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Revista Mal Estar e Subjetividade

Print version ISSN 1518-6148

Rev.Mal-Estar Subj vol.12 no.3-4 Fortaleza Dec. 2012

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

"Das construções de si ao devir clínico": uma cartografia afectiva de trajetórias acadêmicas1

 

"Construction of itself to becoming clinical": one affective cartography of academic trajectories

 

"De las construcciones sobre sí mismo al devenir clínico": uma cartografía afectiva de trayectorias académicas

 

"Le bâtiment est du devenir clinique": une cartographie affectifs de les trajectoires scolaires

 

 

Lucas Motta Brum

Psicólogo clínico graduado pelo Centro Universitário Franciscano - UNIFRA - Santa Maria-RS (2005-2010) - CRP 07/19235. Pós-graduando em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. End.: Rua Otávio Alves de Oliveira, 161, Bloco F, Residencial Acampamento, Bairro Nossa Senhora de Lourdes, CEP: 97050-550 - Santa Maria-RS. E-mail: lucaspsico1@gmail.com

 

 


RESUMO

Realizou-se uma cartografia como estratégia de pesquisa de quatro trajetórias acadêmicas em um curso de Psicologia de uma faculdade do Rio Grande do Sul, e a problematização desse tema se tornou de relevante importância, pois fez um pequeno mapeamento dos modos de subjetivações/transformações dos alunos até suas chegadas aos estágios de práticas clínicas. Para isso, foi feito um grupo de discussões, no qual foi lançada uma pergunta a fim de incitar as falas dos envolvidos. Com isso, não houve um roteiro previsto para as perguntas seguintes; elas foram sendo feitas aleatoriamente por todos os presentes no grupo, com base no que sentiam e em como eram afetados. Pretendeu-se visibilizar o percurso dos alunos pela instituição no âmbito da produção enquanto futuros profissionais da área "psi". Investigou-se como ocorreram suas construções de si e como elas foram criadas ao longo desse trajeto. Além disso, examinou-se se o encontro com a prática clínica possibilitou mudanças subjetivas em cada acadêmico. Em nenhum momento houve o intuito de tornar as falas como um processo unânime entre os demais acadêmicos dessa instituição. Foram atos singulares vividos por cada um dos envolvidos no grupo. Como aporte teórico, utilizou-se especialmente os conhecimentos de Deleuze, Guattari e Foucault.

Palavras-chave: Técnicas de si, Devir, Subjetividade, Cartografia, Esquizoanálise.


ABSTRACT

Cartography of four academic trajectories of psychology graduation course students of Rio Grande do Sul were used as a research strategic tool. Problematization of this theme showed to be of major importance, once it was possible to trace brief maps of each student of modes of subjectivation/transformations untill their arrival at the stage in clinical practice. The maps were traced based in discussions group, where the researcher launched a question aimed at stimulating speeches from those involved. There was not a set of prepared questions, the questions were made by the group's participants according to their feelings and the way they were being affected. The aim was to give visibility to their production paths inside the institution as future professionals of the area "psi". How their "constructions of themselves" have occurred and how they were created along this path were investigated. Besides that, whether the encounter with the clinical practice allows subjective changes in each academic was also examined. There is no intention to take the discourses of these students as representative of the other scholars of that institution. The trajectories found represent singular acts experienced by the four students involved in the group. As a theoretical background was used specially the readings of Deleuze, Guattari and Foucault.

Keywords: "Techniques of oneself", "Becoming", Subjectivity, Cartography, Schizoanalysis.


RESUMEN

Se realizó una cartografía como estrategia de investigación de cuatro trayectorias académicas en un curso de Psicología de una universidad de Rio Grande do Sul, y la problematización de ese tema ha adquirido una gran importancia, pues mapeó los modos de subjetivaciones/transformaciones de los alumnos hasta sus llegadas a las etapas de prácticas clínicas. Para esto, se llevó a cabo un grupo de discusiones, en el cual fue hecha una pregunta dirigida a provocar declaraciones de los involucrados. Por lo tanto, no había un guión para las siguientes preguntas; ellas fueron hechas al azar por todos en el grupo, basados en lo que sentían y en la manera como eran afectados. Hemos tratado de visualizar sus rutas en la institución, en el ámbito de la producción como futuros profesionales "psi". Se investigó sus construcciones sobre sí mismos y como ellas ocurrieron y fueron creadas a lo largo del trayecto. Además de eso, se examinó si la práctica clínica tornó posible modificaciones subjetivas en cada académico. En ningún momento hubo la intención de hacer el discurso como un proceso unánime entre los demás de esta institución académica. Los actos singulares fueron experimentados por todos los involucrados en el grupo. Como soporte teórico, se utilizó especialmente los conocimientos de Deleuze, Guattari y Foucault.

Palabras-clave: Técnicas de si, Devenir, Subjetividad, Cartografía, Esquizoanálisis.


RÉSUMÉ

Nous avons réalisé une cartographie en tant que stratégie de recherche pour quatre trajectoires scolaires dans un cours de psychologie dans un collège de Rio Grande do Sul et le questionnement de cette question est devenue d'une importance majeure, comme l'a fait quelques petits modes de cartographie de subjectivation / Transformations de la même jusqu'à leur arrivée aux étapes de pratiques cliniques. Pour cette cartographie a été réalisée un groupe de discussion, où le dispositif a été jeté une question qui visait à encourager les déclarations de ceux qui sont impliqués, il n'y avait donc un scripten raison des questions suivantes, ils ont été faits au hasard par tout le monde dans le groupe sur la base de ils se sentent et comme ils étaient affectés. En ce qui concerne a eu lieu dans les discours, nous avons cherché à visualiser leurs itinéraires comme ils se sont produits par l'institution au sein de la production tant que futurs professionnels "psi". Nous avons étudié leurs bâtiments comme ils se sont produits et comme vous avez été créé dans cette voie et encore examiné si la rencontre clinique avec les éventuelles modifications subjectives de chaque universitaire. A aucun moment eu l'intention de faire le discours comme un processus à l'unanimité parmi le reste de cette institution académique, il convient de noter que des actions individuelles ont été vécus par tous les intervenants dans le groupe. Comme théorique, utilisé en particulier la connaissance de Deleuze, Guattari et Foucault.

Mots-clés: Techniques de soi, Devenir, Subjectivité, Cartographie, La schizoanalisé.


 

 

Introduzindo a Ação/Intervenção

A trajetória acadêmica se faz diferente para todos que a percorrem. Cada um se coloca à disposição do campo social da forma como é exigida ou como exige, de modo que cada novo encontro, sucessão prevista ou imprevista, cada ato inusitado pode proporcionar constantes transformações, baseadas na multiplicidade das práticas e relações que vão formando novas subjetividades. Fundamentado com a conceitualização de subjetividade foucaultiana, Cardoso (2005) refere que esta contém uma perspectiva de regras ou fórmulas que envolvem uma postura diante da vida. Sendo assim, é vista como o modo de vida que os indivíduos levam, operando na realidade. As produções e conhecimentos advêm dos atravessamentos experimentados como condição de corpos ressonantes que afectam2 e são afectados.

A subjetividade é uma forma que carregamos através do exercício de práticas cotidianas, que pode ser simultaneamente desfeita por processos de subjetivação. Enquanto a forma-sujeito é captada pelos saberes e poderes, a subjetivação é um excesso pelo qual a subjetividade deve manter certa reserva de resistência ou de fuga à captação de sua forma (Cardoso, 2005). Assim, a subjetividade que aqui discutiremos é tomada como singular, diferente de sujeito para sujeito, e desconhece instâncias dominantes de determinação que conduzem as outras segundo uma causa única ou que reinem absolutas. Portanto, não se pode separar a ação sobre a psique daquelas sobre o social, o ambiente e a cultura (Detoni, 2009).

