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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.11 no.2 Fortaleza  2011

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Toxicomania e suicídio sob uma visão psicanalítica

 

Drug addiction and suicide under a psychoanalytic view

 

Adicción a las drogas y el suicidio bajo una visión psicoanalítica

 

La toxicomanie et le suicide sous une vision psychanalytique

 

 

Monia Karine AzevedoI; Giuliana de Oliveira Marson TeixeiraII

IAcadêmica de Psicologia da Universidade Paranaense. End.: Av. Mauro Mori, 475, Centro. CEP: 87360-000 - Goioerê- PR. E-mail: monia_azevedo@hotmail.com
IIPsicóloga. Mestre em Psicologia (UCDB). Professora da Universidade Paranaense, UNIPAR. End: Prç. Mascarenhas de Moraes s/n. CEP: 87502-210 - Umuarama - PR. E-mail: giuliana@unipar.br

 

 


RESUMO

Para a psicanálise, qual a relação, na contemporaneidade, entre o suicídio e a toxicomania? Esse questionamento surgiu a partir de uma experiência de escuta analítica com toxicômanos. Oportunidade essa em que foram trazidas, diversas vezes, pelos usuários abusivos, suas ideações e/ou tentativas mal sucedidas de suicídio. Dessa forma, buscou-se, com este artigo, realizar um levantamento bibliográfico de cunho psicanalítico a fim de lograr uma compreensão entre a adição às drogas e o ato suicida, e as questões que possam ser comuns a ambos os assuntos. Explorou- se a obra freudiana O Mal-estar na Civilização e levantaram-se questões a respeito do gozo, desamparo e mal-estar; explorando, ainda, autores como Joel Birman e Jesús Santiago para uma compreensão da apresentação do sujeito contemporâneo. Chegou- se ao denominador comum da precariedade simbólica dos sujeitos contemporâneos devido à falência do legislador, o que resulta na dificuldade em lidar com o excesso de dimensões traumáticas às quais estão expostos na pós-modernidade. Assim, recorrem ao uso de substâncias artificiais como forma de obter uma descarga temporária e lograr um prazer "por baixo" do simbólico; ou, ainda, fazem uso de um recurso extremo, o suicídio - um ato final e infalível na solução do problema do mal-estar.

Palavras-chave: Mal-estar, passagem ao ato, toxicomania, suicídio, pós-modernidade.


ABSTRACT

What kind of relation exists between suicide and drug addiction for psychoanalysis in the contemporaneity? The questioning came up after an experience of analytical hearing with drug addicts in which they brought several times their suicidal ideations and unsuccessful trials. In this way, this article aims to explore, through a bibliographical research, the psychoanalytical theory in order to reach a comprehension about drug addiction and the suicidal act and their common points. We explored Freud's work Civilization and its Discontents and found important concepts for the understanding of the mentioned topics - such as pleasure, helplessness, and discomfort. In addition, we discuss works of contemporaneous psychoanalysts, such as Joel Birman and Jesús Santigo, for a comprehension about the constitution of the subject in the contemporaneity. We found, as a common denominator, the subject's symbolic precariousness due to a collapse of the legislator. This subject, lacking symbolic capability, is exposed to an excess of traumatic dimensions and has difficulties dealing with it. Therefore, they appeal to artificial substances in order to achieve a temporary discharge and even obtain a pleasure that is not mediated by the symbolic. Another possibility, more extreme, rests upon the suicide, a final and unfailing act in order to solve the discomfort.

Keywords: Discomfort, passage to the act, drug addiction, suicide, postmodernity.


RESUMEN

Para el Psicoanálisis, qué clase de relación existe, en la contemporaneidad, entre elsuicidio y la drogadicción? La pregunta surgió a partir de una escucha analítica con sujetos drogadictos, quienes manifestaron en varias ocasiones sus ideas suicidas y sus procesos no exitosos. De esta manera, este artículo busca explicar la teoría psicoanalítica para alcanzar una comprensión básica sobreestos temas y sus puntos en común. Se exploró la obra de Freud, La civilización y sus descontentos, y se encontraron conceptos importantes para el entendimiento de los temas mencionados, como el placer, la impotencia y el desasosiego. Adicionalmente, se revisaron obras contemporáneas de Psicoanálisis como las de Joel Birman y Jesús Santiago para comprender la constitución del sujeto en la contemporaneidad. Se encontró, como común denominador, la precariedad simbólica del sujeto debido a la caída del legislador. Este sujeto carente de capacidad simbólica es expuesto a un exceso de dimensiones traumáticas y le dificulta lidiar con éstas. Por lo tanto, el sujeto apela a sustancias artificiales para lograr una descarga temporal y obtener un placer sin la mediación de lo simbólico. Otra posibilidad más extrema yace en el suicidio, un acto final e indefectible para terminar el desasosiego.

Palabras-clave: Desasosiego, pasaje al drogadicción, suicidio, contemporaneidad.


