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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.11 no.4 Fortaleza dez. 2011

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

O psicólogo na saúde mental: sobre uma experiência de estágio em um centro de atenção psicossocial

 

The psychologist on mental health: about an experience of a stage in a psychosocial attention center

 

El psicólogo en la salud mental: sobre una experiencia de pasantía en un centro de atención psicosocial

 

La place du psychologue dans la sante mentale: experience de stage dans un centre d'attention psycho social

 

 

Michele dos Santos Ramos LewisI; Claudia Maria de Sousa PalmaII

IPsicóloga, Residência Integrada em Saúde, ênfase em Saúde Mental pelo Grupo Hospitalar Conceição. Psicóloga do Centro de Referência Especializado de Assistência Social do município de Esteio (RS). End.: R. Riachuelo, 735/11. CEP: 90010-270 - Porto Alegre- RS. E-mail: micheleramos.rs@gmail.com
IIPsicóloga, Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Medicina de Rib. Preto, USP. Pós-Doutora pelo Laboratório de Psicopatologia Fundamental, Unicamp. Profa. Adjunta do Depto. de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina, Psicanalista. End.: Av. Madre Leônia Milito, 2000/1301, Bela Suiça. CEP: 86050-270 - Londrina - PR. E-mail: cacaupalma@gmail.com

 


RESUMO

Neste trabalho, propomos uma reflexão sobre as práticas atuais em saúde mental no Brasil a partir de uma experiência de estágio curricular em Psicologia, desenvolvido em um Centro de Atenção Psicossocial, responsável pela assistência oferecida aos pacientes adultos em sofri-mento psíquico grave. Iniciamos com um breve panorama do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) a partir de sua instauração para, em seguida, situarmos nossa experiência em um deles, a fim de apresentar as vicissitudes da clínica psicológica e as reflexões por elas suscitadas. Esta experiência, por sua vez, nos permitiu uma visada crítica em relação ao trabalho em saúde mental, especialmente no tocante aos aspectos irrefletidos que acabam, pela repetição, tornando-se rotineiros. Tal visada acaba por destacar pontos nodais para se pensar a Reforma Psiquiátrica Brasileira e a inserção do psicólogo, como: a ainda não superada dicotomia entre clínica e política que promove intervenções desarticuladas; o desconhecimento dos profissionais diante de um sofrimento que se apresenta severo e persistente - o que acaba por alimentar a reprodução de um modelo clínico a ser ultrapassado; a burocracia que impede ou dificulta soluções; a insuspeitada vigência do paradigma manicomial nos serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico.

Palavras-chave: Centro de Atenção Psicossocial, reforma psiquiátrica, saúde mental, psicaná-lise, clínica ampliada.


ABSTRACT

In this paper we propose a reflection on contemporary practices in mental health in Brazil. The discussion is based on a study organized as part of a curricular internship in psychology devel-oped at a Psychosocial Attention Center (CAPS). The Center is responsible for the assistance of adult patients with severe mental suffering. This article begins with a short panorama of CAPS since its instauration. We, then, present our experience in of these centers in order to describe the vicissitudes of psychology clinic and the discussions elicited by them. This experience, in turn, has allowed a critical perspective in relation to work in mental health, especially as regards to unreflect aspects that become habitual by repetition. This critical perspective highlights nodal points to consider in the discussion of Brazilian Psychiatric Reform and the insertion of the psy-chologist, such as: the not yet overcome dichotomy between clinic and politics that promote dis-connected interventions; psychologists' lack of theoretical and technical resources when facing severe and persistent suffering - which reproduces a clinical model that must be overcome; the bureaucracy that prevents or hinders new solutions, as well as an unsuspected employment of the asylum paradigm in services that were created to substitute the hospital-centered assistance model.

Keywords: Psychosocial Attention Center, psychiatric reform, mental health, psychoanalysis, extended clinic.


RESUMEN

En este trabajo, proponemos una reflexión sobre las prácticas actuales en salud mental en el Brasil a partir de una experiencia de pasantía curricular en Psicología, el ámbito de la experiencia fue un Centro de Atención Psicosocial II, responsable por la asistencia ofrecida a los pacientes adultos en sufrimiento psíquico grave. Iniciamos con un breve panorama del Centro de Atención Psicosocial (CAPS) a partir de su instauración para, en seguida, situar nuestra experiencia en uno de ellos, con el objetivo de presentar las vicisitudes de la clínica psicológica y las reflexiones por ellas suscitadas. Esta experiencia, al mismo tiempo, nos permitió una visión crítica en relación al trabajo en salud mental, especialmente en lo que se refiere a los aspectos no reflexionados que acaban, por la repetición, volviéndose cotidianos. Tal visión acaba por destacar puntos nodales para pensar la Reforma Psiquiátrica brasileña y la inserción del psicólogo, como: la todavía no superada dicotomía entre clínica y política que promueve intervenciones desarticuladas; el no-saber de los profesionales frente a un sufrimiento que se presenta severo y persistente - lo que termina por alimentar la reproducción de un modelo a ser ultrapasado - ; la burocracia decurrente de este no-saber que impide o dificulta soluciones; la insospechada vigencia del paradigma manicomial en los servicios substitutivos al modelo hospitalocéntrico.

Palabras-clave: Centro de Atención Psicosocial, reforma psiquiátrica, salud mental, psicoanálisis, clínica extendida.


RÉSUMÉ

Dans cette étude, nous proposons une réflexion sur les pratiques actuelles en matière de santé mentale au Brésil à partir d'une expérience de stage du cursus de psychologie, l'expérience s'est réalisée dans un Centre de soins psychosocial II, responsable des soins prodigués aux patients adultes en détresse psychologique profonde. Nous commençons par une brève présentation du Centre de Soins Psychosocial (CAPS) depuis sa création pour ensuite situer notre expérience dans l'un d'entre eux, afin de présenter les vicissitudes de la psychologie clinique et les réflexions par conséquent soulevées. Cette expérience, à son tour, nous a permis une approche critique par rapport aux travaux en santé mentale, en particulier en ce qui concerne les aspects irréfléchis qui deviennent une routine, par leur répétition. Cette approche permet de mettre en évidence des points cruciaux de façon à réfléchir à la Réforme Psychiatrique Brésilienne et à l'insersion du psychologue, comme par exemple la dichotomie existante entre clinique et politique qui favorise des interventions non articulées, l'absence de savoir des professionnels devant la souffrance subie sévère et persistante - ce qui finit par alimenter la reproduction d'un modèle dépassé; la jouissance bureaucratique découlant de cette absence de savoir qui empêche ou entrave les possibilités de solutions, l'existence insoupçonnée du paradigme hôpitalier dans les services de remplacement du modèle hôpitalier central.

Mots-clés: Centre de Soins Psychosociaux, réforme de la psychiatrie, la santé mentale, la psychanalyse, clinique élargie.


 

 

A Reforma Psiquiátrica Brasileira e os CAPS

O nascimento da psiquiatria tem origem no século XIX com o médico Philippe Pinel, o qual propôs a primeira modalidade de tratamento aos loucos, reservada ao âmbito moral e aos muros do hospício; anteriormente não havia uma proposta terapêutica à população acometida de problemas mentais, mas enclausuramento de todas as pessoas que ofereciam algum risco à sociedade: loucos, mendigos, leprosos. Na tradição Pineliana, a loucura era vista como falta de valores morais, valores perdidos numa sociedade que estava "pobre" desses. Nesse contexto, o hospital psiquiátrico era por si terapêutico e sobressaia a necessidade de internamento para a recuperação da moral. A cura requeria o isolamento da sociedade e, quando não ocorria, restava a exclusão (Foucault, 1997).

A partir do paradigma de Pinel, as práticas psiquiátricas silenciadoras dos sujeitos lou-cos perpetuaram-se ao longo dos anos como a eletroconvulsoterapia, as intervenções neuroci-rúrgicas, como a lobotomia e, também, a hidroterapia, os choques insulínicos e, por último, os medicamentos psicotrópicos. Métodos que foram usados, segundo Amarante (1995) mais por castigo do que por potência de cura.

Neste cenário de castigos e segregação surgem diversos movimentos mundiais pela reforma ou desmantelamento dos manicômios a partir da década de 40: Comunidades Terapêuticas e Antipsiquiatria na Inglaterra; Psiquiatria de Setor na França; Psiquiatria Preventiva ou Comunitária nos Estados Unidos; Reforma Democrática na Itália (Amarante, 1995). No cerne dos questionamentos sobre a estrutura asilar psiquiátrica surge a Reforma Psiquiátrica Brasileira, instaurada na década de 70 e fortemente influenciada pela Reforma Democrática Italiana.

Sobre o movimento pela Reforma Psiquiátrica Brasileira, Amarante (1997) aponta o fato de que este foi deflagrado por profissionais e estudantes contratados na rede de hospitais psiquiátricos, com a finalidade de denunciar à sociedade as péssimas condições de trabalho a que eram submetidos e, principalmente, a precariedade da assistência aos doentes mentais, os quais viviam dentro dos manicômios em condições insalubres e com recursos meramente puni-tivos pautados no isolamento como o uso de celas.

No curso das denúncias, ao final da década de 80 começaram a surgir propostas de mudanças, e dentre elas estavam os primeiros Serviços Substitutivos ao manicômio no país (Lancetti, 2009), ancorados na comunidade, com o intuito de oferecer outro tipo de cuidado aos sujeitos em sofrimento psíquico grave. Os Serviços Substitutivos buscavam incluir, finalmente, o saber daquele que sofre e, assim, descentralizar o atendimento do modelo biomédico, compondo um modelo de atenção psicossocial à vida do sujeito, o que fica em evidência na nomeação destes novos serviços, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Apesar de os primeiros CAPS terem sido criados ainda na década de 80, o incentivo à sua difusão e ao seu fortalecimento data de 2001 com a Lei 10.216, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, e 2002, com a Portaria 336, chamada Portaria do CAPS.

Após a promulgação da Lei 10.216, o Ministério da Saúde redigiu um manual que ofere-ce diretrizes para o trabalho nos CAPS (Brasil, 2004b), o qual considera que os referidos Servi-ços são instituições destinadas a acolher crianças, adolescentes e adultos em sofrimento psí-quico severo, ou seja, acometidos por psicoses ou neuroses graves ou, também, abuso de drogas (álcool e outras substâncias psicoativas). O Serviço busca estimular nos pacientes a integração social e familiar; apoiar iniciativas de autonomia, como inserção no mundo do trabalho e nos variados recursos dispostos no entorno; oferecer atendimentos adequados à demanda dos usuários, incluindo diversos dispositivos clínicos, como grupos, oficinas, atendimento psicológico, acompanhamento terapêutico. A finalidade principal é "integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu 'território', o espaço da cidade onde se desenvolve a vida cotidiana de usuários e familiares" (Brasil, 2004b, p. 9).

No mesmo manual, são também destacados outros objetivos principais dos CAPS, co-mo proporcionar cuidados diários ao usuário; criar e gerenciar projetos terapêuticos que envol-vam "cuidado clínico eficiente e personalizado"; "promover a inserção social dos usuários atra-vés de ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer" (Brasil, 2004b, p. 13); organizar a Rede de Saúde Mental do seu território; fazer parcerias com a Rede de Atenção Básica com a finalidade de dar suporte na área da saúde mental; supervisionar junto com o gestor local as unidades de internação psiquiátrica da localidade; regular a porta de entrada da Rede de Assistência em Saúde Mental de sua área.

