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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev.Mal-Estar Subj vol.13 no.1-2 Fortaleza jun. 2013

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Crack: uma abordagem psicanalítica de seu consumo entre crianças e adolescentes em situação de rua

 

Crack: a psychoanalytic approach on its consumption among children and adolescents on the street

 

Crack: un enfoqueppsicoanalítico de su consumo entre los niños y adolescentes que viven en las calles

 

Crack: une approche psychanalytique de sa consommation chez les enfants et les adolescents vivant dans la rue

 

 

Cláudia Henschel de LimaI; Adilson Pimentel ValentimII; Carlos Emmanuel da F. RochaIII; Natália Ferreira RodriguesIV

IPsicóloga. Mestre e Doutora em Psicologia Social e da Personalidade pela UFRJ. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense. Email: claudiahlima@yahoo.com.br / claudiahlima@vm.uff.br
IIPsicólogo. Email: adilsonpvalentim@gmail.com
IIIPsicólogo. Mestrando - IMS. UERJ. E-mail: carlos.efr@gmail.com
IVAluna do curso de Psicologia do IBMR Laureate-Universities. Email: nataliafrpsi@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O objetivo geral deste artigo foi abordar o consumo de crack em crianças e adolescentes em situação de rua a partir do marco teórico da psicanálise. Delimitou-se como criança e adolescente em situação de rua, aquele que, com ou sem laço familiar, vive parte de seu tempo na rua sem a supervisão de um adulto que se responsabilize por ele. Foram isolados problemas decorrentes da situação de viver na rua - desnutrição, exploração do trabalho infantil, violência sexual, uso abusivo de drogas - e as modificações características da passagem da infância para a adolescência, que consolidam o acesso à vida adulta. Determinou-se, ao longo da argumentação teórica e dos dados empíricos obtidos a partir de pesquisa bibliográfica, que o desencadeamento do consumo de drogas, em especial o crack, na passagem da infância para a adolescência, se dá pelo processo de desvalorização social, de perda fálica associada ao lugar de resto, de refugo, que se instala na camada mais pobre da população brasileira, e que acaba por se transmitir para a criança. A partir dessas considerações, defendeu-se a hipótese de que o consumo abusivo de crack está diretamente associado à ausência de recursos subjetivos - promovidos pela baixa operatividade da função paterna - para lidar com as mudanças típicas desse tempo da constituição do sujeito.

Palavras-chave: drogas; população infanto-juvenil de rua; refugo; nome-do-pai; psicanálise.


ABSTRACT

This paper aims to address the crack consumption in children and adolescents on the street from the theoretical framework of psychoanalysis. It was delimited as children and adolescents living on the street, who, with or without family ties, living most of his time on the street without the supervision of an adult who is responsible for it. Were isolated problems arising from the situation of street life - malnutrition, child labor, sexual violence, drug abuse - and the changes characteristic of the passage from childhood to adolescence, which consolidate access to adulthood. It was determined along the theoretical arguments and empirical data that the onset of drug use, especially crack cocaine, in the passage from childhood to adolescence, is through the process of social devaluation, associated with the place of phallic loss furthermore, a place of human waste (outcasted, like garbage), which settles in the poorest population, which is finally transmitted to the child. From these considerations, defended the hypothesis that the abuse of crack is directly associated with absence of subjective resources - promoted by the low operability of the paternal function - to cope with the changes typical of this stage of the subjectivity development.

Keywords: drugs; children and adolescents living on the street; human waste; name-of-the-father; psychoanalysis.


RESUMEN

El objetivo de trabajo es abordar el consumo de crack en los niños y adolescentes en situación de calle desde el psicoanálisis teórico. El trabajo define a los niños y adolescentes en situación de calle, el que, con o sin lazos familiares, que viven la mayor parte de su tiempo en la calle sin la supervisión de un adulto responsable de él. El trabajo pone de relieve los problemas derivados de la situación de vida de la calle - la desnutrición, el trabajo infantil, la violencia sexual, el abuso de drogas - y los cambios de las características de la transición de la niñez a la adolescencia, que consolida el acceso a la vida adulta. El trabajo determinó a través de argumentos teóricos y datos empíricos que el desencadenamiento del consumo de drogas, especialmente el crack en la pasaje de la niñez a la adolescencia, es causada por el proceso de desvalorización social, pérdida fálica asociada con el lugar de refugo que se instala en los estratos más pobres de la población, lo que acaba transmitiendo a el niño. A partir de estas consideraciones, el trabajo defendió la hipótesis de que el consumo abusivo de crack está asociado directamente con la ausencia de los recursos subjetivos - promovido por la baja operatividad de la función paterna - para hacer frente a los cambios propios de esta etapa del desarrollo subjetivo.

Palabras-clave: drogas; niños y adolescentes que viven en la calle; refugo; nombre del padre; psicoanálisis.


RÉSUMÉ

Le but de cet article était de répondre à la consommation de crack chez les enfants et les adolescents en situation de rue à partir de la psychanalyse théorique. Le travail définit les enfants et les adolescents vivant dans la rue, qui, avec ou sans liens familiaux, vivant la plupart de leur temps dans la rue sans surveillance d'un adulte responsable. Le travail met en lumière les problèmes découlant de la situation de vie dans la rue - la malnutrition, travail des enfants, les violences sexuelles, la toxicomanie - et des changements dans les caractéristiques de la transition de l'enfance à l'adolescence, consolide l'accès à la vie adulte. Le travail déterminé par des arguments théoriques et empiriques que les médicaments desecadenamiento de consommation, en particulier fissure dans le passage de l'enfance à l'adolescence, est causée par le processus d'altération du fonctionnement social, la perte associée à lieu phallique qui refugo est installé dans les couches les plus pauvres de la population, qui vient de transmettre à l'enfant. A partir de ces considérations, le travail soutenu l'hypothèse selon laquelle l'abus de fissure est directement associée à l'absence de ressources subjectives - promu par la faible disponibilité de la fonction paternelle - pour faire face aux changements typiques de cette étape de développement subjective.

Most-clés: substances psychoactives; les enfants et les adolescents vivant dans la rue; l'abattage; nom du père; psychanalyse.