RÉSUMÉ

Quelle est la relation entre le suicide et la toxicomanie dans la psychanalyse contemporaine pour? Cette question s'est posée à partir d'une expérience analytique découte avec les toxicomanes. Cette opportunité dans laquelle ils ont été amenés à plusieurs reprises par leurs agresseurs idéations et / ou tentatives infructueuses de suicide. Ainsi, nous avons cherché à accomplir avec cet article une caractéristique de la littérature psychanalytique afin de parvenir à une compréhension de la toxicomanie et de suicide, et les questions qui sont communes aux deux sujets. Explorées pour l'&uvre de Freud - le malaise dans la civilisation - et dês questions se posent au sujet de la joie, sentiment d'impuissance et d'inconfort, voire de auteurs Joel Birmans et Jesús Santiago pour une compréhension de la présentation du sujet dontemporain. Il en est résulté un dénominateur commun symbolique de la précarité des sujets contemporains en raison de l'échec de la législature, ce qui entraine une incapacité à faire face à des dimensions supplémentaires qui sont exposés à la post-modernité traumatique, et donc recourir à l'utilisation de substances artificielle comme un moyen d'obtenir une décharge, et même d'atteindre un plaisir temporaire,''en bas'' de la symbolique, ou même faire usage d'une station, dernier suicide - un acte final et une solution infaillible pour le problème du malaise.

Mots-clés: Malaise, en passant l'acte, la toxicomanie, le suicide, la post-modernité.


 

 

Introdução

Talvez o suicídio seja uma das questões mais delicadas para se trabalhar. Primeiramente, porque se encontra em um contexto de sofrimento desmedido e intolerável do sujeito, no qual se apresentam o desamparo e a impotência de que somos constituídos. Também porque há a cessação do desejar, ficando no sujeito desejante apenas o desejo de um fim do sofrimento experienciado.

No contexto da toxicomania, são comuns os relatos de ideações suicida ou mesmo de tentativas de suicídio. O desejo de pôr um fim ao sofrimento das relações de que não dão conta, de um corpo degradado pelo tóxico, ou mesmo a dor causada pela própria necessidade de abstinência foram pontos observados nas falas de sujeitos toxicómanos. Essa frequência de discursos suicidas, é que nos levou a explorar o tipo de articulação existente, sob o ponto de vista psicanalítico, entre esses dois atos.

Sabe-se que tanto o suicídio quanto o uso do tóxico sempre existiram nas mais diversas culturas e períodos da história. Outeiral (2005) coloca que, apesar da presença do tóxico ao longo da existência humana, o uso deste possuiu, em outros momentos, um papel diferenciado do que apresenta na atualidade. O tóxico, antes utilizado para fins terapêuticos ou religiosos, passa a ocupar, na atualidade, um espaço não mediado pelo ritualismo, e marcado pela abundância epidêmica. Esse último fato é confirmado por meio de estudos estatísticos da World Health Organization (WHO, 2010), nos quais constam que o uso abusivo de drogas aumentou significativamente nas últimas décadas, chegando-se, atualmente, a 76 milhões de sujeitos com transtornos abusivos do álcool, e pelo menos 15 milhões com uso abusivo de drogas.

No que tange ao suicídio, Fensterseifer e Werlang (2006) dizem ser uma questão que, na atualidade, ocupa uma posição de problema de saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2010), a cada ano, um milhão de pessoas comete suicídio, e nos próximos dez anos, essa taxa deve aumentar em 50%. Ainda segundo essa mesma organização, uma em cada quatro pessoas que cometem suicídio faz uso abusivo de álcool ou drogas.

Assim, é imprescindível que se olhe para a época em que estamos inseridos a fim de entender a relação entre o suicídio e o tóxico. Sendo assim, este artigo busca alcançar uma compreensão básica nesse âmbito, procurando entender de que sujeito do qual se fala, seu modo constitutivo e como se apresenta na atualidade, para, então, tratar do papel que o tóxico e o suicídio ocupam na inscrição desse sujeito.

 

A Finalidade do Sujeito: O Gozo

O que decide o propósito da vida é simplesmente o programa do princípio do prazer. (Freud, 1930 [1929]/1974, p.94)

Segundo uma perspectiva psicanalítica, gozar é a finalidade suprema do sujeito, e esse gozo é alcançado pela descarga da energia pulsional acumulada. Não há, porém, uma forma única e preconcebida para que ocorra a descarga, ou seja, não existe um objeto padrão para a descarga; as vias são constituídas por cada sujeito ao longo do desenvolvimento psicossexual.

Freud (1930 [1929]/1974) coloca que existiu um momento primordial para todo sujeito no qual a pulsão foi completamente satisfeita e o psiquismo entrou em equilíbrio, e, a partir de então, o sujeito passou a buscar sempre um prazer semelhante ao obtido no gozo primordial - de completa descarga, proporcionando um prazer nirvânico. Porém, esse gozo completo é impossível de ser alcançado novamente, e todo prazer é experienciado como incompleto/faltante. Assim, o sujeito vive na repetição, ainda esperando alcançar aquela satisfação primária. E é justamente pela falta de sucesso em lográ-la plenamente que o sujeito se move na cadeia significante.

