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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev.Mal-Estar Subj vol.12 no.3-4 Fortaleza dez. 2012

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Fetichismo: Falo materno e Gozo diante do inanimado

 

Fetishism: maternal Phallus and "Jouissance" in view of the inanimate

 

Fetichismo: Falo materno y Goce delante del inanimado

 

Fétichisme: Phallus maternel et Jouissance devant l´Inanimé

 

 

Norton Cezar Dal Follo da Rosa JrI; Maria Cristina PoliII

IDoutorando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional - UFRGS, bolsista CAPES, analista membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA). Endereço: Pinheiro Machado, 451/702, Morro do Espelho, CEP: 93030-230 São Leopoldo - RS. E-mail: nortonjr@brturbo.com.br
IIProfessora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UFRGS e do Mestrado Profissional Interdisciplinar Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida - RJ. Analista membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA). Pesquisadora do CNPq. E-mail: mcrispoli@terra.com.br

 

 


RESUMO

No transcorrer deste artigo, procuramos salientar alguns aspectos fundamentais - tanto na obra de Freud quanto no ensino de Lacan - acerca do fetichismo e da perversão. Esses clássicos, acompanhados de detalhes clínicos, levam-nos à hipótese de que o fetiche seria uma espécie de endereçamento da mãe ao seu filho, à medida que se trata de um significante do corpo erogenizado dela que recai no imaginário dele, uma insígnia do objeto de desejo da mãe que estaria fixada desde a geração anterior. Essa análise é cotejada com as elaborações de Lacan a partir do ciclo de Albertine no clássico "Em busca do tempo perdido", de Marcel Proust.

Palavras-chave: Fetichismo, Perversão, Psicanálise, Gozo, Inanimado.


ABSTRACT

In the course of this paper, we pursue to highlight some key aspects in the work of Freud as well as in Lacan's teaching about fetishism and perversion. These classics, accompanied by clinical details, lead us to hypothesize that the fetish represents a sort of a mother's addressing towards her son, to the extent that it is a significant part of her eroticized body that falls onto his imaginary, an insignia of the object of the mother's desire that would be fixed from the previous generation. This analysis is approached within Lacan's the elaborations of the cycle of Albertine's classic "In Search of Lost Time" by Marcel Proust.

Keywords: Fetishism, Perversion, Psychoanalysis, Jouissance, Inanimate.


RESUMEN

En el transcurso de este artículo buscamos resaltar algunos aspectos fundamentales, tanto en la obra de Freud como en la enseñanza de Lacan acerca del fetichismo y de la perversión. Esos clásicos, acompañados de detalles clínicos, nos llevan a la hipótesis de que el fetiche sería una especie de direccionamiento de la madre hacia su hijo, en la medida en que se trata de un significante del cuerpo erogenizado de ella que recae en el imaginario de él, una insignia del objeto del deseo de la madre que estaría fijada desde la generación anterior. Este análisis es cotejado con las elaboraciones de Lacan desde el ciclo de Albertine, del clásico "En busca del tiempo perdido", de Marcel Proust.

Palabras-clave: Fetichismo, Perversión, Psicoanálisis, Goce, Inanimado.


RÉSUMÉ

Au long de cet article nous avons cherché à souligner quelques aspects essentiels aussi dans l'oeuvre de Freud que dans l'enseignement de Lacan à propos du fétichisme et de la perversion. Ces classiques, accompagnés de détails cliniques, nous amènent à l'hypothèse que le fetiche serait quelque chose adressé de la mère à son fils, comme un signifiant du corps rendu erogène de la mère qui retombe sur l'imaginaire du fils, une insigne de l'objet de désir de la mére qui serait attachée depuis la génération antérieure. Cette analyse est comparée aux élaborations de Lacan à partir du cycle d'Albertine du classique "A la recherche du temps perdu" de Marcel Proust.

Mots-clés: Fétichisme, Perversion, Psychanalyse, Jouissance, Inânime.


 

 

Introdução

Neste artigo, propomos interrogar a constituição do objeto fetiche e sua lógica de fixação, considerando as correlações entre o horror da cena, a posição do sujeito e a cristalização do objeto. Inicialmente, faremos uma breve passagem por alguns textos freudianos que versam sobre o tema. Depois, a partir de um detalhe clínico, à luz das contribuições de Jacques Lacan, presentes no Seminário A relação de objeto, problematizaremos a tese freudiana de que a escolha do fetiche decorre da fixação da memória do sujeito nos últimos objetos que antecedem a percepção da cena traumática: "a falta de pênis na mulher".