 

 

Da Epidemiologia à Posição Subjetiva

O enodamento entre amor e função paterna é a originalidade da consolidação da Psicanálise, a partir do século XX, como uma nova racionalidade que rompe a metafísica da subjetividade que fundamentara o pensamento científico desde o século XVII (Henschel-Lima, 2011). Neste sentido, a originalidade da elaboração freudiana do conceito de inconsciente situa-se não na afirmação de idéias matemáticas como fundamento de todo conhecimento possível, mas no espaço aberto para o amor a partir da função simbólica veiculada pelo Nome-do-Pai. É neste contexto que a clínica tem sua relevância para o entendimento do novo congito que se abre com o conceito de inconsciente, Ela convoca o profissional para a reflexão das questóes e impasses que afetam a vida contemporânea: a solidão, o isolamento, a des-inserção, a errância, o recurso à droga.

O presente artigo dedica-se a abordar, pela psicanálise, a relação entre a vida nas ruas - durante a etapa que vai da infância à adolescência - e o uso de drogas (em especial, o crack). A partir da hipótese freudiana de que a constituição subjetiva depende do recalcamento das pulsões e da identificação ao ideal, promovida pela função paterna, pretende-se mostrar que a abordagem das particularidades da constituição subjetiva na população infanto-juvenil de rua exige que se analise o nível de operatividade da função paterna.

Em 20 de maio de 2010, a Presidência da República publicou o Decreto nº 7.179 (Brasil, 2010), instituindo o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, que dispõe sobre a prevenção do uso, o tratamento e a reinserção social de usuários e o enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas. Em dezembro de 2011, em continuidade às ações do Governo Federal, foi lançado o Programa Crack, É Possível Vencer, com medidas de integração de ações em três eixos: prevenção, cuidado e autoridade. Ambos enfatizam em suas ações a difusão de informações qualificadas relativas ao crack e outras drogas ressaltando, ainda, a urgência de estudos detalhados sobre os sujeitos que fazem consumo de crack no Brasil.

Desde o final dos anos de 1980, já se evidenciava um aumento do patamar do consumo de crack no Brasil (Nery-Filho, Soares, Nuñez, & MacRae, 2013). De fato, a partir dos anos de 1990, foram realizados três levantamentos sobre consumo de drogas em criança e adolescentes, em situação de rua, no Brasil. São eles:

1. III Levantamento sobre Uso de Drogas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua de Cinco Capitais Brasileiras (1993/1994) (Noto et al, 1994).

2. IV Levantamento sobre Uso de Drogas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua de Seis Capitais Brasileiras (1997/1998) (Noto et al, 1998).

3. Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua de Vinte e Sete Capitais Brasileiras (2003/2004) (Noto et al, 2004).

Nesses levantamentos (Noto et al, 1994, 1998 e 2004) identificou-se o consumo de solventes como a droga ilícita mais consumida na grande parte das capitais investigadas. Foi o caso, por exemplo, de São Paulo e Recife, que registraram um uso diário de 60% (consumo de 20 ou mais dias no mês). Além disso, Neiva-Silva (2008) registra o índice de 58% de uso de solvente no mês, na cidade de Porto Alegre, no grupo de crianças e adolescentes em situação de rua que haviam rompido com o laço familiar.

Outro dado importante se refere ao progressivo aumento do consumo de crack na população infanto-juvenil de rua nos últimos anos. Os levantamentos, conduzidos em 1984 e 1989, não acusaram o consumo da substância em São Paulo (Noto et al, 1994). Todavia, no ano de 1993, o consumo de crack na vida foi de 35.5%. Em 1997, o consumo de crack passou a ser a forma mais frequente de consumo de cocaína em São Paulo. No ano de 2003, o uso no ano chegou a 35.7% dos entrevistados. Outra cidade brasileira que apresentou índices preocupantes foi Porto Alegre. Nos levantamentos realizados em 1987 e 1989, e tal como em São Paulo, não foi acusado o consumo da substância. Em 1993, um único caso foi registrado (Noto et. al, 1994). Em 1997, o levantamento evidenciou nove (9) casos de consumo de crack na vida (Noto et. al, 1998). No entanto, em 2003, os números revelaram 50 casos de crianças e adolescentes que haviam usado a substância - sugerindo uma concentração importante do consumo de drogas nessa etapa do desenvolvimento. No entanto, esses Levantamentos apresentam escassez de indicadores precisos referentes ao consumo desta droga - principalmente com relação ao seu consumo por parte de crianças e adolescentes em situação de rua.

A ausência de indicadores precisos sobre a correlação entre uso de crack e situação de rua vem abrindo espaço para o discurso higienista de que o crack é uma epidemia típica da miséria e instalada entre crianças e adolescentes em situação de rua e cujo abrigamento compulsório se apresenta como única direção de tratamento possível para o problema - conferindo, assim, ao problema do recurso, à essa substância, a dimensão de dano social ampliado (Nery-Filho et al, 2013). Recentemente, destacam-se algumas referências técnicas que se posicionam contrariamente ao estabelecimento de políticas públicas higienistas no Brasil: no campo da pesquisa de levantamentos, o trabalho de Neiva-Silva (2008); o de Morais, Koller & Raffaelli. (2012), sobre o modo de vida de crianças e adolescentes que vivem nas ruas; e a pesquisa da Fiocruz (2013) sobre o perfil dos usuários de crack e/ou similares no Brasil. No campo da avalição crítica da orientação política para o abrigamento compulsório disposto especificamente pela Resolução 20/2011 (RJ/SMAS, 2011), vale mencionar o estudo recente de Henschel-Lima et al (2013, out/nov) que sintetiza os dados da auditoria dos abrigos e CARES-AD do Rio de Janeiro, realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) nos anos de 2012 e 2013. O estudo evidencia que a política pública da cidade contraria a inovação em saúde mental conquistada pela Lei 10.216/01 (Brasil, 2001) por se sustentar em uma correlação não demonstrada entre situação de rua e uso de crack, mantendo o paradigma manicomial de isolamento social, medicalização excessiva e homogênea por Haldol e a imposição de religião no tratamento da questão delicada do recurso à droga na situação de rua (Henschel-Lima et al, 2013, out/nov). O estudo alerta, ainda para a ocorrência dessa correlação não demonstrada entre situação de rua e uso de crack no sentido de ressaltar como a política pública no Rio de Janeiro fixa a situação de rua como perigosa e converte o abrigamento compulsório em punição. E, neste sentido, recomenda a retomada do sentido de internação compulsória no texto da Lei 10.216/01 e uma revisão acurada da própria origem da expressão situação de rua.