Além do mais, apesar de que obter prazer é a grande finalidade do sujeito, essa busca acaba sendo geradora de tensão, pois, segundo Freud (1930 [1929]/1974), a finalidade individual é conflituosa por estar "em desacordo com o mundo inteiro" (p.98). Em seu trabalho O Mal-estar na Civilização, Freud afirma que o gozo se encontra em desacordo, primeiramente, com o próprio corpo do sujeito, que está fadado à decadência e à experiência da dor, sem qualquer possibilidade de evitá-las; nem mesmo pode evitar a produção de sinais de ansiedade. Outro fator é o próprio mundo e suas forças naturais incontroláveis e destruidoras, que são outro empecilho para que o prazer seja alcançado, pois propiciam um acumulo traumático; há, ainda, a impotência do sujeito frente às catástrofes, não podendo prevê-las, controlá-las ou impedi-las, colocando-o indefeso, sem qualquer garantia de proteção. Por último, Freud aponta a "inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade" (p.105), que balizam as possibilidades de satisfação do sujeito.

Sobre isso, Freud (1930 [1929]/1974) ainda diz que

Quanto às duas primeiras fontes, nosso julgamento não pode hesitar muito. Ele nos força a reconhecer essas fontes de sofrimento e a nos submeter ao inevitável. Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte dessa natureza, permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade de adaptação e realização (p.105).

Já a última barreira pode, até certo ponto, parecer questionável, pois, diferentemente das demais, trata-se uma questão contornável. O homem está impreterivelmente sujeito às vicissitudes da natureza e do corpo, mas o sofrimento decorrente das regras só se dá depois que o indivíduo aceita se submeter a elas, caso contrário, não terá que segui-las. Assim, pode-se questionar a respeito do que leva o homem a aceitar abrir mão de seus impulsos por causa da civilização, sendo essa submissão o que impede sua finalidade de satisfação (Freud, 1930 [1929]/1974).

A psicanálise entende que o sujeito aceita as regras para buscar a ilusão de uma solução às outras barreiras que impedem sua satisfação - o corpo e a natureza. Freud (1930 [1929]/1974) coloca que a civilização surgiu como forma de organização dos indivíduos para lograr o sustento e a sobrevivência de cada um - visava-se uma proteção contra as forças naturais, contra as quais não poderiam lutar individualmente - e também para se protegerem contra o outro. Assim, o pai da psicanálise diz que "o homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança" (Freud, 1930 [1929]/1974, p.137).

Seguindo essa linha de raciocínio, Birman (1997) ressalta que o homem abriu mão da satisfação de suas pulsões por causa do sentimento que possui de desamparo e dependência do outro. Para ele, o desamparo é o despreparo do homem frente a certos estímulos do meio.

Freud (1930 [1929]/1974) já mencionava o conceito de desamparo em sua obra, e, para ele, o desamparo consiste na fragilidade constitucional do ser humano quando relacionado ao seu corpo e às ameaças exteriores. Para Besset (2002), o desamparo é entendido como uma "impossibilidade de acesso ao objeto que garante satisfação" (p.208). Essa última autora traz que o sujeito sozinho não possui meios para acessar a satisfação e necessita de um outro que lhe auxilie; o desamparo, então, instala-se na falta de garantia desse outro que o auxilie. Costa (2000) argumenta que o desamparo se apresenta em situações na quais dependemos do outro para a sobrevivência ou para uma vida melhor, ou ainda quando o outro e o próprio sujeito são impotentes para impedirem a morte e o sofrimento.

Freud (como citado em Besset, 2002) vai mais longe e argumenta que o amor pelo outro é desenvolvido, pois a criança aprende que esse outro, de certa forma, remedia o sentimento de desamparo e satisfaz suas necessidades.

Em decorrência do exposto - a dependência do outro -, Freud (1930 [1929]/1974) coloca que "a integração numa comunidade humana, ou a adaptação a ela, aparece como uma condição dificilmente evitável, que tem de ser preenchida antes que esse objetivo de felicidade possa ser alcançado" (p.165). Logo, como forma de buscar contornar esse desamparo, o sujeito abriria mão da satisfação ilimitada para se inscrever na civilização. Esse sujeito se submete, então, ao controle de sua sexualidade e agressividade.

Nem todo sujeito, porém, inscreve-se nessas condições de submissão para lidar com o desamparo. Deve-se pontuar aqui que apenas o neurótico se inscreve de forma a aceitar o contrato social e a limitação para obter o gozo, para, em contrapartida, lograr o amparo social. Já outros falham em sua inserção ou mesmo renegam a existência do contrato, constituindo-se basicamente de forma diferenciada. Não é objetivo deste trabalho tratar dessas formas patológicas de inscrição, denominadas pela psicanálise, respectivamente, psicose e perversão. Cabe apenas colocar que na psicose, como não há a inserção do contrato, não há limites para a obtenção do gozo, e na perversão, que renega o contrato, o sujeito busca o gozo à revelia (Magalhães, 2005).