Os textos que regulamentam o trabalho nos CAPS vêm ao encontro da consolidação dos ideais da Reforma Psiquiátrica, pois buscam uma nova concepção de como tratar o sofri-mento psíquico grave, sem privar o usuário de sua liberdade de ir e vir, garantindo os seus direitos de cidadão.

 

A Reforma Psiquiátrica e a Clínica Ampliada: Sobre a Escolha pelo CAPS

No decorrer de nossa formação em psicologia, deparamo-nos com a Luta Antimanico-mial, iniciada no Brasil em fins da década de 70, interrogando as formas hegemônicas do trato com a loucura. Na verdade, esse movimento social questionava (e ainda questiona) o não-tratamento, em que as pessoas ficavam à mercê da instituição psiquiátrica asilar, muitas vezes por uma vida inteira. Essa luta emblemática no seio da saúde mental nos convoca a pensar o sujeito de outra forma. Outra forma de constituição - sócio-histórico-familiar-psíquica - consiste em levar em consideração não somente a tradicional questão orgânica, mas o sujeito como produto também do seu contexto histórico e subjetivo - sociofamiliar, demandante de outra forma de tratamento, fora da clausura dos muros dos manicômios.

No entanto, esse processo não é simples. A desinstitucionalização da loucura é uma ta-refa complexa, pois não basta mudar a estrutura de vida e de tratamento do louco, desospitalizando-o. É insuficiente apenas retirá-lo do regime fechado e retorná-lo à sua família ou, então, a um residencial terapêutico. É necessário ir muito além, o que inclui a maneira como cada profissional se relacionará com a loucura, como a sociedade romperá com o estigma perpetuado por séculos, em que o louco era visto estritamente como alguém que trazia perigos para o bem-estar das pessoas, como a família conviverá com seu familiar que antes "podia" ser esquecido dentro dos hospitais psiquiátricos por uma vida inteira.

Por essas razões, a afirmação de que um Serviço, por ser aberto, não garante sua natureza antimanicomial merece consideração (Figueiredo & Rodrigues, 2004, pp. 173-174). Nessa perspectiva, nos parece necessário que os trabalhadores da área de saúde mental e a sociedade como um todo estejam comprometidos com a oferta do cuidado e a instauração da cidadania daqueles que sofrem psiquicamente.

Estes ideais de cidadania, herdados da experiência de Reforma Psiquiátrica italiana - capitaneada por Franco Basaglia, dizem de mudanças na dimensão política a serem conquista-das pelos loucos e por aqueles que com eles trabalham. Os trabalhadores em saúde mental, se antes se prestavam a um ideal higienizador representado pelo asilo, devem agora concentrar seus esforços na integração social dos sofredores psíquicos graves catalogados como loucos. Para nós, que compartilhamos desta perspectiva, forjada no caldo da cultura mais ou menos libertária da década de 60, falta um elo entre a nova perspectiva dos trabalhadores em saúde mental e a sociedade a ser transformada. Este elo inoperante é o sujeito que sofre nas malhas da instituição psiquiátrica. Portanto, ainda que alguns setores venham a demonizar a clínica como um todo por fazê-la coincidir com a perpétua medicalização do sujeito, posicionamo-nos na direção de uma clínica diferenciada, que parta da escuta e de uma perspectiva de construção conjunta de um laço social que não violente a singularidade.

Obviamente, embora estejamos defendendo uma clínica que contemple a dimensão do sujeito, isto é, a dimensão da singularidade, nem cogitamos que tal clínica figure como um imperativo totalizante no interior dos Serviços de Saúde Mental, mesmo porque a dimensão de cidadão se faz necessária em nossa cultura, cabendo aos trabalhadores de saúde mental a defesa do acesso aos direitos fundamentais pelos usuários dos Serviços (Zenoni citado em Guerra, 2008). Desse modo, apostamos no resgate do sujeito em sua singularidade, sem perder de vista a dimensão política da cidadania, finalidade a ser alcançada a partir de diferentes modalidades interventivas.

Nessa via, segundo documento do Ministério da Saúde (Brasil, 2004b), o termo clínica ampliada, refere-se a uma nova postura dos profissionais de saúde, que privilegie a singularidade do sujeito doente em detrimento da patologia diagnosticada. Trata-se de um olhar sobre o sujeito e seu contexto sociocultural, que sirva de ponto de partida para a construção conjunta de possibilidades de superação do sofrimento e de reinvenção da vida a partir desse, num movimento que envolva tanto o paciente e os profissionais de saúde quanto os mais diversos setores da comunidade (Brasil, 2004a). No caso específico dos usuários dos Serviços de Saúde Mental, trata-se de abrir caminhos que rompam a segregação histórica tributária dos estigmas sobre o sofrimento psíquico, visando a uma inserção social e cultural que faça sentido.

Isso implica a construção de relações em que a loucura passe a ser percebida como pura diferença, não mais como erro moral, defeito orgânico ou negatividade. Como dito anteriormente, para que esses ideais se concretizem em nossa realidade social, precisamos, antes de tudo, escutar o sujeito, possibilitando-lhe condições subjetivas mínimas para que o laço social se constitua a partir de diferentes modalidades interventivas.

Nesse ponto, a clínica lacaniana das psicoses afina-se com a ética da clínica ampliada, na medida em que não se propõe a calar o sintoma, mas a escutá-lo enquanto tentativa de ins-crição do psicótico no laço social. Com o tratamento, busca-se uma suplência, uma condição de ser no mundo que possa funcionar de modo a barrar a invasão pulsional (gozo)1 causadora de um sofrimento muitas vezes atroz.

Nessa via, a escuta do delírio é importante, então, para a reinvenção do sujeito também pretendida pela clínica ampliada, pois, no mesmo sentido das formulações do Ministério da Saúde (Brasil, 2004a), é uma escuta que não procura suprimir o sintoma por meio de prescrições, mas parte dele para encontrar a singularidade e alguma possibilidade de operação com a vida a partir desta. Lançando mão de uma linguagem psicanalítica, poderíamos dizer que, à medida que o sujeito em transferência obtém êxito em extrair dos deslizamentos de sentido presentes na elaboração delirante um sentido operante, uma parte significativa do gozo pode ser circunscrito numa cadeia simbólica e o sujeito pode encontrar alguma satisfação junto ao social.

O estágio no CAPS como modalidade formativa se justifica, então, pelo compartilha-mento dos ideais de mudança do paradigma psiquiátrico e pelo decorrente desejo de constituir competências viabilizadoras de um trabalho psíquico resolutivo junto a pessoas em sofrimento psíquico grave. Todos esses desafios nos fizeram pensar que poderíamos produzir novas reflexões e práticas com a experiência de estágio em um Serviço Substitutivo no âmbito da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

A partir das considerações até aqui elencadas pautamos nossa reflexão, construída na época em que estávamos na graduação, com a orientação de nossa supervisora acadêmica. Com efeito, pretendemos descrever aspectos da realidade encontrada em nossa experiência de estágio no CAPS, salientando situações cotidianas do outro lado do abismo que parece haver entre legislação, documentos de referência para o trabalho em saúde, ideais de desinstitucionalização da loucura e a prática que efetivamente encontramos no momento de nosso estágio no Serviço.

 

Sobre as vicissitudes da Experiência: Alguns Recortes

No quarto ano do curso de psicologia, iniciamos um estágio em um CAPS numa cidade do interior do Rio Grande do Sul. A reflexão dessa experiência motiva a escrita deste trabalho, no qual pretendemos dar nossa pequena contribuição ao avanço da Reforma Psiquiátrica no Brasil, refletindo sobre aspectos importantes inerentes à inserção do psicólogo nos Serviços de Saúde Mental a partir de sua formação profissional.

Nossa estada nesse CAPS foi muito particular, pois tangenciou um momento crucial do Serviço, o qual se encontrava em um complexo movimento de reestruturação. A renovação da equipe se fez acompanhar do antagonismo entre o velho paradigma manicomial, do transtorno mental enquanto erro ou desrazão, e já algumas concepções antimanicomiais, sustentadas em novas relações entre sociedade e loucura.

O ingresso no campo de estágio foi marcado pelo estabelecimento de atividades pré-definidas, mesmo antes de uma aproximação ao campo na qual pudéssemos participar ativa-mente desta definição, cabendo apenas a acomodação ao estabelecido, como se os atendimentos individuais, a coordenação de grupo de familiares e de grupo psicoterapêutico pudesse ser realizado sem que se houvesse a necessidade de um entendimento sobre como estes dispositivos se relacionam com a perspectiva de cuidado em saúde mental operada neste Serviço. Sentimos falta, nesse momento, de uma maior clareza quanto às estratégias norteadoras do trabalho a ser realizado pela equipe e da explicitação dos objetivos clínicos e institucionais propostos pelo Serviço. Pareceu-nos que o entendimento era de que as atividades poderiam realizar-se sem a problematização das concepções pressupostas no desenvolvimento das mesmas, ou seja: psicólogos em um CAPS coordenam grupos e atendem individualmente pacientes, sem que seja necessário considerar como estas atividades se articulam com o projeto terapêutico estabelecido para cada usuário do Serviço e compartilhado pelos diferentes profissionais que compõe a equipe.

Além do mais, a prática institucional de exigir dos recém-chegados, profissionais ou estagiários, um completo e instantâneo preenchimento de suas cargas horárias com atividades pré-instituídas, pode ser vista como um tributo não só da falta de reflexão sobre o próprio pro-cesso de trabalho, mas também como uma tentativa de exorcização do ócio cristalizado no imaginário social desde a Grande Internação, e como um vício inerente à loucura enquanto marginalidade (Cedraz & Dimenstein, 2005). Seguindo essa lógica, quanto mais tempo os profissionais ocuparem-se dos loucos, mais dirigidas e previsíveis tornam-se as atitudes destes no âmbito institucional, numa perspectiva ainda disciplinar de controle do gesto, e constante vigilância sobre os usuários, lembrando em muito o tratamento moral instituído por Pinel no século XVIII (Foucault, 2005).

Assim, recebemos inicialmente atividades eminentemente clínicas (no sentido tradicio-nal), ao mesmo tempo em que ouvíamos intermitentes críticas a esse modelo liberal privado, por paradoxal que isto fosse. Suspeitamos que as críticas reiteradas estivessem mais ligadas a certas condições da formação do profissional do que à suposta incompatibilidade das referidas modalidades de atendimento com os pressupostos da Clínica Ampliada. Nossa impressão deriva da afirmação repetida da suposta impossibilidade de uma clínica da psicose ancorada na palavra, o que diz tanto das resistências dos psicólogos do Serviço ao deparar-se com o "real" do psicótico, quanto da formação acima mencionada. Dessa forma, os critérios clínicos para decisão dos dispositivos de tratamento não se mostraram consistentes, o que pode ser correlacionado também com a inexistência de projetos terapêuticos personalizados no interior do Serviço, apontando para a falta de reflexão sobre o próprio processo de trabalho.

O fato é que no decorrer do estágio atestamos certo esvaziamento do saber psicológico sobre a loucura. Esse esvaziamento evidenciava-se na recorrência ao saber psiquiátrico e/ou na desqualificação dos saberes psicológicos, especificamente os da psicanálise. Entretanto, no cotidiano, o que constatamos era uma grande aflição gerada pelo não-saber diante do corpo real não-domesticado da loucura, dirigindo os profissionais à busca pelo apaziguamento junto a um saber que objetifica esse mesmo corpo, reduzindo-o à sua dimensão organo-física. É na psiquiatria de base estritamente biológica e em suas práticas de tamponamento dos fatos de linguagem psicóticos que se aplaca provisoriamente o caos pulsional do corpo não simbolizado - recalcamento forçado e precário, cuja principal finalidade parecia ser reordenar o quantum pulsional dos próprios profissionais, mobilizados em seus aparatos neuróticos de defesa.