Com relação a expressão situação de rua, este remonta a antiga expressão criança de rua. Esta foi empregada pela primeira vez em 1851 por Mayhew em London Labour and London Poor, mas somente alcançou seu uso mais amplo em 1979 - ano definido pela ONU como sendo o "Ano da Criança" (Neiva-Silva & Koller, 2002). Até esse marco, a situação de rua era considerada a partir da perspectiva de um problema social que alternava entre sua fixação no estatuto de vítima (abandonada, fugitiva, sem lar) e sua fixação no campo da periculosidade por meio do que pode ser denominado de de nomes-do-pior: criança de rua, pivete, trombadinha, delinquente, menor infrator (Henschel-Lima et al, 2013julho). Por esse motivo o estudo de Henschel-Lima et al (2013out/nov) sustenta a fundamentação epistemológica para a expressão situação de rua. Considerando, então, as referências de Neiva-Silva & Koller (2002), Neiva-Silva (2008) e Henschel-Lima et al (2013out/nov), utiliza-se, neste artigo, a expressão criança em situação de rua para salientar que não há uma relação germinal entre periculosidade, criança e rua (sugerida na expressão criança de rua). Entende-se, portanto, como criança e adolescente em situação de rua, aquele que, com ou sem laço familiar, vive parte de seu tempo na rua sem a supervisão de um adulto que se responsabilize por ele. A tabela 1, extraída dessa pesquisa (Neiva-Silva, 2008), indica a natureza do laço na situação de rua.

 

 

Esse dado epidemiológico evidencia que a migração da criança para a rua não é uma experiência homogênea. Tomando como referência que a natureza do laço com maior percentual de ocorrência é com amigos, colegas e irmãos de rua (88.4%), cabe interrogar sobre o estatuto subjetivo desses laços: eles podem funcionar como apoio afetivo e material em um contexto de adversidade. De fato, a pesquisa mais recente de Morais et al (2012) confirma esse ponto enfatizando inclusive o estatuto paradoxal da rua no funcionamento subjetivo: ao mesmo tempo experienciada como alternativa para se libertarem de castigos, ameaças físicas e agressões verbais vivenciados na casa de origem e como lócus de violência (ameaça com armas; agressão física; ameaças de abuso sexual; estupro) por parte de gangs, policiais e da população em geral. O que pode, inclusive elucidar o baixo percentual de migração para a rua com os pais (0,9% com o pai e 1,4% com a mãe). Esse estatuto paradoxal da rua no funcionamento subjetivo pode esclarecer a ocorrência de uma série de problemas específicos à situação de viver na rua: desnutrição, exploração do trabalho infantil, violência sexual, comportamento sexual de risco, uso de drogas, suicídio (Morais et al, 2012). O censo conduzido pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA, 2010) e a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNPDCA), por meio de parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IDEST), no ano de 2010, em 75 cidades do Brasil (abrangendo capitais e municípios com mais de 300 mil habitantes) identificou 23.973 crianças e adolescentes em situação de rua nestes municípios - sendo que 59.1% dormem na casa de sua família (pais, parentes ou amigos) e trabalham na rua; 23.2% dormem em locais de rua (calçadas, viadutos, praças, rodoviárias, etc.), 2,9% dormem temporariamente em instituições de acolhimento e 14. 8% circulam entre esses espaços. Há predominância de crianças e adolescentes do sexo masculino (71,8%) e a faixa etária mais frequente é entre 12 e 15 anos (45,13%).Os principais motivos declarados por crianças e adolescentes que dormem na rua para explicar a saída de casa são: violência no ambiente doméstico (cerca de 70%), brigas verbais com pais e irmãos (32.2%); violência física (30.6%), violência e abuso sexual (8.8%). O mesmo Censo ressalta o agravamento do uso de drogas e a diminuição da idade de início de uso, com predomínio do álcool e maior acesso ao crack e outras drogas sintetizadas quimicamente.

Outros achados importantes resultam do estudo consagrado, conduzido pela Escola Federal de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Andrade & Santiago, 2007) tendo como base o fluxo de atendimento de usuários de crack pela Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti (ARD-FC). Os achados são relativos ao total de 5.283 atendimentos à pessoas que recorrem ao crack nas comunidades assistidas pela ARD-FC, em 2007. O levantamento realizado evidencia que a faixa de 16 anos a 20 anos é a de maior frequência entre usuários (26.9%), em comparação a faixa de 21 a 25 anos (24.9%) e a faixa de 26 a 30 anos (21.4%), ressaltando assim que a maior concentração de usuários de crack está na faixa que inclui a adolescência. E confirma a afirmação do Censo do CONANDA (2010) quanto ao agravamento do uso de drogas e a diminuição da idade de seu início de uso.

Alguns aspectos do crack contribuem para o aumento de seu consumo entre crianças e adolescentes em situação de rua:

1. Preço da droga: O crack é uma droga cujo preço é significativamente menor do que a cachaça, o tabaco, a maconha e a cocaína.

2. Fatores neuroquímicos associados ao tempo de reação à ingestão da droga: os efeitos do crack ocorrem no intervalo de 10 a 15 segundos após ser fumado, enquanto que os efeitos da cocaína em pó ocorrem 10 a 15 minutos após sua inalação. Essa diferença no tempo de reação torna o crack atraente ao usuário (Nappo, Galduróz & Noto, 1996; Reinerman & Levine, 2000).

Conforme se depreende do conjunto de referências acima citados, as considerações relativas ao contexto social que envolve a migração da criança e do adolescente para a rua são de extrema importância na análise do desencadeamento do consumo de substâncias psicoativas. Todavia, a concentração do início do consumo em torno da passagem da infância para a adolescência chama particularmente a atenção em função do fato de ser, esta, uma etapa do desenvolvimento fundamental na vida do ser humano. O que exige a indagação referente ao impacto do contexto social no funcionamento subjetivo.