Entendemos que a releitura de Lacan destaca a constituição do objeto fetiche do campo eminentemente escópico, elemento já presente na crítica freudiana ao uso do termo "escotomização". Para Lacan, trata-se de aprofundar a concepção inaugural da psicanálise segundo a qual a eleição do objeto é linguageira. Assim, o elemento simbólico que irá constituir o fetiche pode ser compreendido a partir da dimensão histórica do sujeito, especialmente do momento dessa história na qual a imagem se fixa. Portanto, Lacan, a partir de sua leitura do fetichismo, além de destacar a tese freudiana que evidencia a presença do gozo do corpo materno, adverte-nos que a lógica de sua constituição advém de uma matriz simbólica.

 

A Constituição do Objeto Fetiche em Freud

Ao nos depararmos com as primeiras formulações de Freud (2005) sobre o fetichismo, podemos constatar a sua preocupação em apontar que certo traço fetichista é constituinte da sexualidade. Freud está se referindo aos casos nos quais o objeto sexual é substituído por outro que, apesar de guardar certa relação com ele, é totalmente impróprio para servir de alvo sexual. Isso o leva a propor uma diferenciação entre a dimensão normal e a patológica em relação ao fetiche. Em aspectos gerais, esse divisor de águas estaria atrelado ao lugar que o objeto fetiche ocupa na economia libidinal do sujeito a partir do valor atribuído a ele. Ou seja, do ponto de vista freudiano, a vida sexual, de modo geral, contempla certo grau de fetichismo. Nesse sentido, pode-se dizer que, para a psicanálise, a concepção de fetiche em suas relações com a sexualidade transcende a simples consideração de uma entidade patológica particular.

Freud refere que o fetichismo normal ocorre quando o objeto, apesar de ocupar o lugar de substituto1 do alvo sexual, possui alguma vinculação com uma cadeia associativa ligada a ele. Em outras palavras, o estado de "enamoramento pelo objeto", ainda que materialize uma fixação, possibilitaria um deslizamento metafórico do sujeito.

O ponto de ligação com o normal é proporcionado pela supervalorização psicologicamente necessária do objeto sexual, que se propaga inevitavelmente por tudo o que está associativamente ligado ao objeto. Então, certo grau desse fetichismo costuma ser próprio do amor normal, em especial, nos estágios de enamoramento em que o alvo sexual normal é inalcançável ou sua satisfação parece impedida. (Freud, 1905/2005, p. 139-140)

Logo após, Freud cita Goethe, em uma passagem na qual o sujeito, tomado pelas chamas do amor, suplica algo que possa fazer referência a sua amada: "traga-me de seu regaço um echarpe, por favor, uma liga que aplaque esta sede de amor" (Parte I, cena 7). O autor é extremamente ilustrativo, mostrando-nos que em casos "normais", o fetiche está associado ao ser amado, compondo o conjunto de idealizações que lhe dizem respeito.

Em contrapartida, o psicopatológico se dá quando o objeto fetiche passa a se apresentar como único alvo da pulsão, não possibilitando, ainda que minimamente, uma transposição à pessoa amada. Em sua absoluta condição inanimada, o sujeito se encontra capturado em uma relação especular, não supondo algo para além do objeto. Nesses casos, a fixação seria tamanha que implicaria uma espécie de recusa de reconhecimento de um sujeito no campo do Outro.

Encontramos na citação a seguir algumas formulações iniciais que servirão para situar, posteriormente, o campo da perversão, justamente pela evidência da dependência absoluta do sujeito pelo objeto fetiche, o que implica certa obtenção de gozo. Como poderemos perceber, Freud nos fala de uma organização particular do desejo sexual, na qual a satisfação não pode ser atingida sem a presença e o uso de um objeto determinado. Vejamos:

O caso só se torna patológico quando o anseio pelo fetiche se fixa, indo além da condição mencionada, e se coloca no lugar do alvo sexual normal, e ainda, quando o fetiche se desprende de determinada pessoa e se torna o único objeto sexual. São essas as condições gerais para que meras variações da pulsão sexual se transformem em aberrações patológicas. (ibidem, p. 140)

Alguns anos mais tarde, Freud (2003a) irá abordar o fetiche para além de suas vertentes de "normalidade" e "psicopatologia". Seu interesse versa sobre a questão do ordenamento lógico, pois o fetiche passa a ser concebido como "substituto do falo na mãe". O advento desse "objeto-substituto" seria consequência do momento em que o menino se defronta com a ausência de um órgão real na mulher. O horror da castração se apresenta como defesa face à percepção da ausência do pênis na mulher. Nesse sentido, a lógica psíquica inconsciente seria: se a mulher é castrada, a posse do pênis do menino também estaria sob ameaça.

Segundo Freud (2004a), é com o intuito de se precaver contra essa ameaça que o menino recusaria a percepção da falta de pênis na mãe. É justamente por isso que o fetiche passa a ser concebido como substituto do falo materno. Essas formulações levaram Freud a considerar, em "A organização genital infantil", que, para ambos os sexos, está em questão apenas um órgão genital: o masculino. Portanto, o que está presente não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo.

