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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.11 no.2 Fortaleza  2011

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

As manifestações de angústia e o sintoma na infância: considerações psicanalíticas

 

Manifestations of anxiety and the symptom in childhood: psychoanalytic considerations

 

Las manifestaciones de la ansiedad y el síntoma en la niñez: consideraciones psicoanalíticas

 

Les manifestations d'anxiété et le symptôme en l'enfance: considérations psychanalytiques

 

 

Juliana Zinelli BolssonI; Silvia Pereira da Cruz BenettiII

IPsicóloga, mestranda em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), especialista em Atendimento Clínico com Ênfase em Psicanálise pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). End.: R. Miguel Tostes, 139/406. CEP: 90430-061 - Porto Alegre - RS. E-mail: psicojzb@hotmail.com
IIPsicóloga, doutora em Child and Family Studies pela Syracuse University, mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professora adjunto no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). End.: R. Riveira, 150/301. CEP: 90670-160- Porto Alegre-RS. E-mail: sbenetti@unisinos.br

 

 


RESUMO

Desde as primeiras contribuições teóricas freudianas sobre a constituição psíquica do sujeito, observamos que o período da infância tem ocupado um lugar de destaque como um dos momentos fundamentais para o desenvolvimento e para a estruturação do aparelho psíquico. A partir disso, este artigo tem como objetivo a compreensão teórica das manifestações de angústia e do sintoma infantil sob uma perspectiva psicanalítica. Nesse sentido, apresentamos uma revisão sobre a angústia e o complexo de Édipo na visão psicanalítica freudiana e pós-freudiana de psicanalistas, tais como Freud, Lacan e Zornig. Dessa forma, destacamos a relação do sintoma na infância à constituição psíquica infantil ligada às funções parentais, tomando como base a complexa rede de relações e conflitos familiares que se configuram, no sentido de entender os aspectos das funções parentais envolvidos nestes. Com base nesses trabalhos, discutimos os desdobramentos das questões da angústia relacionada ao objeto "a" e ao sintoma na infância pela perspectiva da trama familiar. Assim, abordamos a angústia na criança tanto em um momento transitório, como em um momento mais edípico, apontando para o caminho relacionado à neurose infantil. Em suma, verificamos que as fases que envolvem as manifestações de angústia e sua relação com o sintoma são, indiscutivelmente, processos essenciais para a escuta psicanalítica da clínica infantil e para uma investigação mais aprofundada desse processo.

Palavras-chave: Angústia, sintoma, infância, psicanálise, Édipo.


ABSTRACT

Since first Freudian theoretical contributions on subject's psychic constitution, we observed that the childhood period has occupied a prominent place as one of the key moments in the development and structuring of the psychic apparatus. This article aims a theoretical understanding of anguish manifestations and symptoms in children based on a psychoanalytic perspective. Accordingly, we present a review of the concepts of anguish and the Oedipus complex in Freudian psychoanalytic view and in pos-Freudian psychoanalysts such as Freud, Lacan and Zornig. We highlight the relationship between symptom in infancy and children's psychic constitution linked to parental functions, based on complex relations and family conflicts that take place in order to understand the aspects of parenting involved in these functions. Based on these studies, we discuss the ramifications of the issues of anguish related to the object "a" and the symptom in childhood from the point of view of family structure. Thus, we discuss the anguish expressed in the child both in a transitory moment and in a more Oedipal time, pointing the mode related to infantile neurosis. In short, we found that the stages involving the manifestations of anguish and relationship with the symptom are, undoubtedly, essential processes for child psychoanalysis and also for the investigation of the elements involved in these processes.

Keywords: Anguish, symptom, childhood, psychoanalysis, Oedipus.


RESUMEN

Desde las primeras contribuciones teóricas freudianas acerca de la constitución psíquica del sujeto, se observó que el período de la infancia ha ocupado un lugar destacado como uno de los momentos clave en el desarrollo y en la estructuración del aparato psíquico. De esto, este artículo tiene como objetivo la comprensión teórica de las manifestaciones de la angustia y de los síntomas de niños en una perspectiva psicoanalítica. En este sentido, presentamos una revisión de la angustia y del complejo de Edipo en la visión freudiana y post-freudiana de psicoanalistas como Freud, Lacan y Zornig. Así, podemos destacar la relación de los síntomas en la infancia con la constitución psíquica de los niños vinculada a las funciones de los padres, sobre la base de la compleja red de relaciones y conflictos familiares que constituyen el síntoma del niño, con el fin de entender los aspectos de las funciones parentales involucrados. Basándose en estos estudios, discutimos las implicaciones de las cuestiones relacionadas con el objeto "a" y los síntomas de ansiedad en la infancia en la perspectiva de la familia. Por lo tanto, nos dirigimos a la angustia en el niño, sea en un momento transitorio, sea en un momento más edípico, apuntando la relación con la neurosis infantil. En resumen, verificamos que las fases de las manifestaciones de ansiedad y su relación con el síntoma, sin duda, son procesos esenciales para la escucha psicoanalítica a la clínica de los ninos y para una investigación a fondo de ese proceso.

Palabras-clave: Angustia, síntoma, infancia, psicoanálisis,Edipo.


RÉSUMÉ

Depuis le premier freudien contributions théoriques sur la constitution psychique du sujet, nous avons observé que la période de l'enfance a occupé une place importante comme l'un des moments-clés dans le développement et la structuration de l'appareil psychique. De là, cet article vise à la compréhension théorique des manifestations de la angoisse et symptómes dans une perspective psychanalytique enfants. En ce sens, nous présentons une revue de angoisse et complexe d'Oedipe dans la conception psychanalytique freudienne et post-freudienne des psychanalystes comme Freud, Lacan et Zornig. Ainsi, nous mettons en évidence la place du symptóme dans l'enfance liés à la constitution psychique des enfants liés à des fonctions parentales, basé sur le réseau complexe de relations et les conflits familiaux qui constituent le symptóme de l'enfant, afin de comprendre les aspects des fonctions parentales impliquées dans ces. Basé sur ces études, nous discutons les ramifications des questions liées à l'angoisse de l'objet a et le symptóme de l'enfance dans la perspective de la parcelle familiale. Ainsi, nous abordons l'angoisse de l'enfant soit dans un moment transitoire, comme dans un moment d'une plus oedipienne, pointant vers le chemin liées à la névrose infantile. En bref, nous constatons que les phases impliquant les manifestations d'angoisse et sa relation avec le symptóme sont des processus essentiels pour l'écoute sans doute à la clinique psychanalytique des enfants et une enquête plus approfondie de ce processus.

Mots-clés: Angoisse, symptóme, enfance, psychanalyse, Oedipe.


 

 

Introdução

Desde as primeiras contribuições freudianas sobre a constituição psíquica do sujeito, observamos que o período da infância tem ocupado um lugar de destaque como um dos momentos fundamentais para o desenvolvimento e a estruturação do aparelho psíquico. Em 1909, Freud (1996a) inaugurava, com o caso clínico do Pequeno Hans, a própria análise infantil. Vemos, assim, que já há muito tempo a psicanálise contribui para o aprofundamento das questões relativas à infância.

Ainda hoje, diversos estudos se voltam para a complexidade das situações envolvendo o desenvolvimento infantil e sua relação com o sintoma. Perpassando, de alguma maneira, as manifestações sintomáticas da criança, observamos que a angústia infantil se situa como um dos afetos presentes desde o trauma do nascimento até o próprio momento de constituição do sujeito ou mesmo da rivalidade edípica. A angústia na infância se relaciona, então, diretamente com as figuras parentais. Quando se trata da constituição do sujeito, consideramos a relação inicial da criança com sua mãe e a intervenção do pai nessa relação. A função paterna é indissociável da materna, pois o pai deve ter um lugar no discurso materno, isto é, o pai só será o pai na medida em que ele for nomeado pelo discurso materno. Sendo assim, é preciso diferenciar os pais reais dos pais enquanto função. Faz-se necessário, então, realizar esse cruzamento entre as funções materna e paterna como constituintes do sujeito (Faria, 1998).