Na perspectiva da psicanálise, a passagem da infância para a adolescência é marcada pela saída do complexo de Édipo, durante a qual ocorrem simultaneamente a maturação dos caracteres sexuais secundários, referidos à imagem corporal, as transformações púberes, que conduzirão o sujeito à vida adulta, a consolidação de uma identidade de gênero, a identificação à um ideal profissional e a consolidação das relações sociais. São transformações difíceis, mas fundamentais no processo de constituição da experiência subjetiva. Para a psicanálise, a qualidade de vida desta etapa depende da presença de um Outro - na forma da família e da sociedade - que funcione como bússola para a orientação do sujeito, que ofereça uma rotina regular de vida neste momento em que a imagem corporal, por sofrer mudanças muito rápidas, parece recusar toda e qualquer regularidade.

Uma observação atenta da Tabela 2, obtida por Neiva-Silva (2008), mostra a incidência elevada do uso de crack, de 98.9%, na população infanto-juvenil que vive na rua há mais de cinco anos, que passam mais de oito horas na rua e que não vivem com a família.

 

 

A tabela 2 mostra a presença de uma correlação entre, não morar com a família, o tempo de rua e o consumo de crack. O percentual de 98.9% reforça o que fora afirmado mais acima a respeito da qualidade de vida, durante a saída do complexo de Édipo, depender da presença de um Outro que funcione como bússola de orientação para o sujeito. É ele que veicula uma rotina, acolhe as angústias típicas desse momento, auxilia na tradução dessas modificações corporais em palavras, permite a interrogação sobre seu lugar no mundo, possibilita a passagem da libido infantil, ligada às satisfações corporais mais imediatas, para sua localização na parceria amorosa, na via intelectual e profissional. Sendo assim, o problema que a psicanálise identifica na atualidade, e que a Tabela 2 localiza com precisão, é que os adultos podem não se sentir responsáveis pelo mundo que oferecem à criança. Ser responsável pelo mundo significa, antes de mais nada, auxiliar o sujeito, na infância, a falar a língua do senso comum, acolhendo, por exemplo, a invenção de uma nova palavra e localizando, no social, um lugar para ela. É o que se faz em uma família, quando uma criança pequena inventa uma palavra nova: os pais riem em sinal de acolhimento, mas não cedem da função de transmitir a língua de todo mundo, com suas regras e ideais.

A fragilização do laço familiar evidenciada pelos dados referentes à violência e abuso sofridos em casa como fatores para a migração para a rua- somada ao lugar paradoxal da rua na própria experiência subjetiva - é um fato preocupante para a psicanálise, que localiza no laço familiar o eixo em torno do qual se constitui a experiência subjetiva. Andar cambaleante pelas ruas, dopado com Thinner ou hiperativo pelo crack, submeter-se à própria insegurança da rua no contexto da violência que assola o laço familiar e da fragilização da responsabilidade do adulto na transmissão do Ideal, evidencia uma certeza que fixa a posição subjetiva de quem vive em situação de rua nos nomes-do-pior: ser débil ou ser perigoso, viciado, crackeiro, sacizeiro, zumbi (Lacadée, 2006b; Henschel-Lima et al, 2013out/nov).

A criança e o adolescente em situação de rua representam um desafio não só para as políticas de proteção à infância e à adolescência, mas também para uma atividade clínica que deixa, cada vez mais de se restringir ao espaço fechado dos consultórios particulares. Defende-se que a psicanálise pode, pela posição do psicanalista centrada na escuta interessada, oferecer uma versão do Outro em quem se possa confiar na medida em que confira dignidade à palavra. É somente a partir dessa dignidade da palavra - pensada e murmurada por trás da hiperatividade, da ofensa, da roupa maltrapilha, e do olhar entorpecido - que é possível delimitar para a criança e o adolescente, o tempo e o espaço onde vive, o lugar ocupado no desejo do Outro, a interrogação sobre a veracidade desse lugar, e a conquista de um talento que lhe permita o acesso ao respeito e à admiração. Nesse sentido, as considerações de Freud (1919/1976d) sobre a relevância da psicanálise diante do número crescente de sintomas neuróticos associados à I Guerra, é de extrema atualidade:

(...) é possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará, e lembrar-se-á de que o pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência à sua mente, quanto o tem, agora, à ajuda oferecida pela cirurgia, e de que as neuroses ameaçam a saúde pública não menos do que a tuberculose, de que, como esta, também não podem ser deixadas aos cuidados impotentes de membros individuais da comunidade. Quando isto acontecer, haverá instituições ou clínicas de pacientes externos, para os quais serão designados médicos analiticamente preparados, de modo que homens que de outra forma cederiam à bebida, mulheres que praticamente sucumbiriam ao seu fardo de privações, crianças para as quais não existe escolha a não ser o embrutecimento ou a neurose, possam tornar-se capazes, pela análise, de resistência e de trabalho eficiente. (Freud, 1919/1976d, p. 210).

 

Sociedade de Consumo

Não fosse pelo dinheiro, os carros, as estrelas de cinema, as jóias e tudo o que eu tenho, eu me pergunto você ainda iria me querer? (...) Quantas garotas são necessárias para atingir status de fodão? (...) eu as ponho nos carrões e vou comprar o bar inteiro. Eu vim da lama, o que quer que eu diga? Estou no topo do mundo, tenho a gata que quiser... é por isso que desapareço (Wonderful, Ja Rule, 2004)

Na linha argumentativa tecida até o momento, o artigo tem como hipótese que o recurso à droga na atualidade obedece ao entrecruzamento de duas estruturas discursivas que passam a fundamentar o laço social a partir do século XVII: o discurso capitalista e o discurso da ciência (Henschel-Lima & Alves-Junior, 1998; Gonçalves, 2013). A fórmula do discurso capitalista foi elaborada ao longo dos anos de 1972 e 1973. Ela formaliza o empuxo ao consumo pela escrita da inversão dos termos da fração esquerda do discurso do mestre, de modo que o sujeito ascende para o lugar de agente e mantém uma relação direta com o objeto a (situado na parte inferior da fração direita). Nos anos 30, Freud (1927/1930h; 1930/1976i) já demonstrava preocupação frente à expansão da modernidade, verificando o declínio da organização da sociedade em torno da identificação de seus integrantes a um ideal. Essa preocupação se localiza a partir da:

1. Elaboração conceitual da pulsão de morte.

2. Hipótese de que a subjetividade se constitui pelo recalcamento dessas pulsões e pela identificação à representações, ou significantes, oriundos da sociedade e que se revestem de valor de ideal.