A todo momento são formados novos saberes e verdades que podem produzir novos olhares e concepções de mundo, os quais, por sua vez, mudam a nossa realidade de acordo com os territórios3 e lugares onde nos encontramos, forjando a vida como uma metamorfose diária, ou seja, como constante mudança. Desse modo, construir linhas de fuga e modos de bem-viver são realizações e escolhas singulares - dos sujeitos e das sociedades - que nos possibilitam pensar nas práticas exercidas, analisando-as sob uma concepção esquizoanálitica4, que serviu nesta cartografia como instrumento para decifrar os modos de subjetivação dominantes.

Aproximando o olhar para o objetivo deste estudo, entende-se que cada acadêmico adota pra si certas referências e/ou práticas que visam auxiliar seu desempenho, de acordo com os encontros estabelecidos durante a formação, seja em salas de aula ou em encontros ao acaso. Revelam-se, assim, atividades que são exercidas para a potencialização de si mesmo - obtenção de saberes e verdades que serão analisadas e chamadas aqui por construções de si5.

Com base nessas perspectivas conceituais de subjetividade, a problematização do tema proposto neste artigo se torna de relevante importância, pois fez um pequeno mapeamento dos modos de subjetivações/transformações dos acadêmicos de um curso de Psicologia de uma faculdade do Rio Grande do Sul. Dessa forma, pretendeu-se visibilizar como ocorrem esses processos nas passagens pela instituição na vertente da produção profissional enquanto psicólogo da área clínica. Foram investigadas as práticas de si criadas ao longo desse trajeto, dando voz às experiências de cada um, problematizando quais e como os dispositivos6 podem afectar e exercer influências subjetivas nas escolhas de cada acadêmico. Além disso, examinou-se como esse percurso possibilitou devires a cada acadêmico.

Escolheu-se, na parte cartográfica, a escrita em primeira pessoa, visando evidenciar a fidedignidade das falas e ilustrar os afectos, sentimentos e sensações presentes no encontro. Assim, buscou-se construir um texto de forma literária, pretendendo criar/inspirar uma leitura mais agradável, desconstruindo os paradigmas modernos. Com base no novo paradigma estético, que tem implicações ético-políticas, quem fala em criação fala em responsabilidade da instância criadora em relação à coisa criada, em inflexão de estado de coisas, em bifurcação para além de esquemas pré-estabelecidos quanto ao destino da alteridade (Guattari, 1992).

Sem pretensão de estabelecer verdades, poderes ou saberes absolutos, mas servindo para expressar uma produção/experimentação ética, estética e política, este estudo possibilitou - não só ao pesquisador/cartógrafo, mas a todo o grupo de envolvidos - uma reflexão sobre suas escolhas, valores, transformações e devires que tornam potências o nosso viver. Considerando expressões éticas, porque privilegiaram reflexões sobre os modos de viver e nos remeteram a encontros conosco e com os demais; e as estéticas, que se referiram a um exercício de sensibilização em relação aos outros, visou-se os bons encontros e as paixões alegres - no sentido de Spinoza, que argumenta as paixões não como um problema, elas existem e são inevitáveis; não são boas nem ruins, são necessárias no encontro dos corpos e das ideias (Pelbart 2007). Por fim, as expressões políticas, que visaram fortalecer vínculos e relações com o meio social no qual vivemos. Ainda como justificativa desta pesquisa, entendeu-se a possibilidade de reflexões afectivas aos estudantes e profissionais de psicologia frente às suas práticas e constituição enquanto sujeitos psicólogos.

 

Cartografia ou Movimento Causado por si e para si (Estratégia de Pesquisa)

Desde a pré-história, os homens já faziam desenhos nas paredes de suas cavernas, com o intuito de mapear e registrar fenômenos que iam descobrindo a partir de suas experiências territoriais. Unindo arte exploratória à possibilidade de ir, na medida das descobertas, potencializando suas capacidades cognitivas, afectivas e culturais, os homens primitivos já estavam cartografando seus espaços e suas realidades, unindo de maneira simples - mas eficaz - conhecimento e localização.

A partir desses elementos, é possível demarcar um ponto em comum com a concepção tomada pela geografia do que seria a cartografia, compreendida como exibição gráfica de uma superfície. Segundo Passini (1994), ela seria a representação simbólica de um espaço real, tendo um mapeamento como produto. Desse modo, pressupõe-se utilização, difusão e criação, concebendo a produção de seus conteúdos a partir de um olhar do pesquisador, já que ele registra as informações com sua simbologia, suas cores ou quaisquer outros elementos, de modo a transmitir os resultados de sua interação com o objeto de pesquisa.

Com base nisso, a estratégia de pesquisa deste estudo foi baseada na cartografia apresentada por Gilles Deleuze e Felix Guattari (1979), que reverte metodologicamente os paradigmas modernos e investe na experimentação/invenção do pesquisador/cartógrafo. Esses pensadores se apropriaram do termo da geografia, colocando o pesquisador no processo de ir mapeando territórios existenciais.

De acordo com Rolnik (1989), o papel do cartógrafo é mapear os afectos expressados, e dele se espera basicamente um mergulho nas intensidades de seu tempo, ficando atento às linguagens que encontra, devorando-as e possibilitando a composição de novos mapas que se fazem necessários e podem indicar outros caminhos aos que também se aventurarem.

Ao escolher esse instrumento, deve-se viajar por dentro, visualizar o avesso, como um mapear das potências e dos afectos que constituem nossos estados e ocupam nossos corpos a cada momento (Fonseca e Kirst, 2004). Cabe lembrar que o processo cartográfico não estabelece etapas formuladas ou procedimentos específicos, pois tem o intuito de pesquisar os modos de subjetivações e transformações, deixando de lado a causalidade e a linearidade.

A proposta deste artigo é realizar um pequeno mapa da trajetória acadêmica de quatro estudantes de graduação do curso de Psicologia de uma universidade particular do Rio Grande do Sul. Para a coleta dos dados, foi realizado um encontro/debate, no formato de grupo de discussão, no mês de abril de 2010. Os alunos escolhidos estavam cursando o 8º e 9º semestres e haviam começado suas práticas voltadas para a área de intervenção clínica. Eles tinham diferentes referenciais teóricos, possibilitando a análise do processo de subjetivação de cada um.

Para o mapeamento cartográfico, o pesquisador incitou o debate com a seguinte questão: "Como vocês se sentem construídos enquanto psicólogos clínicos nessa realidade?". Em seguida, foram feitas questões conforme a relevância para a pesquisa, com base nas experiências, desassossegos e afectos de cada acadêmico, facilitando o livre agir/discutir dos envolvidos no grupo, como propõe essa estratégia.

As discussões utilizadas para o mapeamento dos modos de subjetivações foram gravadas, sendo posteriormente transcritas, de forma literal, para serem analisadas. Após a transcrição, o material obtido, realizado por um gravador digital, foi apagado, para proteger a integridade dos participantes.