Isso levaria as crianças a reagirem em suas primeiras impressões sobre a diferença sexual, rejeitando o fato e acreditando que mesmo nas meninas haveria um pênis. Inicialmente, formulariam a hipótese de que o pênis ainda é pequeno e ficará maior com o tempo, e assim, lentamente chegariam à conclusão de que ele estivera lá um dia e fora retirado. Diante disso, a falta de um pênis é vista, novamente, como resultado da castração, ou seja, é na problemática da castração que o fetiche se inscreve. Nesse escrito, parece-nos evidente que a atribuição do falo à mãe, além de ser uma resposta à constatação de que deveria haver a presença de algo na ausência percebida, constitui-se como resposta da criança face ao enigma da diferença dos sexos.

Os avanços das interrogações de Freud nos permitem a compreensão da existência de um mecanismo psíquico por meio do qual a criança se protege da ameaça de castração, acreditando, temporariamente, na existência do falo materno. Entretanto, é somente em 1925 que Freud (2004b) irá usar o termo Verleugnung pela primeira vez. A partir de então, a noção de "recusa" deixa de ser específica do campo da psicose, sendo também utilizada como "recusa da castração". Verleugnung não irá se confundir com o mecanismo da Verwerfung, ou seja, na perversão, o sujeito não irá expulsar definitivamente o saber sobre a castração, como ocorre na psicose; pelo contrário, o saber e o não saber sobre a castração irão coexistir. Hanns (1996) irá apontar a lógica implícita na diferenciação da noção de recusa na perversão em relação à psicose:

De forma geral, o que diferencia o emprego do termo Verleugnung nos dois quadros é a forma de resolução do conflito. O conflito básico em jogo é a questão da castração; após a Verleugnung da castração, o psicótico tende a substituir a realidade, só dando vazão à vertente que nega a castração; portanto, na psicose a negação da castração preponderará. O perverso unifica simultaneamente a negação da castração (recusa de reconhecer a castração) e seu reconhecimento, através, por exemplo, do fetiche ou de outros tipos de substituição. (ibidem, p. 312)

Tratando-se de fetichismo, a noção de recusa é compreendida como um mecanismo de defesa diante de uma realidade percebida, mas angustiadamente recusada pelo sujeito. Nesse momento, o texto "Fetichismo" nos parece paradigmático em sua obra, pois, além de situar que a recusa em questão estaria centrada sobre o insuportável da realidade da castração, ele refere que o fetiche não é apenas um substituto para um pênis qualquer, pois se trata, na verdade, de um substituto do pênis da mulher (da mãe).

Diante disso, a função do objeto fetiche é proteger o sujeito do horror da castração, substituindo o objeto que falta por outro da realidade. Sendo assim, o objeto fetiche é, paradoxalmente, um indício do triunfo sobre a ameaça de castração e uma proteção contra ela. Como nos adverte Freud (2003b), o horror da castração ergueu um monumento2 a si próprio na criação desse substituto, no qual o fetiche será o substituto do falo da mulher.

Ocorre que essa modalidade de recusa implica uma impossibilidade do sujeito em assumir simbolicamente essa falta e admitir a diferença sexual, levando-o a reconhecer e recusar, simultaneamente, a diferença dos sexos. Ou seja, ter e não ter o pênis coexiste no psiquismo do sujeito. Esse mecanismo de defesa passará a ser constituinte de um sujeito situado em um discurso perverso. A partir de Freud, podemos supor que o funcionamento psíquico do fetichista evidencia um paradoxo: a coexistência simultânea de duas proposições inconciliáveis, por exemplo, para um sujeito situado em uma estrutura neurótica, a saber, o reconhecimento e a recusa da ausência do pênis na mulher.

 

O Fetichismo na Clínica

Logo no primeiro parágrafo do texto "Fetichismo", Freud (1927/2003b) nos confronta com questões clínicas, mais precisamente com a especificidade da direção do tratamento em casos de fetichismos. Ele refere que teve a oportunidade de acolher em análise certo número de homens cuja escolha objetal era dominada por um fetiche. A partir dessas experiências, fala-nos que essas pessoas não buscam tratamento em função de seu fetiche, pois ainda que ele possa ser reconhecido pelo sujeito como anormalidade, raramente é sentido como o sintoma de uma doença que evidencie algum registro de sofrimento. Para Freud, de modo geral, os fetichistas parecem satisfeitos com seu fetiche.

Essa observação inicial do texto nos faz questionar: o que levaria um fetichista a buscar análise? E quais seriam as possibilidades de direção de tratamento? Parece-nos que Freud deixou em aberto essas questões. Seguiremos sua prudência e também as deixaremos suspensas.