Alguns anos antes, em Psicologia de Grupo e Análise do Ego (Freud, 1921/1976e) Freud fizera do pai o modelo de exercício de poder e o ideal em torno do qual gravita o processo identificatório, que resulta no recalcamento das pulsões e na constituição da subjetividade. Todavia, as preocupações de Freud (1930/1976i) relativas ao destino da modernidade deixam entrever a presença de uma relação conflituosa entre a experiência subjetiva e as insígnias paternas. De fato, o sujeito faz do modelo paterno, o objeto de uma relação sintomática, alternando entre admiração-ideal e rivalidade-culpa. Sendo assim, apesar de Freud (1921/1976f, 1930/1976i) conceber o pai como instância simbólica de transmissão da lei, como bússola de orientação para o sujeito, constata-se, pela evidência do sentimento de rivalidade-culpa, um ponto de discordância, um modo desregulado e imperativo de funcionamento da lei.

Esse ponto de discordância leva Freud (1923/1976g) a decompor o pai em duas instâncias - o ideal do ego e o supereu - e a concentrar no supereu a dimensão imperativa, pulsional, da lei. Dessa forma, a preocupação com o declínio das insígnias paternas é correlata a própria constatação de que o pai enquanto unidade em torno do qual gravitam as identificações recuou, em nome de sua divisão entre o ideal do ego e o supereu.

A divisão da função paterna permite à Freud (1927/1976h) localizar o ponto de anomia da lei, que faz do ingresso do sujeito na sociedade uma exigência desmedida de renúncia da satisfação pulsional:

Pensar-se-ia ser possível um reordenamento das relações humanas, que removeria as fontes de insatisfação para com a civilização pela renúncia à coerção e à repressão das pulsões, de sorte que, imperturbados pela discórdia interna, os homens pudessem dedicar-se à aquisição da riqueza e à sua fruição. Essa seria a idade de ouro, mas é discutível se tal estado de coisas pode ser tornado realidade. Parece, antes, que toda civilização tem de se erigir sobre a coerção e a renúncia à pulsão. (...) A questão decisiva consiste em saber se, e até que ponto, é possível diminuir o ônus dos sacrifícios pulsionais impostos aos homens, reconcilia-los com aqueles que necessariamente devem permanecer e fornecer-lhes uma compensação. (Freud, 1927/1976h, p.17-18)

Essa dimensão de anomia da lei se apresenta contemporaneamente na forma da sociedade de consumo, fazendo eco à preocupação de Freud com o declínio do ideal na modernidade. O trecho da música do rapper Ja Rule (2004), que serve de epígrafe a esta seção deste artigo, deixa entrever a anomia da sociedade contemporânea: o declínio da forma de transmissão pelo pai através do ideal, a ascensão dos objetos de consumo, a satisfação pulsional como norma reguladora da relação social, a submissão do sujeito ao imperativo neoliberal És livre, então escolha!

A consideração de Bauman (2005) sobre o funcionamento específico da sociedade de consumo mostra como esta se organiza em torno do declínio do ideal como orientador para a ação, da ascensão do objeto e de seu regime de satisfação:

A necessária redução do tempo é melhor alcançada se os consumidores não puderem prestar atenção ou concentrar o desejo por muito tempo em qualquer objeto; isto é, se forem impacientes, impetuosos, indóceis e, acima de tudo, facilmente instigáveis e também se facilmente perderem o interesse. A cultura da sociedade de consumo envolve sobretudo o esquecimento, não o aprendizado (...) a capacidade de consumo dos consumidores pode ser esticada muito além dos limites estabelecidos por quaisquer necessidades naturais ou adquiridas; também a durabilidade física dos objetos do desejo não é mais exigida. A relação tradicional entre necessidades e sua satisfação é revertida: a promessa e a esperança de satisfação precedem a necessidade que se promete satisfazer e serão sempre mais intensas e atraentes que as necessidades efetivas. (Bauman, 2005, p. 45)

Segundo Bauman (2005), a liberdade individual de escolher o que melhor satisfaz ao indivíduo é a premissa, a verdadeira utopia da democracia liberal. Verifica-se que essa premissa situa no mesmo plano a satisfação obtida tanto pela prática de esportes radicais, pelo consumo de álcool e cigarros, como pelo consumo de substâncias psicoativas. A anomia típica da sociedade de consumo se apresenta, assim, no ponto em que a utopia da liberdade individual tende a localizar a droga não somente como objeto disponível no mercado, mas como um objeto regulado pelas mesmas leis de mercado que regulam os demais objetos. A extensão do debate sobre a liberdade individual, à natureza da satisfação, é um tema bastante freqüente no periódico liberal The Economist desde 1988. Henschel-Lima & Aragon (2006) afirmam que, em 26 de julho de 2001, fora publicado o oitavo artigo que debate a regulação das drogas pelas leis do mercado. Segundo as autoras, nele, se defendia a localização das drogas na mesma cadeia de outros objetos de consumo liberados pelo governo - como é o caso da prática de esportes radicais, da posse de armas, da ingestão de bebidas alcoólicas e do fumo. O argumento do The Economist é que a droga é um objeto produzido com os mesmos procedimentos empregados na produção de outros objetos de consumo:

Governments allow their citizens the freedom to do many potentially self-destructive things: to go bungee-jumping, to ride motorcycles, to own guns, to drink alcohol and to smoke cigarettes. Some of these are far more dangerous than drug-taking. John Stuart Mill was right. Over himself, over his own body and mind, the individual is sovereign. Trade in drugs may be immoral or irresponsible, but it should no longer be illegal. (The Economist, como citado por Henschel-Lima & Aragon, 2006, p.123)