Dessa forma, estão em jogo, nas manifestações de angústia, tanto os elementos maternos como os paternos, pois, antes mesmo de a criança nascer, já preexiste um discurso parental que a envolve (Costa, 2007). Um estudo psicanalítico realizado por Piccinini, Ferrari, Levandowiski, Lopes e Nardi (2003) se enfatiza a representação que a mãe faz da criança antes de ela nascer, que não é a de um feto em desenvolvimento, mas a de um bebê imaginado já desenvolvido. A partir dessa concepção, estabelecem-se três bebês na mente materna: o bebê imaginário, o bebê edípico e o bebê propriamente dito. O primeiro se constrói durante a gestação, é o bebê das expectativas, do desejo maternal. O segundo é resultado da história edípica infantil materna, sendo o mais inconsciente de todos, carregado pela fantasia da mãe de ter um filho com o pai. Por fim, o terceiro é o que a mãe segurará nos braços quando nascer. A compreensão desses processos, bem como o lugar que o sintoma da criança ocupa na rede familiar, são, indiscutivelmente, passos essenciais para uma escuta clínica.

Em outro estudo, Ferrari e Piccinini (2010) ressaltam a importância do mito familiar para a constituição subjetiva da criança; ou seja, a possibilidade de a mãe imaginar o bebê é fundamental tanto para ela quanto para a própria criança. É preciso algo, então, que preceda o sujeito, para que ele possa se constituir como tal. Logo, o bebê irá constituir seu eu na relação com alguém, para que este lhe forneça sentidos para seus atos.

A angústia na criança pode ocupar um lugar associado ao momento em que esta se constitui como tal, e em relação às vivências posteriores, de ordem mais edípica, apontando para a complexa relação entre o lugar do sintoma e sua constituição psíquica. Porém, a angústia na criança também pode ser vista nas fases psicossexuais anteriores à castração, ligadas a afetos originados na angústia da separação da mãe (na hora do nascimento, no desmame, na separação das fezes durante a fase anal).

Com isso, direcionamo-nos ao lugar da constituição subjetiva da criança, que será o resultado da sobreposição de suas características e do campo determinado pela subjetividade dos pais. A clínica com crianças nos faz pensar e refletir sobre essas relações na medida em que os pais - enquanto funções, enquanto sujeitos desejantes, assujeitados a seu inconsciente em uma ordem de desejo particular - podem, ou não, ocupar determinadas funções para o filho.

As manifestações de angústia na infância podem, portanto, constituir-se com um grau intenso de sofrimento psíquico, o qual, por sua vez, pode levar à constituição de uma neurose infantil, indicando duas vertentes na clínica psicanalítica dessa faixa etária. Uma delas é relativa à posição de dependência e alienação da criança frente a seus pais (cuidadores); e a outra, à possibilidade de constituição de uma neurose infantil, que vem como resposta ao inconsciente dos pais. Sendo assim, a angústia infantil remete à trama familiar na estrutura da infância, correspondendo às alternativas edípicas do sujeito, às tentativas da criança, a seu modo, através de fantasias e das teorias sexuais infantis, de conseguir "uma mediação (representação) entre ela e a mãe (fálica)" (Zornig, 2001, p. 185).

A partir disso, focalizamos nosso interesse em ampliar a compreensão dos processos psíquicos associados às manifestações de angústia infantil, abarcados pela teoria psicanalítica. No entanto, indagamo-nos: qual lugar ocupa a angústia no cenário do sintoma infantil? Essa angústia na criança se manifesta em um determinado momento de sua constituição com o intuito de organização psíquica anterior ao recalque ou já direciona para o caminho relacionado à neurose infantil?

Considerando tanto a importância das manifestações de angústia na clínica infantil como o aprofundamento no estudo do funcionamento psíquico na infância, destacamos o lugar do sintoma na infância relacionado à constituição psíquica infantil ligada às funções parentais, tomando como base a complexa rede de relações e conflitos familiares que se configuram no sintoma da criança, no sentido de entender os aspectos das funções parentais envolvidos nestes.

Inicialmente, apresentamos uma revisão sobre a angústia na visão psicanalítica freudiana e pós-freudiana (Lacan e seguidores), passando pelo complexo de Édipo. Logo, adentramos nos desdobramentos das questões sobre a angústia na infância em relação à trama familiar.

 

Perspectiva Histórica do Enfoque Psicanalítico da Angústia

Conforme mencionado, foi no caso clínico do Pequeno Hans - caso modelo da psicanálise de crianças - que Freud (1909/1996a) inaugurou a própria análise infantil. Em relação aos casos associados às manifestações de angústia e de sintomas na infância, ligadas à primeira fase de constituição psíquica do sujeito, a abordagem psicanalítica, desde seus primórdios, tem contribuído muito para a compreensão aprofundada destas na infância. A angústia ocupa um lugar demarcado na história da Psicanálise, encontrando no caso clínico do Pequeno Hans a manifestação em sua expressão fóbica.

Na psicanálise, a angústia tem um status especial, pois Freud, desde seus escritos iniciais, já abordava essa questão, muito em função da fobia. A fobia, termo derivado do grego phobos, designa, como nos indicam Roudinesco e Plon (1998), o pavor de um sujeito em relação a uma situação, a um ser vivo ou a um objeto. Ocupa, na clínica atual, várias nomeações, podendo o psicólogo se deparar com o diagnóstico de pânico, fobia, fobia social, entre outros. Entretanto, na visão psicanalítica freudiana, a fobia não deve ser considerada como um processo independente, relacionando-se basicamente à angústia. Utiliza-se, além disso, a expressão histeria de angústia, uma neurose em que o sintoma mais prevalente e central é o da fobia. Nesse caso, a libido não é convertida, mas é liberada como angústia.

Conforme observado historicamente, a angústia infantil ocupa um lugar central na psicanálise. No caso clínico do Pequeno Hans, Freud (1909/1996a) discorreu extensamente sobre os mecanismos psíquicos envolvidos nas manifestações de angústia e fobia. Freud havia iniciado seus estudos sobre a fobia nos anos de 1890, mas a evolução de suas ideias sobre esse quadro estava inteiramente ligada à angústia Referindo-se à questão da angústia, é preciso percorrer a evolução das ideias freudianas, identificando sua concepção acerca da origem e das determinações dessas manifestações.

Encontramos, assim, duas teorias da angústia em Freud. Uma é articulada em seus trabalhos inicias, e a outra é publicada em 1926, em Inibições, Sintoma e Angústia. Nesse artigo, Freud (1926/1996b) descreve alguns tipos de angústia: angústia como libido transformada; angústia realística e neurótica; angústia como sinal; e angústia e o nascimento. Na angústia como libido transformada, a angústia vem como uma reação a situações de perigo (concepção que logo foi descartada por Freud). Na angústia realística e neurótica, não existe uma diferença genética entre ambas, estando ambas relacionadas; a psique é dominada pela angústia, no caso de se sentir incapaz de lidar com um perigo exterior. A angústia como sinal vem como um sinal de desprazer. Por último, a angústia e o nascimento estão interligados, pois o nascimento é a primeira experiência de angústia, sendo fonte e protótipo da sensação desta.

 

Primeira Teoria da Angústia

Na primeira teoria da angústia, Freud (1895/1996c) argumenta que essa manifestação corresponderia a uma tensão física sexual, que não seria elaborada psiquicamente. A neurose de angústia mantém a tensão sexual somática afastada do psíquico, interferindo na elaboração psíquica. Com base nessa compreensão, seria edificada a teoria freudiana do recalcamento1, na qual este consiste simplesmente em afastar algo do inconsciente, podendo incluir o caso da demência precoce e outras afecções narcisistas (Freud, 1915/1996d).