Embora ele seja cauteloso ao referir que não é sempre possível descobrir com certeza o modo como o fetiche foi determinado, apresenta-nos sua hipótese:

A instauração do fetiche interrompe um processo semelhante ao que ocorre com o bloqueio da memória nos casos de amnésia traumática. O interesse do individuo se detém no meio do caminho e assume a forma de um fetiche; tal como nos casos de amnésia traumática, a memória congela na última impressão que precede o evento assustador [Unheimlich] e traumático. Então, o pé ou o sapato - ou uma parte deles - devém sua preferência como fetiche - a circunstância de que a curiosidade do menino levou-lhe a ter espiado os órgãos genitais da mulher de baixo para cima. [...] As peças de roupa íntima tão frequentemente escolhidas como fetiche cristalizam o momento de despir-se antes ainda de a mulher ser destituída do falo. (ibidem, p. 150)

O fetiche é, então, afirma Freud, constituído pelo objeto da última percepção antes da própria visão traumática. Como se houvesse no fetichismo uma parada sobre a imagem, deixando o sujeito capturado por um resto ao qual ficará fixado. A interrupção na memória seria a sua proteção, pois ele, ao mesmo tempo, viu e não viu que a mulher não tem pênis. Então, a constituição do objeto fetiche é tanto a evidência da manutenção do paradoxo quanto a cristalização de um olhar que retém em sua retina o apelo de um gozo que se recusa a defrontar-se com a falta.

Interessante que, mesmo com essas observações em torno da predominância do olhar na constatação da diferença sexual e na constituição do objeto fetiche, Freud argumenta contra o uso do termo "escotomização". Ainda no texto "Fetichismo", ele analisa em neuróticos obsessivos a produção do fetiche pela "escotomização" da morte do pai. Para avançar nessa questão, toma como referências as análises de dois jovens - um com 2 e outro com 10 anos de idade - que haviam "escotomizado" a morte do pai. O que surpreende o autor é que nenhum deles desenvolver uma psicose, apesar de o "eu" haver repudiado uma parte importante da realidade.

Ele avalia que os jovens se valeram do mesmo mecanismo que propicia a constituição do fetiche: enquanto uma parte da vida psíquica não reconhecia a morte do pai, outra era completamente consciente do fato. Ambas as atitudes - uma consistente com a realidade e a outra com o desejo - subsistiam paralelamente, indica Freud. Conforme as palavras do autor: "demonstrou-se, de fato, que os dois jovens não haviam 'escotomizado' a morte do pai mais do que o fetichista 'escotomiza' a castração da mulher" (ibidem, p. 150). Como recurso da neurose obsessiva, o efeito de tal repúdio era observado na oscilação de ambos em, por um lado, respeitar o pai que, ainda vivo, impedia sua atividade e, por outro, considerar-se o legitimo sucessor do pai morto.

Freud assinala que, apesar de utilizar o termo "escotomização" (tomado emprestado de Laforgue), não o considera adequado para descrever a situação a que se refere. Ele prefere o termo Verleugnung, que pode ser traduzido por "recusa", como já indicamos, mas também, segundo o Dicionário comentado do alemão de Freud, de Luiz Hanns (1996), por "negação" ou, ainda, "repúdio" e "desmentido".

Ainda em "Fetichismo", Freud refere outro extrato clínico que ajuda a reforçar a ideia de que o termo "fetiche" não se estabelece no âmbito exclusivo da pulsão escópica. Desse modo, ele amplia de forma significativa sua utilização. Citemos o exemplo:

O caso mais extraordinário pareceu-me ser aquele em que um jovem alçou certo tipo de 'brilho do nariz' a uma precondição fetichista. A explicação surpreendente para isso era a de que o paciente fora criado na Inglaterra, vindo posteriormente para a Alemanha, onde esquecera sua língua materna quase completamente. O fetiche, originado de sua primeira infância, tinha de ser entendido em inglês, não em alemão. O 'brilho do nariz' [em alemão 'Glanz auf der Nase'] era na realidade um 'vislumbre (glance) do nariz'. O nariz constituía assim o fetiche, que incidentalmente, ele dotara, à sua vontade, do brilho luminoso que não era perceptível a outros. (Freud, 1927/2003b, p. 147)

Percebe-se, nesse caso, o deslocamento operado por Freud da referência exclusivamente pulsional, predominante nos "Três ensaios"3, ao jogo interlinguístico constituinte da condição do fetiche. Como trabalharemos a seguir, Lacan valorizará esses elementos da leitura freudiana que conjugam os determinantes pulsionais do sujeito com o campo da linguagem.

 

A Constituição Do Fetiche Em Lacan: A Prevalência Da Linguagem

Como podemos constatar, o texto de Freud sobre o fetichismo se constitui como uma das principais matrizes psicanalíticas para pensarmos a questão da Verleugnung. Apesar de julgarmos indispensável esse reconhecimento, é pertinente considerar outros aspectos. A leitura de Lacan (1995) nos auxilia, pois, para ele, a criação do fetiche será linguageira à medida que o elemento simbólico que irá constituí-lo pode ser lido a partir da dimensão histórica do sujeito, especialmente no momento dessa história em que a imagem se fixa.