Essa situação é análoga à que contribuiu para gerar os manicômios, ou seja, a radical diferença entre neuróticos e psicóticos tem gerado um grau de intolerância por parte dos primeiros, historicamente inviabilizadora de convívio. Isso ocorre porque a intimidade que o psicótico estruturalmente parece ter com as dimensões do real da morte e do sexo costuma aterrorizar os ditos normais, que deixaram sucumbir sob o mecanismo do recalque tais aspectos. O desconforto ocasionado nesse convívio pode ser verificado, no âmbito do CAPS, nas ações de enfrentamento à crise e no tratamento dispensado aos casos, digamos, mais desafiadores. Tais medidas, francamente manicomiais, consistem na adoção sistemática da aplicação de medicamentos intravenosos seguida de internação frente aos surtos e delegação dos casos graves unicamente à psiquiatria, sem outra medida que a psicofarmacológica, com a justificativa de que "fulano não adere a grupos" (sic)2.

Também chamou-nos à atenção o fato de pacientes com comprometimentos maiores ou sintomas mais bizarros serem condenados à quase total desassistência. A visão desses pacientes mobilizou-nos a uma ação de ajuda, canalizada, num primeiro momento, para a oferta de atendimento clínico individual. À medida que os casos atendidos evoluíram clinicamente, passamos a necessitar de uma supervisão mais específica. As limitações da supervisão local no sentido da condução da clínica dos casos de psicose acabaram por desestimular a assunção de novos casos ou até mesmo a atenção aos pacientes mais graves que circulam pelas dependências do Serviço.

Enredados no dilema entre o velho e o novo modelo de atenção à saúde mental, muitos dos profissionais - despreparados para oferecer suporte às manifestações psicóticas, conforme exposição acima - acabavam anacronicamente reproduzindo o paradigma que deveriam ajudar a superar. Isso ocorre, por exemplo, quando a internação na ala psiquiátrica do Hospital Universitário aparece como primeiro recurso de enfrentamento às crises e, muitas vezes, com a ajuda da polícia.

Esse procedimento, além de ilustrar o despreparo para a atenção à urgência psiquiátri-ca, reflete uma confusão entre as esferas da loucura e da moralidade, própria ao manicomialis-mo.

Um exemplo dessa indistinção se verifica quando, diante de um usuário na iminência de uma crise, a ameaça de internação hospitalar ou o chamado à Brigada Militar são usados como repreensão ao estar mal, como se fosse uma escolha: entrar em crise ou não. É justamente nesse momento de crise que o usuário mais precisa da presença de pessoas que são referência para ele (familiares, técnicos, etc.). Podemos questionar qual é a possibilidade de se estabelecer um vínculo de tratamento possível entre essas pessoas que estão em franco sofrimento psíquico e o Serviço. A transferência da atenção às crises a outros setores ou Serviços não se justifica pelo fato de não haver um médico no CAPS em todos os turnos. Embora tal presença possa ajudar bastante, existem outras formas de trabalho diferentes do efetuado pela medicina; por isso há uma equipe multiprofissional. A partir de nossa experiência, percebemos que a contenção através da palavra também é um recurso possível para muitos casos.

Essas questões, que apontam para a vigência do antigo modelo, perpetuam-se por meio do excesso de medicalização - Haloperidol é receitado como água, em abundância - que emudece quimicamente os sujeitos e os dilacera em seus efeitos colaterais, como as conheci-das tremedeiras das mãos que quase os impedem de assinar o próprio nome (Síndrome Par-kinsoniana), a impotência sexual que limita o exercício da sexualidade e a fatal Síndrome Neu-roléptica Maligna (Marangell, 2003) que, inclusive, vitimou uma usuária do Serviço no corrente ano do estágio. A medicalização excessiva também demonstra desconhecimento ou desconsi-deração da política de saúde mental do país, pois está previsto que os usuários dos CAPS tenham acesso a medicações excepcionais (Brasil, 2004b), que apresentam maior eficácia e menos efeitos colaterais. Essa contradição do novo modelo com as velhas práticas põe a mostra pontos de conflito na Reforma Psiquiátrica. No seio de tudo isso está o usuário, silenciado pelo uso dos fármacos e presumivelmente angustiado pela ausência de um espaço de escuta.

Outra consequência desse cenário diz respeito ao que Cedraz e Dimenstein (2005) des-taca como a aflição gerada pelo não-saber aliada ao grande número de pacientes desassistidos e a demanda geral por uma adequação aos ritmos burgueses de trabalho - no sentido, muitas vezes, de mera ocupação do tempo. Esses são fatores que contribuíram para que percebêssemos uma demanda utilitarista do estágio por parte da instituição em detrimento de seu aspecto formativo. Esta afirmação pode ser ilustrada pelo fato de nossos horários, no início da experiência de estágio, nunca coincidirem com os dos supervisores locais "para que sempre houvesse no Serviço alguém da psicologia" (sic)3, pela insistência para que assumíssemos de imediato mais atendimentos, pelo repasse de casos e grupos considerados difíceis ou incômodos e pela proibição inicial de que participássemos das reuniões semanais da equipe.

Em determinado momento, algumas modalidades de intervenção clínica diferenciadas - tais como atelier de criatividade, acompanhamento terapêutico e atividades de inserção econô-mica e cultural - foram instauradas, porém sem a reflexão necessária à sustentação de uma práxis. Nossa impressão é de que não havia os conhecimentos teóricos necessários acerca dos processos interventivos, o que explicaria a ausência de resolutividade e a cronificação. Essas modalidades aparecem apenas como técnicas a serem aplicadas, técnicas consagradas nas práticas mais contemporâneas de saúde mental, implementadas sem a devida contextualização e que acabam servindo à já mencionada exorcização do ócio. Além do mais, são iniciativas fragmentadas, descoladas de um projeto terapêutico com objetivos mais claros e abrangentes e, por isso, acabam não evitando a cronicidade. Isso sugere que o problema não é a modalidade clínica, mas o despreparo para sua condução, o que acaba perpetuando o mesmo tipo de consequência - inoperância do tratamento- nas diferentes intervenções.

Um exemplo disso se deu na condução do Atelier de Criatividade (levada a cabo por uma de nós e por uma psicóloga do Serviço), idealizado como um dispositivo organizativo da subjetividade através da arte, vivenciamos uma situação que evidencia a visão equivocada dos profissionais em relação à loucura. Antes de começarmos, pedimos indicações para a equipe técnica do Serviço sobre usuários que pudessem se beneficiar e, como já havíamos pensado em alguns, apenas questionamos sobre tal participação. Infelizmente, ouvimos, de maneira bastante preconceituosa, falas como estas: "esse aí não tem como participar, ele nem fala", "acho difícil ele participar, pois não faz nada" (sic)4, entre outras. Essas falas concretizam-se na instituição através dos usuários cronificados, desacreditados de uma possível melhora, que inclusive calaram-se, pois talvez nunca tenham sido ouvidos. A isso se articula a questão do poder que se instaura a partir do saber (Foucault, 2005); um saber adquirido supostamente pelos técnicos sobre os usuários que acaba por deixar estes em uma situação fragilizada, em que não conseguem ser diferentes do discurso preconizado pelos técnicos, pois perambula no imaginário dos usuários que, por serem técnicos, sabem mais sobre eles do que eles próprios.

Esses dados corroboram nossa hipótese da vigência do paradigma manicomial no Serviço, situação agravada no CAPS em que atuamos por um modo de funcionamento burocrático. Este prima pela estereotipia, pela obediência a um superior impessoal, mormente a lei ou o Estado, que é identificado como responsável pelo distanciamento entre o funcionamento burocrático e a realização da tarefa a que a instituição formalmente se propõe. O distanciamento e a alienação advêm da separação entre pensar e fazer, em que o burocrata se torna um mero executor mecânico de ações pré-determinadas. A burocracia faz com que se evidencie o objetivo de controle social implícito à totalidade das instituições, ressaltando grandemente os caracteres da mortificação e do aprisionamento (Costa, 1991).

A montagem perversa que tem lugar no laço social, especialmente no tocante ao funcionamento burocrático, faz com que os agentes, convertidos em objeto e instrumento do gozo do Outro (a Burocracia, o Estado ou Ninguém), abdiquem de sua singularidade, extraindo satisfação da suposição de saber na Burocracia. A identificação com o lugar de objeto do Outro coloca o sujeito numa confortável posição, na qual não se depara com a angústia, a culpa ou o desejo (Calligaris citado em Costa, 1991). Ou seja, os profissionais burocratizados acabam por não mais se interrogar ou desejar empreender um trabalho criativo; estão convictos de cumprir com perfeição sua tarefa.

Percebemos também um exemplo do descaso para com os usuários, quando um destes precisou de ajuda para confeccionar uma nova via da certidão de nascimento. Foi acompanhado por profissionais da equipe e fez a nova via. Havia ficado combinado também que ele seria acompanhado na confecção da segunda via da carteira de identidade, visto que era um usuário que realmente precisava desse auxílio. No entanto, o usuário comunicou que estava indo pela segunda semana consecutiva, conforme agendado, e lhe era dito que não poderiam acompanhá-lo naqueles dias, dizendo para voltar na próxima semana. Apesar disso, ele buscou meios próprios para resolver a situação, sem sucesso. O profissional, aqui, cria uma burocracia preguiçosa e arbitrária, dificultando o acesso do usuário aos recursos que lhe seriam de direito.

O domínio do descaso aparece também nos aspectos do ambiente físico, envolto numa constante penumbra; na ausência de manutenção, evidenciada nos bancos danificados do refeitório, nas folhas de papelão a substituir as vidraças quebradas do atelier; nas bandeirinhas remanescentes de festas juninas passadas, na exposição de trabalhos na parede sem alocação devida, deixando marcas de fita adesiva na parede; no aspecto marginal e perigoso (carcaça de sofá equilibrando-se sobre tijolos empilhados) do fumódromo; nos esgotos entupidos; na proliferação de baratas; enfim, na sujeira envelhecida. Na hora da sesta, muitos usuários permanecem deitados em colchonetes deteriorados ou na maca da sala da psiquiatria. O odor excrementício torna o local insalubre e o trabalho, em algumas salas, inviável. Esse é o cenário onde os usuários perambulam, e em que muitos permanecendo em caráter intensivo, traduzindo um cenário já descrito por Foucault (1997): o da loucura misturando-se à escuridão e à imundície, como se este fosse ainda seu elemento, de Bicêtre a Barbacena (referência à insalubridade desses asilos que marcaram a história dos maus-tratos em manicômios).

Ainda no tocante aos aspectos físicos do Serviço, vale assinalar um detalhe arquitetônico que muito nos inquietou durante o ano: trata-se da parede que divide usuários de equipe, restringindo ao máximo os contatos entre "sãos e insanos". A minúscula janelinha a interligar os dois mundos torna praticável a mensagem subliminar que comunica: "Um de cada vez!". De fato, a praticidade de tal arquitetura disciplinar, tão ao gosto das críticas foucaultianas e cuja finalidade parece ser a do distanciamento, confronta-se com os agrupamentos que os pacientes costumam fazer ao redor de qualquer profissional de saúde que aparente poder ofertar-lhes alguma escuta. Lamentavelmente, a regra parece ser o descomprometimento, o olhar de esgueio, a simulação de atenção por meio de contatos infantilizadores e superficiais.