Na primeira teoria da angústia, a fobia, na concepção de Freud (1895/1996c), estava associada à histeria e fazia parte de dois grupos. As obsessões e fobias poderiam ser chamadas de traumáticas e consideradas ligadas ao sintoma da histeria. Especificamente, o estado emocional nas fobias seria sempre o de angústia e medo. Nesse sentido, Freud discriminava dois tipos de fobias: as fobias comuns, que incluíam o medo exagerado, por exemplo, da escuridão, da solidão, da morte, de cobras, e de doenças em geral; e as fobias contingentes, que seriam o medo de algo que não gera medo ao homem comum, como a agorafobia, e outras fobias de locomoção. Contudo, no texto sobre a neurose de angústia, as fobias não teriam uma base psíquica e fariam parte das neuroses de angústia, mas o mecanismo das fobias estaria totalmente associado ao estado emocional de angústia.

A neurose de angústia tem uma origem sexual, mas não possui mecanismo psíquico. Sua causa seria uma acumulação de tensão sexual causada pela abstinência ou excitação sexual não consumada. A angústia, na primeira teoria, aparece, essencialmente, como a inscrição corporal pela impossibilidade de elaboração psíquica. Já na segunda teoria, a angústia - até então, vista como não psíquica, tóxica e se constituindo frente ao perigo - passa para o domínio do psíquico.

 

Segunda Teoria da Angústia

Ao longo dos anos de 1920, na segunda teoria da angústia, Freud (1926/1996b) afirma que é da angústia que surge o recalque. Isso quer dizer que a angústia resulta de um medo imaginário da castração, angústia como um sinal do eu, sinal de perigo a uma exigência pulsional, de um desejo enigmático. É somente após a angústia que o recalque intervém.

Na segunda teoria da angústia, o recalque é acionado e está vinculado ao temor da castração. Então, é no caso clínico do Pequeno Hans (Freud, 1909/1996a), marcado pelo complexo de Édipo, que foi dado o primeiro passo sobre essas questões ainda pendentes e no qual foi introduzida uma nova entidade clínica chamada de histeria de angústia. Nesse momento, Freud (1895/1996c) comunica que as fobias devem ser entendidas como parte de várias neuroses e não se pode classificá-las como processo independente, propondo o nome de histeria de angústia ao processo que se assemelhava ao mecanismo da histeria, no qual o sintoma fóbico é central.

No que se refere às manifestações fóbicas, aos medos e temores excessivos, na segunda teoria da angústia, eles indicam a realização fantasiosa do desejar e também do recalcamento, além de estarem associados ao temor da castração. Sendo assim, na fobia, o perigo da castração é reconhecido pelo eu2; a angústia surge como um sinal e inibe o investimento do id, formando, então, o sintoma fóbico. A angústia, expressada de maneira distorcida, passa a ser dirigida a um objeto. A segunda teoria da angústia vem, então, demarcar um modelo mais funcional, ou seja, há uma função e uma utilidade, permitindo uma concepção histórica dela. Logo, a angústia é entendida como algo da experiência do passado que se repete, possibilitando uma concepção simbólica desta. Sua função é a de reagir a um perigo, podendo ressurgir quando algo associado ao perigo ameaça (Gurfinkel, 2006).

Observamos, então, que a fobia desliza da neurose de angústia para a histeria de angústia, não sendo considerada uma entidade clínica independente. No artigo Ansiedade e Vida Instintual, Freud (1933/1996f) se refere à primeira experiência de angústia, relacionada ao nascimento, como sendo tóxica; nela, os efeitos do coração e da respiração são característicos da angústia. Disso, advém uma distinção mais elucidada entre angústia realística e neurótica. A angústia realística é uma reação aparentemente compreensível frente a um perigo de fora, na qual dois resultados são possíveis: (1) geração da angústia, repetindo uma antiga experiência traumática, limitando-se a um sinal, podendo o sujeito se adaptar à nova situação de perigo ou ter como resultado a fuga ou a defesa; (2) a antiga situação manterá o domínio e gerará angústia. A angústia neurótica é observada sob três condições: (1) encontra-se na forma flutuante, em estado de apreensão difusa; (2) encontra-se vinculada a determinadas ideias, tendo relação com um perigo externo; (3) a angústia na histeria ou em neuroses graves, acompanhando os sintomas ou em forma de ataque, sem base visível em um perigo externo.

 

Caso Clínico do Pequeno Hans

A partir disso, em relação à infância, encontramos no caso do Pequeno Hans uma das primeiras incursões de Freud (1909/1996a) acerca da angústia. O sintoma que acomete o menino é o medo de ser mordido por cavalos. A fobia de Hans surge entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica, na qual ele apresenta grande interesse pela origem dos bebês e pelos órgãos genitais. Nessa época, a mãe de Hans dá à luz uma menina, situação que coloca à prova os cuidados maternos. Os sintomas do menino se manifestam, portanto, a partir do nascimento de sua irmã, e são intensificados pela necessidade de ter mais um a competir pelo amor de sua mãe. Ele passa a usar a satisfação autoerótica, como a masturbação, a qual é condenada por seus pais. No entanto, a fase é marcada pelo complexo de Édipo, através do qual Hans deseja sua mãe e tem raiva de seu pai, que é visto como rival, isto é, aquele que pode castigá-lo, castrando-o. Diante disso, Hans associa o pai à figura do cavalo e desloca a função do pai para o animal, surgindo o medo que este o morda.

No caso no Pequeno Hans, o que acometia o menino era o terror da castração. A angústia, assim, produziu o recalque. Portanto, nesse relato clínico, o terror do menino seria em relação a ficar separado da mãe, com o sentimento de estar sendo forçado a isso pelo pai. A figura desse pai ameaçador é projetada no cavalo, advindo daí o medo. É o temor da castração que está em jogo no sintoma fóbico, segundo a concepção de Freud.

Freud (1909/1996a), então, irá conceituar o termo histeria de angústia (na observação do caso clínico do Pequeno Hans), na qual a libido que teria sido liberada do material patogênico pelo recalque não é convertida (desviada da mente para o soma), mas é posta em liberdade na forma de angústia. A histeria de angústia tanto pode se combinar com a histeria de conversão (sem nenhum traço de angústia) como também pode exibir sentimentos de angústia e fobias sem nenhuma conversão, sendo esta o caso do Pequeno Hans, que apresentava uma histeria de angústia com sintomas fóbicos sem conversão.

Foi com base na compreensão desse caso que se firmou a segunda teoria da angústia, na qual a fobia é considerada como parte da histeria de angústia. Logo, no que se refere às fobias infantis, Freud (1909/1996a) já considerava que estas aconteciam com frequência. Na vida futura, as crianças que foram fóbicas em algum momento de sua infância se tornariam neuróticas ou saudáveis. Assim, as fobias podem diminuir ou desaparecer em meses ou anos.

Já naquela ocasião, Freud advertia sobre um importante aspecto acerca da demasiada atenção que é dada ao sintoma, minimizando suas causas. Desse modo, ao educar as crianças, visa-se uma criança modelo e não se dá a devida atenção ao caminho do desenvolvimento para o bem desta.

Considerando esses aspectos das vivências infantis, observamos duas importantes forças psíquicas envolvidas no sintoma. Uma delas, vinculada ao processo de separação materna; a outra, à entrada do pai, ou seja, o estabelecimento do momento edípico, fundante do sujeito. Nesse sentido, vemos que a angústia assume também um lugar representativo dos períodos iniciais de estruturação psíquica do sujeito, isto é, relacionada tanto à possibilidade de separação materna como da entrada da função paterna.

 

Complexo de Édipo em Freud

Fundamentalmente, o complexo de Édipo foi, para Freud, um dos elementos principais do desenvolvimento psíquico, consistindo, em essência, na ligação afetiva da criança com as figuras parentais. O complexo de Édipo, de alguma maneira, traça o destino do sujeito, pois as escolhas de objeto de amor na puberdade serão construídas com base nele. Tem, pois, o efeito de estruturação da personalidade; é a partir do declínio do Édipo e da entrada na latência que a estrutura será definida. Portanto, o estudo da sexualidade infantil relacionado aos complexos de Édipo e de castração está diretamente ligado à angústia (Freud, 1925/1996g).