O que importa ao objetivo deste trabalho é a inscrição saudável ou neurótica, que, segundo Magalhães (2005), é o sujeito que se inscreve a partir do contrato social e busca satisfazer sua pulsão por meio de formas aceitas. Nesse sentido, o neurótico dispõe de duas formas distintas de lidar com as pulsões em busca do gozo: "sufocar essas energias (...) ou aplicá-las em outras direções ou em outros objetos" (Giordani, 2000, p.302).

O redirecionamento da pulsão é o que Freud denominou sublimação. Nesse processo, o sujeito dá uma saída socialmente aceita às suas pulsões, convertendo-as em uma energia construtiva através da modificação do objeto e do alvo sexual. Nessa modalidade, encontram-se, dentre outras, as manifestações artísticas e intelectuais, características pelo direcionamento da pulsão para uma direção que não a original. Valas (2001) coloca que o prazer obtido através da sublimação é comparável, psiquicamente, ao sexual, porém, em menor intensidade. A sublimação é um meio bastante sofisticado e o mais saudável ao sujeito.

Já o recalcamento consiste em "abafar" a pulsão. Segundo Nasio (1991), trata-se de uma saída que se coloca quando o psiquismo se depara com um excesso de energia do qual não dá conta de canalizar, ou mesmo, quando vias anteriores de descarga estão comprometidas e não podem mais ser usadas.

Sobre o recalcamento, Giordani (2000) clarifica que ele não cessa a pulsão, pelo contrário, revigora-a e leva a atitudes de compensação. Pela dificuldade de mantê-la recalcada, a pulsão acaba escapando por outras vias, entre as quais se encontra o sintoma. Obter prazer pelo sintoma é "um distúrbio que causa sofrimento" (Nasio, 1993, p.13) - o que parece contraditório já que sua finalidade é obter satisfação. Nasio (1993) explica esse paradoxo argumentando que é um sofrimento que causa dor ao eu, mas que atua como objeto de descarga pulsional, e, logo, gera prazer ao inconsciente. O sintoma atua como um signo que remete ao conteúdo reprimido no inconsciente, que está, portanto, impedido de ser expresso - "como uma mensagem que nos informa sobre fatos ignorados de nossa história" (p.20). O sintoma acaba por expressar aquilo que se busca reprimir por meio de atos involuntários que se apresentam desagradáveis e inúteis ao sujeito.

Essas formas de obtenção de gozo citadas acima, repressão e sublimação, têm em comum o fato de que o gozo do sujeito deixa de ser direto, já que o objeto pelo qual obtém prazer não é fonte de gozo por si só; a satisfação passa a ser através do simbólico. A representação que esse novo objeto de satisfação tem remete ao prazer primordial, ou seja, dá-se o gozo simbólico ou fálico, característica essencial da neurose (Valas, 2001).

Essa forma de gozo indireto não se instala sem prejuízo ao sujeito. Ao se inscrever pela via simbólica, através da repressão ou sublimação, o sujeito aceita uma satisfação menos intensa que aquela que lograria com seu objeto original. E ainda acaba por sofrer os efeitos colaterais da repressão, já que, ao se reprimir a carga pulsional, esta é redirecionada para uma compensação em outro sentido, quando se instalam os sintomas. Caso isso não se faça, o sujeito fica passível de sofrer graves distúrbios, pois "toda violência feita contra a natureza volta-se contra a pessoa, comprometendo o equilíbrio psíquico" (Giordani, 2000, p.294).

Tendo em vista esses prejuízos na satisfação do sujeito, Freud (1930 [1929]/1974) já dizia que a civilização trouxe infelicidade ao homem e que a possibilidade de alcançar a satisfação seria muito maior caso voltássemos ao nosso modo primitivo de vida, no qual não fosse necessária a submissão. O pai da psicanálise salienta que o preço mais alto pago pela submissão e o amparo social é a perda da felicidade pelo aumento do sentimento de culpa, o que gera o sentimento de mal-estar, que se caracteriza como "o mais importante problema no desenvolvimento da civilização" (p.158). Esse sentimento de culpa não está exatamente claro ao sujeito, e é vivenciado como angústia e ansiedade, quando impedido de praticar ações.

Logo, tem-se que o sujeito busca lidar com seu desamparo por meio da inscrição simbólica e encontra, ainda assim, a impossibilidade de lograr a felicidade. Isso porque a simbolização, apesar de garantir a possibilidade de obtenção de algum prazer, não é suficiente para eliminar o mal-estar causado pela inibição do objeto originário.

