo o fato dele, frequentemente, tentar seduzir as mulheres, mas elas não lhe corresponderem.

Em função dos maus tratos psicológicos sofridos pelo pai o adolescente passou a ficar a maior parte do tempo na casa de vizinhos, com os quais passou a realizar atos ilícitos, como a comercialização de drogas, mas não era usuário. Após o cumprimento da medida sócio-educativa Vitória mandou o filho para viver junto a parentes em outra cidade e analisa que a saída do filho do lar havia propiciado um equilíbrio na dinâmica familiar. Desta forma, uma exclusão que ocorria de forma implícita se torna explícita, evidenciando também como esta relação com o cônjuge é sua prioridade.

Sobre este relacionamento especificamente, vale esclarecer que, frequentemente, ambos se atacam verbalmente: ele menospreza seus sonhos, como o de estudar, afirma que preferia ficar bebendo no bar com os amigos, a compartilhar a sua companhia. Vitória, por sua vez, demonstrou prazer quando relatou que seus filhos não gostam do pai e a percebem como a única figura parental protetora. Outro jogo comum da parte de Vitória é não pagar a energia elétrica ou o aluguel, para que o marido assuma algumas destas despesas. Ocorre, porém, que, por vezes, a energia elétrica , penalizando os filhos, que em dias de inverno tiveram que tomar banho frio.

Em alguns momentos em que está alcoolizado, costuma colocar a família para fora de casa e em função da forma como ele trata os filhos esta mulher se coloca como a mediadora da relação entre eles e o pai. Vitória se mostrou ambígua quanto à possibilidade de separar-se do marido, pois acredita que ele poderá tornar-se um mendigo, ou seja, ela se coloca no lugar da mulher salvadora dos filhos e do marido, adotando uma posição fálica, ou seja, presa ao primeiro tempo do Complexo de Édipo, ou ainda, vivendo seu individualismo na sua radicalidade.

 

As Dimensões do Feminino na Construção do Outro Primordial

De maneira a compreender a forma como ocorreu a operação da função materna, no que tange a atribuição do Nome do Pai, faz-se necessário lembrar que o primeiro Outro/outro que acolhe o infans em seu desamparo original e que cuida das necessidades básicas da criança, nomeando-as e assim inserindo a criança no mundo simbólico, da linguagem, é o agente materno, um ser desejante, chamado Outro Primordial, o qual supõe uma pessoa que o opere.

Desta forma a análise deste caso foi feita a partir de quatro dimensões do feminino: a dimensão de filha, ou seja, a observação recai sobre forma como ocorreu ou não a elaboração do Complexo de Castração, bem como o Complexo de Édipo; na dimensão de esposa, verificou-se a forma como se deu a escolha do objeto de amor; na dimensão de mulher, analisou-se de que forma ela se constituiu como ser desejante e na dimensão de mãe, qual o lugar que a maternidade ocupa na subjetividade da mulher analisada.

Enquanto filha, esta mulher demonstrou ter um bom vínculo com sua família de origem, existe um clima familiar que favorece o crescimento dos filhos ligado a necessidade de sobrevivência e a permanência de um espírito solidário entre eles, até os dias de hoje. Trata-se de uma família simples, dotada de uma prole numerosa em que a sobrevivência é o mais importante, desta forma as questões são resolvidas de forma objetiva. Um exemplo disto foi quando disse aos pais que ia trabalhar em casa de família e na verdade foi morar com o atual companheiro e lá ficou até decidir-se a voltar para casa, ou seja, Vitória foi uma destas adolescentes que não tiveram a oportunidade de errar e reformular seus conceitos na busca de sua identidade, devendo assumir responsabilidades adultas precocemente.

Como esposa, desde o início do relacionamento, ela sabia como era o companheiro, uma pessoa sem opinião, mentiroso, "mulherengo", o qual era muito dependente da figura materna e já naquele momento sogra e nora "lutam pela posse deste homem". É também pela via da competição que se molda este relacionamento conjugal e quando ela diz que tem medo de separar-se dele por temer que o marido torne-se um mendigo, deixa evidente como ela crê que possui o controle sobre a subjetividade dele.