É importante ressaltar a diferença que Freud faz entre a constituição do Édipo e o complexo de castração na menina e no menino, que se evidencia na fase fálica. O menino vê a mãe como sua propriedade, está apaixonado por ela. Contudo, descobre que ela transferiu seu amor a outro, seu pai ou substituto, e se coloca como rival deste. A partir disso, ele tem duas possibilidades de satisfação: uma ativa e outra passiva. Na primeira, o menino pode se colocar no lugar do pai e ter relações com a mãe; na segunda, pode assumir o lugar da mãe e ser amado pelo pai. Assim, o medo da castração e o reconhecimento de que as meninas (mulheres) são castradas põem fim às duas possibilidades de satisfação do Édipo, pois as duas levam à perda de seu pênis - a ativa, como punição resultante; e a passiva como precondição. Dessa forma, o menino evolui do objeto mãe (abandonando-a) para se identificar com o pai, o que mais tarde lhe possibilitará outra escolha de objeto e outras identificações. Destarte, o menino sai do complexo de Édipo pela angústia de castração (Gurfinkel, 2006).

Na menina, o complexo de Édipo se expressa de outra maneira. Inicia quando a menina se considera aquilo que seu pai ama acima de tudo. Ainda assim, chega um momento em que ela deve sofrer uma dura punição por parte desse pai, ou seja, a castração. Entretanto, a menina aceita a castração como um fato consumado, pois ela viu o pênis, sabe que não o possui e quer tê-lo. Nesse caso, abandona o desejo de ter o pênis e, em seu lugar, deseja ter um filho, tomando o pai como objeto de amor. Nas meninas, o complexo de castração é correspondente à inveja do pênis, havendo o reconhecimento da própria castração e a mudança do objeto de amor, da mãe para o pai. A castração introduz a menina no complexo de Édipo (Freud, 1925/1996g).

Em síntese, na menina, o Édipo se dá pela castração. Ela experimenta a mesma fantasia que o menino, ou seja, de que o clitóris é um pequeno pênis que vai crescer, acreditando que foi castrada e alimentando seu sentimento de inferioridade. No menino, a saída do Édipo é pela angústia de castração (Freud, 1925/1996g).

Na concepção de Freud, na fase fálica, há, na menina, uma troca do objeto original (mãe) para o objeto pai. A menina teme a castração por senti-la como fato consumado, e não experimenta a angústia de castração como o menino. A angústia de castração surge com a ameaça da castração, sendo inconsciente. A castração na fase fálica demarca bem a perda do objeto. Com efeito, o declínio do Édipo na menina será provocado por um agente externo, a ameaça da perda do amor da mãe. Em suma, o complexo de castração implica o reconhecimento da diferença entre os sexos. No menino, ocasiona a constatação, a rememoração ou a atualização da ameaça de castração por ocasião de atividades masturbatórias; na menina, a castração é atribuída à mãe, que a priva do pênis (Gurfinkel, 2006).

 

Complexo de Édipo em uma Visão Pós-Freudiana

Nas contribuições psicanalíticas mais contemporâneas acerca da angústia, autores como Lacan destacam o lugar da relação primordial com a mãe. Esta é, para a criança, o Outro, ou seja, o lugar onde se origina o código, a linguagem, as palavras que vão captar e moldar suas necessidades. Ao mesmo tempo em que a mãe é o Outro, ela é também o outro, o do transitivismo, a imagem com a qual vai se identificar e constituir seu eu como outro imaginário, semelhante especular. A partir disso, destacaremos os três tempos do complexo de Édipo.

No primeiro tempo, a mãe sente sua própria castração como lhe faltando algo: o falo. Esse reconhecimento faz com que ela procure algo que a faria perfeita, e a criança faz a mãe se sentir completa, pois esta é, para a mãe, o falo. A mãe fálica, então, é aquela que sente que nada lhe falta, está completa. Mas o que seria o falo na concepção de Lacan? O falo é o significante3 do desejo do outro, na medida em que o desejo da mãe fica inscrito. Então, o falo aparece no lugar da falta, onde se inscreve a falta. Ao aparecer como uma presença, o falo produz a ilusão de que não falta nada, ou seja, se a imagem está presente, há a ilusão de que se está completo; mas também há o falo simbólico, que surge com a entrada da função paterna e produz a ameaça de se perder algo presente, isto é, da criança perder a mãe para o pai. Assim, o falo imaginário aparece como completando uma falta, mas o sujeito produz a ilusão de que não lhe falta nada (como é a criança para sua mãe) (Bleichmar, 1984).

É através desse movimento que Lacan (1995) assinala o fato de a criança intervir como substituta compensatória ao que falta à sua mãe (falo). Contudo, a criança terá que descobrir que alguma coisa é desejada pela mãe para além dela, para além do objeto de prazer que ela sente ser para sua mãe. Tem de perceber que o falo tem um valor simbólico. É preciso que o elemento simbólico intervenha, ou seja, a função paterna. O segundo tempo do complexo de Édipo é o momento em que a criança se insere no registro da castração pela intrusão da dimensão paterna.

Antes de prosseguir, é preciso abrir parênteses para definir o termo castração na visão de Lacan. A castração, para esse autor, é simbólica e se introduz através de um corte (uma separação entre mãe e filho). Portanto, ao mesmo tempo, produz-se também uma perda para cada um. Isso quer dizer que a criança que se separa do falo perde sua identificação com ele, deixa de sê-lo, e a mãe perde seu falo (filho): "(...) o complexo de castração assume um valor-pivô na realização do Édipo, é muito precisamente em função do pai, porque o falo é um símbolo do qual não há correspondente equivalente" (Lacan, 1955-1956/2008a, p. 206-207).

É a partir da inserção da criança no registro da castração que a mediação paterna irá intervir sob forma de privação na relação mãe-criança-falo. Ou seja, a função paterna irá separar a criança da mãe, fazer um corte simbólico nessa relação dual imaginária. A criança, nessa segunda fase, é intimada a questionar sua identificação fálica e, ao mesmo tempo, a renunciar a ser o objeto de desejo da mãe. Mas o que isso quer dizer? Quer dizer que a criança reconhece o pai como interdito. Esse pai deve frustrá-la da mãe e, do ponto de vista da mãe, o pai deve privá-la do falo (criança). Sendo assim, esse pai surge como outro na vida subjetiva da criança e, logo depois, como objeto fálico (Dor, 1989).

A noção de que na mãe falta o falo e de que sua mãe é desejante será, para o sujeito, decisiva. Então, na tríade mãe-criança-falo, triângulo pré-edipiano, com a entrada da função paterna (decepção fundamental da criança), ela apreende que ela não é o único objeto de desejo de sua mãe, mas que o interesse da mãe é, na verdade, o falo (Lacan, 1995).

É a entrada da função paterna como interdito da relação imaginária mãe-criança-falo que institui o terceiro tempo do complexo de Édipo, o qual representa o passo a ser dado pela criança na conquista do falo. Essa etapa é marcada pela simbolização da lei, na qual a criança aceita negociar. Tal como a mãe, ela se encontra na dialética do ter o falo e não mais de ser o falo, ou seja, a mãe que não tem o falo pode desejá-lo naquele que o apreende, e a criança poderá também cobiçá-lo onde ele se encontra (no pai) (Dor, 1989).

Contudo, nessa etapa, é preciso diferenciar o complexo de Édipo na menina e no menino, pois o falo não tem o mesmo valor para a criança que o possui (menino) e para a criança que não o possui (menina). No menino, a saída "normal" dessa situação é que ele receba simbolicamente o falo do qual necessita. Porém, para que ele necessite, é preciso que ele tenha a ameaça de uma instância castradora, isto é, a função paterna. A função do Édipo tem como destino, no menino, a permissão da identificação do sujeito com seu próprio sexo. O objetivo é que ele, recebendo o falo simbólico através da ameaça da castração paterna, esteja, um dia, na posição de pai (Lacan, 1995).