 

Percurso/Trajeto Teórico

"As Técnicas de Si"

Desde os antigos gregos até os dias atuais, as técnicas de si foram sendo modificadas ao longo dos tempos. Essas práticas, também conhecidas como forma de um preceito - Epimeleia Hateau, que significa "tomar conta de si", "preocupar-se consigo", "cuidar de si" -, estão tomadas de outros sentidos na contemporaneidade. As construções dessas técnicas vão sendo influenciadas pela cultura, possibilitando que os sujeitos construam práticas de si diferentes em cada momento histórico. Da Grécia Antiga até o atual momento, percebe-se uma precariedade nos sujeitos de hoje, perpassados por questões individualizantes e influenciados pela proposta capitalista, o que até então era estranho aos gregos, pois essa prática era indissociada ao cuidado dos outros.

Segundo Foucault (1994), para os gregos, o preceito "cuidado de si" configurava um dos grandes princípios das cidades; princípios que regravam as condutas de vida social e pessoal, dos fundamentos da arte de viver. Noções que, para nós, nos dias de hoje, perdeu sua força e é obscura. Para o autor, de lá para cá, o princípio moral que domina as sociedades não seria "tome conta de você mesmo", mas o princípio délfico "conhece-te a ti mesmo" (gnothi seauton).

Seguindo o pensamento do autor, existiriam muitas razões para explicar por que o "conhece-te a ti mesmo" eclipsou o "cuida de ti mesmo". A primeira seria o fato de que a sociedade ocidental passou por inúmeras transformações. Ao experimentarmos a dificuldade de fundamentar uma moral rigorosa e princípios rígidos sobre um preceito segundo o qual deveríamos nos preocupar conosco antes de qualquer coisa, inclinamo-nos a considerar o cuidado de si como imoral, como meio de escapar de qualquer regra possível. Outro fato seria a herança moral cristã, que fez da renúncia de si a condição de salvação. Assim, paradoxalmente, conhecer a si mesmo constituiu um meio de renunciar a si mesmo (Foucault, 1994).

Pensando em como os sujeitos se definem ativamente pelas técnicas de si - as quais não seriam inventadas por eles mesmos, mas apenas esquemas que encontram na cultura e lhes são propostos, sugeridos ou impostos pela sociedade ou grupo social -, notamos que as técnicas de si apresentadas por Foucault não podem ser dissociadas do cuidado de si, devendo ser compreendidas com o conjunto de tecnologias e experiências que participam do processo de (auto)constituição e transformação do sujeito (Nardi; Silva, 2005).

As técnicas de si permitem aos indivíduos efetuarem, sozinhos ou com a ajuda de outros, certo número de operações sobre seus corpos, suas almas, seus pensamentos, suas condutas e seus modos de ser; permitem que se transformem a fim de atender certo estado de felicidade, pureza, sabedoria, perfeição ou imortalidade (Foucault, 1994). Ainda para o autor, o si não é reduzível a uma vestimenta, a uma ferramenta ou a posses, mas deve ser procurado nos territórios que permitem utilizar tais ferramentas; um princípio que não pertença ao corpo, mas à alma. É preciso inquietar-se com a alma - essa é a principal atividade do cuidado de si. O cuidado de si é o cuidado com a atividade, e não preocupação com a alma enquanto substância.

Assim, as técnicas de si não são dissociadas do cuidado de si, por serem compreendidas como um conjunto de tecnologias e experiências que participam do processo de (auto)constituição e transformação do sujeito (Nardi; Silva, 2005). Atualmente, o entendimento sobre cuidado de si é o de ser certo modo de encarar as coisas, praticar ações e se relacionar com os outros, consigo e com o mundo. O cuidado de si implica em uma maneira de o sujeito estar atento ao que pensa e ao que passa no seu pensamento, podendo, então, ter atitudes de si para consigo mesmo, modificando-se, transformando-se, visando uma singularização subjetiva (Foucault, 2004).

 

"Os Modos De Subjetivações"

Inicialmente, nota-se que, para Foucault (1997), há múltiplas maneiras de se subjetivar no decorrer da história, podendo o sujeito fixar ou transformar sua identidade, em um processo incessante e contínuo. Seguindo com o pensamento do autor, a ideia de processos de subjetividades também está ligada à noção de subjetivações que podem ser construídas por dispositivos (Foucault, 2006). Corroborando com a conceituação, percebe-se que esses processos de subjetivações variam de sujeito para sujeito, de acordo com as configurações sociais, afectivas e históricas em que se encontram. Nessa perspectiva:

a filosofia de Foucault muitas vezes se apresenta como uma análise de dispositivos concretos. Mas o que é um dispositivo? Em primeiro lugar, é uma espécie de novelo ou meada, um conjunto multilinear. É composto por linhas de natureza diferente e essas linhas do dispositivo não abarcam nem delimitam sistemas como o objeto, o sujeito, a linguagem, mas seguem direções diferentes, formam processos sempre em desequilíbrio, e essas linhas tanto se aproximam como se afastam uma da outra. (Deleuze, 1990, p. 155)

Um dispositivo, então, pode atuar sobre os sujeitos, construir verdades, constituir saberes e criar linhas de força que podem produzir subjetividades. Os dispositivos são os mais diversos, como o Estado, a família, uma empresa, uma instituição de ensino etc. Dessa forma, são responsáveis por organizar formas de saber, estratégias de poder e convidar o sujeito a entrar em relação consigo mesmo.

O Uno, o Todo, o Verdadeiro, o objeto e o sujeito não são universais, mas processos singulares de unificação, totalização, verificação, objetivação, subjetivação - processos imanentes a um dado dispositivo. A investigação de Foucault (1990) nos mostra que os processos de subjetivação assumem, eventualmente, outros modos. Então, todo dispositivo tem seu tempo histórico diferente e produz subjetividades que só poderão ser analisadas naquele dado momento, impossibilitando uma universalização de verdades sobre os seres.

Alguns dispositivos fornecem técnicas, atitudes e ações sobre os modos de ser e de se conduzir a vida, oferecendo regras, normativas e práticas que suscitem melhorias para si, mas desprovidos do cuidado com os demais, tornando-nos sujeitos individualizantes e deixando que outros partam de suas próprias vontades e condições.

Para Cardoso (2005), os modos de subjetivações são demarcados por dispositivos historicamente constituídos, portanto, podem se desfazer à medida que novas práticas de subjetivações se engendram. Dessa forma,

pode-se afirmar, com certa convicção, que uma subjetividade é a expressão do que em nós, em nosso núcleo de subjetividade, se relaciona com as coisas, com o mundo, por isso desenvolve uma relação com o tempo. Em função desse aspecto vital é que podemos definir de forma apropriada o problema da subjetividade em Foucault. Dizer que a subjetividade articula-se com o tempo é, sem dúvida, uma maneira de abandonar uma subjetividade imóvel em sua fixidez, como o ego cartesiano ou a idéia de uma subjetividade vinculada a um inconsciente onde a temporalidade está articulada a uma estrutura pulsional mais ou menos invariante como havia suposto Freud. (Cardoso, 2005, p. 345)

Finalizando, Guattari e Rolnik (1986) nos possibilitam pensar a subjetividade como essencialmente fabricada e modelada no registro social, não passível de totalização ou centralização. Os mesmos autores ainda nos permitem pensá-la como movimento de circulação nos conjuntos sociais de diferentes tamanhos - ela é social por essência, assumida e vivida por indivíduos em suas experiências particulares.

A subjetividade oscila entre dois pontos: numa relação de alienação/opressão, na qual nos submeteríamos a viver a subjetividade como a recebemos; ou numa relação de criação/expressão, na qual nos apropriaríamos da subjetividade, produzindo processos que os autores chamam de singularização transformativa ou devir.