A infantilização nos contatos com os usuários, destacada na ilustração de bonequinhos de mãos dadas presente na camiseta institucional e no tom de voz regredido utilizado na comu-nicação - por exemplo, "paizinho", "remedinho" [sic] - aparece como mais uma forma de defe-sa. A fantasia do louco como uma criança incapaz e indefesa parece preferível à do louco peri-goso, hiper-sexualizado, audaz ou disruptivo. Nesse caso, a formação reativa, enquanto trans-formação de um afeto em seu contrário, parece ser o mecanismo neurótico em questão. Outra nota da infantilização no CAPS é a tutela exagerada em relação aos usuários - que inúmeras vezes recebem auxílio doença por mero paternalismo, sem que os componentes reais das con-dições de trabalho e tratamento sejam levados em consideração.

Um exemplo do assistencialismo exacerbado, infantilizador, é a "distribuição" de benefícios sociais vinculados à LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), o "auxílio-doença" citado no parágrafo anterior. Muitos recebem o atestado de incapacidade para o trabalho, o que acaba por anular qualquer possibilidade de vida ativa, como fazer um curso profissionalizante ou supletivo, por exemplo. Os usuários, diante de sua própria incapacidade atestada por um saber médico, entregam-se à passividade. Ao serem questionados sobre o que pensam sobre o trabalho, respondem: "mas a doutora disse que eu não posso" [sic]. Instigados a se posicionarem sobre essa afirmação, não conseguem colocar o que pensam, pois o poder que os técnicos acabam exercendo sobre os usuários os cola ao discurso de uma suposta "ciência", que sabe sobre eles muito mais do que eles próprios.

Acrescenta-se a essa tutela excessiva a desconfiança generalizada. As portas da secre-taria, dos banheiros e da cozinha dos funcionários encontram-se trancafiadas, como se o espa-ço do CAPS não fosse o espaço para circulação de seus usuários. Outra questão presente no cotidiano do serviço é a ridicularização dos usuários em piadinhas e risos sobre suas problemáticas, sejam elas histéricas, psicóticas ou obsessivas. Além da constante conotação negativa de suas iniciativas e seus movimentos em direção à saúde como meros e previsíveis signos psicopatológicos, indicadores fatais da iminência de algum surto - por exemplo, quando alguns usuários pensam em trabalhar, morar sozinhos, enfim, ter autonomia sobre suas vidas, comenta-se que em breve terão nova crise. Assim, a diminuição do sofrimento, não raras vezes, é considerada como um previsível mecanismo da doença, que tomou o lugar do sujeito, e não como provável efeito de alguma intervenção terapêutica, reforçando o mito da incurabilidade do portador de transtornos mentais. Ao analisar esses fatos, evidencia-se a impossibilidade de a equipe suportar alguma autonomia dos sujeitos. Isso nos remete a certa totalização e controle da vida, característicos do modelo manicomial.

Durante as reuniões de equipe, profissionais costumam recorrer a julgamentos morais sobre o louco ou sobre sua família como maneira de eludir novos procedimentos interventivos. É como se, por ser portador de "erro", o usuário não merecesse a atenção psicossocial a que teria direito, pois "é sem-vergonha", "se faz", "não gosta de trabalhar" (sic)5. O mesmo ocorre com seus familiares que, muitas vezes, não são ouvidos por serem supostamente negligentes, exploradores, briguentos. Quando a família de certo usuário pede auxílio para que este possa viver com a filha, que virá estudar na cidade em alguns anos, diz-se que a motivação da família está unicamente em manter o benefício da adolescente até a idade universitária, colocação esta que intercepta o movimento e mantém a desassistência. Tem-se como resultado o arrefecimen-to das tendências criativas e potencialmente transformadoras em benefício da regra tácita do funcionamento institucional. Na medida em que a desassistência é utilizada como punição por suposto erro moral, fica muito difícil uma clínica autenticamente antimanicomial, visto que o usuário pode permanecer prisioneiro ad eternun em seu sofrimento psíquico avassalador, croni-camente aquém da inclusão social e da cidadania. Como alcançará a desejada autonomia um sujeito psiquicamente subjugado por uma intensidade pulsional desvinculada de qualquer re-presentação?

Ainda em relação à generalização da desassistência, há também um clamor recorrente pelo não atendimento de usuários com histórico de sexualidade desordenada ou de parafilias. Citamos o exemplo de um paciente que ameaça as mulheres trabalhadoras do serviço com olhares lascivos e beijos furtivos. O único dispositivo de tratamento oferecido nesse caso, além da prescrição de fármacos, é a atividade esportiva e laboral (futebol e horta), na suposição, quem sabe, de que aí se dissipem suas energias libidinais. A interação pela via da ameaça acaba aparecendo como forma única do contato desse jovem usuário com os trabalhadores (em sua unanimidade mulheres), não se oportunizando um espaço de simbolização para este "real sexual que assola". Como os casos de crise, quando a polícia é acionada, os casos de parafilia são vistos como pertinentes à esfera jurídica da culpabilidade e não como problema de saúde. Sugestões esparsas de internamento em hospitais de custódia e tratamento circulam pelo discurso institucional: "cuidado com fulano, ele é um estuprador, não deveria estar aqui, o lugar dele é no IPF" (Instituto Psiquiátrico Forense).

As transformações almejadas pelo processo de reforma psiquiátrica, vinculadas às no-vas relações entre loucura e sociedade, também parecem ficar um tanto quanto distantes no cotidiano deste CAPS. Por exemplo, o residencial ao lado do Serviço se posiciona contra a sua permanência na casa ao lado, pois os usuários estariam "incomodando" a vizinhança. Outra moradora da mesma rua não passa na calçada do Serviço com medo de que algo possa lhe acontecer.

Esses estigmas poderiam ser rompidos a partir de uma organização diferente do Servi-ço, em que este se mantivesse como um verdadeiro espaço terapêutico, com lugares limpos e, sobretudo, com relações não orientadas pelo preconceito entre profissionais e usuários. Dessa forma, o CAPS poderia estar mais próximo do convívio e da circulação com a comunidade, enfim, alguma interação possível para que as transformações pretendidas se tornem realidade. Nessa via, Amarante (1994) destaca:

(...) não mais se refere exclusivamente à reformulação dos serviços, ao rearranjo do aparato assistencial-normativo, nem reestruturação do texto jurídico que trata da maté-ria; não significa ainda a descoberta de novas técnicas, de uma escuta ou de uma tera-pêutica perfeitamente qualificada e competente, de por assim dizer, definitiva. Reforma psiquiátrica, no nosso entendimento, é o conjunto de iniciativas políticas, sociais, cultu-rais, administrativas e jurídicas que visam transformar a relação da sociedade para com o doente. A reforma psiquiátrica que estamos construindo vai das transformações na instituição e no poder médico psiquiátrico até as práticas em lidar com as pessoas por-tadoras de problemas mentais. (p. 43)

Na experiência aqui formalizada, encontramos um CAPS sem articulações com a comunidade e com a rede setorial e intersetorial; esquecido de sua função de local de tratamento singularizado e promotor de inserção social. Lancetti (2009) relata que "um dos grandes obstá-culos dos CAPS é a centralização em si mesmo e sua pouca abertura para o território" (p. 46). A consequência são Serviços que funcionam para "ocupar" o tempo dos usuários, ou seja, as atividades não são construídas conforme cada plano terapêutico singular, mas são os usuários que devem "se adaptar" ao que o Serviço oferece.

Constatamos ainda que a manutenção de certa "ordem" no cotidiano do Serviço: restri-ção da circulação dos usuários no espaço, divisão entre banheiro dos usuários e dos funcioná-rios (com notável diferença na manutenção entre ambos), divisão entre refeitório dos usuários e dos funcionários (igualmente notável diferença na manutenção e limpeza), rigidez da listagem dos participantes de grupos e oficinas (participantes são indicados pela equipe e encontram pouca mobilidade entre as atividades), acaba sendo a principal finalidade, ainda que passe pelo silenciamento e pelo desinvestimento da alteridade, com decorrente e progressiva alienação subjetiva dos usuários.

No contexto de nosso estágio, pareceu-nos haver um equívoco na apreciação da modalidade individual de tratamento, a qual seria vista como antinômica à perspectiva da clínica ampliada, confundindo-se finalidade terapêutica com modalidade de trabalho. De fato parece haver, em alguns segmentos psicológicos, uma tendência a dicotomizar a clínica pela noção, a nosso ver equivocada, de que a clínica ampliada seja tão somente aquela feita coletivamente fora da sala de atendimentos, excluindo as modalidades individuais. Paradoxalmente, uma clínica grupal e/ou em espaços abertos que não oportunize a escuta e a elaboração do mal-estar corre o risco de obter apenas efeitos de superfície, como, por exemplo, uma inclusão pela tentativa de exclusão da diferença. Voltamos a insistir que, além da dimensão do ideal social da reforma, nossa experiência nos indica a importância de considerar, nos Serviços de Saúde Mental, a dimensão do sujeito, no interior de qualquer dispositivo clínico adotado, como condição para que a histórica cisão entre clínica e política possa ser superada.  

 

Considerações Finais

Nossa experiência de estágio corrobora a problematização das decorrências da expan-são dos Serviços Substitutivos enquanto capsização cronificante (Amarante, 2003), resultado, a nosso ver, da transposição equivocada do velho paradigma do hospital para os novos Serviços, e da concentração dos processos interventivos sobre o corpo físico do usuário/paciente num ambiente circunscrito. Esses aspectos dizem de uma não implicação ou de um desconhecimento em relação à ação exigida hoje do trabalhador em saúde mental: encontrar junto com os loucos e os diversos setores da sociedade civil lugares para a loucura no espaço da cidade.

Para que os objetivos dos CAPS sejam atingidos, portanto, toda uma articulação inter setorial faz-se necessária. Para que loucura e cultura delimitem uma possível interpenetração, os trabalhadores desses Serviços, além de acessarem o conhecimento dos determinantes históricos e dos avanços lógicos que permitiram a existência mesma dos Serviços substitutivos ao manicômio, precisam ser protagonistas sociais e não meros funcionários públicos. A diferença entre funcionário público e protagonista social está na distância que separa burocracia de produção de vida; enquanto uma mortifica e zela pela manutenção do mesmo, a outra se constitui em um movimento ativo de transformação, rumo à superação de condições sociais dadas, como ilustra a citação abaixo:

O protagonismo social significa que as pessoas tomam para si próprias o controle de suas vidas, constroem estratégias de ação coletiva para se colocarem como sujeitos políticos efetivos, amenizando e buscando superar os limites da democracia representativa e, principalmente, colocando-se como portadores de novos direitos políticos, culturais, econômicos, estéticos, sexuais, etc. (Rodrigues, 2008, p.3)

Foram muitas as nossas inquietações frente às experiências do estágio desenvolvido no CAPS. O sentimento de impotência, a exasperação frente à demanda e aos entraves institucionais que geram a irresolutividade crônica levaram-nos a questionar o papel da saúde mental pública no Brasil e a recordar tristemente a análise basagliana sobre certas instituições como "instituições da violência" (Basaglia, 1985, p. 101). Assim, administrando um simulacro de tratamento e perpetuando o assistencialismo na maior parte das práticas, a sociedade desigual e injusta se reproduz, legitimada pelo discurso da ciência.