Já na menina, exatamente por não possuir o falo (ter ou não ter o falo; falicização da situação), ela entra no complexo de Édipo. Sendo assim, a menina, na dialética do ter ou não ter o falo, encontra o falo no pai. Esse pai é, para ela, seu objeto de amor, e esse objeto se torna objeto de satisfação da relação natural de procriação. A partir daí, existe, na menina, uma renúncia ao falo. Renunciando ao falo, ela se torna propriedade daquele de quem ela espera uma criança (o seu amor, seu pai). Freud já pontuara que as teorias sexuais infantis vão marcar a história do sujeito, seu desenvolvimento e tudo o que ele será em relação aos sexos. Isso se produz antes do complexo de Édipo, na fase fálica.

O decisivo, nessa situação, não é que o pai venha a substituir a mãe em seu lugar de onipotente - pois isso deixa o sujeito igualmente na relação dual -, mas que o pai venha, como terceiro, indicar que o outro não é onipotente e absoluto, que o outro tem que aceitar, por sua vez, a lei. Portanto, o fim do complexo de Édipo se dá na instauração da Lei, recalcada no inconsciente (Lacan, 1995).

Assim, em uma leitura contemporânea pós-freudiana, delineiam-se posições fundamentais tanto da função materna quanto paterna no processo estruturante do sujeito. A função da mãe e do pai implica a constituição subjetiva do sujeito em relação ao seu desejo. A função da mãe, através de seus cuidados, acarreta marcas particulares no sujeito, mesmo que seja através de suas faltas. A função do pai é de trazer seu nome para uma encarnação da Lei no desejo (Lacan, 2003).

O bebê se aliena à imagem do Outro (no primeiro momento, a mãe), instaurando uma relação dual, imaginária e de total dependência. Com a entrada do pai, esse lugar imaginário, no qual a criança se encontra (onde ela é o falo da mãe), será destituído para que o bebê possa sair dessa posição mortífera de ser o objeto do desejo da mãe para se constituir como sujeito desejante. Assim, a função fundamental do Édipo está muito associada à função paterna, que irá intervir como simbólica e permitirá à criança adquirir sua identidade (Costa, 2007).

É fundamental o valor que a mãe dá à palavra e/ou à autoridade do pai, estando ele presente ou não, pois a ausência real do pai não implica a sua ausência no complexo de Édipo. O pai é uma entidade simbólica que ordena uma função, isto é, ele nomeia e encarna a Lei. Em resumo, não é somente o momento do complexo de Édipo em si que é de extrema de importância, mas também como se dá o ingresso da criança nesse processo.

Retomando os aspectos acima discutidos, os três tempos da estrutura da organização objetal em referência à falta de objeto - que se articulam para a constituição psíquica do sujeito - são: (1) a privação, que é uma falta real, um furo, e seu objeto é sempre simbólico (exemplo disso é quando a mãe se vê privada da criança como representante do objeto de seu desejo, e quando a criança é privada da mãe enquanto objeto da satisfação de sua necessidade. O que priva ambas é o pai imaginário, que irá romper com essa relação dual); (2) a frustração, que é a noção de um dano; está no domínio da reivindicação, das exigências desenfreadas e sem leis, sua falta é sempre imaginária, e seu objeto é real (referindo-se à primeira idade da vida, ligada aos traumas, às investigações, impressões de experiências pré-edípicas). O caminho da frustração é articulado, essencialmente, em torno de três elementos: a mãe, a criança e o falo; e (3) a castração, que se classifica na categoria da dívida da cadeia simbólica. Assim, há uma falta fundamental e é sempre de um objeto imaginário (a saída da frustração é operada pela função paterna. Esse é o momento crucial da estruturação do sujeito, uma vez que a castração reordena as relações do sujeito com a falta e dá um novo estatuto ao falo, que, de objeto imaginário, passa para a condição simbólica) (Lacan, 1968-1969/2008b; Fragelli & Petri, 2004).

 

Contribuições Psicanalíticas Pós-freudianas Acerca da Angústia na Infância

Nas questões relativas às manifestações de angústia na infância, encontramos, nas contribuições pós-freudianas, especialmente em Lacan (1995), a releitura do caso clínico do Pequeno Hans, caso primordial para os desdobramentos do conceito de angústia na teoria psicanalítica. Nessa releitura, Lacan destaca que, apesar de todo o amor paterno, gentileza e bondade, Hans não manifesta temer a castração em relação a seu pai. A mãe de Hans o deixa, todas as manhãs, como terceiro no quarto do casal, mesmo contra a vontade do marido, indicando que ela não considera as palavras deste. Para Lacan, o pai não está presente no discurso da mãe; ela não o deixa entrar na relação com o filho. O pai simbólico, para Hans, é Freud, o que sabe tudo, o pai superior, que testemunha a sua verdade.

Então, além da mãe de Hans estar em uma posição que pode ser descrita como engolfadora, ela não autoriza a entrada dopai. No Pequeno Hans, o imaginário vem para reorganizar o mundo simbólico, ou seja, o medo do cavalo ocorre para demandar a função paterna. A angústia surge em Hans quando ele é separado de sua mãe. Sua relação com ela está impregnada de intimidade, fazendo com que a angústia sobrevenha. Acontece, então, a chegada da irmãzinha de Hans, que acaba excluindo-o e deixando-o de fora da situação.

Na perspectiva lacaniana, o problema de desenvolvimento de Hans está relacionado à ausência do falo do pai. É na medida em que ele se defronta com seu complexo de Édipo que a fobia se produz, pela necessidade de uma simbolização. O complexo de castração é incansavelmente buscado pelo menino.

Ao passar pelas contribuições de Freud (1926/1996b), observamos que a angústia ocorre pela falta de objeto (separação da mãe ou do falo). Em Lacan (2005), a angústia não é sem objeto. Isso se refere à noção de que a angústia não estaria ligada à falta de objeto, mas à relação do sujeito com seu objeto perdido - não tão perdido, pois se encontram vestígios dele nos sintomas e formações do inconsciente, ou seja, o objeto "a".

 

Angústia e objeto "a"

O objeto "a" é, por essência, o gozo que percorre a borda dos orifícios do corpo. Isso quer dizer que há uma série de partes destacáveis do corpo que não são apenas elementos orgânicos, mas fantasias e imagens. O objeto "a" aparece, então, como uma falta ou em forma fragmentada, principalmente através dos quatro objetos desligados do corpo, que são: o seio (objeto da sucção), as fezes (objeto da excreção), a voz e o olhar (objetos do desejo) (Nasio, 1993).

Essas partes desligadas do corpo podem representar "a". Porém, nem tudo que é isolável no corpo é, necessariamente, objeto "a". Para que isso ocorra, é preciso uma condição imaginária e duas simbólicas. A condição imaginária é determinada pelo seio e pelas fezes, que são figuras destacáveis do corpo (ao contrário da voz e do olhar), que transbordam da superfície. O seio, por exemplo, convida o bebê a pegá-lo com a mão, agarrá-lo, mordê-lo. Nisso se daria a condição imaginária.

Em relação à primeira condição simbólica, esses lugares do corpo (que são destinados à separação) estão ligados aos orifícios naturais, como a boca - no seio, e o ânus - nas fezes. Os outros dois objetos, a voz e o olhar, não necessitam de imagem, mas são determinados pela mesma condição simbólica, ou seja, o piscar dos olhos, que dá origem ao olhar (quando o bebê olha para a mãe, e a mãe direciona seu olhar para o bebê); e as paredes da glote, que vibram para originar a voz (quando a mãe envolve a criança de palavras, e quando a criança demanda sua mãe através do choro). Esses dois objetos não fazem parte da condição imaginária, simplesmente por serem objetos difíceis de imaginar (seria difícil desenhar a voz ou o olhar).