Do bungee-jumping ao consumo de substâncias tóxicas, tem-se o que Bauman (2005) isolara como sendo o desdobramento de uma série indiferenciada de objetos de consumo que obedeceriam ao regime da satisfação individual, auto erótica. No quadro, então, de uma época definida pela hegemonia da satisfação imediata associada à lógica o consumo, pelo declínio do ideal e pelo abalo das identificações, algumas respostas são produzidas. É o caso, por exemplo, de uma nota sobre a América Latina, divulgada em 13 de Julho de 2002 pelo The New York Times e que denuncia o descontentamento generalizado provocado pela conversão dos sonhos econômicos em recessão. Essa nota se adequa perfeitamente a declaração da CEPAL, para o ano de 2002, de que a situação existente nos países da América Latina sobre os quais se estende a globalização, evidencia o abismo que se abriu entre as expectativas referentes à aplicação do modelo neoliberal e as baixas perspectivas de crescimento (Henschel-Lima & Aragon, 2006). É dentro dessa lógica, que se entende a difusão do consumo de crack nos Estados Unidos. Ele tem seu início nos anos de 1980 em algumas cidades americanas (Los Angeles, Miami, Nova York) situando-se entre a expansão do consumo de cloridrato de cocaína inalada (forma da cocaína consumida nas classes altas) até a forma fumável da mesma droga como freebase (consumida por classes menos favorecidas). Malheiro (2013) sublinha a interferência da lógica de mercado na difusão do freebase ao ressaltar que as lojas destinadas à venda de insumos (amoníaco, bicabornato de sódio, hidróxido de sódio, éter, cachimbos de vidro) para a transformação do cloridrato de cocaína em freebase constituíram fator determinante para a difusão da prática de fumar cocaína freebase. O crack é uma variação do consumo de freebase: em sua produção, se prescinde da purificação da cocaína com éter e acetona. Sem essa etapa, tem-se uma droga mais barata do que o próprio freebase tendo, por isso, alto potencial de inserção nas camadas mais pobres da sociedade americana (os guetos nova-iorquinos, os lugares de moradia da população negra e da imigração latina). Reinerman & Levine (2000) isolam 3 razões para o sucesso da expansão comercial do crack nos Estados Unidos: 1) a rentabilidade da produção e comercialização da droga; 2) a produção de um efeito mais intenso do que a cocaína inalada; 3) o potencial de empregabilidade de jovens afro americanos que estavam fora do mercado de trabalho.

Essas razões isoladas por Reinerman & Levine (2000) indicam que a formação do laço social está orientada pela concentração de renda. O resultado não poderia deixar de ser outro: a produção da precariedade, a colocação do ser humano na condição de objeto a ser consumido ou, seguindo a noção de refugo elaborada por Bauman (2005), de mancha a ser eliminada. O autor emprega a categoria de refugo humano para analisar os diversos tipos de refugiados na sociedade contemporânea: os que saem de seus países em busca de abrigo e as camadas populacionais excluídas, a despeito da ausência de muros. Bauman (2005) cita a população em situação de rua como sendo excluída, em um contexto de inexistência de muros de concreto entre ela e a parte pretensamente não excluída. Seu argumento é o da impossibilidade de incorporação dos refugiados à uma sociedade que funciona segundo a lógica do consumo. O que se coaduna com a situação da população que vive em situação de rua, impossibilitados, de forma direta e indireta, de serem assimilados ao corpo social:

Todo refugo, incluindo as pessoas refugadas, tende a ser empilhado de maneira indiscriminada nos mesmos depósitos. O ato de destinar ao lixo põe fim a diferenças, individualidades, idiossincrasias. O refugo não precisa de distinções requintadas e matizes sutis, a menos que seja marcado para a reciclagem. (Bauman, 2005, p. 98).

 

Consumo Abusivo de Crack em Crianças e Adolescentes em Situação de Rua: Determinantes Psíquicos

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8.069/90, Brasil, 1990) dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente: o direito à saúde, a educação, ao esporte, cultura, lazer, à liberdade, ao respeito, à dignidade, ao laço familiar e comunitário conforme retratado no artigo 4 de seu texto:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, À saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, À profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (...) A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

É nessa perspectiva, que o artigo vem analisando o desencadeamento do recurso à droga na passagem da infância para a adolescência, situando estruturalmente o recuo do simbólico na gênese desse recurso por meio da fragilização da responsabilização da família e do Poder Público em relação ao destino de crianças e adolescentes como sujeitos. Essa fragilização na responsabilização se reflete ainda hoje. O relatório De Olho nas Metas (Brasil, 2013) lançado em março de 2013, evidencia que apesar de no Brasil, 92% das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos, no Brasil, frequentarem a escola escolas, outros 3.6 milhões ainda estão fora do sistema educacional. Esse número concentra-se quase majoritariamente na região Sudeste, onde há 1.2 milhão de pessoas nessa faixa etária fora do sistema educacional. O Estado de São Paulo, mais rico da federação apresenta o maior número absoluto de crianças e adolescentes não atendidos (575 mil). Considerando a articulação entre o texto do ECA que dispõe sobre a responsabilização pela criança e o adolescente, e o recuo do simbólico já evidenciado pela ascensão da lógica de mercado, é possível sustentar que o desencadeamento do recurso à droga na passagem da infância para a adolescência é tributário do declínio do laço familiar e do recuo do Poder Público em sua responsabilidade diante desse tempo de transição delicada. Os operadores conceituais da Psicanálise ajudarão a sustentar essa hipótese.

 

Ruptura com a Troca Simbólica

Apresentar-se a seguir alguns pontos necessários para se pensar o consumo abusivo de drogas - especialmente, o crack - e sua localização na passagem da infância para a adolescência a partir da Psicanálise. A argumentação desenvolvida ao longo desta seção deste artigo é o resultado de uma investigação em curso no Laboratório de Investigação das Psicopatologias Contemporâneas (LAPSICON) no Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense, na cidade de Volta Redonda (ICHS.PUVR).