 

"O Devir"

Devir é um conceito filosófico que qualifica a mudança constante, a perenidade de algo ou alguém. Surgiu primeiro com Heráclito, significando o desejo de tornar-se, transformar-se, fluxo permanente, movimento ininterrupto, atuante como uma lei geral do universo, que dissolve, cria e transforma todas as realidades existentes; um vir-a-ser (Padovani; Castagnola, 1974). Como o filósofo Nietzsche, recebeu a acepção do "torna-te quem tu és", usada em vários de seus escritos. O devir é uma simultaneidade, cuja propriedade é furtar-se ao presente. À medida que se furta ao presente, o devir não suporta mais a dicotomia nem a distinção do antes e do depois, do passado e do futuro. Pertence à essência do devir avançar, puxar nos dois sentidos ao mesmo tempo (Deleuze, 2003).

Para Nietzsche, nada de importante se faz sem uma "densa nuvem não histórica". Assim, o devir não seria a história; a história designa somente o conjunto das condições, por mais recentes que sejam, das quais se desvia a fim de "devir", isto é, criar algo novo (NIietzsche apud Deleuze, 2000, p. 210). O que a história capta do acontecimento e sua efetivação em estado de coisa escapa em seu devir. Nesse sentido, a história não é a experimentação, mas apenas o conjunto das condições quase negativas que possibilitam a experimentação de algo que escapa. Sem história, a experimentação permaneceria indeterminada, incondicionada, mas a experimentação não é histórica.

O devir não é uma correspondência de relações, dizem Deleuze e Guattari (2002); tampouco uma semelhança, uma imitação ou uma identificação. Devir não é progredir nem regredir segundo uma série; sobretudo, não se faz na imaginação, mesmo quando esta atinge o nível cósmico mais elevado.

O devir não produz outra coisa senão ele próprio. O que é real é o próprio devir, o bloco de devir, e não os termos supostamente fixos pelos quais passaria aquele que se torna. O devir pode e deve ser qualificado como devir-animal. O devir animal do homem é sempre real, sem que seja real o animal que ele se torna. Simultaneamente, o devir-outro do animal é real sem que esse outro seja real.

Podemos dizer que devir não é uma evolução - nem por dependência e filiação. O devir nada produz por filiação; toda filiação seria imaginária. O devir é sempre de uma ordem outra. Ele é da ordem da aliança. Se a evolução comporta verdadeiros devires, é no vasto domínio das simbioses que coloca em jogo seres de escalas e reinos inteiramente diferentes, sem qualquer filiação possível.

Seguindo os autores, devir é rizoma, não uma árvore classificatória nem genealógica. Devir não é imitar, identificar-se, regredir, progredir, corresponder, instaurar relações correspondentes, produzir, produzir uma filiação ou produzir por filiação. Devir é um verbo tendo toda sua consistência; ele não se reduz, não nos conduz a "parecer", nem "ser", nem "equivaler". A única oportunidade dos homens está no devir, no devir-revolucionário - o único que pode conjurar a vergonha ou responder ao intolerável.

Entende-se, então, que devir é o conteúdo próprio do desejo, pois somos seres desejantes e desejar é passar por devires. Devir torna-se, dessa forma, um ato único, pois cada um devém à sua maneira; não se imita um devir, não se identifica com outro - isso anula as particularidades do devir. Logo, devir é transgredir a mesmice, transformar-se, criar-se como algo absolutamente novo, superar-se a si mesma, metamorfosear-se, viver, ser animado, querer, agir. O devir é o entre, pois o entre não é um lugar, nem o não lugar é espaço de invenção/produção de lugar diferenciado. São atos de uma vida, expressões de um estilo: fugir do convencional. Faz-se, assim, ação potencial que valoriza e singulariza cada sujeito.

 

"Cartografando Trajetórias Acadêmicas e a si mesmo"

Em grande parte da minha formação em psicologia, tive a sensação de estar deslocado em algumas questões práticas. Muitas vezes, sentia que minha vivência/experiência de vida não condizia com o que os autores argumentavam. Sempre entendi e senti que eles falavam de uma realidade diferente da minha. Certo dia, um colega me apresentou a uma teoria de nome provocante: esquizoanálise. Nome impactante, imponente, que me fez sentir uma curiosidade imensa... Não tardou muito para que eu fosse buscar em internet, biblioteca, artigos e livros o que essa suposta teoria teria para me anunciar. O que ela poderia me fazer sentir? Como me afectaria? Eu estava cansado do excesso interpretativo...

Durante as incessantes buscas por algo que pudesse elucidar os motivos de um nome tão incitante, ficava imaginando o que a esquizoanálise teria para potencializar ou decifrar. Seria essa teoria uma forma de abordar a esquizofrenia? Teria ela uma concepção diferenciada das tão famosas estruturas7 estudadas em psicologia? Suspense e um esboço de encantamento...

Que influência era essa que, sem ao menos eu saber do que se tratava, fazia-me sentir tão motivado a percorrer novas linhas de busca? Então, o encontro com um livro de capa preta, perdido entre tantos outros na biblioteca da faculdade, saltou da estante e chegou até mim. Na capa, estava escrito O Anti-Édipo - Capitalismo e Esquizofrenia. E isso foi o bastante para que eu dedicasse a semana inteira a tentar desvendar os parágrafos daquele objeto tão peculiar. Em algumas partes, eu achava graça, ria; em outras, não entendia nada. Algumas faziam muito sentido. As críticas e observações ali contidas indicavam que existia outro caminho a ser percorrido, um mundo mais semelhante ao meu, um mundo de multiplicidades e fluxos. Algo inusitado e novo vibrava agora em mim. Lembro que daquele momento em diante passe a me sentir renovado, outra pessoa, um novo acadêmico, com novos desejos, aspirações e inspirações.

Continuei a ler aquele livro. Ele se tornou um amigo íntimo, um companheiro da minha jornada que, até então, era feita por outras concepções de mundo. Busquei mais livros, alguns artigos daqueles autores (Gilles Deleuze e Félix Guattari) e mostrei aos colegas, meus mais novos aliados. Decidi, naquele momento, aventurar-me por uma caminhada prática a partir do que esse novo encontro ia me inspirando. Sentia-me transformado e seguia minha intuição com os detalhes que iam aparecendo. Esses autores me trouxeram convites novos e reencontros com já conhecidos pensadores: Nietzsche, Bergson, Spinosa, Rolnik, Peter Pál, Foucault e outros, os quais descreviam um método de pesquisa chamado de cartografia.

A partir desse momento, novas buscas se iniciaram, novos embates se deram. Haveria conhecimento sem certo desconforto e deslocamento? Foi então que decidi mapear afectivamente outras trajetórias acadêmicas, questionar como outros acadêmicos construíram seus encontros com as práticas, como se davam suas transformações subjetivas...

Sempre tive gosto pelos encontros casuais com outros colegas para sentar e discutir livremente o que nos afectava, inspirava, incomodava ou deveria ser deixado de lado. Nesses encontros, há a possibilidade de unir experiências de vida particulares com saberes distintos, de perceber no contato com outros que o mundo pode ser diferente daquele que é conhecido e concebido.

Decidi unir o gosto por esses encontros com o instrumento cartográfico e experenciar uma intervenção sem a pretensão de cientifizar (tornar modelo para uma possível ciência) os objetos ou envolvidos na pesquisa, a fim de não estabelecer verdades absolutas, e sim unir a alegria de quem conversa livremente com o grupo de colegas de futura profissão a um ato cheio de esperanças, busca por envolvimentos, invenções, transformações, mudanças, multiplicidades, intensidades, valores e uma transmutação sensitiva e cognitiva. Pois acredito que no momento em que pensamos no objeto a ser mapeado/analisado/pesquisado, este já não é mais o mesmo, devido à mudança perceptiva/afectiva. Nós mesmos e o mundo já nos tornamos outro.