(...) se, por um lado, as políticas públicas no Brasil introduzem, no interior do próprio aparelho do Estado, questões importantes a respeito dos setores mais vulneráveis da sociedade, elas, historicamente, têm funcionado como colchão amortecedor dos conflitos sociais (Spink, 2003), e respondem, muitas vezes de forma paliativa, aos problemas. (Andrade & Araújo, 2003, citado em Gama & Koda, 2008, p. 422)

Os estágios, não só em CAPS, mas em toda a rede de atenção à saúde, afiguram-se importantíssimos para que a universidade repense sua posição frente à saúde pública no Brasil. Como psicólogos, somos chamados a participar efetivamente da consolidação dos Serviços Substitutivos ao manicômio, sob pena de grave retrocesso na política de saúde mental brasileira ou de perpetuação do velho sob a roupagem do novo. O próprio contato com a população acometida por transtornos mentais severos e persistentes, especificamente a clientela dos Centros de Atenção Psicossocial, pode contribuir para a desmistificação do que seja a loucura e uma melhor inserção futura do profissional nesse tipo de Serviço.

Nessa perspectiva, é preocupante a pouca ênfase que os cursos de psicologia em geral têm destinado à clínica específica da Reforma Psiquiátrica e da psicose em geral. Isso contrasta vergonhosamente com o fato de o Sistema Único de Saúde ser um dos principais empregadores dos profissionais psicólogos mediante a ampla oferta de concursos públicos.

Desse modo, acreditamos ser importante, além de um maior critério na contratação de profissionais para o CAPS, a possibilidade de um processo de educação permanente em saúde (Brasil, 2007) a estes trabalhadores, melhores proventos e condições de trabalho, além de esmerados cuidados para com sua própria saúde. Pensamos que seria salutar aos psicólogos contarem com uma análise pessoal e com supervisão constante, pois o manejo da clínica da psicose afigura-se dos mais desafiadores.

Contudo, apesar de todas as dificuldades, consideramos o estágio descrito como muito importante em nossa formação. Pequenos resultados, que insistiram em aparecer em meio a tantas limitações e que, infelizmente, não puderam ser sustentados pelo Serviço, deram-nos um vislumbre de que é possível uma prática que não redunde em cronificação e mortificação, mas que produza singularidade e vida. Para que essa clínica a favor da vida, clínica ampliada, passe a ser realidade em nossos Serviços de Saúde, é necessária a existência de uma equipe competente e afinada, liberta das mortalhas da burocracia e consciente da tarefa de fazer do manicômio um passado triste.

Para isso, é imprescindível um maciço investimento governamental na formação per-manente dos que trabalham na saúde mental, bem como uma constante avaliação desses Ser-viços. Como costuma acontecer, as modificações na lei acabam antecipando-se ao fornecimento de condições mínimas que sustentem as transformações pretendidas. Essas condições, então, devem vir a posteriori, sob risco de que o manicomialismo e a cronificação perpetuem-se nos modelos substitutivos criados no processo de Reforma Psiquiátrica e que o trabalho junto às pessoas em sofrimento psíquico grave torne-se aviltante para todos.

 

A Reforma Psiquiátrica Brasileira e os CAPS

O nascimento da psiquiatria tem origem no século XIX com o médico Philippe Pinel, o qual propôs a primeira modalidade de tratamento aos loucos, reservada ao âmbito moral e aos muros do hospício; anteriormente não havia uma proposta terapêutica à população acometida de problemas mentais, mas enclausuramento de todas as pessoas que ofereciam algum risco à sociedade: loucos, mendigos, leprosos. Na tradição Pineliana, a loucura era vista como falta de valores morais, valores perdidos numa sociedade que estava "pobre" desses. Nesse contexto, o hospital psiquiátrico era por si terapêutico e sobressaia a necessidade de internamento para a recuperação da moral. A cura requeria o isolamento da sociedade e, quando não ocorria, restava a exclusão (Foucault, 1997).

A partir do paradigma de Pinel, as práticas psiquiátricas silenciadoras dos sujeitos lou-cos perpetuaram-se ao longo dos anos como a eletroconvulsoterapia, as intervenções neuroci-rúrgicas, como a lobotomia e, também, a hidroterapia, os choques insulínicos e, por último, os medicamentos psicotrópicos. Métodos que foram usados, segundo Amarante (1995) mais por castigo do que por potência de cura.

Neste cenário de castigos e segregação surgem diversos movimentos mundiais pela reforma ou desmantelamento dos manicômios a partir da década de 40: Comunidades Terapêuticas e Antipsiquiatria na Inglaterra; Psiquiatria de Setor na França; Psiquiatria Preventiva ou Comunitária nos Estados Unidos; Reforma Democrática na Itália (Amarante, 1995). No cerne dos questionamentos sobre a estrutura asilar psiquiátrica surge a Reforma Psiquiátrica Brasileira, instaurada na década de 70 e fortemente influenciada pela Reforma Democrática Italiana.

Sobre o movimento pela Reforma Psiquiátrica Brasileira, Amarante (1997) aponta o fato de que este foi deflagrado por profissionais e estudantes contratados na rede de hospitais psiquiátricos, com a finalidade de denunciar à sociedade as péssimas condições de trabalho a que eram submetidos e, principalmente, a precariedade da assistência aos doentes mentais, os quais viviam dentro dos manicômios em condições insalubres e com recursos meramente puni-tivos pautados no isolamento como o uso de celas.

No curso das denúncias, ao final da década de 80 começaram a surgir propostas de mudanças, e dentre elas estavam os primeiros Serviços Substitutivos ao manicômio no país (Lancetti, 2009), ancorados na comunidade, com o intuito de oferecer outro tipo de cuidado aos sujeitos em sofrimento psíquico grave. Os Serviços Substitutivos buscavam incluir, finalmente, o saber daquele que sofre e, assim, descentralizar o atendimento do modelo biomédico, compondo um modelo de atenção psicossocial à vida do sujeito, o que fica em evidência na nomeação destes novos serviços, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Apesar de os primeiros CAPS terem sido criados ainda na década de 80, o incentivo à sua difusão e ao seu fortalecimento data de 2001 com a Lei 10.216, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, e 2002, com a Portaria 336, chamada Portaria do CAPS.

Após a promulgação da Lei 10.216, o Ministério da Saúde redigiu um manual que ofere-ce diretrizes para o trabalho nos CAPS (Brasil, 2004b), o qual considera que os referidos Servi-ços são instituições destinadas a acolher crianças, adolescentes e adultos em sofrimento psí-quico severo, ou seja, acometidos por psicoses ou neuroses graves ou, também, abuso de drogas (álcool e outras substâncias psicoativas). O Serviço busca estimular nos pacientes a integração social e familiar; apoiar iniciativas de autonomia, como inserção no mundo do trabalho e nos variados recursos dispostos no entorno; oferecer atendimentos adequados à demanda dos usuários, incluindo diversos dispositivos clínicos, como grupos, oficinas, atendimento psicológico, acompanhamento terapêutico. A finalidade principal é "integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu 'território', o espaço da cidade onde se desenvolve a vida cotidiana de usuários e familiares" (Brasil, 2004b, p. 9).

No mesmo manual, são também destacados outros objetivos principais dos CAPS, co-mo proporcionar cuidados diários ao usuário; criar e gerenciar projetos terapêuticos que envol-vam "cuidado clínico eficiente e personalizado"; "promover a inserção social dos usuários atra-vés de ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer" (Brasil, 2004b, p. 13); organizar a Rede de Saúde Mental do seu território; fazer parcerias com a Rede de Atenção Básica com a finalidade de dar suporte na área da saúde mental; supervisionar junto com o gestor local as unidades de internação psiquiátrica da localidade; regular a porta de entrada da Rede de Assistência em Saúde Mental de sua área.

Os textos que regulamentam o trabalho nos CAPS vêm ao encontro da consolidação dos ideais da Reforma Psiquiátrica, pois buscam uma nova concepção de como tratar o sofri-mento psíquico grave, sem privar o usuário de sua liberdade de ir e vir, garantindo os seus direitos de cidadão.

 

A Reforma Psiquiátrica e a Clínica Ampliada: Sobre a Escolha pelo CAPS

No decorrer de nossa formação em psicologia, deparamo-nos com a Luta Antimanico-mial, iniciada no Brasil em fins da década de 70, interrogando as formas hegemônicas do trato com a loucura. Na verdade, esse movimento social questionava (e ainda questiona) o não-tratamento, em que as pessoas ficavam à mercê da instituição psiquiátrica asilar, muitas vezes por uma vida inteira. Essa luta emblemática no seio da saúde mental nos convoca a pensar o sujeito de outra forma. Outra forma de constituição - sócio-histórico-familiar-psíquica - consiste em levar em consideração não somente a tradicional questão orgânica, mas o sujeito como produto também do seu contexto histórico e subjetivo - sociofamiliar, demandante de outra forma de tratamento, fora da clausura dos muros dos manicômios.

No entanto, esse processo não é simples. A desinstitucionalização da loucura é uma ta-refa complexa, pois não basta mudar a estrutura de vida e de tratamento do louco, desospitalizando-o. É insuficiente apenas retirá-lo do regime fechado e retorná-lo à sua família ou, então, a um residencial terapêutico. É necessário ir muito além, o que inclui a maneira como cada profissional se relacionará com a loucura, como a sociedade romperá com o estigma perpetuado por séculos, em que o louco era visto estritamente como alguém que trazia perigos para o bem-estar das pessoas, como a família conviverá com seu familiar que antes "podia" ser esquecido dentro dos hospitais psiquiátricos por uma vida inteira.

Por essas razões, a afirmação de que um Serviço, por ser aberto, não garante sua natureza antimanicomial merece consideração (Figueiredo & Rodrigues, 2004, pp. 173-174). Nessa perspectiva, nos parece necessário que os trabalhadores da área de saúde mental e a sociedade como um todo estejam comprometidos com a oferta do cuidado e a instauração da cidadania daqueles que sofrem psiquicamente.

Estes ideais de cidadania, herdados da experiência de Reforma Psiquiátrica italiana - capitaneada por Franco Basaglia, dizem de mudanças na dimensão política a serem conquista-das pelos loucos e por aqueles que com eles trabalham. Os trabalhadores em saúde mental, se antes se prestavam a um ideal higienizador representado pelo asilo, devem agora concentrar seus esforços na integração social dos sofredores psíquicos graves catalogados como loucos. Para nós, que compartilhamos desta perspectiva, forjada no caldo da cultura mais ou menos libertária da década de 60, falta um elo entre a nova perspectiva dos trabalhadores em saúde mental e a sociedade a ser transformada. Este elo inoperante é o sujeito que sofre nas malhas da instituição psiquiátrica. Portanto, ainda que alguns setores venham a demonizar a clínica como um todo por fazê-la coincidir com a perpétua medicalização do sujeito, posicionamo-nos na direção de uma clínica diferenciada, que parta da escuta e de uma perspectiva de construção conjunta de um laço social que não violente a singularidade.

Obviamente, embora estejamos defendendo uma clínica que contemple a dimensão do sujeito, isto é, a dimensão da singularidade, nem cogitamos que tal clínica figure como um imperativo totalizante no interior dos Serviços de Saúde Mental, mesmo porque a dimensão de cidadão se faz necessária em nossa cultura, cabendo aos trabalhadores de saúde mental a defesa do acesso aos direitos fundamentais pelos usuários dos Serviços (Zenoni citado em Guerra, 2008). Desse modo, apostamos no resgate do sujeito em sua singularidade, sem perder de vista a dimensão política da cidadania, finalidade a ser alcançada a partir de diferentes modalidades interventivas.