Essa valiosa tese, somada à experiência clínica que iremos compartilhar a seguir, leva-nos a propor a seguinte formulação: o objeto fetiche se constitui a partir da fixação do sujeito em um significante que, imaginariamente, pudesse cristalizar o desejo materno. Desse modo, a escolha do fetiche não somente evidenciaria um ponto em que a história se fixaria em uma imagem, mas um detalhe dessa história, o qual captura o sujeito numa imago que faz referência ao gozo da mãe.

Com o intuito de avançar nessa questão, traremos um detalhe clínico. Em função do contexto, iremos nos limitar aos aspectos que poderão contribuir nessa discussão.

"Leandro" busca análise porque suas companheiras, além de se separarem dele, acionavam-no na Justiça reivindicando pensões generosas, o que parecia estar lhe causando problemas. Ainda que orgulhoso de seu arcabouço cultural, via-se compulsivamente envolvido com mulheres de formação intelectual limitada. Em relação a elas, seu discurso evidenciava o desejo implacável de "formá-las" em uma universidade qualquer.

Apesar de reconhecer que foi bem sucedido em algumas situações, isso era uma espécie de imperativo que ordenava a sua vida, cristalizando seus pensamentos em torno de um roteiro fixo que se conjugava como a única maneira de atingir o orgasmo, qual seja: colocar o seu pênis entre os pés de suas amadas. Quando conseguia realizar tal feito, fazia questão de dizer que elas não precisavam fazer nada, além de ficarem quietas e imóveis.

Ao falar de sua primeira experiência de masturbação na adolescência, recorda que foi tomado por um excesso de prazer pelo simples fato de olhar para uma estátua. Naquele momento, nenhum outro objeto ao seu redor convocou o seu olhar. Capturado pela imagem, masturbou-se e, logo após, dirigiu-se à janela de sua casa para contemplar as mulheres que passavam na rua, pensando apenas em uma coisa: engravidá-las.

Lacan (1996), na lição de 09/06/1954 do Seminário Os escritos técnicos de Freud, aborda o ciclo de Albertine4 a partir da leitura do clássico Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust. Através da narrativa de Proust, Lacan nos mostra que a lógica do perverso se situa em uma captação inesgotável do desejo do outro, jogando-o e fixando-o na condição de objeto inanimado. De acordo com o autor, podemos dizer que a fixação na imagem dos pés mostra que o perverso se encontra aprisionado em seu próprio fetiche, capturado5 por uma imagem que impossibilita o reconhecimento de um sujeito, reduzindo-o à condição de mero instrumento.

Insistimos nessa tese de que o outro está na condição de objeto inanimado porque ela nos auxilia a compreender a lógica de um sujeito situado em um discurso perverso. Ao tomar o outro como um objeto de gozo, ele se situa de forma precária no que diz respeito ao registro das trocas e da experiência, na medida em que não se reconhece faltante. Isso, por sua vez, leva-o ao exercício de uma forma de violência que pode se materializar através da usurpação e coisificação do corpo do outro.

Rosa e Poli (2009) ajudam a pensar essa questão, ampliando-a a partir da fragilização do registro da experiência na contemporaneidade, o que nos leva a interrogar sobre as possíveis incidências dessa lógica no laço social. Ao analisarem a figura do "mulçumano" - nome que designava os mortos-vivos nos campos de concentração, conforme descrição de Privo Levi e outros -, as autoras tomam-na como emblemática da condição de exclusão do sujeito na atualidade. A partir dessa interpretação, elas identificam nessa posição tanto um "movimento na direção da perda do laço identificatório com o semelhante, como uma forma de resistência perpetrada pelo discurso social" (Rosa; Poli, 2009, p. 5).

Identificamos aqui um processo semelhante àquele indicado por Lacan a partir da análise da relação do narrador de Proust com a Albertine. Nesse contexto, o psicanalista nos diz:

O que é a perversão? Ela não é simplesmente aberração em relação a critérios sociais, anomalia contrária aos bons costumes, se bem que esse registro não esteja ausente [...]. Ela é outra coisa na sua estrutura mesma. Não é por nada que se disse de certo número de tendências perversas que são de um desejo que não ousa dizer seu nome. A perversão situa-se, com efeito, no limite do registro do reconhecimento e é isso que a fixa, a estigmatiza como tal. (Lacan, 1953/1996, p. 252)

Ou seja, Lacan indica que o traço próprio à perversão é o tema do "reconhecimento". Portanto, é o laço do sujeito com o outro que é salientado.