A segunda condição simbólica se caracteriza pelo fato de os objetos só se desligarem, e se separam do corpo através da fala. Isso quer dizer que a primeira fala, a mais primitiva, é a que separa (ou une) o seio do corpo da mãe e a boca do bebê, ou seja, o grito (demanda). É através do grito que a criança pede para mamar e se firma como sujeito do desejo. Ao se separar do seio, o bebê o transforma em um seio mental, que passa a lhe pertencer. O grito que tem valor de demanda implica, na verdade, uma dupla demanda: a demanda do sujeito ao Outro (do bebê à mãe) e do Outro ao sujeito (da mãe ao bebê). É somente através dessa dupla demanda, condição simbólica, que o sujeito se separa. É a partir da inadequação entre a demanda e a linguagem (entre aquilo que eu quero e a fala que anuncio para obter) que aparecem os mal-entendidos. Por exemplo, quando o bebê grita por estar com fome e a mãe acha que ele está com frio. É errando o alvo de seu objeto que o sujeito transforma o objeto real em uma imagem alucinada (no caso, transforma o seio real em seio alucinado); e é essa imagem que é chamada de objeto do desejo, ou objeto a. É na ausência do objeto de satisfação que a imagem dele vai constituir uma representação simbólica. Ao procurar novos objetos, o sujeito tentará reencontrar o objeto original que foi perdido, o objeto da satisfação total.

Porém, o objeto "a" não é o seio alucinado. Essa primeira experiência de satisfação (satisfação total, mítica), cuja repetição trará apenas uma satisfação parcial (pois nunca será igual à primeira), deixará marcas no psiquismo. Marcará uma perda, deixará um resto, que causa no sujeito a busca do reencontro dessa primeira experiência, o reencontro do objeto perdido. Assim, o objeto a aparece como objeto da falta e tem como função a causa do desejo, pois, para o sujeito ser desejante, é preciso que o objeto causa de seu desejo lhe falte, ou seja, é preciso que permaneça a falta estruturante (Nasio, 1993).

Por exemplo, o que causaria angústia em um bebê não seria a falta do objeto seio, mas a invasão desse objeto4. A angústia surge quando algo vem ocupar o lugar do objeto faltoso do desejo. Então, a angústia advém ao sujeito quando, no lugar dessa falta (que nos é estruturante), aparece algo.

O que provoca angústia é tudo aquilo que nos anuncia, que nos permite entrever que voltaremos ao colo. (...) A possibilidade da ausência, eis a segurança da presença. O que há de mais angustiante para a criança é, justamente, quando a relação com base na qual essa possibilidade se institui, pela falta que a transforma em desejo, é perturbada, e ela fica perturbada ao máximo quando não há possibilidade de falta. (Lacan, 2005, p. 64)

Sendo assim, a angústia e o objeto "a" estão interligados. O objeto "a" não é um significante nem possui imagem. Ainda que desejado pelo sujeito, não é representável, portanto, é um resto não simbolizável - ele é o objeto causa do desejo. Por sua vez, a angústia seria a tradução subjetiva do objeto a, pois este vem alarmar o lugar da falta (que pode vir a ser ocupada), barrando o sujeito através da angústia (Souza, 2009).

Por conseguinte, o objeto "a" não é passível de sentido (pois não é representável, está nessa falta estruturante). É a impossibilidade de o sujeito superar a perda do objeto de satisfação que dará lugar ao objeto "a", com a condição de evidenciar a falta por essa perda. O objeto "a" se relaciona, então, com a separação do corpo e também com as operações de constituição do sujeito.

 

Manifestações de Angústia Anteriores ao Recalque

Algumas manifestações de angústia na criança podem estar relacionadas às fases psicossexuais do sujeito em constituição, anteriores à castração e ao recalque. Ou seja, as manifestações de angústia podem sobressair na criança com fins de organização psíquica em uma determinada fase na qual o aparelho psíquico ainda não está constituído (Zornig, 2008). É preciso, então, adentrarmos nas questões referentes ao recalque.

Em relação ao recalque, percorreremos, brevemente, alguns estudos freudianos para a compreensão desse conceito. Em uma Carta a Fliess (Carta 75), ainda na primeira tópica5, Freud (1897/1996h) afirmava que o recalque seria a denominação clínica da falta de tradução de alguns materiais que não tinham acesso à consciência. Com isso, o recalque não lidaria com as pulsões em si, mas com seus representantes (imagens ou ideias) que, apesar de recalcados, continuavam ativos no inconsciente sob a forma de derivados quase prontos a retornar para o consciente.

Em seu artigo Repressão, Freud (1915/1996d) sustenta que a essência do recalque está em afastar algo do consciente, mantendo-o a distância. Freud distingue três tempos do recalque: (1) recalque propriamente dito; (2) recalque originário; e (3) retorno do recalcado nas formações do inconsciente. A primeira afeta os derivados mentais do representante recalcado; na segunda (que também é chamada de recalque primário), o recalque nega ao representante psíquico a entrada na consciência. Com isso, designa a divisão entre consciente e inconsciente, concomitante à aquisição da linguagem. Por último, na terceira (que também pode ser chamada de recalque secundário), ele deixaria sintomas em seu rastro, indicando o retorno do recalcado.

Com isso, o recalque expulsaria da consciência os conteúdos que estão vinculados ao complexo de Édipo, isto é, representações vinculadas ao momento inicial da posição de sujeito, definido pelo não reconhecimento do desejo do outro, situando a criança na fase de latência. Portanto, na primeira tópica, o recalque viria para evitar que algo se torne consciente e é um processo que está na fronteira entre o inconsciente e o consciente. Já na segunda tópica6, Freud (1926/1996b) defende que o retorno do recalcado se manifestaria sob a forma de sintomas, sonhos, esquecimentos e outros atos falhos. Nessa tópica, o recalque é ligado à parte inconsciente do eu.

Portanto, o recalque (ou recalcamento), na concepção de Freud, propende a manter no inconsciente todas as ideias e representações ligadas às pulsões, cuja realização, produtora de prazer, afeta o equilíbrio do funcionamento psíquico do sujeito, transformando-se em fonte de desprazer. O recalque, então, é constitutivo do inconsciente. Ele faz uma cisão no universo simbólico do sujeito, impedindo a passagem da imagem à palavra, mas isso não elimina a representação e nem destrói sua potência significante. Na verdade, isso constitui o inconsciente, que continua insistindo no sentido de possibilitar uma satisfação da pulsão (Goldgrub, 2010).

Em relação às manifestações de angústia anteriores ao recalque, Zimmermann (1997) enfatiza os momentos no qual a criança não está suficientemente organizada em seu psiquismo, produzindo, assim, algumas manifestações sintomatológicas. O corpo, então, serve como abrigo para o sujeito em constituição, pois há um percurso significativo até a organização do sujeito em direção à neurose: é preciso a constituição dos fantasmas, instauração do recalque, constituição da linguagem, início dos processos de metáfora e metonímia (deslocamento e condensação) nas formações inconscientes. Algumas manifestações infantis não podem ser entendidas como sintomas, pois o aparelho psíquico pode não ter constituído as ligações necessárias para que haja a inscrição das representações.

Seguindo esse raciocínio, para Zornig (2008), os sintomas na infância poderiam ser interpretados como uma tentativa da criança de estruturar sua realidade psíquica, podendo se manifestar de forma transitória, em uma determinada fase, para uma organização psíquica ao invés de uma constituição patológica. Assim, as angústias anteriores ao complexo de castração (ainda que Freud aponte que o complexo de castração deve ter sua aparição na fase fálica, quando a criança se depara com a diferença dos sexos) podem ser relidas na dialética entre o total e o parcial, ou seja, entre a parte que se separa e a parte da qual é separada (relação imaginária mãe-bebê) a fim de indicar a angústia como estruturante.

Nos estágios anteriores à castração e ao recalque, uma das tentativas da criança de se organizar psiquicamente pode se manifestar através da angústia de separação. Nela, a criança irá encarar os momentos de desprendimento de sua mãe com muita angústia, pois é a mãe que lhe dá, desde o seu nascimento, amparo. Cada separação de sua mãe poderá remetê-la à angústia de um abandono psíquico. As situações de perigo temidas pelo eu significam, muitas vezes, uma separação, a perda de um objeto amado ou a perda do amor desse objeto. Assim, a angústia na criança é da ausência da pessoa amada ou do seu substituto, e essa separação pode levar a uma situação de desamparo (Sisti & Groman, 2005; Menegat, 2006).