Nessa via, segundo documento do Ministério da Saúde (Brasil, 2004b), o termo clínica ampliada, refere-se a uma nova postura dos profissionais de saúde, que privilegie a singularidade do sujeito doente em detrimento da patologia diagnosticada. Trata-se de um olhar sobre o sujeito e seu contexto sociocultural, que sirva de ponto de partida para a construção conjunta de possibilidades de superação do sofrimento e de reinvenção da vida a partir desse, num movimento que envolva tanto o paciente e os profissionais de saúde quanto os mais diversos setores da comunidade (Brasil, 2004a). No caso específico dos usuários dos Serviços de Saúde Mental, trata-se de abrir caminhos que rompam a segregação histórica tributária dos estigmas sobre o sofrimento psíquico, visando a uma inserção social e cultural que faça sentido.

Isso implica a construção de relações em que a loucura passe a ser percebida como pura diferença, não mais como erro moral, defeito orgânico ou negatividade. Como dito anteriormente, para que esses ideais se concretizem em nossa realidade social, precisamos, antes de tudo, escutar o sujeito, possibilitando-lhe condições subjetivas mínimas para que o laço social se constitua a partir de diferentes modalidades interventivas.

Nesse ponto, a clínica lacaniana das psicoses afina-se com a ética da clínica ampliada, na medida em que não se propõe a calar o sintoma, mas a escutá-lo enquanto tentativa de ins-crição do psicótico no laço social. Com o tratamento, busca-se uma suplência, uma condição de ser no mundo que possa funcionar de modo a barrar a invasão pulsional (gozo)1 causadora de um sofrimento muitas vezes atroz.

Nessa via, a escuta do delírio é importante, então, para a reinvenção do sujeito também pretendida pela clínica ampliada, pois, no mesmo sentido das formulações do Ministério da Saúde (Brasil, 2004a), é uma escuta que não procura suprimir o sintoma por meio de prescrições, mas parte dele para encontrar a singularidade e alguma possibilidade de operação com a vida a partir desta. Lançando mão de uma linguagem psicanalítica, poderíamos dizer que, à medida que o sujeito em transferência obtém êxito em extrair dos deslizamentos de sentido presentes na elaboração delirante um sentido operante, uma parte significativa do gozo pode ser circunscrito numa cadeia simbólica e o sujeito pode encontrar alguma satisfação junto ao social.

O estágio no CAPS como modalidade formativa se justifica, então, pelo compartilha-mento dos ideais de mudança do paradigma psiquiátrico e pelo decorrente desejo de constituir competências viabilizadoras de um trabalho psíquico resolutivo junto a pessoas em sofrimento psíquico grave. Todos esses desafios nos fizeram pensar que poderíamos produzir novas reflexões e práticas com a experiência de estágio em um Serviço Substitutivo no âmbito da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

A partir das considerações até aqui elencadas pautamos nossa reflexão, construída na época em que estávamos na graduação, com a orientação de nossa supervisora acadêmica. Com efeito, pretendemos descrever aspectos da realidade encontrada em nossa experiência de estágio no CAPS, salientando situações cotidianas do outro lado do abismo que parece haver entre legislação, documentos de referência para o trabalho em saúde, ideais de desinstitucionalização da loucura e a prática que efetivamente encontramos no momento de nosso estágio no Serviço.

 

Sobre as vicissitudes da Experiência: Alguns Recortes

No quarto ano do curso de psicologia, iniciamos um estágio em um CAPS numa cidade do interior do Rio Grande do Sul. A reflexão dessa experiência motiva a escrita deste trabalho, no qual pretendemos dar nossa pequena contribuição ao avanço da Reforma Psiquiátrica no Brasil, refletindo sobre aspectos importantes inerentes à inserção do psicólogo nos Serviços de Saúde Mental a partir de sua formação profissional.

Nossa estada nesse CAPS foi muito particular, pois tangenciou um momento crucial do Serviço, o qual se encontrava em um complexo movimento de reestruturação. A renovação da equipe se fez acompanhar do antagonismo entre o velho paradigma manicomial, do transtorno mental enquanto erro ou desrazão, e já algumas concepções antimanicomiais, sustentadas em novas relações entre sociedade e loucura.

O ingresso no campo de estágio foi marcado pelo estabelecimento de atividades pré-definidas, mesmo antes de uma aproximação ao campo na qual pudéssemos participar ativa-mente desta definição, cabendo apenas a acomodação ao estabelecido, como se os atendimentos individuais, a coordenação de grupo de familiares e de grupo psicoterapêutico pudesse ser realizado sem que se houvesse a necessidade de um entendimento sobre como estes dispositivos se relacionam com a perspectiva de cuidado em saúde mental operada neste Serviço. Sentimos falta, nesse momento, de uma maior clareza quanto às estratégias norteadoras do trabalho a ser realizado pela equipe e da explicitação dos objetivos clínicos e institucionais propostos pelo Serviço. Pareceu-nos que o entendimento era de que as atividades poderiam realizar-se sem a problematização das concepções pressupostas no desenvolvimento das mesmas, ou seja: psicólogos em um CAPS coordenam grupos e atendem individualmente pacientes, sem que seja necessário considerar como estas atividades se articulam com o projeto terapêutico estabelecido para cada usuário do Serviço e compartilhado pelos diferentes profissionais que compõe a equipe.

Além do mais, a prática institucional de exigir dos recém-chegados, profissionais ou estagiários, um completo e instantâneo preenchimento de suas cargas horárias com atividades pré-instituídas, pode ser vista como um tributo não só da falta de reflexão sobre o próprio pro-cesso de trabalho, mas também como uma tentativa de exorcização do ócio cristalizado no imaginário social desde a Grande Internação, e como um vício inerente à loucura enquanto marginalidade (Cedraz & Dimenstein, 2005). Seguindo essa lógica, quanto mais tempo os profissionais ocuparem-se dos loucos, mais dirigidas e previsíveis tornam-se as atitudes destes no âmbito institucional, numa perspectiva ainda disciplinar de controle do gesto, e constante vigilância sobre os usuários, lembrando em muito o tratamento moral instituído por Pinel no século XVIII (Foucault, 2005).

Assim, recebemos inicialmente atividades eminentemente clínicas (no sentido tradicio-nal), ao mesmo tempo em que ouvíamos intermitentes críticas a esse modelo liberal privado, por paradoxal que isto fosse. Suspeitamos que as críticas reiteradas estivessem mais ligadas a certas condições da formação do profissional do que à suposta incompatibilidade das referidas modalidades de atendimento com os pressupostos da Clínica Ampliada. Nossa impressão deriva da afirmação repetida da suposta impossibilidade de uma clínica da psicose ancorada na palavra, o que diz tanto das resistências dos psicólogos do Serviço ao deparar-se com o "real" do psicótico, quanto da formação acima mencionada. Dessa forma, os critérios clínicos para decisão dos dispositivos de tratamento não se mostraram consistentes, o que pode ser correlacionado também com a inexistência de projetos terapêuticos personalizados no interior do Serviço, apontando para a falta de reflexão sobre o próprio processo de trabalho.

O fato é que no decorrer do estágio atestamos certo esvaziamento do saber psicológico sobre a loucura. Esse esvaziamento evidenciava-se na recorrência ao saber psiquiátrico e/ou na desqualificação dos saberes psicológicos, especificamente os da psicanálise. Entretanto, no cotidiano, o que constatamos era uma grande aflição gerada pelo não-saber diante do corpo real não-domesticado da loucura, dirigindo os profissionais à busca pelo apaziguamento junto a um saber que objetifica esse mesmo corpo, reduzindo-o à sua dimensão organo-física. É na psiquiatria de base estritamente biológica e em suas práticas de tamponamento dos fatos de linguagem psicóticos que se aplaca provisoriamente o caos pulsional do corpo não simbolizado - recalcamento forçado e precário, cuja principal finalidade parecia ser reordenar o quantum pulsional dos próprios profissionais, mobilizados em seus aparatos neuróticos de defesa.

Essa situação é análoga à que contribuiu para gerar os manicômios, ou seja, a radical diferença entre neuróticos e psicóticos tem gerado um grau de intolerância por parte dos primeiros, historicamente inviabilizadora de convívio. Isso ocorre porque a intimidade que o psicótico estruturalmente parece ter com as dimensões do real da morte e do sexo costuma aterrorizar os ditos normais, que deixaram sucumbir sob o mecanismo do recalque tais aspectos. O desconforto ocasionado nesse convívio pode ser verificado, no âmbito do CAPS, nas ações de enfrentamento à crise e no tratamento dispensado aos casos, digamos, mais desafiadores. Tais medidas, francamente manicomiais, consistem na adoção sistemática da aplicação de medicamentos intravenosos seguida de internação frente aos surtos e delegação dos casos graves unicamente à psiquiatria, sem outra medida que a psicofarmacológica, com a justificativa de que "fulano não adere a grupos" (sic)2.

Também chamou-nos à atenção o fato de pacientes com comprometimentos maiores ou sintomas mais bizarros serem condenados à quase total desassistência. A visão desses pacientes mobilizou-nos a uma ação de ajuda, canalizada, num primeiro momento, para a oferta de atendimento clínico individual. À medida que os casos atendidos evoluíram clinicamente, passamos a necessitar de uma supervisão mais específica. As limitações da supervisão local no sentido da condução da clínica dos casos de psicose acabaram por desestimular a assunção de novos casos ou até mesmo a atenção aos pacientes mais graves que circulam pelas dependências do Serviço.

Enredados no dilema entre o velho e o novo modelo de atenção à saúde mental, muitos dos profissionais - despreparados para oferecer suporte às manifestações psicóticas, conforme exposição acima - acabavam anacronicamente reproduzindo o paradigma que deveriam ajudar a superar. Isso ocorre, por exemplo, quando a internação na ala psiquiátrica do Hospital Universitário aparece como primeiro recurso de enfrentamento às crises e, muitas vezes, com a ajuda da polícia.

Esse procedimento, além de ilustrar o despreparo para a atenção à urgência psiquiátri-ca, reflete uma confusão entre as esferas da loucura e da moralidade, própria ao manicomialis-mo.

Um exemplo dessa indistinção se verifica quando, diante de um usuário na iminência de uma crise, a ameaça de internação hospitalar ou o chamado à Brigada Militar são usados como repreensão ao estar mal, como se fosse uma escolha: entrar em crise ou não. É justamente nesse momento de crise que o usuário mais precisa da presença de pessoas que são referência para ele (familiares, técnicos, etc.). Podemos questionar qual é a possibilidade de se estabelecer um vínculo de tratamento possível entre essas pessoas que estão em franco sofrimento psíquico e o Serviço. A transferência da atenção às crises a outros setores ou Serviços não se justifica pelo fato de não haver um médico no CAPS em todos os turnos. Embora tal presença possa ajudar bastante, existem outras formas de trabalho diferentes do efetuado pela medicina; por isso há uma equipe multiprofissional. A partir de nossa experiência, percebemos que a contenção através da palavra também é um recurso possível para muitos casos.