 

Gozo, Mal-estar e Contemporaneidade

A canalização da pulsão por vias simbólicas, recalque e sublimação é estabelecida através de um processo estrutural bastante complexo. O sujeito deve apresentar condições psíquicas para suportar a interdição de seu gozo e lograr satisfação pela via significante. Essas condições são introduzidas com a colocação da lei paterna ou castração. A partir desta, o gozo por meio do objeto original é impedido, e se fomenta a insurgência de outras formas de satisfação. Dá- se, dessa forma, o deslocamento objetal, que é quando o sujeito entra no campo simbólico. Caso essa barreira não se instale, caracteriza-se uma psicose, perversão, ou estados limítrofes (Silva & Couto, 2009).

No período em que Freud se inseriu, a modernidade, era típica a inscrição dos sujeitos por meio do simbólico. Assim, o sujeito moderno era caracterizado pela presença dessa estrutura psíquica necessária para a submissão e, em decorrência, possuía certa capacidade de simbolização. Apesar de existir a presença do corpo na descarga da pulsão, como na conversão, ele estava inscrito no simbólico e representava algo do âmbito psíquico, consistindo em uma verdadeira atuação (Birman, 2006).

Há, porém, na atualidade, uma diferente inscrição do sujeito. É característica de nossa época uma ausência do que Lacan chama de pai legislador - figura responsável pela inserção do sujeito na cadeia significante. Em uma sociedade na qual se dá um processo de quebra dos tradicionalismos e a liquidez das normatizações, um sujeito de uma falência simbólica acaba por se constituir (Coelho dos Santos, 2005).

Birman (2006) coloca que, pela falta de uma limitação, de uma lei, o sujeito se encontra desarmado do simbólico para lidar com o excesso. O raciocínio desse autor é acompanhado pelas colocações de Teixeira (citado em Silva & Couto, 2009), a qual diz que hoje nos falta a linguagem da ordem do simbólico para elaborar a ausência de liberdade na civilização. Mainetti e Vilutis (citados em Mendes & Prochno, 2004) também apontam "sérias falhas de simbolização" (p.153); um vazio que ocupa o lugar das representações.

Nesse âmbito de precariedade simbólica do sujeito contemporâneo, há pouco espaço para a utilização do sintoma clássico como forma de descarga pulsional. Santiago (2002) coloca que o sintoma, via principal da tentativa de satisfação, pode não dar conta do excesso pulsional, ficando o sujeito passível de uma volta ao gozo infantil original não aceito pelo contrato social. Nesse momento, como forma de defesa à instalação de uma psicose, o sujeito deixa de obter o prazer através da simbolização (gozo fálico) e recorre a um gozo direto no corpo. É uma espécie de curto-circuito simbólico em que falha o sistema e, para que não haja um retorno ao gozo infantil, instaura-se um ultimo recurso: o gozo pelo corpo.

Birman (2006) traz que, por conta dessa fragilidade dos mecanismos simbólicos, estamos constantemente expostos a traumas, e, como forma de conter a emergência de comprometimentos psíquicos mais severos, o sujeito faz uso do corpo e da ação para realizar uma descarga. Porém, o corpo e a ação já não são usados como na modernidade, quando possuíam uma via simbólica, a somatização; trata-se de um uso desprovido desse viés simbólico, ou seja, um corpo e um fazer que dão um gozo direto.

Magalhães (2005) nomeia essa forma de defesa como uma nova classe de sintomas, o "novo sintoma". O autor chega a levantar os questionamentos de outros teóricos quando discute a adequabilidade de chamar esse gozo no corpo de sintoma, já que, classicamente, o simbólico é condição imprescindível para a definição clássica de sintoma. Miller (citado em Magalhães, 2005) sugere que a psicanálise "se apodere de novos dados, se estenda e que ela estenda o sintoma." (p.6) Neste trabalho, adota-se a noção da toxicomania, bulimia e demais não como sintomas, mas como defesas que socorrem o sujeito ao falhar o sintoma.

O recurso da passagem ao ato, característico da estruturação simbólica precária desse sujeito contemporâneo, ainda encontra suporte na sociedade pós-moderna em sua busca por uma satisfação que passa "por baixo" do gozo fálico. Esse suporte trata do culto ao imediatismo que se opõe aos processos inconscientes. A cultura capitalista vem ao encontro do sofrimento absurdo desse sujeito traumatizado pelo excesso, que não dá conta de simbolizar, e lhe oferece formas para que tampe o sofrimento. Assim, o sofrimento é negado e tamponado, seja pelo uso de fármacos; pelo investimento no corpo, para não se dar conta do vazio interior; ou, ainda, pelo agir compulsivo (Mendes & Prochno, 2004).

Mainetti e Vilutis (citados em Mendes & Prochno, 2004) pontuam esse movimento da contemporaneidade como uma não aceitação do mal-estar. Os autores colocam que o mal- -estar do sujeito é inerente à existência, já que o sujeito é constituído por um desamparo e necessita do outro. Mas a cultura atual, que valoriza o imediato e a supressão da dor a qualquer preço, inscreve no sujeito uma impaciência com o processo de elaboração, uma falta de habilidade em lidar com a demora, e uma não aceitação da experiência dolorosa. Assim, esse sujeito não aceita a falta que lhe é inerente e busca formas de retirar de si a dor, na tentativa de obturar esse sentimento.