 

"O Encontro Cartográfico (Ou: Colorindo e Mapeando Afectos)"

"... o importante é chegar ao fim diferente do que se era no começo..."

(Michel Foucault)

Qual é o papel do cartógrafo? Quais ferramentas ele usa, articula, inventa ou maquina para pintar, mapear, colorir, transformar a paisagem existencial/afectiva? Essas provocações foram pertinentes enquanto eu questionava qual seria minha função, minha movimentação/intervenção frente ao mapeamento das trajetórias dos demais colegas de profissão.

Dias antes ao encontro, lembrei de alguns trechos do romance O sonho do cartógrafo, escrito por James Cowan em 1996. Esse livro conta a história de um monge chamado Fra Mauro, do mosteiro de San Michelle di Murano. Cartógrafo de mapas, enclausurado numa torre, Mauro é procurado por inúmeros descobridores, mercadores e viajantes que querem contar suas experiências e descobertas, pois sabiam do sonho do monge: construir o primeiro mapa-múndi existente a partir dos relatos das pessoas. Mauro imaginava como era o mundo lá fora e ia desenhando, pintando e construindo o mapa que serviria de instrução, guia e apoio aos que se aventurasse por aqueles caminhos. A estes também era aberta a possibilidade de trilharem novos caminhos, experienciarem e ajudarem a criar novos mapas.

Deduzi, então, que esse deveria ser o papel do cartógrafo: possibilitar aos demais descobridores/inventores a construção de novas planícies afectivas. Então, como Fra Mauro, fui trilhar e montar o meu mapa e o dos demais envolvidos.

Com base nessa jornada, unindo arte e criação, fui ao encontro dos colegas munido de dúvidas, livros, teorias e problematizações. Construiu-se o mapeamento a partir das falas ocorridas, fragmentos de livros, pensamentos e demais pensamentos, dando voz aos afectos, às sensibilizações e acontecimentos.

No dia combinado para a realização do grupo de discussão, estava escolhido o cenário: a sala de estar do apartamento de uma das acadêmicas convidadas para participar do grupo. Ela havia proposto que fizéssemos as discussões em sua casa, tendo em vista que seria o lugar mais propício para uma reunião descontraída. Como eu estava disposto a experimentar novas formas de pesquisa, aceitei prontamente. Assim, sentamos em forma de círculo, deixando no meio o gravador, meu fiel escudeiro, para auxiliar a retomada das falas.

Com o clima ameno e todos ansiosos, lancei a pergunta para dar início ao debate afectivo. Os nomes dos participantes do grupo foram preservados por uma questão de sigilo ético. No lugar, foram usados pontos cardeais (uma brincadeira com o rumo tomado durante as falas) para identificá-los: Norte, Sul, Leste e Oeste, de acordo com a ordem de intervenção na discussão. Para auxílio no entendimento das falas, também foi colocada a teoria em que os acadêmicos se baseavam até aquele momento, acreditando-se que seja possível uma futura mudança. Então, as identificações ficaram da seguinte forma: (Norte) Psicanálise Lacaniana, (Sul) Psicologia Cognitivo-Comportamental, (Leste) Psicanálise Freudiana e (Oeste) Psicanálise Freudo-Lacaniana.

Introduzidas algumas falas e pensamentos referentes a cada experiência e construção de si, o grupo se deparou, primeiramente, com o questionamento sobre a mudança curricular ocorrida em nossa instituição, no curso de Psicologia, em 2007. A mudança foi feita tendo em vista que o antigo currículo era voltado para uma formação mais psicanalítica e, por ordem do Ministério da Educação, pôs-se pertinente a abrangência de outras teorias, não apenas na nossa instituição, mas em outras faculdades do estado.

Eu, que vivi pelo menos a mudança de currículo, sou do velho e tive a opção de escolher pelo novo. Eu considero que isso foi fundamental. Assim, não pra mim, mas pra todos. Eu já tinha a minha área escolhida de atuação e linha teórica, que era a psicanálise. Mas com esse currículo novo aí, vai abrir espaço pra todo mundo ter mais oportunidade de escolher. (Acadêmico Oeste - Referencial teórico: psicanálise freudo-lacaniana)

E um monte de coisas foi interessante. Tem muita gente que tá experimentando coisas diferentes, estágios diferentes, que antigamente ia todo mundo pra clínica, mas agora tem gente que vai pra comunitária, hospitalar... Isso é muito legal também! (Acadêmico Norte - Referencial teórico: psicanálise lacaniana)

Nessas duas falas, que imanentemente associam afectos e vivências próprias, percebi que, embora o primeiro acadêmico já houvesse feito sua escolha teórica, ele acredita que a possibilidade de conhecer outras linhas teóricas seja uma vantagem para si e os demais colegas. A segunda acadêmica também relata a importância de se deparar com abordagens novas, levando-nos a pensar que a possibilidade de uma experimentação prática produz novos mundos interiores e novas multiplicidades, que não devem designar uma combinação de múltiplo e de um, mas uma organização própria do múltiplo enquanto tal, sem necessidade alguma da unidade para formar um sistema (Deleuze, 1988).

Também pude pontuar como o dispositivo de ensino, a faculdade, que outrora tinha uma vertente teórica mais voltada para a psicanálise, exerceu certa subjetivação nos acadêmicos, pois, dos quatro acadêmicos convidados para o grupo, apenas um fez a escolha por outra abordagem.

Quando se perguntou sobre os encontros referenciais de cada um, o motivo pelo qual se deu a busca por um curso de graduação em Psicologia, surgiu o seguinte relato:

Eu escolhi a psicologia, na verdade... porque, assim, eu sou fanático por pesquisa e adoro laboratório, adoro pesquisa, adoro tudo aquilo que esteja envolvido com produção de conhecimento. E desde que eu entrei na faculdade, a cognitivo-comportamental é a que mais vai se prestar com isso... Então, é por simples aproximação de gostos (risos) que eu acabei nessa linha, sabe? (Acadêmico Sul - Referencial teórico: psicologia cognitivo-comportamental)

Continuando:

Eu tava no 7º semestre de Letras, quase me formando, e aí eu decidi que não tinha condições... Eu precisava de ciências, e não de ficar dando aula o resto da minha vida. Aí eu decidi que não tava bom. Tranquei a faculdade de Letras e fui fazer Psicologia.

Nesse ponto, o porquê dessa escolha ou o motivo da troca de curso realizada pela colega pode ser elucidado como uma produção-desejante que habita nossas vidas. A forma como o acadêmico produziu esse desejo envolveu um processo de experimentação ativa, levando-me a pensar que, muitas vezes, articulamos, lutamos e criamos linhas de fuga para irmos ao encontro do que buscamos, como mostra Deleuze (1998). Fugir não é, absolutamente, renunciar às ações. Nada mais ativo do que uma fuga. É o contrário do imaginário, que foge passivamente da realidade. Fugir é traçar uma linha, ou linhas; toda uma cartografia que une compromissos e responsabilidades.