Essas questões, que apontam para a vigência do antigo modelo, perpetuam-se por meio do excesso de medicalização - Haloperidol é receitado como água, em abundância - que emudece quimicamente os sujeitos e os dilacera em seus efeitos colaterais, como as conheci-das tremedeiras das mãos que quase os impedem de assinar o próprio nome (Síndrome Par-kinsoniana), a impotência sexual que limita o exercício da sexualidade e a fatal Síndrome Neu-roléptica Maligna (Marangell, 2003) que, inclusive, vitimou uma usuária do Serviço no corrente ano do estágio. A medicalização excessiva também demonstra desconhecimento ou desconsi-deração da política de saúde mental do país, pois está previsto que os usuários dos CAPS tenham acesso a medicações excepcionais (Brasil, 2004b), que apresentam maior eficácia e menos efeitos colaterais. Essa contradição do novo modelo com as velhas práticas põe a mostra pontos de conflito na Reforma Psiquiátrica. No seio de tudo isso está o usuário, silenciado pelo uso dos fármacos e presumivelmente angustiado pela ausência de um espaço de escuta.

Outra consequência desse cenário diz respeito ao que Cedraz e Dimenstein (2005) des-taca como a aflição gerada pelo não-saber aliada ao grande número de pacientes desassistidos e a demanda geral por uma adequação aos ritmos burgueses de trabalho - no sentido, muitas vezes, de mera ocupação do tempo. Esses são fatores que contribuíram para que percebêssemos uma demanda utilitarista do estágio por parte da instituição em detrimento de seu aspecto formativo. Esta afirmação pode ser ilustrada pelo fato de nossos horários, no início da experiência de estágio, nunca coincidirem com os dos supervisores locais "para que sempre houvesse no Serviço alguém da psicologia" (sic)3, pela insistência para que assumíssemos de imediato mais atendimentos, pelo repasse de casos e grupos considerados difíceis ou incômodos e pela proibição inicial de que participássemos das reuniões semanais da equipe.

Em determinado momento, algumas modalidades de intervenção clínica diferenciadas - tais como atelier de criatividade, acompanhamento terapêutico e atividades de inserção econô-mica e cultural - foram instauradas, porém sem a reflexão necessária à sustentação de uma práxis. Nossa impressão é de que não havia os conhecimentos teóricos necessários acerca dos processos interventivos, o que explicaria a ausência de resolutividade e a cronificação. Essas modalidades aparecem apenas como técnicas a serem aplicadas, técnicas consagradas nas práticas mais contemporâneas de saúde mental, implementadas sem a devida contextualização e que acabam servindo à já mencionada exorcização do ócio. Além do mais, são iniciativas fragmentadas, descoladas de um projeto terapêutico com objetivos mais claros e abrangentes e, por isso, acabam não evitando a cronicidade. Isso sugere que o problema não é a modalidade clínica, mas o despreparo para sua condução, o que acaba perpetuando o mesmo tipo de consequência - inoperância do tratamento- nas diferentes intervenções.

Um exemplo disso se deu na condução do Atelier de Criatividade (levada a cabo por uma de nós e por uma psicóloga do Serviço), idealizado como um dispositivo organizativo da subjetividade através da arte, vivenciamos uma situação que evidencia a visão equivocada dos profissionais em relação à loucura. Antes de começarmos, pedimos indicações para a equipe técnica do Serviço sobre usuários que pudessem se beneficiar e, como já havíamos pensado em alguns, apenas questionamos sobre tal participação. Infelizmente, ouvimos, de maneira bastante preconceituosa, falas como estas: "esse aí não tem como participar, ele nem fala", "acho difícil ele participar, pois não faz nada" (sic)4, entre outras. Essas falas concretizam-se na instituição através dos usuários cronificados, desacreditados de uma possível melhora, que inclusive calaram-se, pois talvez nunca tenham sido ouvidos. A isso se articula a questão do poder que se instaura a partir do saber (Foucault, 2005); um saber adquirido supostamente pelos técnicos sobre os usuários que acaba por deixar estes em uma situação fragilizada, em que não conseguem ser diferentes do discurso preconizado pelos técnicos, pois perambula no imaginário dos usuários que, por serem técnicos, sabem mais sobre eles do que eles próprios.

Esses dados corroboram nossa hipótese da vigência do paradigma manicomial no Serviço, situação agravada no CAPS em que atuamos por um modo de funcionamento burocrático. Este prima pela estereotipia, pela obediência a um superior impessoal, mormente a lei ou o Estado, que é identificado como responsável pelo distanciamento entre o funcionamento burocrático e a realização da tarefa a que a instituição formalmente se propõe. O distanciamento e a alienação advêm da separação entre pensar e fazer, em que o burocrata se torna um mero executor mecânico de ações pré-determinadas. A burocracia faz com que se evidencie o objetivo de controle social implícito à totalidade das instituições, ressaltando grandemente os caracteres da mortificação e do aprisionamento (Costa, 1991).

A montagem perversa que tem lugar no laço social, especialmente no tocante ao funcionamento burocrático, faz com que os agentes, convertidos em objeto e instrumento do gozo do Outro (a Burocracia, o Estado ou Ninguém), abdiquem de sua singularidade, extraindo satisfação da suposição de saber na Burocracia. A identificação com o lugar de objeto do Outro coloca o sujeito numa confortável posição, na qual não se depara com a angústia, a culpa ou o desejo (Calligaris citado em Costa, 1991). Ou seja, os profissionais burocratizados acabam por não mais se interrogar ou desejar empreender um trabalho criativo; estão convictos de cumprir com perfeição sua tarefa.

Percebemos também um exemplo do descaso para com os usuários, quando um destes precisou de ajuda para confeccionar uma nova via da certidão de nascimento. Foi acompanhado por profissionais da equipe e fez a nova via. Havia ficado combinado também que ele seria acompanhado na confecção da segunda via da carteira de identidade, visto que era um usuário que realmente precisava desse auxílio. No entanto, o usuário comunicou que estava indo pela segunda semana consecutiva, conforme agendado, e lhe era dito que não poderiam acompanhá-lo naqueles dias, dizendo para voltar na próxima semana. Apesar disso, ele buscou meios próprios para resolver a situação, sem sucesso. O profissional, aqui, cria uma burocracia preguiçosa e arbitrária, dificultando o acesso do usuário aos recursos que lhe seriam de direito.

O domínio do descaso aparece também nos aspectos do ambiente físico, envolto numa constante penumbra; na ausência de manutenção, evidenciada nos bancos danificados do refeitório, nas folhas de papelão a substituir as vidraças quebradas do atelier; nas bandeirinhas remanescentes de festas juninas passadas, na exposição de trabalhos na parede sem alocação devida, deixando marcas de fita adesiva na parede; no aspecto marginal e perigoso (carcaça de sofá equilibrando-se sobre tijolos empilhados) do fumódromo; nos esgotos entupidos; na proliferação de baratas; enfim, na sujeira envelhecida. Na hora da sesta, muitos usuários permanecem deitados em colchonetes deteriorados ou na maca da sala da psiquiatria. O odor excrementício torna o local insalubre e o trabalho, em algumas salas, inviável. Esse é o cenário onde os usuários perambulam, e em que muitos permanecendo em caráter intensivo, traduzindo um cenário já descrito por Foucault (1997): o da loucura misturando-se à escuridão e à imundície, como se este fosse ainda seu elemento, de Bicêtre a Barbacena (referência à insalubridade desses asilos que marcaram a história dos maus-tratos em manicômios).

Ainda no tocante aos aspectos físicos do Serviço, vale assinalar um detalhe arquitetônico que muito nos inquietou durante o ano: trata-se da parede que divide usuários de equipe, restringindo ao máximo os contatos entre "sãos e insanos". A minúscula janelinha a interligar os dois mundos torna praticável a mensagem subliminar que comunica: "Um de cada vez!". De fato, a praticidade de tal arquitetura disciplinar, tão ao gosto das críticas foucaultianas e cuja finalidade parece ser a do distanciamento, confronta-se com os agrupamentos que os pacientes costumam fazer ao redor de qualquer profissional de saúde que aparente poder ofertar-lhes alguma escuta. Lamentavelmente, a regra parece ser o descomprometimento, o olhar de esgueio, a simulação de atenção por meio de contatos infantilizadores e superficiais.

A infantilização nos contatos com os usuários, destacada na ilustração de bonequinhos de mãos dadas presente na camiseta institucional e no tom de voz regredido utilizado na comu-nicação - por exemplo, "paizinho", "remedinho" [sic] - aparece como mais uma forma de defe-sa. A fantasia do louco como uma criança incapaz e indefesa parece preferível à do louco peri-goso, hiper-sexualizado, audaz ou disruptivo. Nesse caso, a formação reativa, enquanto trans-formação de um afeto em seu contrário, parece ser o mecanismo neurótico em questão. Outra nota da infantilização no CAPS é a tutela exagerada em relação aos usuários - que inúmeras vezes recebem auxílio doença por mero paternalismo, sem que os componentes reais das con-dições de trabalho e tratamento sejam levados em consideração.

Um exemplo do assistencialismo exacerbado, infantilizador, é a "distribuição" de benefícios sociais vinculados à LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), o "auxílio-doença" citado no parágrafo anterior. Muitos recebem o atestado de incapacidade para o trabalho, o que acaba por anular qualquer possibilidade de vida ativa, como fazer um curso profissionalizante ou supletivo, por exemplo. Os usuários, diante de sua própria incapacidade atestada por um saber médico, entregam-se à passividade. Ao serem questionados sobre o que pensam sobre o trabalho, respondem: "mas a doutora disse que eu não posso" [sic]. Instigados a se posicionarem sobre essa afirmação, não conseguem colocar o que pensam, pois o poder que os técnicos acabam exercendo sobre os usuários os cola ao discurso de uma suposta "ciência", que sabe sobre eles muito mais do que eles próprios.

Acrescenta-se a essa tutela excessiva a desconfiança generalizada. As portas da secre-taria, dos banheiros e da cozinha dos funcionários encontram-se trancafiadas, como se o espa-ço do CAPS não fosse o espaço para circulação de seus usuários. Outra questão presente no cotidiano do serviço é a ridicularização dos usuários em piadinhas e risos sobre suas problemáticas, sejam elas histéricas, psicóticas ou obsessivas. Além da constante conotação negativa de suas iniciativas e seus movimentos em direção à saúde como meros e previsíveis signos psicopatológicos, indicadores fatais da iminência de algum surto - por exemplo, quando alguns usuários pensam em trabalhar, morar sozinhos, enfim, ter autonomia sobre suas vidas, comenta-se que em breve terão nova crise. Assim, a diminuição do sofrimento, não raras vezes, é considerada como um previsível mecanismo da doença, que tomou o lugar do sujeito, e não como provável efeito de alguma intervenção terapêutica, reforçando o mito da incurabilidade do portador de transtornos mentais. Ao analisar esses fatos, evidencia-se a impossibilidade de a equipe suportar alguma autonomia dos sujeitos. Isso nos remete a certa totalização e controle da vida, característicos do modelo manicomial.

Durante as reuniões de equipe, profissionais costumam recorrer a julgamentos morais sobre o louco ou sobre sua família como maneira de eludir novos procedimentos interventivos. É como se, por ser portador de "erro", o usuário não merecesse a atenção psicossocial a que teria direito, pois "é sem-vergonha", "se faz", "não gosta de trabalhar" (sic)5. O mesmo ocorre com seus familiares que, muitas vezes, não são ouvidos por serem supostamente negligentes, exploradores, briguentos. Quando a família de certo usuário pede auxílio para que este possa viver com a filha, que virá estudar na cidade em alguns anos, diz-se que a motivação da família está unicamente em manter o benefício da adolescente até a idade universitária, colocação esta que intercepta o movimento e mantém a desassistência. Tem-se como resultado o arrefecimen-to das tendências criativas e potencialmente transformadoras em benefício da regra tácita do funcionamento institucional. Na medida em que a desassistência é utilizada como punição por suposto erro moral, fica muito difícil uma clínica autenticamente antimanicomial, visto que o usuário pode permanecer prisioneiro ad eternun em seu sofrimento psíquico avassalador, croni-camente aquém da inclusão social e da cidadania. Como alcançará a desejada autonomia um sujeito psiquicamente subjugado por uma intensidade pulsional desvinculada de qualquer re-presentação?