Birman (2006) resume o cenário atual afirmando que a pobreza de linguagem e a não aceitação da falta leva o sujeito a buscar outras formas de lidar com o excesso pulsional derivado do mal-estar. Esse sujeito recorre a outras ferramentas para a disseminação do excesso: o corpo e a ação. Nesse âmbito, realiza-se uma passagem ao ato, uma pura descarga pulsional sem simbolização.

Savietto (2007) argumenta que, em uma cultura na qual se busca um prazer imediato, e em que a supressão da dor é vista como necessidade, é propício o uso do recurso da passagem ao ato. Esse mesmo autor define a passagem ao ato como "um curto-circuito do trabalho de elaboração psíquica e a convocação do registro corporal" (p.439), uma tentativa desesperadora de manutenção do equilíbrio psíquico.

A psicanálise entende que o ato é o meio pelo qual o sujeito se apresenta. Lacan (citado em Caravelli, 2009) analisa o conceito de ato e distingue-o em dois: a passagem ao ato e o acting out. Este consiste em um ato que ainda possui uma via simbólica, visando reproduzir algo sem passar pela fala. Como coloca a autora, trata-se de uma denúncia do desejo por meio da cena, assim como era característico da modernidade e as comuns manifestações de histéricas como as do caso Dora.

Por outro lado, a passagem ao ato é pura ação; não se procura dizer algo, apenas se age. Voruz e Wolf (2007) trazem a comparação de Lacan - entre o acting out e a passagem ao ato a uma torneira. O primeiro seria a presença ou ausência do derramamento de água, e o segundo a abertura dessa torneira sem uma noção clara do que está sendo feito.

Nesse trabalho, interessa apenas a compreensão da passagem ao ato; sendo esta uma forma de defesa do psiquismo contra o excesso pulsional. Garcia-Roza (1990) traz que o sujeito se coloca primeiramente pelo simbólico e que a passagem ao ato se apresenta apenas na falha desta. Logo, diante da precariedade simbólica do indivíduo contemporâneo unida ao excesso pulsional traumatizante experienciado por ele, dá-se a necessidade de o psiquismo recorrer ao ato defesa essa que compõe o cerne das psicopatologias contemporâneas (Savietto, 2007).

A questão que remanesce a essa defesa, que busca um gozo imediato no corpo, é que o excesso pulsional não é eliminado pelo ato. Savietto (2007) ressalta que, por não alcançar uma simbolização, esse excesso pulsional persiste no aparelho psíquico, o que leva a uma constante repetição desses atos, no intuito de buscar o alívio, mesmo que momentâneo.

Nesse âmbito, encontram-se várias formas distintas de ato com vistas a dar conta desse excesso pulsional, nos quais se encaixam os transtornos alimentares, a toxicomania, e, ainda, o suicídio, como recurso último.

 

Toxicomania como uma Passagem ao Ato

Como visto anteriormente, Freud já apontava, em O Mal-estar na Civilização, três saídas para o excesso pulsional resultante do gozo interceptado - a somatização, a sublimação e o tóxico (Leite, 2001).

Freud (1930 [1929]/1974) considerava bastante efetiva a saída pelo tóxico, pois se trata de um agir naquilo que leva o sujeito a experimentar a insatisfação, ou seja, no próprio organismo. A intoxicação é a forma pela qual se obtêm a alteração do modo de experienciar o externo, e, ainda, faz com que seja possível alcançar grande porção de descarga pulsional, o que é sentido como prazer.

Essa descarga pulsional é possível de ser lograda por meio do tóxico, devido ao fato de a pulsão ter sua fonte no próprio corpo. Conforme argumenta Nogueira Filho (1999), que, na verdade, retoma os estudos de Freud, a pulsão tem sua origem no corpo, e o tóxico age nessa fonte biológica, satisfazendo-a no próprio nível do corpo, sem ter que recorrer ao complexo processo de simbolização.

Lacan (citado em Santiago, 2002) traz que, ao alterar o próprio organismo com a droga, o sujeito escapa à necessidade de um gozo todo ordenado e estruturado, através de um complexo processo de deslocamento da pulsão. As vicissitudes para a satisfação pelas quais a pulsão do toxicómano se inscreveu deixam de ocupar o protagonismo da satisfação, pois, nesse momento, a satisfação "passa por baixo" das demandas do recalque, nas palavras do psicanalista Santiago (2002).

Dessa forma, a droga se torna eficaz, pois permite ao sujeito escapar ao gozo socialmente aceito, ordenado por cada cultura, sem que seja necessário um surto do psiquismo. O gozo fálico regido pela castração é rompido pelo sujeito toxicómano, a passagem pelo simbólico deixa de ser necessária, pois ele encontra prazer no real de seu corpo (Santiago, 2002).