Outra manifestação da angústia infantil na tentativa de organização psíquica anterior à castração e ao recalque é a experiência de estar diante de pessoas entranhas. Isso não se relaciona tanto à noção de que a criança tem medo de pessoas desconhecidas, mas remete à perda do rosto amado, ou seja, à perda da mãe. Assim, outras experiências, como o medo do escuro e o medo de ficar sozinho, referem-se à mesma questão: a ausência da pessoa amada (Zornig, 2008). Na criança, a angústia do estranho vem denunciar a impossibilidade de estabelecimento da presença/ausência do outro consigo. Por volta dos três meses de idade, o bebê, em primeiro lugar, possui o rosto da mãe, objeto de identificação primária. É somente após essa etapa que surgirá a angústia diante do estranho, dando lugar à diferenciação e à distância do outro. Sendo assim, a criança que não consegue alcançar sua identidade corporal, acaba incapacitada de constituir um objeto idêntico a si em frente ao espelho, isto é, vê o outro como vê a si mesma, não consegue diferenciar (Zimmermann, 1997).

É nessa fase, tão importante para a constituição psíquica do sujeito, que a criança se encontra no estádio do espelho. Conforme Lacan (1998), por volta dos seis aos dezoito meses, a criança passa pela troca da imagem do corpo esfacelada por uma forma ortopédica (de sua totalidade), na qual ela apreende, pouco a pouco, a imagem do eu como pleno e unificado. É no estádio do espelho que a criança conquista a imagem de seu próprio corpo. No primeiro momento desse estádio, a criança se confunde entre si e o Outro, sendo no Outro que ela se vivencia e se orienta. O segundo momento constitui uma fase determinante do processo identifica- tório, no qual a criança descobre que o Outro do espelho não é um Outro real, mas uma imagem. Ela não procura mais se apossar dessa imagem, pois sabe distinguir a imagem do Outro da realidade do Outro. No terceiro momento, há uma dialética entre as duas etapas anteriores, na qual a criança, reconhecendo-se através de sua imagem, recupera a dispersão do corpo esfacelado em uma totalidade unificada, que é a representação do próprio corpo. Portanto, é só depois dessa fase que a criança pode apresentar manifestações de angústia relacionadas a uma constituição psíquica patológica ligada ao complexo de Édipo.

 

As Manifestações de Angústia e o Sintoma na Constituição Psíquica do Sujeito

Percorremos as manifestações de angústia pós-freudiana relacionadas ao objeto a. Enfatizamos as manifestações de angústia anteriores ao recalque, com fins de organização do aparelho psíquico na criança. A partir disso, adentramos na importante ligação, posterior ao recalque, entre sintoma e angústia na constituição psíquica do sujeito, relacionado ao complexo de Édipo.

 

Sintoma

Partindo, então, para uma breve revisão do conceito de sintoma em Freud, encontramos, na Quarta Lição das Cinco Lições de Psicanálise, uma determinada especificação. O sintoma seria a consequência dos desejos sexuais recalcados da infância. Freud (1910/1996i) determina que só os fatos da infância explicarão a fragilidade a certos traumas futuros, e é somente com a volta dos restos de lembranças à consciência que se poderá efetuar o afastamento dos sintomas.

Em seu artigo Sobre a Psicanálise, Freud (1913/1996j) relaciona o sintoma ao recalque. Os sintomas, então, seriam consequência dos produtos finais dos conflitos que levaram ao recalcamento. Logo, as pulsões sexuais que se submeteram ao recalque constituem a base para a formação dos sintomas, sendo estes substitutos de satisfações sexuais. Em seu artigo Introdução à Psicanálise e as Neuroses de Guerra, Freud (1919/1996k) afirma que a formação dos sintomas é movida por forças motivadoras que são sexuais7, e as neuroses nascem do conflito entre o ego e as pulsões sexuais rejeitados por ele.

Em Inibições, Sintoma e Angústia, Freud (1926/1996b) faz uma diferenciação entre sintoma e inibição. Ele considera o sintoma em geral como a presença de algo patológico, sendo consequência do processo de recalque; já a inibição é uma restrição normal de uma função, podendo ser um sintoma. Ainda nesse artigo, Freud (1926/1996b) relaciona o conceito de angústia e o de sintoma. Na ligação existente entre eles, observamos que a angústia é um sintoma da neurose. Isso quer dizer que os sintomas se constituem para remover o ego de uma situação de perigo e evitar a angústia, isto é, os sintomas reúnem a descarga psíquica que seria liberada como angústia. A geração de angústia é um requisito prévio para a formação dos sintomas e os coloca em movimento. O ego desperta a sensação de prazer/desprazer e, com isso, produz angústia.

O sintoma, então, é camuflado por suas relações com a angústia, pois vem desmascará-la. Ou seja, ela aparece no lugar do sintoma; os dois se representam, mas a angústia é anterior ao sintoma. Este se constitui como mecanismo egóico para limitar a aparição da daquela. Assim, se o sintoma surge para tentar preencher a falta primordial, a angústia vem alarmar o seu lugar de constituição, ou seja, de que há falta. A angústia não aparece como indicando a falta, mas indicando um perigo primordial: que a falta que constitui o sujeito venha a faltar. A angústia aponta para a tentação de que não haja falta no outro (Pisetta, 2009).

No artigo Moisés e o Monoteísmo: Três Ensaios - Parte I, Freud (1939/1996l) concilia os sintomas de neurose às duas tendências do trauma (traumas positivos e negativos). Os traumas positivos dizem respeito a reascender a experiência vivida do trauma, recordá-la, repeti-la ou torná-la real. Os traumas positivos são nomeados de fixações no trauma. Os traumas negativos referem-se ao oposto dos positivos, isto é, os traumas esquecidos não são recordados nem repetidos, tendo como nomeação reações defensivas; eles se caracterizam, principalmente, pelo que podemos chamar de evitações, tendo a capacidade de intensificação em inibições e fobias. A partir disso, os sintomas de neuroses reuniriam ambas as tendências do trauma, de maneira que ora uma, ora outra teriam suas manifestações mais predominantes.

Em continuidade, Freud (1939/1996l) afirma que os sintomas possuem grande intensidade psíquica e, além disso, mostram-se independentes de grandes consequências em relação à organização dos processos mentais, que seguem as leis do pensamento lógico e as reivindicações do mundo externo real. Portanto, os fenómenos de formação de sintomas justificar-se-iam pelo retorno do recalcado.

Na medida em que a experiência de Freud vai se desenvolvendo, o conceito de sintoma evolui: de uma expressão do inconsciente e do recalcado (no qual o tratamento se direcionava, para o retorno do elemento esquecido, recalcado para a consciência); passando pela concepção de trauma, que logo foi abandonada; chegando à teoria da fantasia, isto é, o trauma como uma realidade psíquica do sujeito e fundamento da fantasia. O sintoma, então, tem função de defesa contra a angústia, constituindo, assim, seu valor estrutural, relacionado ao recalque (Vanier, 2002; Dias, 2006).

Entretanto, em uma leitura pós-freudiana e lacaniana, o sintoma está relacionado diretamente ao campo do Outro. Em um primeiro momento, Lacan (1998, p. 282) afirma que o sintoma "é o significante de um significado da consciência do sujeito". Isso se refere ao fato de o sintoma ser simbólico, ou seja, possuir uma estrutura significante, e é dessa ordem que ele deve ser interpretado. É a partir da análise que a cadeia significante vai se desenrolar, ou seja, é através das associações livres que os sonhos, os lapsos, as repetições, as brechas do sujeito e também os sintomas (que se dão pela via dos significantes e não do significado) irão emergir, e a partir disso, é que o sintoma vem revelar o sujeito do inconsciente. É a partir da cadeia significante que irá deslizar os significantes recalcados ligados ao sintoma. Portanto, o sintoma na concepção de Lacan, também está relacionado ao recalque, mas é somente pela cadeia significante que ele irá revelar o sujeito do inconsciente.