Ainda em relação à generalização da desassistência, há também um clamor recorrente pelo não atendimento de usuários com histórico de sexualidade desordenada ou de parafilias. Citamos o exemplo de um paciente que ameaça as mulheres trabalhadoras do serviço com olhares lascivos e beijos furtivos. O único dispositivo de tratamento oferecido nesse caso, além da prescrição de fármacos, é a atividade esportiva e laboral (futebol e horta), na suposição, quem sabe, de que aí se dissipem suas energias libidinais. A interação pela via da ameaça acaba aparecendo como forma única do contato desse jovem usuário com os trabalhadores (em sua unanimidade mulheres), não se oportunizando um espaço de simbolização para este "real sexual que assola". Como os casos de crise, quando a polícia é acionada, os casos de parafilia são vistos como pertinentes à esfera jurídica da culpabilidade e não como problema de saúde. Sugestões esparsas de internamento em hospitais de custódia e tratamento circulam pelo discurso institucional: "cuidado com fulano, ele é um estuprador, não deveria estar aqui, o lugar dele é no IPF" (Instituto Psiquiátrico Forense).

As transformações almejadas pelo processo de reforma psiquiátrica, vinculadas às no-vas relações entre loucura e sociedade, também parecem ficar um tanto quanto distantes no cotidiano deste CAPS. Por exemplo, o residencial ao lado do Serviço se posiciona contra a sua permanência na casa ao lado, pois os usuários estariam "incomodando" a vizinhança. Outra moradora da mesma rua não passa na calçada do Serviço com medo de que algo possa lhe acontecer.

Esses estigmas poderiam ser rompidos a partir de uma organização diferente do Servi-ço, em que este se mantivesse como um verdadeiro espaço terapêutico, com lugares limpos e, sobretudo, com relações não orientadas pelo preconceito entre profissionais e usuários. Dessa forma, o CAPS poderia estar mais próximo do convívio e da circulação com a comunidade, enfim, alguma interação possível para que as transformações pretendidas se tornem realidade. Nessa via, Amarante (1994) destaca:

(...) não mais se refere exclusivamente à reformulação dos serviços, ao rearranjo do aparato assistencial-normativo, nem reestruturação do texto jurídico que trata da maté-ria; não significa ainda a descoberta de novas técnicas, de uma escuta ou de uma tera-pêutica perfeitamente qualificada e competente, de por assim dizer, definitiva. Reforma psiquiátrica, no nosso entendimento, é o conjunto de iniciativas políticas, sociais, cultu-rais, administrativas e jurídicas que visam transformar a relação da sociedade para com o doente. A reforma psiquiátrica que estamos construindo vai das transformações na instituição e no poder médico psiquiátrico até as práticas em lidar com as pessoas por-tadoras de problemas mentais. (p. 43)

Na experiência aqui formalizada, encontramos um CAPS sem articulações com a comunidade e com a rede setorial e intersetorial; esquecido de sua função de local de tratamento singularizado e promotor de inserção social. Lancetti (2009) relata que "um dos grandes obstá-culos dos CAPS é a centralização em si mesmo e sua pouca abertura para o território" (p. 46). A consequência são Serviços que funcionam para "ocupar" o tempo dos usuários, ou seja, as atividades não são construídas conforme cada plano terapêutico singular, mas são os usuários que devem "se adaptar" ao que o Serviço oferece.

Constatamos ainda que a manutenção de certa "ordem" no cotidiano do Serviço: restri-ção da circulação dos usuários no espaço, divisão entre banheiro dos usuários e dos funcioná-rios (com notável diferença na manutenção entre ambos), divisão entre refeitório dos usuários e dos funcionários (igualmente notável diferença na manutenção e limpeza), rigidez da listagem dos participantes de grupos e oficinas (participantes são indicados pela equipe e encontram pouca mobilidade entre as atividades), acaba sendo a principal finalidade, ainda que passe pelo silenciamento e pelo desinvestimento da alteridade, com decorrente e progressiva alienação subjetiva dos usuários.

No contexto de nosso estágio, pareceu-nos haver um equívoco na apreciação da modalidade individual de tratamento, a qual seria vista como antinômica à perspectiva da clínica ampliada, confundindo-se finalidade terapêutica com modalidade de trabalho. De fato parece haver, em alguns segmentos psicológicos, uma tendência a dicotomizar a clínica pela noção, a nosso ver equivocada, de que a clínica ampliada seja tão somente aquela feita coletivamente fora da sala de atendimentos, excluindo as modalidades individuais. Paradoxalmente, uma clínica grupal e/ou em espaços abertos que não oportunize a escuta e a elaboração do mal-estar corre o risco de obter apenas efeitos de superfície, como, por exemplo, uma inclusão pela tentativa de exclusão da diferença. Voltamos a insistir que, além da dimensão do ideal social da reforma, nossa experiência nos indica a importância de considerar, nos Serviços de Saúde Mental, a dimensão do sujeito, no interior de qualquer dispositivo clínico adotado, como condição para que a histórica cisão entre clínica e política possa ser superada.  

 

Considerações Finais

Nossa experiência de estágio corrobora a problematização das decorrências da expan-são dos Serviços Substitutivos enquanto capsização cronificante (Amarante, 2003), resultado, a nosso ver, da transposição equivocada do velho paradigma do hospital para os novos Serviços, e da concentração dos processos interventivos sobre o corpo físico do usuário/paciente num ambiente circunscrito. Esses aspectos dizem de uma não implicação ou de um desconhecimento em relação à ação exigida hoje do trabalhador em saúde mental: encontrar junto com os loucos e os diversos setores da sociedade civil lugares para a loucura no espaço da cidade.

Para que os objetivos dos CAPS sejam atingidos, portanto, toda uma articulação inter setorial faz-se necessária. Para que loucura e cultura delimitem uma possível interpenetração, os trabalhadores desses Serviços, além de acessarem o conhecimento dos determinantes históricos e dos avanços lógicos que permitiram a existência mesma dos Serviços substitutivos ao manicômio, precisam ser protagonistas sociais e não meros funcionários públicos. A diferença entre funcionário público e protagonista social está na distância que separa burocracia de produção de vida; enquanto uma mortifica e zela pela manutenção do mesmo, a outra se constitui em um movimento ativo de transformação, rumo à superação de condições sociais dadas, como ilustra a citação abaixo:

O protagonismo social significa que as pessoas tomam para si próprias o controle de suas vidas, constroem estratégias de ação coletiva para se colocarem como sujeitos políticos efetivos, amenizando e buscando superar os limites da democracia representativa e, principalmente, colocando-se como portadores de novos direitos políticos, culturais, econômicos, estéticos, sexuais, etc. (Rodrigues, 2008, p.3)

Foram muitas as nossas inquietações frente às experiências do estágio desenvolvido no CAPS. O sentimento de impotência, a exasperação frente à demanda e aos entraves institucionais que geram a irresolutividade crônica levaram-nos a questionar o papel da saúde mental pública no Brasil e a recordar tristemente a análise basagliana sobre certas instituições como "instituições da violência" (Basaglia, 1985, p. 101). Assim, administrando um simulacro de tratamento e perpetuando o assistencialismo na maior parte das práticas, a sociedade desigual e injusta se reproduz, legitimada pelo discurso da ciência.

(...) se, por um lado, as políticas públicas no Brasil introduzem, no interior do próprio aparelho do Estado, questões importantes a respeito dos setores mais vulneráveis da sociedade, elas, historicamente, têm funcionado como colchão amortecedor dos conflitos sociais (Spink, 2003), e respondem, muitas vezes de forma paliativa, aos problemas. (Andrade & Araújo, 2003, citado em Gama & Koda, 2008, p. 422)

Os estágios, não só em CAPS, mas em toda a rede de atenção à saúde, afiguram-se importantíssimos para que a universidade repense sua posição frente à saúde pública no Brasil. Como psicólogos, somos chamados a participar efetivamente da consolidação dos Serviços Substitutivos ao manicômio, sob pena de grave retrocesso na política de saúde mental brasileira ou de perpetuação do velho sob a roupagem do novo. O próprio contato com a população acometida por transtornos mentais severos e persistentes, especificamente a clientela dos Centros de Atenção Psicossocial, pode contribuir para a desmistificação do que seja a loucura e uma melhor inserção futura do profissional nesse tipo de Serviço.

Nessa perspectiva, é preocupante a pouca ênfase que os cursos de psicologia em geral têm destinado à clínica específica da Reforma Psiquiátrica e da psicose em geral. Isso contrasta vergonhosamente com o fato de o Sistema Único de Saúde ser um dos principais empregadores dos profissionais psicólogos mediante a ampla oferta de concursos públicos.

Desse modo, acreditamos ser importante, além de um maior critério na contratação de profissionais para o CAPS, a possibilidade de um processo de educação permanente em saúde (Brasil, 2007) a estes trabalhadores, melhores proventos e condições de trabalho, além de esmerados cuidados para com sua própria saúde. Pensamos que seria salutar aos psicólogos contarem com uma análise pessoal e com supervisão constante, pois o manejo da clínica da psicose afigura-se dos mais desafiadores.

Contudo, apesar de todas as dificuldades, consideramos o estágio descrito como muito importante em nossa formação. Pequenos resultados, que insistiram em aparecer em meio a tantas limitações e que, infelizmente, não puderam ser sustentados pelo Serviço, deram-nos um vislumbre de que é possível uma prática que não redunde em cronificação e mortificação, mas que produza singularidade e vida. Para que essa clínica a favor da vida, clínica ampliada, passe a ser realidade em nossos Serviços de Saúde, é necessária a existência de uma equipe competente e afinada, liberta das mortalhas da burocracia e consciente da tarefa de fazer do manicômio um passado triste.

Para isso, é imprescindível um maciço investimento governamental na formação per-manente dos que trabalham na saúde mental, bem como uma constante avaliação desses Ser-viços. Como costuma acontecer, as modificações na lei acabam antecipando-se ao fornecimento de condições mínimas que sustentem as transformações pretendidas. Essas condições, então, devem vir a posteriori, sob risco de que o manicomialismo e a cronificação perpetuem-se nos modelos substitutivos criados no processo de Reforma Psiquiátrica e que o trabalho junto às pessoas em sofrimento psíquico grave torne-se aviltante para todos.

 

Referências

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Recebido em 06 de setembro de 2009
Aceito em 15 de fevereiro de 20121
Revisado em 21 de outubro de 2011

 

 

1 Tratamos gozo no sentido psicanalítico de um misto de "prazer e desprazer", "terror e satisfação", que media a relação do Eu do sujeito com o Real (Safatle, 2009, p. 74-75). Na psicose (mas também em outras formações psicopatológicas), o gozo costuma impor-se de forma avassaladora, obturando tomadas de posição do sujeito em relação ao seu desejo, assumindo a forma de um grave sofrimento que dificulta o movimento em direção à estabilização e à vida.
2 Falas de profissionais da equipe técnica.
3 Fala da supervisora local.
4 Falas de profissionais da equipe técnica.
5 Falas de profissionais da equipe técnica.

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