Ainda sobre os encontros teóricos de cada um, encontrei outra fala pertinente:

Tem muita gente que gosta de humanismo, que diz que gosta, que gostaria de se envolver mais, mas não tem onde se enfiar. E eu não sei como essas pessoas se sentem..." (Acadêmico Norte - Referencial teórico: psicanálise lacaniana)

Refletimos no grupo como deve se sentir quem não tem ou não teve a oportunidade de, durante a formação, aprofundar-se na linha teórica com que mais se identifica. Nesse ponto, recordo-me como foi duro, trabalhoso e solitário o meu percurso, tendo em vista que também me aventurei por uma teoria que não se encontrava à disposição na faculdade. Para pensar sobre isso, fica uma colocação feita por Deleuze (1998), segundo a qual devemos trilhar esse caminho da solidão, pois seria esse o meio de encontro conosco mesmos. Esse caminho deserto é o caminho da experimentação. Só assim é possível nos construirmos diferentes do que éramos, a fim não de uma busca do saber, mas de tomar a vida com um movimento de aprender.

Tal forma de perceber essa produção de subjetividade às vezes desconhece que esse movimento de aprendizado é um meio de encontro, e que a produção de uma vida é constituída de infinitas possibilidades. Deve-se pensar que se trata de possibilidades, e não de exclusão, pois cultiva a diferenciação e a criação de modos de viver (Detoni, 2009).

As falas também demonstraram como os encontros referenciais passam por aquilo que nos toca e faz sentido com o que vivenciamos ou acreditamos, como coloca o colega:

Eu acho que, em relação, assim, à linha teórica que a gente escolhe, tem uma escolha muito da... que passa por aquilo que faz sentido pra gente. Talvez não seja uma escolha de mercado, de trabalho, uma visão pra frente, assim, sabe?... Eu acho que, no começo, passa muito daquilo que a gente acaba se identificando, como até mesmo resposta pra gente mesmo, sabe? Das coisas da gente que tão ali. (Acadêmico Leste - Referencial teórico: psicanálise freudiana)

Em determinado momento da discussão, questionamo-nos se o modo como víamos e entendíamos os encontros tem influência ou passaria a ter no modo como agimos em nosso dia a dia. Esse tema trouxe questionamentos interessantes, pois pudemos problematizar se os nossos atos discursivos ou não discursivos agenciam outras vidas, nossas formas de lidar com as pessoas e com os acontecimentos.

Porque assim, ó: a psicologia, quer queira, ou quer não, a gente estuda interações e comportamento humano, sabe? A gente acaba modulando o jeito com que a gente interage com as pessoas, baseado no conhecimento. (Acadêmico Sul - Referencial teórico: psicologia cognitivo-comportamental)

Uma das acadêmicas questionou o fato de o Acadêmico Sul usar o termo "modular", presente na teoria cognitivo-comportamental, mas ela não percebeu que o fato de não gostar do termo já é uma prova de que o conhecimento nos atravessa diariamente de vários modos e acaba fazendo parte do nosso vocabulário usual. Talvez ela considerasse que modular fosse um termo forte para ilustrar nossa relação com o mundo, mas, para cada teoria interiorizada, uma forma de perceber e nomear os fatos, consequentemente, uma forma de ver, compreender e interferir no mundo. Tanto que, logo após, ela acaba concordando.

Nesse momento, ficou claro que o momento de discussão também era intercessor no nosso agir e pensar. No embate, na confrontação de ideias, o grupo foi tomando o encontro como potência do pensar/problematizar. As diferenças práticas foram gradativamente ficando de lado. A proposta era de movimento cartográfico/interventivo, e aos poucos isso foi tomando conta do lugar. O mapa já estava sendo colorido com outras cores, outras nuances, vozes sendo tomadas por outros timbres, olhares mais críticos de si e transformações ativas estavam em acontecimento.

Afectivamente, houve um momento que chamou minha atenção: quando o Acadêmico Sul foi perguntado como se sentia em seu local de estágio. Ele cumpre seu estágio em um hospital público, na ala que auxilia dependentes químicos, mais precisamente usuários de crack. Talvez isso, a priori, pareça fugir do território em que estávamos, mas como a cartografia se propõe a decifrar alguns modos de subjetivação dominante, achei importante colocar esta declaração:

Tem o problema da gente ter que responder a um psiquiatra que, muitas vezes, não faz idéia do que tá acontecendo. Vai lá dar duas ou três medicações pros pacientes igual (sic). Sem falar que não faz nenhum tipo de diferenciação... (Acadêmico Sul - Referencial teórico: psicologia cognitivo-comportamental)

Que tipo de profissionais formamos? Qual o papel do médico psiquiatra nessa instituição? Como podem exercer o poder de não diferenciação dos casos encontrados nesse local? Como, quando e por que uma ciência como a medicina se tornou um saber superior aos demais? Quanto à psicologia, que também é um saber e produz verdades, como as pessoas se baseiam no que produzimos enquanto ciência? Quais seriam os nossos papéis e objetivos como futuros profissionais da área "psi"?

Conceitualizando a verdade para Foucault (apud Nardi; Silva, 2005), podemos ver que ela é produzida por indivíduos livres, que se organizam em certo consenso e se encontram inseridos em uma rede específica de práticas de poder e de instituições que as impõem e as validam. Então, as verdades produzidas pela ciência da psicologia e da psiquiatria vão servir como justificativa, em alguns casos, tanto para as formas de dominação quanto para as formas de resistência que marcam os modos de subjetivação de cada contexto.

Quanto a isso, cabe uma problematização atual referente à regulamentarização do Ato Médico8. Questionar quais seus interesses, suas intenções, o que visa e quem sairá beneficiado com esse projeto é um dever ético de toda a sociedade, pois, se aprovado o projeto, ficará sob total domínio da classe médica o uso de diagnósticos, prescrição terapêutica, indicações de tratamentos e realização de procedimentos na população em geral; além de tornar a figura médica como privativa na chefia de serviços, possibilitando uma hierarquização que não corresponderá à multidisciplinaridade necessária ao país.

Como futuros profissionais da área "psi", devemos nos colocar a par do real intuito dessas mobilizações médicas. O conceito de bem ou do melhor para cada um deve ser construído junto aos cidadãos, e não em instituições hierarquizantes e normalizadoras.

Para Hüning e Guareschi (2007), um dos compromissos da psicologia seria a contestação dos discursos instituídos pela própria ciência psicológica, que universalizam e massificam os sujeitos. Esse confrontamento deve se dar, em parte, pela escuta dos saberes dominados, minando o discurso oficial através da tomada de posicionamento político junto àqueles que usualmente reivindicamos representar - os indivíduos, as sociedades e as culturas em que estamos inseridos. Dessa maneira, não podemos ser quem ostenta a verdade, donos de saberes absolutistas e deterministas.

Deve-se propiciar que as pessoas construam suas vidas por si mesmas, não estabelecendo nem favorecendo posições hierarquizadas, as quais visam dominar corpos e mentes. É isso que nos remete a uma psicologia que vise as multiplicidades subjetivas e os devires de cada um, independentemente de referencial teórico escolhido.