Voltemos à discussão do caso. No transcorrer da análise, "Leandro" se lembrou de uns pares de sapatos comprados para sua mãe. Ela lhe contou que, em algum momento de sua infância, um tio tentou abusar dela. Apesar de não haver obtido êxito, ele a perseguiu e a pegou pelos pés. Descalça, ela correu e se desvencilhou do agressor. Entre as associações evocadas pelo paciente a partir dessa cena, ele lembra que sua mãe julgava as feições do próprio corpo muito diferentes das de seu pai, no caso, o avô de Leandro. À exceção do pé, que ela reconhecia como sendo absolutamente igual.

Esses elementos nos levam às seguintes indagações: a constituição do objeto fetiche seria uma espécie de endereçamento de um "pedaço"6 do corpo "erogenizado" da mãe ao imaginário do filho? O fetiche seria uma insígnia do desejo da mãe fixado na geração anterior? Nesse caso específico, a escolha do fetiche está perpassada pelo enigma de apenas uma parte do corpo da mãe, que ela julgava idêntica à de seu pai. Leandro nos ensina que os "pés" de suas "amadas", as quais deveriam ficar imóveis para que ele gozasse, situam a sua imobilidade diante de uma história que o capturou no engodo do gozo materno. Portanto, o enunciado "elas não precisam fazer nada, além de ficarem quietas e imóveis", de certo modo, busca o contínuo congelamento da cena da qual o sujeito não conseguia deslizar.

Lacan (1956-1957/1995, p. 159) refere: "o que constitui o fetiche, o elemento simbólico que fixa o fetiche e o projeta sobre o véu, é retirado especialmente da dimensão histórica. Este é o momento da história onde a imagem se fixa". Essa formulação decorre de sua interpretação do texto "Fetichismo", de Freud. A partir dessa leitura, Lacan irá propor o fetiche como a matriz da perversão no que diz respeito à escolha de objeto perversa e tentará nos mostrar que é possível reconhecer no texto freudiano as bases para pensarmos as relações entre fetiche e falo materno. Entretanto, o que nos parece fundamental é o fato de ele chamar nossa atenção para as transformações linguísticas presentes no texto, descentrando o foco daquilo que se supunha um tanto reducionista, ou seja, a vinculação da concepção de fetiche a supostas analogias ao campo visual.

Antes de ir mais longe, vocês já podem ver todos os tipos de coisas se esclarecerem, inclusive e até o fato de Freud nos dar como primeiro exemplo de uma análise de fetichista essa maravilhosa história de trocadilho. Um senhor que passara sua primeira infância na Inglaterra e que viera se tornar fetichista na Alemanha buscava sempre um pequeno brilho no nariz, que ele via, aliás, ein Glanz auf der Nase. Isso nada mais queria dizer senão um olhar sobre o nariz, nariz este que era, naturalmente, um símbolo. A expressão alemã só fazia transpor a expressão inglesa a glance at the nose, que lhe vinha de seus primeiros anos. Vêem aqui entrar em jogo, e projetar-se num ponto sobre o véu, a cadeia histórica, que pode mesmo conter uma frase inteira e, bem mais ainda uma frase numa língua esquecida. (ibidem, p. 161)

Ao citar a análise realizada por Freud da frase "Glanz auf deu Nase", Lacan nos mostra que os mecanismos da linguagem são elementos essenciais para a compreensão da constituição do objeto fetiche, a partir de um momento da história do sujeito, no qual a imagem se fixa. Isso o levará a dizer que, na perversão, o que está em questão é o sujeito esconder a falta fálica da mãe. Para Lacan, o fetichista lançará mão de um véu cuja função é paradoxal, pois, de um lado, esconde o nada que está para além do objeto enquanto desejo do Outro: a mãe não tem o falo; de outro, é o lugar de projeção da imagem fixa do falo simbólico: a mãe tem o falo. Ou seja, "se o fetiche está ali é porque ela, justamente, não perdeu o falo, mas ao mesmo tempo pode-se fazê-la perdê-lo, isto é, castrá-la" (ibidem, p. 158). O véu será o substituto do falo deslocado para o pé, o sapato etc. assim, o fetiche será o substituto do falo faltante na mãe.

Cabe ressaltar que Lacan faz uma distinção entre pênis e falo, lembrando-nos que o fetiche é o substituto deste, representando não o órgão real, mas o pênis enquanto podendo faltar.

Essas observações nos fazem compreender que a miséria psíquica do perverso o deixa aprisionado no próprio gozo. Desse modo, o gozo perverso implica a ilusão da captura absoluta do objeto, fixando-o na própria retina e recusando o nada que possa existir para além dele. Em contrapartida, Lacan irá nos dizer que a captura do objeto a (causa do desejo) é da ordem do impossível, pois não há imagem do olhar, porque o objeto a não é passível de ser especularizável, não possui nenhuma materialidade e tampouco pode ser tocado.