 

Sintoma na Infância

Considerando as questões relacionadas ao sintoma na infância, em Notas Sobre a Criança, Lacan (2003) remete o sintoma infantil à estrutura familiar, como resposta ao que existe de sintomático dessa estrutura, podendo representar a verdade do casal. No entanto, esse sintoma também pode se relacionar com a subjetividade da mãe, estando a criança implicada em uma fantasia materna. A criança, nesse caso, realiza a presença do objeto a na fantasia, ou seja, substitui o objeto de falta do desejo da mãe. A criança pode se apropriar sintomaticamente das produções fantasmáticas maternas e se assujeitar ao desejo mortífero do Outro.

Psicanalistas contemporâneos abordam a questão do sintoma seguindo a linha de Freud e Lacan, acrescentando contribuições importantes. Entre eles, Mannoni (1999) conceitua o sintoma como estando relacionado sempre entre o sujeito e o Outro. Ele se desenvolveria com um Outro e para um Outro. O sintoma sobrevém à criança para fazer escutar o modo como ela se situa frente ao desejo do Outro. Assim, o sintoma aparece no lugar de uma fala que falta, de um não dito. Ele seria um disfarce, nada mais do que a expressão de uma linguagem em código para o interlocutor.

Faria (1998) propõe uma discussão entre o sintoma da criança e o sintoma na criança, salientando que uma pequena, mas importante diferença se faz no quesito sujeito do desejo. O sintoma na criança é o sintoma atribuído a ela pelo discurso dos pais/cuidadores. O sintoma da criança envolve o sujeito em questão, ou seja, a própria criança, sujeito singular. A partir disso, Zornig (2008), referindo-se ao sintoma da criança e ao lugar dos pais afirma:

O sintoma da criança decorre não só da relação imaginária inconsciente estabelecida com os pais, mas principalmente de sua articulação entre o lugar proposto por eles e a construção de sua neurose infantil por suas produções fantasmáticas em seu percurso edípico (p. 132-133).

Para Zornig (2008), a neurose e os desejos parentais estão implicados fundamentalmente na eclosão dos sintomas do filho, pois sua existência já está demarcada nas fantasias e nos desejos desses pais. A criança em constituição se identifica com o lugar de objeto do desejo materno, tentando preencher a falta estrutural do Outro a fim de evitar a angústia de castração - assunção da própria falta. O Édipo e a castração, então, marcam o corte na relação do sujeito com sua satisfação primeira, o gozo da infância. Na descoberta da castração dos seres que antes eram pensados como completos, o sujeito irá se orientar em relação ao que pode nomear, ou seja, dar um lugar simbólico.

Portanto, o sujeito se constitui como sujeito desejante através da ameaça de castração. É a partir do terror da angústia inconsciente de castração que se encontram as manifestações neuróticas, ou seja, os medos, as fobias e os outros vários sintomas, que o interrogam na via consciente e são defesas contra a angústia intolerável que o constituem. É o temor da castração que está em jogo nas manifestações de angústia, as quais, ligadas ao complexo de Édipo, amedrontam o sujeito. A angústia, então, demarca que o sujeito está passando pela experiência de encontro com algo que permanece estrangeiro ao simbólico, isto é, a castração (Rego, 1998; Fuks, 2001).

 

Considerações Finais

A infância configura um dos momentos fundamentais para o desenvolvimento e estruturação do aparelho psíquico. As fases que envolvem as manifestações de angústia e sua relação com o sintoma, são, indiscutivelmente, processos essenciais para a escuta psicanalítica da clínica infantil e para uma investigação mais aprofundada.

A angústia na infância, como sabemos, está situada em um lugar especial na história da Psicanálise, pois foi através do exame dela, no caso do Pequeno Hans, que Freud (1909/1996a) desenvolveu a própria análise infantil.

As manifestações de angústia podem acarretar um sofrimento psíquico intenso e levar à constituição de uma neurose na criança. A angústia está presente desde o nascimento - vivido como trauma - até o momento de estruturação psíquica do sujeito e sua relação com o complexo de Édipo.

Observamos que a angústia infantil está muito relacionada com as figuras parentais. Pode estar associada a um momento transitório, de constituição psíquica, anterior à castração, relacionada à angústia de separação materna; como também pode estar associada às vivências posteriores, de ordem mais edípica.

Em síntese, nas contribuições de Freud (1926/1996b) acerca da angústia, observamos duas teorias no desenvolvimento da história da Psicanálise. Na primeira, ela seria basicamente uma inscrição corporal pela impossibilidade de elaboração psíquica. No entanto, na segunda teoria da angústia, a angústia passa para o domínio do psíquico, sendo um medo imaginário da castração, um sinal de perigo que ocorre devido à falta de objeto.

 

Referências

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Recebido em 05 de agosto de 2010
Aceito em 11 de dezembro de 2010
Revisado em 20 de dezembro de 2010

 

 

1 Na releitura de Lacan (2005), a angústia não é sem objeto, ela está relacionada com o objeto a. A angústia, assim, viria delatar o lugar da falta, isto é, viria denunciar que o sujeito é incompleto, não castrado. Contudo, ao abordarmos as manifestações de angústia na infância, inevitavelmente, passamos pelo campo do sintoma. Lacan (2003) descreve o sintoma infantil como resposta ao que há de sintomático na estrutura familiar, quando a criança pode se apropriar das produções fantasmáticas do Outro. Com isso - quando não há uma mediação entre a criança e o Outro (em geral, assegurada pela função paterna) -, a criança fica à deriva das fantasias da mãe, tornando- se objeto desta. Sendo assim, a função fundamental do Édipo está ligada à função paterna, que irá intervir na relação dual criança-Outro e irá permitir que a criança adquira sua identidade. Portanto, os desejos parentais e suas funções influenciam fundamentalmente na eclosão dos sintomas na criança. O Édipo e a castração marcam um corte na relação do sujeito com o Outro e constituem o sujeito como desejante. É a partir do terror da angústia inconsciente de castração e angústia de se separar da alienação materna que surgem as manifestações neuróticas, como a angústia. Esta vem alarmar que o sujeito está passando pela experiência da castração, ou seja, de se assumir faltante. É a assunção da própria falta pelo sujeito. Vimos, então, que a angústia na infância ocupa um lugar estruturante, constituindo-se também como um sintoma que diz respeito a uma constituição de ordem patológica, mais edípica, podendo levar a uma neurose infantil. É especialmente com a compreensão desses aspectos que o psicoterapeuta de orientação psicanalítica tem que se ocupar, para poder pôr em marcha o trabalho na clínica psicanalítica infantil. O recalque é constitutivo do inconsciente. É exercido sobre excitações internas, cuja persistência provocaria um desprazer excessivo. Não deve ser confundido com a repressão, que é uma operação psíquica que tende a suprimir uma ideia ou um afeto cujo conteúdo é desagradável (Roudinesco & Plon, 1998).
2 Em um primeiro momento, o eu foi designado como a sede da consciência. A partir da década de 1920, o termo mudou e foi conceituado como uma instância psíquica - o ego -, tornando-se, em grande parte, inconsciente (Roudinesco & Plon, 1998).
3 O significante é um aspecto material, é um vestígio acústico, uma imagem virtual, uma imagem do sonho, um fonema, uma palavra, um odor determinado. É no e por meio do significante que alguma coisa se inscreve que é de outra ordem. O significante inscreve algo que é uma ausência, aparece no lugar da coisa, em substituição de uma ausência, remete sempre a outro significante e sempre pode ser riscado, anulado, destituído de sua função, ou seja, aparece como presente por contraste por uma possível ausência (Bleichmar, 1984).
4 Vocês não sabem que não é a nostalgia do seio materno que gera a angústia, mas a iminência dele? (Lacan, 2005, p. 64)
5 Na primeira tópica, Freud diferenciou o inconsciente, o pré-consciente e o consciente (Roudinesco & Plon, 1998).
6 Na segunda tópica, Freud fez intervir três lugares, o isso, o eu e o supereu (Roudinesco & Plon, 1998).
7 Sexualidade, neste contexto, deve ser entendida no sentido amplo em que é usada na psicanálise e não deve ser confundida com o conceito mais limitado de genitalidade. (Freud, 1919/1996k, p. 224)