Os afectos, as vontades e ações em certo movimento nos trouxeram para as técnicas ou práticas de si, que são ou foram importantes para a potencialização do exercício clínico de cada um. Frente a isso, coloquei algumas opiniões dos envolvidos quando questionados sobre o que eles consideravam importante para suas formações clínicas:

Eu devo admitir que, principalmente, supervisão e leituras... (Acadêmico Norte - Referencial teórico: psicanálise lacaniana)

É, supervisão faz muita diferença. E estudo por fora. Porque tem cadeiras que acrescentaram muito pouco, até porque cada caso é um caso, né? Então, supervisão ajuda muito e leituras aleatórias por fora. (Acadêmico Sul - Referencial teórico: psicologia cognitivo-comportamental)

Sobre como os acadêmicos se sentiam quanto aos acréscimos no manejo com suas práticas clínicas, relatou-se que os encontros fora das salas de aula eram interessantes e importantes:

Eu, muitas vezes discutindo com um colega fora da aula sobre algum tema, eu consegui ter algumas ideias muito melhores que parado, ouvindo só um professor falar a mesma coisa, sabe? É que, assim, eu, pelo menos, funciono por associação. Eu tenho que associar com alguma coisa, sabe? Com alguma coisa que eu já sei, pra tentar compreender as coisas. (Acadêmico Sul - Referencial teórico: psicologia cognitivo- comportamental)

Pode-se pensar, a princípio, que a fala dos acadêmicos nos remete a duas visões parecidas sobre o que é importante para uma formação clínica-prática. O Acadêmico Norte acha importante a supervisão de estágios. O Acadêmico Sul também acredita que os olhares produzidos pela supervisão dos professores são relevantes para o processo de formação clínica. Mas o que chamou minha atenção - e era o que me interessava sobre os processos de construções de si - foi quando Acadêmico Sul revelou que os encontros fora da instituição também são instigantes para o aprendizado dele, senão mais importante, como aparece em sua fala.

Os encontros extraclasse, como chamaremos aqui, muitas vezes negados e criticados como formas de criação de saberes nos meios acadêmicos, são as conversas ocorridas em lugares que não sejam a sala de aula; conversas que propiciam a cada acadêmico se aprimorar do conhecimento aprendido, produzindo formas mais livres de pensamento e de experimentação de si e do outro que se coloca para debater ou conversar. Fortalecendo elos, relações e delegando potências de questionamentos, esses encontros nos permitem pensar em certa liberdade de agir, aqui entendida como da ordem dos ensaios, das experiências e dos inventos tomados pelos próprios sujeitos, que, tomando a si mesmos como prova, inventarão os próprios destinos. Assim, são experiências práticas de liberdades, sempre sujeitas a mudanças, nunca definitivas (Souza, 2007).

Com base no preceito do cuidado de si, que passa a ser o modo como cada indivíduo constrói modos éticos e estéticos de sua existência, visando também cuidar dos outros, notamos formas singelas, não acadêmicas, de construções individuais subjetivas. A cada um prevalece uma técnica ou prática em seu percurso no âmbito clínico. A liberdade do cuidado de si é uma experiência ético-moral de cada um, singular e intransferível.

Ainda referindo-se às construções de si no grupo, tivemos um momento em que um colega trouxe a análise pessoal ou terapia individual como forma de práticas de si. Dois dos envolvidos não faziam terapia até aquele momento e outros dois faziam.

Eu não sei como tem gente que atende que não faz terapia! (Acadêmico Norte - Referencial teórico: psicanálise lacaniana)

Eu atendo sem fazer terapia. Eu fiz terapia há muito tempo atrás! (Acadêmico Sul - Referencial teórico: psicologia cognitivo-comportamental)

Nesse instante, problematizei como era, para eles, o fato de haver muitos colegas que não fazem uso da terapia individual ou nunca fizeram.

Eu não sei como eles lidam com isso, na verdade... Porque as minhas questões eu jogo tudo lá, né? Daí eu não preciso jogar minhas questões em supervisão e experimentar aquele sentimento de mistura, de fusão com meu paciente. (Acadêmico Norte - Referencial teórico: psicanálise lacaniana)

O uso de terapia individual se torna quase uma normativa para quem escolhe o caminho psicanalítico ou das áreas "psi". Não ousarei questionar se é correto ou não, bom ou ruim, mas problematizarei o que ouvi nas falas sobre o uso dessas práticas.

"Eu acho muito difícil uma pessoa procurar a psicologia, entrar na psicologia e ter suas questões bem resolvidas..." (Acadêmico Norte - Referencial teórico: psicanálise lacaniana)

Sobre esse trecho discursivo, indago: os ditos normais, os analisados, os que supõem serem conhecedores de si são os que podem cursar uma área "psi"? Quem delegou essa norma? Com que critérios? Quem distingue os "normais" dos "anormais"? Os que fazem análise/terapia? Com base em quais pressupostos os demais, os não analisados, os que nunca fizeram análise não são bem-vindos nas áreas "psi" ou não deveriam atender quem procura essas práticas? Se o argumento é ter suas questões "bem resolvidas", contestarei com esta frase, de um colega que não faz análise atualmente:

"Eu acho o seguinte: ninguém tem suas questões bem resolvidas. Isso é impossível!" (Acadêmico Sul - Referencial teórico: psicologia cognitivo-comportamental)

Certamente, caberia aqui uma discussão sobre se temos ou não nossas questões "bem resolvidas", mas talvez esse seja um espaço para ser colorido e mapeado em outra cartografia, pois acredito ser importante que se produza alguma problematização sobre esse tema. Penso que devemos questionar o uso da terapia individual como norma ou regra para os acadêmicos da área "psi". Sabe-se que o Conselho Federal de Psicologia não se pronuncia quanto a essa prática ser uma obrigatoriedade em nossa classe, deixando a critério de cada profissional e acadêmico a escolha. Então, deve-se investigar quando, como e por que isso passou a fazer parte dos discursos acadêmicos.

Se for praticado como norma, faz parte de um preceito moral. Como mostra Foucault (apud Nardi; Silva, 2007), as questões morais são conjunto de regras e preceitos veiculados por instituições prescritoras, como a família, a religião, a escola e o trabalho. Assim, ética seria o comportamento real dos indivíduos frente a essas regras. Considero, então, que cada acadêmico deve fazer sua escolha sobre o uso ou não dessa prática. Isso deve ser discutido e problematizado sobre ações definidas e em determinados casos, passíveis de uma análise a posteriori, nunca como um julgamento e conduta essencial a priori.

Técnicas e práticas fazem parte do mesmo processo. Modos de puro devir é o caminho, fertilizado diariamente nos encontros com os colegas, professores e demais envolvidos nas instituições. Tais modos se criam em função do mapa de intensidades que vai se traçando nesse denso processo de hibridações do qual participamos todos os dias (Rolnik, 1996). Nada está pronto, nada está fechado em si. A continuidade pela busca de nossas verdades é trabalhada a todo o momento, dia a dia, em todos os lugares que circulamos, nas dobras da vida.

Quando questionados sobre o que pode acontecer com nossas vidas, duas falas foram representativas do momento:

Quando eu pensei em comprar a coleção do Freud, eu pensei assim: tá, e se um dia eu não usar? Sei lá. Daqui um pouco, não vai mais fazer sentido... e vai ficar lá na estante... (Acadêmico Leste - Linha teórica: psicanálise freudiana)

Por enquanto, eu tô pensando numa coisa, mas não tenho verdades absolutas. (Acadêmico Oeste - Referencial teórico: psicanálise freudo-lacaniana)

Assim, encerrarei as falas dos envolvidos no grupo, que nos levaram a pensar na abertura de novos devires em nossos encontros com as práticas clínicas, já que os acadêmicos relataram possibilidades de futuras mudanças.

 

Considerações Finais

"Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas."