Também Corrêa (2006) irá referir que o caso clínico apresentado por Freud no texto "Fetichismo" é um exemplo da abordagem psicanalítica do fetiche pelo viés da linguagem. Para Corrêa, quando Freud fala desse jovem paciente que elegeu como objeto fetiche um "brilho sobre o nariz", logo chamou atenção que a formação desse fetiche seria consequência do fato de o sujeito ter sido criado na Inglaterra e ido, posteriormente, para Alemanha, onde parecia haver esquecido completamente sua língua materna. Na escuta do paciente, Freud lê esse fetiche como decorrente de sua primeira infância, mostrando-nos que ele deveria ser lido em inglês, e não em alemão, ou seja, "o brilho sobre o nariz" - Glanz auf der Nase - era, na verdade, uma olhadela de relance dirigida ao nariz - glance.

Gostaríamos de salientar a indicação de Corrêa quanto às diferentes e divergentes leituras desse texto freudiano e suas implicações clínicas. O autor toma como referência uma palestra que assistiu em Recife de um psicanalista armênio que estava radicado em Nova York e, inclusive, foi presidente da Sociedade de Psicanálise de Nova York. O conferencista em questão apresentava o caso de uma senhora - considerando-o como uma raridade de fetichismo feminino - que ele havia atendido durante vinte anos, a qual possuía um "gato" como objeto fetiche. A cada relação sexual com o marido, fazia-se necessário a presença de um "gato" dentro do quarto. Conforme Corrêa (2006, p. 171):

[...] era uma senhora que a cada vez que tinha relação sexual com o marido, tinha que ter um gato dentro do quarto. Ela só tinha relações sexuais tendo um gato no quarto. Ele [o psicanalista de Nova York] considerou isso, um gato, como um objeto fetiche. Mas quando a gente vai ver o que Freud diz do objeto fetiche, vê que Freud não fala de representação. Freud diz que o fetiche é um - Ersatz der Phallus der Weibes - 'substituto do falo da mulher'. É dessa forma que Freud caracteriza o objeto fetiche. O objeto fetiche é um substituto do falo.

Segundo o autor, o conferencista não escuta o "gato" como significante, ou seja, o "gato" é um "gato" e ponto final; e, inclusive, um fetiche. Sobre a questão acerca de como esse significante seria um substituto do pênis, o palestrante não fala. Sendo assim, o significante pode até representar, mas não estava no lugar de substituto do pênis. Então, conclui Corrêa, o "gato" no quarto é mais concebível na condição de uma fantasia do que propriamente de um fetiche.

Percebe-se, então, uma diferença importante que a consideração do significante implicaria na leitura do caso clínico e na sua condução. O analista referido por Corrêa aborda a constituição do fetiche considerando exclusivamente a dependência de sua paciente ao olhar do gato, portanto, como decorrente de sua fixação à pulsão escópica. Contudo, como vimos, para que se pudesse indicar sua função de recusa da castração, seria necessário incluir na leitura do caso a referência ao significante.

 

Fetiche e Desejo Perverso

No transcorrer deste artigo, procuramos salientar alguns aspectos que nos pareceram fundamentais - tanto na obra de Freud quanto no ensino de Lacan - acerca dessa complexa temática. Esses clássicos, acompanhados dos detalhes clínicos mencionados, levaram-nos à hipótese de que o fetiche seria uma espécie de endereçamento da mãe ao seu filho, à medida que se trata de um significante do corpo erogenizado dela que recai no imaginário dele; uma insígnia do objeto de desejo da mãe que estaria fixado na geração anterior.

Essas interrogações nos parecem pertinentes, sobretudo se nos auxiliam a refletir sobre as possibilidades de direção de tratamento diante dessa singular forma de padecimento. Portanto, para que possamos avançar nessa clínica, é imprescindível reconhecer um sujeito neste que aprisiona o gozo.

Mas esse não é o único desafio. Lacan diz que o desejo perverso tende ao anonimato, à clandestinidade, pois se trata de "um desejo que não ousa dizer seu nome" (Lacan, 1953/1996, p. 252). Como já mencionamos, essa formulação se encontra no Seminário Os escritos técnicos de Freud, na análise do ciclo de Albertina, de Marcel Proust. No Seminário O objeto da psicanálise, Lacan vai retomá-la de forma muito ilustrativa ao abordar novamente o clássico Em busca do tempo perdido, através da célebre cena de Montjuvain. A passagem nos fala que o narrador vai até Montjouvain, onde gostava os reflexos do teto de telhas, e, devido ao calor, deita-se nas moitas e adormece. Quando acorda, é quase noite e, ao levantar-se, viu a senhorita Vinteuil, deixando-o paralisado na condição de espectador, com receio de ser descoberto. Eis o que ele vê:

No fundo do salão da Srta. Vinteuil, sobre a lareira, havia um pequeno retrato do seu pai, que ela foi buscar às pressas no momento em que ressoou o rodar de um carro na estrada. Depois, atirou-se sobre um canapé e puxou para junto de si uma mesinha sobre a qual pôs o retrato [...] a Srta. Vinteuil sentiu que a amiga lhe dava um beijo, soltou um gritinho, fugiu [...] Por fim, a Srta. Vinteuil caiu sobre o sofá, coberta pelo corpo da amiga. Mas esta encontrava-se de costas para a mesinha onde estava o retrato do velho professor de piano. A Srta. Vinteuil compreendeu que a amiga não o veria se não lhe atraísse a atenção, e lhe disse, como se apenas agora tivesse reparado nele:

- Oh, este retrato de meu pai que nos olha, não sei quem o pôs aí, já falei mil vezes que não é este o seu lugar. (Proust, 1913/2002, p. 138)

"Um desejo que não ousa dizer o seu nome" é a clausura do anonimato perverso que de alguma forma situa a imago de um pai, a qual "despretensiosamente" lhe cai aos olhos, como parece ter sido o caso da senhorita Vinteuil. Nesse sentido, se, por um lado, apontamos uma fixação do fetichista ao corpo materno, de outro, salientamos que a posição perversa irá convocar o olhar de um pai; porém, não sustenta nem reconhece a autoria que requer o seu ato: "não sei quem o pôs [o retrato] aí, já falei mil vezes que não é este o seu lugar...". Assim, a fragilidade simbólica do lugar do pai no discurso do sujeito o fará retornar como cúmplice do gozo obsceno da filha com a amiga. Isso nos faz pensar que o fato de reconhecer e recusar a existência de um pai também fará parte da lógica perversa.

Lacan, a partir da sua leitura de Proust, apontou que, na perversão, o sujeito, além de situar o Outro na condição de objeto inanimado, encontra-se condenado a se ofertar incessantemente ao seu gozo. Abre-se aí uma importante via de análise das incidências, tanto clínicas como sociais, desse discurso perverso.

 

Referências

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Recebido em 24 de novembro de 2010
Aceito em 20 de abril de 2011
Revisado em 11 de janeiro de 2012

 

 

1 O substituto do objeto sexual geralmente é uma parte do corpo (os pés, os cabelos) muito pouco apropriada para fins sexuais, ou então um objeto inanimado que mantém uma relação demonstrável com a pessoa a quem substitui, de preferência com a sexualidade dela (um artigo de vestuário, uma peça íntima). Comparou-se esse substituto em que o selvagem vê seu deus incorporado" (FREUD, 1905/2005, p. 139).
2 2 Lacan, no Seminário A relação de objeto, ao analisar a função do véu no fetichismo, menciona a palavra em alemão Denkmal, presente no texto "Fetichismo", de Freud, justamente com o propósito de resgatar o princípio freudiano de que o fetiche é um monumento. Vejamos: "Freud, quando seguimos seu texto, fala em Verleugnung a propósito da posição fundamental de negação na relação com o fetiche. Mas, ele também diz que se trata de fazer manter-se de pé, aufrecht zu halten, essa relação complexa, como se falasse de um cenário. A linguagem de Freud, tão imajada e tão precisa ao mesmo tempo, tem termos que assumem aqui todo o seu valor. O horror da castração, diz ele, erigiu para ela, nessa criação de um substituto, um monumento. O fetiche é um Denkmal" (LACAN, 1956-1957/1995, p. 159).
3 Não obstante, mesmo nesse texto encontramos afirmações segundo as quais o que leva à substituição do objeto pelo fetiche é uma conexão simbólica de pensamentos que, na maioria das vezes, não é consciente para a pessoa.
4 "Em Sodoma e Gomorra, o narrador entra no universo da inversão sexual, embora tenha pensado em livrar-se de Albertine, passa a amá-la morbidamente e decide impedi-la que seja contagiada por este mundo de depravações, mantendo-a seqüestrada em sua companhia. No instante em que se convence que o amor como qualquer sentimento se degrada e destrói com o passar do tempo, procura interromper este fluxo corrosivo, concluindo que é necessário abandonar Albertine. Isto ocorre exatamente no momento em que é avisado que a moça acabara de fugir de sua casa. Então, aquilo que num primeiro momento lhe causa mágoa pelo abandono, transforma-se em luto, ao saber que logo após a fuga, ela morreu." (PY, 2002, p. 11).
5 Lacan (1995), na lição "A função do véu", fala que o fetiche é uma espécie de materialização aguda do objeto.
6 Entendemos o quanto a noção de pedaço situa certa dimensão primária. Isso, de alguma forma, acentua o que procuramos mencionar, pois o fetiche funciona como uma espécie de brilho que faz um recorte muito específico de uma parte e apaga ou ofusca todo o resto; uma espécie de recurso face aos riscos do apagamento absoluto do outro.

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