A epidemia de uso do tóxico na atualidade, como via de gozo, pode, então, ser pensada pelo que já foi dito até agora. Segundo Birman (2006), há, na contemporaneidade, a produção de sujeitos com precárias estruturas simbólicas, que não têm condições suficientes para lidar com o excesso pulsional através da canalização deste para uma cadeia de significantes. De acordo com Savietto (2007), o excesso pulsional traumatizante experienciado pelo sujeito traz a necessidade de o psiquismo recorrer ao ato; então, esse sujeito recorre ao uso do tóxico como forma de lidar com seu excesso pulsional, evitando, assim, um surto do psiquismo.

Há, porém, a questão de que o uso do tóxico oferece um alívio pulsional apenas temporário. Dessa forma, o sujeito terá que se haver novamente com esse excesso quando o efeito do tóxico se esgotar.

A satisfação sem sentido é, ao mesmo tempo, conveniente a esse sujeito, pois, como Lacan (citado em Santiago, 2002) coloca, isso evita que ele tenha que se haver com seus conteúdos; e também age como uma espécie de proteção, já que oferece suporte à manutenção do equilíbrio de um psiquismo com poucas condições de simbolização (Savietto, 2007).

 

Suicídio como uma Passagem ao Ato

Outra solução dada ao sofrimento causado pela energia psíquica não simbolizada é o suicídio. No suicídio, dá-se, por meio da autodestruição, a retirada, através do corpo do neurótico, da submissão ao contrato. O excesso pulsional, que não encontra meios simbólicos para se inscrever, é, por meio do suicídio, canalizado para um ato final (Justus, 2003).

Segundo Bastos (2006), o termo "suicídio" deriva do latim sui (de si mesmo) e caedes (ação de matar). Esse autor traz que Durkheim, considerado o pai da sociologia moderna e um dos intelectuais que mais deu importância ao assunto, viu o fenómeno do suicídio como uma produção social. Assim, um indivíduo sob determinadas condições sociais estaria propício a cometer autodestruição como forma de se rebelar contra a insatisfação de seus interesses. O sociólogo defendeu que seria possível determinar, através de pesquisa social, quais os grupos em que a atitude suicida poderia vir a se manifestar, e, a partir disso, a autodestruição poderia ser combatida. O controle das taxas de suicídio seria necessário para manter a coesão grupal, prevalecendo o benefício ao grupo em detrimento das manifestações singulares.

Para o Direito, o ato suicida é fonte de preocupação devido às suas consequências sociais, já que este pode vir a criar instabilidade - considera-se o suicídio um atentado à preservação do contrato social. O sujeito que opta por não viver está escolhendo não se submeter ao contrato e pode desencadear uma avalanche de questionamentos ao que está estabelecido, criando uma situação social crítica (Bastos, 2006).

Segundo Bastos (2006), a psicanálise se encontra com o proposto por Durkheim no que tange ao conflito sociedade e sujeito. Assim como o sociólogo, a psicanálise entende o individual e o grupal como uma relação geradora de tensão. Isso porque, como disse o próprio pai da psicanálise, os objetos de descarga pulsional originais do sujeito não são aceitos pelo social, criando, assim, um conflito entre o que o sujeito demanda e o que ele, de fato, pode realizar.

Esse conflito social é o grande gerador de tensão interna e favorece o acúmulo de energia pulsional, já que esta não pode ser descarregada por vias originais. Nessa situação, Fischbein (citado em Macedo & Werlang, 2007) traz que, frente aos conflitos psíquicos, existem duas formas de resposta do sujeito: a possibilidade de representá-los simbolicamente; e o que ele chama de mais "regressivo", a descarga por meio do ato. Segundo esse mesmo autor, o ato é resultado da impossibilidade de conter os conteúdos traumáticos por meio do simbólico: "o excesso (traumático) continua impondo ao psiquismo uma demanda de trabalho para o qual aquele não encontra recursos de mediação" (p.186).

De acordo com o argumento de Fischbein (citado em Macedo & Werlang, 2007), entende-se que a impossibilidade de descarga imposta pelo social não é o único fator que pode levar um sujeito ao ato suicida, pois ele pode recorrer à simbolização. A questão que intervém na discussão é, de fato, a fragilidade simbólica do sujeito que o leva a experienciar as vivências como traumatizantes.

Nasio (1991) argumenta que o trauma é o acumulo de energia, o que pode acontecer pelo incremento da estimulação externa ou por problemas na canalização da pulsão. Assim, pode-se entender que o sujeito sempre esteve exposto a traumas, mas que seu aparato simbólico, de uma forma ou de outra, suscita meios de lidar com o excesso - como é o caso do sintoma. Porém, o diferencial é o momento contemporâneo, em que tanto o sujeito sofre um enfraquecimento de seu aparato psíquico como a sociedade o bombardeia com excessos traumatizantes.