Ela se descreve como sendo uma mãe que promove o diálogo com os filhos, ela os educa para vida e apesar de ser uma mãe atenta e cuidadosa, não demonstrou necessidade de fazê-los dependentes dela, tanto que abriu mão da convivência com Hélcio por compreender que a mudança de cidade e distanciamento da família seria bom para o seu adequado desenvolvimento.

Neste sentido, a decisão de manter este filho distante de casa já havia sido tomada de maneira inconsciente, visto que, nos últimos tempos, este jovem passava boa parte do dia na casa dos vizinhos e ela não se preocupou em saber em quais condições se dava esta relação.

Quando expõe os filhos ao jogo de poder entre ela e o cônjuge, ela reafirma para os eles, como este pai não se importa com eles, como ele não os ama. Mas vale dizer que a manutenção desta dinâmica familiar neste molde configura-se numa violência psicológica para as crianças, pois todos os dias recebem a mensagem, contida no discurso materno, de que não são amadas pelo pai, instituindo-se assim neste núcleo uma lei frágil. Tal situação suscita um clima de violência e ao que tudo indica Hélcio captou isto primeiro que os irmãos.

Como mulher fica evidente como Vitória ocupa a posição de uma mulher fálica que está o tempo todo, tentando ter o controle da situação, do cônjuge, dos filhos, querendo centralizar todas as decisões em sua mão, inclusive a subjetividade do marido depende dela. Sua subjetividade se funda no jogo, na disputa pelo poder que exercita com seu cônjuge todos os dias e talvez, deveríamos nos perguntar quem, na verdade, ela teme tornar-se um mendigo, com a separação.

 

Considerações Finais

A relação entre a história de vida desta mulher e a função materna está condicionada às exigências sociais que lhes foram impostas desde uma tenra idade, em que a sobrevivência se impôs, tendo de assumir as responsabilidades da vida adulta muito cedo, ela se torna mãe, no momento de ainda ser filha. Neste caso, o investimento libidinal que recebeu de seus próprios pais, ocorreu de forma apressada, sem o tempo necessário para a constituição dos objetos primordiais, restando apenas "lutar" por um falo imaginário, se precavendo contra a falta.

A subjetividade da mulher presente no estudo de caso está mais direcionada ao seu relacionamento afetivo-sexual do que ao exercício da maternidade e seu desejo tem como finalidade a competição pela posse do falo Ela acredita que em caso de separação, ele se tornará um mendigo, já que ela é a detentora do poder

Portanto, este caso evidenciou um dos diversos modus operandi em que o sujeito desejante, que encarna o Outro Primordial, opera a mediação da lei, ou seja, a maneira como se institui o Nome do Pai, bem como ocorreu o investimento libidinal em seu filho, que condicionará a constituição dos objetos primordiais por parte do infans. No momento em que o adolescente tem que abandoná-los percebe-se em situação de desamparo e a transgressão será sua única forma de instituir o Nome do Pai

A forma como esta mulher se refugia em seu casamento/prótese circunscreve seu desejo inconsciente, presa em uma teia, assim como seu filho adolescente que transgride a lei para fazer suplência ao Nome do Pai, elas se casam para fazer suplência a este nome faltoso, como forma de tentar se instituir como sujeito. Neste sentido o exercício da função materna não está no centro de suas vidas. Ela, assim como seu filho padecem da precariedade do Nome do Pai, diluído nas novas legalidades presentes na sociedade contemporânea, lo contexto econômico do qual fazem parte, acentua esta problemática, cabendo a cada um inventar a sua própria forma de se instituir como sujeito: a mulher através de seu casamento e o adolescente através da passagem ao ato e da drogadicção, sendo que este último merece um estudo específico.

 

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Recebido em 05 de Janeiro de 2010
Aceito em 12 de Setembro de 2010
Revisado em 22 de dezembro de 2010