(Friedrich Nietzsche)

Com base nos diálogos que foram atentamente ouvidos e abertamente problematizados, foi possível encontrar afectos que demonstraram algumas parcelas de como foram vivenciados, experimentados e sentidos os percursos acadêmicos de cada um dos quatro envolvidos no grupo. Como fruto de uma estratégia que não teve um critério a ser seguido, mas um modo construtivo de possibilitar as linguagens de cada um, foram tomados vários caminhos e trajetos durante essa cartografia, possibilitando não apenas um mapeamento subjetivo, mas um mapa micropolítico de relações, de processos desejantes e das construções territoriais de si.

As linguagens dos acadêmicos nos permitem uma perspectiva sobre como os discursos científicos passam a fazer parte do nosso modo de falar, pensar e agir no mundo, em nossas realidades sociais ou frente a outros grupos. Nisso, questionou-se as influências do dispositivo institucional de ensino frente ao grande número de acadêmicos que tomavam a psicanálise como ferramenta a ser utilizada em suas práticas clínicas, tendo em vista que a antiga grade curricular teve quase todas as referências voltadas para essa vertente.

Assim, para o grupo, a troca da grade curricular foi positiva, pois possibilitou percorrer diferentes vertentes e um maior conhecimento de outros campos, antes pouco explorados. Ou seja de uma constituição subjetiva direcionada para a orientação específica de uma abordagem, passou-se a ser afectado por mais correntes de pensamentos, com maior liberdade e possibilidade de utilização das ferramentas práticas.

Com relação às técnicas de si, pode-se cartografar brevemente como cada um fez uso das possibilidades atreladas à formação universitária. Mesmo sendo estruturada a formação do psicólogo por diretrizes curriculares e verdades específicas do campo de saber da psicologia, ficaram visíveis outras formas de constituição da prática psicológica além do conhecimento acadêmico. Algumas dessas formas de constituição profissional verbalizadas pelos participantes da pesquisa foram as conversas diárias com outros colegas, assim como a utilização de terapias individuais enquanto fonte de potencialização das técnicas de si. Isso trouxe ao grupo o reconhecimento de que não são apenas as nossas escolhas individuais as corretas, pois cada um cria formas singulares para cuidar de si. Como coloca o filósofo Epicuro (apud Moraes, 1998): toda fonte de conhecimento é oriunda de nossas sensações, pois não existe evidência mais forte sobre aquilo que sentimos e percebemos.

Os devires mapeados e relatados como transformações originadas durante o movimento acadêmico mostra que, mesmo com o apelo de determinadas hierarquizações de saberes, como a psiquiatria e outros discursos acadêmicos, tornou-se possível produzirmos escolhas sobre o que desejamos seguir, não nos privando da capacidade de exercermos aquilo que temos em mente e que corresponde aos nossos desejos. Afinal, mesmo com todo o referencial psicanalítico, houve quem ousasse e buscasse outras práticas para sua formação, pois sempre que houver alguma forma de poder haverá uma parcela de resistência.

Quanto às formações clínicas dos acadêmicos, de acordo com as falas e os acontecimentos do grupo, vimos que cada afecção com outras experiências de vida possibilitou novos devires nos acadêmicos de psicologia. Então, sempre que nos propusermos a auxiliar quem procura os serviços em psicologia, sejam adultos ou crianças, devemos ter a noção de que cada um dos atendidos traz consigo um mundo particular e modos peculiares de enxergar e construir a sua realidade.

Assim, com base nos fatos ocorridos durante essa cartografia, pensou-se em nomear todo encontro com quem busca auxílio "psi" como devir-clínico, pois toda relação é sucedida por ações e transformações diárias, fomentando sempre uma nova construção de si, de acordo com o que se estabelece com o outro. Não como forma de identificação, mas como processo de singularização, pois nem todos que se defrontam com a clínica seguem esse percurso. Muitos desistem, outros trilham por falta de opções e alguns seguem buscando melhores constituições de si.

Problematizando essa pequena cartografia - um experimento que sempre visou a ética no modo de pesquisar e se baseou em outros paradigmas -, cabe relembrar que não houve, em nenhum momento, o intuito de construir verdades absolutas sobre a realidade na qual nos encontramos. Primeiro, porque existem várias verdades e elas devem ser alcançadas pessoalmente por quem se aventure ao exercício de construí-las; segundo, porque o objetivo desse pequeno mapa-existencial era o de podermos discutir lado a lado nossas práticas de viver, questionando nossas escolhas e mudanças.

Com isso, o encontro forneceu inúmeros caminhos a serem percorridos e novas amizades foram traçadas. Pudemos conhecer um pouco as histórias daqueles que diariamente fazem parte do nosso lugar de estudo, mas muitas vezes mal sabemos como se sentem ou do que gostam. Essa foi a lição aprendida, a sensação mais vibrante que tocou a todos: um modo de pesquisa que possa unir alegrias, conhecimentos e afectos deve ser sempre considerado um instrumento a ser inventado, não copiado, mas criado e incentivado a todo o momento pelos descobridores que ousarem mapear os modos de subjetivações.

No fim do encontro, os colegas prontamente perguntaram quando e onde iríamos continuar nossas discussões. A cartografia, assim, passou a ser considerada um modo intercessor do nosso pensar e agir, mostrando como a estratégia usada também exerceu uma intervenção em nossas subjetividades, fomentou novas possibilidades de conhecimento de si e dos demais, e produziu novas e belas amizades.

 

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Recebido em 01 de novembro de 2011
Aceito em 21 de fevereiro de 2012
Revisado em 02 de novembro 2012

 

 

1 Este artigo corresponde a uma pesquisa de Lucas Motta Brum, feita durante a graduação em Psicologia no Centro Universitário Acadêmico - UNIFRA - no ano de 2010, a ser submetido a Revisa Mal-Estar e Subjetividade, UNIFOR em 2012.
2 Empregamos a palavra afecto em referência ao conceito de affectus em Spinoza. Para maiores informações, ver: http://www.webdeleuze.com/php/texte.php?cle=194&groupe=Spinoza&langue=5
3 A noção de território é entendida aqui em um sentido muito amplo, que ultrapassa o uso que dela fazem a etologia e a etnologia. Por território, entende-se um espaço de vivência, lugar de apropriação, de subjetivação fechada sobre si mesma. Assim, os seres se organizam segundo territórios que os delimitam e os articulam aos outros seres existentes (Guattari; Rolnik, 1986).
4 Criada por Gilles Deleuze e Félix Guattari, a esquizoanálise é uma concepção da realidade em todas suas superfícies e processos, como também nas suas individuações inventivas enquanto acontecimentos-devires. Para essa concepção prática/interventiva, a produção e o desejo são imanentes entre si e produtores de toda a realidade. Consiste, também, em uma ampla leitura da realidade, tanto natural quanto social, subjetiva e industrial-tecnológica, assim como de uma realidade outra, pluripotencial e imperceptível. Essa abordagem propõe uma série de dispositivos e procedimentos para a transformação do mundo, trabalhando com todas as agrupações e práticas humanas inventivas e mutativas.
5 Termo utilizado pelo autor referente às práticas e técnicas de si.
6 Dispositivo, para Deleuze (1996), é um conjunto multilinear, composto por linhas, que podem ser práticas discursivas ou não discursivas, as quais seguem direções, mas estão sempre em desequilíbrio, ora se aproximando, ora se afastando.
7 Nunca me senti confortável ao aplicar, teoricamente ou na prática, os conceitos estruturais que fixassem identidades nos pacientes ou personagens da minha vida. Sempre acreditei nas possíveis mudanças dos sujeitos, no puro devir.
8 Para esclarecimento da Lei que regulamentaria o Projeto Ato-Médico, ver: www.portalmedico.org.br/atomedico/arquivos/pls25.doc

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