Hegenberg (2000) argumenta que, além da fragilidade simbólica, a questão da falta de reconhecimento dos valores morais acaba por gerar mais tensão, já que, quando havia a presença de fortes valores, as questões próprias à existência humana estavam, de certa forma, escondidas pelas tradições, convenções e caminhos a serem seguidos. Na atualidade, a liquidez de valores desvela essas questões humanas e aumenta o sentimento de angústia. O despreparo simbólico dos sujeitos faz com que essa angústia seja traumatizante, criando um sofrimento sem precedentes no sujeito.

Dessa forma, é esse sujeito contemporâneo, que nesse momento histórico - pós-modernidade - que não dá conta de lidar com o excesso, e sofre por se ver desprovido desses meios para administrar sua carga por vias simbólicas, conforme demanda a inscrição no social. Esse excesso causa uma dor psíquica de tamanha intensidade que se aproxima da vivência de morte. Passagens ao ato, como a toxicomania, surgem como tentativas de lidar com esse excesso, mas falham na redução da tensão, pois promovem apenas um prazer imediato, e acabam por criar ainda mais dor, suscitando a emergência de medidas extremas. A autodestruição, então, se apresenta como uma medida que põe fim a essa angústia avassaladora (Macedo & Werlang, 2007).

Assim, pode-se compreender a estreita relação do ato suicida com a precariedade simbólica do sujeito contemporâneo, a qual foi citada anteriormente, com a argumentação de Fensterseifer e Werlang (2006):

(...) o que é descarregado no ato de tentar acabar com a própria vida tem íntima relação com um excesso derivado de vivências traumáticas às quais não foi possível dar uma atribuição de sentido ou obter uma captura no mundo representacional do sujeito. (p.93)

Justus (2003) traz que "o suicida parece ter de ejetar-se para se inscrever no mundo" (p.4). Trata-se de uma forma de inscrição extrema que busca se livrar das imposições de submissão ao contrato. Lacan, citado por aquele autor, coloca que o suicídio é um verdadeiro curto-circuito, no qual há passagem excessiva de "corrente elétrica" sem que o sistema dê conta desta; como consequência, ocorrem reações violentas no circuito. Assim, o excesso pulsional não é mais passível de ser controlado pelo psiquismo, não se satisfaz mais no sintoma, sendo necessário que se recorra a ao ato.

Fensterseifer e Werlang (2006) colocam que, cada vez mais, os sujeitos encontram no suicídio uma forma de aplacar a dor. Ressalta ainda sua preocupação com essa forma de lidar com o excesso, pois, assim, o sujeito não apenas se retira do laço social, mas também mata a "proposta de um grupo, de uma comunidade" (p.40).

 

Considerações Finais

Buscou-se, aqui, explorar a articulação existente entre o suicídio e a toxicomania. Chegou-se ao denominador comum da precariedade simbólica dos sujeitos contemporâneos devido à falência do legislador. Para a Psicanálise, a obtenção de prazer pela via do simbólico está condicionada à estruturação psíquica do sujeito. Essa estrutura para a submissão à lei é dada ao sujeito pela inscrição da figura paterna. Na atualidade, com a quebra dos tradicionalismos e a liquidez das normatizações, há a caracterização de uma falência dessa figura legisladora, o que culmina na construção de sujeitos precariamente munidos de simbólico. Assim, apesar de os sujeitos se constituírem dentro da lei, tendo uma estruturação psíquica que admite uma submissão ao contrato e uma inscrição do gozo fálico, eles também se caracterizam por uma precariedade simbólica.

Dessa forma, sem as ferramentas para lidar com o excesso pulsional remanescente dos empecilhos sociais, esse sujeito se vê tendo que recorrer a outras formas de satisfazer suas pulsões, que não por vias simbólicas. O sujeito encontra, então, a possibilidade de um direcionamento de sua pulsão para o ato. Não um ato significante, que tem o outro como receptor, como o do acting out, mas um ato que deixa de passar pela cadeia representativa e que prescinde do outro; é um ato diretamente no real, em que se encontra o uso do tóxico e o suicídio.

O uso do tóxico se encaixa na passagem ao ato por ser um gozo que não passa pela via do simbólico, não possui um sentido, apenas a satisfação. Já o suicídio, trata-se de um ato extremo frente ao excesso traumatizante e ao sofrimento decorrente da impossibilidade de lidar com este.

Dessa forma, elencam-se duas possibilidades de relações. A primeira, na qual o sujeito lança mão de uma forma de passagem ao ato devido à sua já precária capacidade de simbolização para lidar com o excesso pulsional de que é acometido. A segunda, na qual o suicídio ocorre em um âmbito no qual já ouve uma tentativa de resolução do excesso pulsional por meio da toxicomania. Assim, após o que Bucher, Ulhoa e Longo (1981) chamam de fase de "lua de mel" com a droga, o sujeito recorre ao suicídio como um ato final, com a esperança de resolver não apenas o excesso pulsional, mas também o efeito debilitador que a droga causou ao seu organismo.

 

Referências

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Recebido em 01 de agosto de 2010
Aceito em 02 de dezembro de 2010
Revisado em 20 de dezembro de 2010