O consumo abusivo de drogas não tem a mesma característica de um sintoma no sentido clínico conferido por Freud para o diagnóstico e direção de tratamento das neuroses histéricas e obsessivas, ou seja, como uma mensagem cifrada cujo sentido é ignorado pelo sujeito. Deduz-se que os sintomas neuróticos têm uma conexão com a experiência subjetiva, ainda que o neurótico ignore sua significação. No caso, por exemplo, da neurose histérica, a conversão é uma metáfora substitutiva da sexualidade, disposta como uma mensagem a ser interpretada no decorrer do tratamento psicanalítico. O psiquiatra e psicanalista italiano Viganó (1998), ao diferenciar dependência patológica e sintoma, retoma o caso da paciente Dora, para exemplificar a direção de tratamento psicanalítica para o sintoma conversivo da tosse nervosa desta paciente. Freud o interpretara, no final do século XIX, a partir das fantasias inconscientes de Dora. Esta afirmava que a Sra. K. amava seu pai porque ele era um homem de posses (ein vermögender Mann). Sustentado na hipótese do recalcamento das pulsões como determinante causal para a formação do sintoma neurótico, Freud apreende o sentido sexual oculto na frase meu pai era um homem sem recursos (ein unvermögender Mann). Esse sentido ignorado por Dora por ser simplesmente insuportável estabelecer uma crítica ao pai localizá-la em palavras e direciona-la explicitamente à ele, sustentara a fantasia de Dora do coito oral entre seu pai e a amante, a Sra. K. A partir desta interpretação, e do processo de subjetivação da crítica que manterá silenciada ao pai, ocorreu a estabilização do sintoma de Dora.

O mesmo não se verifica para as situações em que predomina o recurso à droga: não se apresenta como mensagem cifrada ou uma satisfação substitutiva para as pulsões recalcadas. No recurso à droga, verifica-se a circulação livre das pulsões impondo uma satisfação imediata no corpo, sem a interferência do recalcamento das pulsões pelo Ideal. De fato, a ocorrência de overdoses e recaídas evidenciam a resistência em ingressar no jogo das relações simbolizadas, no laço social. E no que se refere, especificamente, ao usuário de crack, este demonstra a ocorrência desses traços característicos do consumo abusivo em geral. De fato, as conseqüências do consumo desta droga possuem estreita associação com a ruptura do laço social: isolamento, degradação nos cuidados básicos com o corpo, comportamento sexual de risco, incremento da atividade ilícita (roubo, tráfico), anorexia, paranoia, parkisonismo. Partindo do argumento de Freud, ao longo da Obra, de que o excedente de pulsão impede a tradução em imagens verbais, ou seja, impede uma tradução por meio do recurso ao significante, é possível pensar que na adolescência, um ser humano pode vir á se deparar com algo novo: o retorno da pulsão, de uma tensão no contexto de uma vida em que não se dispõe de significantes que venham a traduzir esse retorno. Lacadée (2007) localiza nesse ponto a eclosão de uma provocação linguageira, ou uma certa violência que se traduz através de um ato. Partindo dessa colocação de Lacadée referindo-se ao exemplo da adolescência do poeta Rimbaud, coloca-se a interrogação: por que esse transtorno surge na passagem da infância para a adolescência? Por que existe, então, uma alta concentração de consumo de crack em crianças e adolescentes em situação de rua?

 

Adolescência e Consumo de Drogas

A entrada na adolescência demonstra a ocorrência de tempos lógicos distintos no desenvolvimento do ser humano. Na perspectiva teórica da psicanálise, a infância é um tempo lógico no qual vigora o recurso da criança aos significantes do Outro para, através da identificação, constituir-se como sujeito. Segundo Freud (1921/1976f, p.133): "A identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa". Sendo assim, na infância, a criança extrai do tesouro simbólico que a cerca os elementos irão lhe servir para construir uma identidade subjetiva própria. Na adolescência, o sujeito pode vir à retificar o resultado da formação desse laço identificatório que o marcou na infância: é o tempo da separação com o abalo das identificações. De fato, no domínio das identificações imaginárias, as rápidas modificações corporais testemunhados nessa época abalam a ilusão de consistência do corpo; do lado das identificações simbólicas, é o tempo da separação das figuras simbólicas dos pais evidenciando ser a adolescência, o tempo lógico em que leva o sujeito à instrumentalizar a identificação ao pai para se posicionar como sujeito. Na adolescência, Em Os Três Ensaios sobre a Sexualidade (Freud, 1905/1976a), Freud localiza nesse momento a condenação do objeto parental como objeto de investimento pulsional e a divisão subjetiva entre os objetos sexuais e os pais. Nesse estilo do tempo presente, a constituição de outros laços externos à relação com os pais, se torna fundamental para o exercício da significação fálica:

(...) oferecer um substituto da família e despertar o interesse pela vida fora dela, no mundo (...) o direito de se atrasar em certas fases, mesmo desagradáveis, do desenvolvimento. Ela não deve reivindicar para si a inexorabilidade a vida; não deve querer ser mais do que parte da vida. (Freud, 1905/1976a, p. 132)

Dando continuidade a sua argumentação, o autor, em Romances Familiares. Gradiva de Jensen e Outros Trabalhos (Freud, 1908/1976b, p.46), localiza a importância da ação do Nome-do-Pai na estruturação da subjetividade e sua operatividade na passagem da infância para a adolescência, ao afirmar que as fantasias em torno do romance familiar visam resgatar o pai em quem se confiava nos primeiros anos da infância e operam como suporte para lidar com o desconhecido da adolescência proporcionando os recursos para o sujeito, nesse momento, efetuar o processo de separação. Viganó (2008, p.7) retoma esse eixo central da argumentação freudiana sobre o tempo da adolescência para a abordagem dos determinantes psíquicos do recurso à substância localizando, nesses casos, a ocorrência de uma interrupção na efetuação da estrutura psíquica. Isso quer dizer que, no momento em que o sujeito pode fazer o exercício da significação fálica instrumentalizando seu corpo na sexuação, decidindo por uma parceria amorosa, eclode uma dificuldade de organizar o grande tumulto das pulsões parciais e uma inibição em fixar-se no campo laço social. Então, a substância psicoativa torna-se seu universo de referência, no ponto em que a significação fálica se mostra em declínio:

Muitos jovens advertem que não têm os instrumentos subjetivos, isto é, uma vida inconsciente para afrontar a prova. Tendem, então, a prolongar a latência ou se bloqueiam depois da primeira tímida tentativa de sedução. Esse bloqueio está na base das freqüentes depressões na adolescência. São difíceis de tratar porque o sujeito se encontra impossibilitado de falar dele, não pode elaborar a perda de um objeto que nem mesmo pode fantasiar. Por essa razão, ele viverá unicamente um sentimento de inferioridade ou de diversidade no confronto com os seus contemporâneos. A depressão que acompanha a puberdade pode ser a ocasião para inserir-se na via do uso dependente de um objeto ou de um comportamento. A fim de compreender o mecanismo desse uso, devemos ter em conta que o remanejamento pulsional em seguida à puberdade é acompanhado da necessidade social de encontrar uma identidade sexuada. É a partir dessa exigência que se explica o recurso a uma prótese, ao objeto da dependência. (Viganó, 2008, p.7)

Viganó (2008) define, então, o início do consumo abusivo de drogas no momento em que faltam recursos ao sujeito, no início da adolescência, para lidar com o remanejamento pulsional - da satisfação autoerótica da infância para a parceria amorosa e o estabelecimento do laço social mais amplo - típico deste momento. Esses recursos, na perspectiva da psicanálise, são subjetivos e estão em estreita relação com a presença da função paterna - concordando, assim, com o desenvolvimento conceitual de Freud (1921/1976f, 1930/1976i) sobre a relevância do pai na constituição da subjetividade.

A tese de Lacan (1998b), em De uma Questão Preliminar a todo Tratamento Possível da Psicose é precisa: a construção da realidade psíquica exige que o sujeito tenha à sua disposição a função paterna, ou o que o autor denominara de Nome-do-pai. A função do Nome-do-Pai na estruturação da realidade psíquica é estabilizar os efeitos do desejo da mãe a fim de possibilitar o surgimento de uma nova significação para o sujeito: a significação fálica. Com efeito, o Nome-do-Pai estabiliza a relação dual, sem mediação, entre a criança e mãe, que se verifica no estágio do espelho, e que pode ser exemplificada através do caráter enigmático, para a criança, de suas partidas ou de seu retorno. Se a mãe sai, se o Outro não está presente, deixando a criança diante de um vazio identificatório, então o Nome-do-Pai advém para garantir a ancoragem em uma identificação e, consequentemente, o limite sobre o desejo da mãe. A intervenção do Nome-do-Pai sobre o desejo da mãe será formalizado através do mecanismo de separação (Lacan, 1985). A separação é o momento do processo de constituição da subjetividade em que o sujeito colocará uma pergunta sobre o lugar que ocupa no desejo do Outro. É o que se verifica, normalmente, quando uma criança diz a um adulto ou indaga a respeito de seus pais: o que significo para eles? O que querem de mim? É, portanto, pela separação que o sujeito pode perguntar sobre sua existência. Lacadée (2006a) caracterizará esse momento da constituição da subjetividade nos seguintes termos:

ao menos um outro que intervém na relação com sua mãe, há um que se encarrega disso e que demonstra à criança que ela sabe se virar com isso, pois é o portador do significante do desejo sexual do Outro. Não é mais a criança quem oferece seu corpo ou seu ser para ser inteiramente o equivalente fálico do que falta à sua mãe. (Lacadée, 2006a, p. 18).

A função de separação só é possível pela introdução das insígnias paternas, da função do pai. A criança que, no complexo de Édipo, ocupara o lugar de objeto do desejo materno (falo para a mãe), se separa desta posição obtendo como recompensa o falo simbólico que é a possibilidade de ingressar na sexualidade adulta. A tabela 2, exposta no início do artigo evidencia que a probabilidade de uso de crack é de 98.9% nos casos em que a criança não vive com a família, encontra-se há mais de cinco anos na rua. Esse dado conduz à pergunta sobre a operatividade do Nome-do-Pai na constituição da subjetividade, no contexto de uma vida que apresenta essa especificidade de se encontrar, por exemplo, há mais de cinco anos vivendo na rua e mantendo-se nela oito horas por dia. Entende-se, aqui, que essa população vive entregue à um funcionamento psíquico, no qual se está vulnerável tanto a própria organização auto-erótica da libido, como às idas e vindas do Outro social, na forma de grupos de extermínio, da exploração sexual dos menores, do tráfico de drogas, do roubo e da opressão por vezes excessiva da polícia.

Em um debate sobre os determinantes psíquicos da dependência química, Miller & Laurent (1997), retomam o Esquema L, elaborado por Lacan no escrito A Carta Roubada (Lacan, 1998a) para mostrar como a ruptura da parceria simbólica com o ideal, com a função paterna (eixo A), é correlata a pregnância do eixo imaginário da relação transitivista entre o sujeito e o objeto (eixo a-a'). A Figura 1 representa o consumo abusivo de drogas no Esquema L:

 

 

A figura 1 ilustra o desencadeamento do consumo de drogas a partir do momento em que ocorre o declínio da intervenção da função paterna na constituição da subjetividade. A ruptura com o Outro, a pregnância do eixo imaginário, a invasão da satisfação pulsional, livre da regulação pelo ideal explica o favorecimento das passagens ao ato, específicas do consumo abusivo de drogas: a overdose, os atos de violência associados aos efeitos paranóicos de drogas como o crack, as recaídas.

De fato, essa organização psíquica não possui, através do Nome-do-Pai, um recurso para lidar seja com as próprias modificações e sentimentos decorrentes da transformação puberal que a conduzirão à vida adulta, seja com as demandas excessivas do Outro social. É nesse momento que se dá o recurso à droga, e em especial ao crack, que funciona produzindo a hiperatividade típica do consumidor desta droga - em contraposição aos sentimentos típicos de depressão da adolescência - e o semblante de indivíduo perigoso (o "crackeiro"), na contramão da lei, em ruptura com o Outro, em oposição a uma experiência subjetiva de completo desamparo e abandono.

 

O Consumo de Crack e o Destino para o Pior na Sociedade de Consumo

Apesar do consumo de crack ocorrer em todas as camadas sociais, estudos recentes conduzidos por Nuñez (2013) e Malheiro (2013) demonstram que a maior parte dos sujeitos que recorrem e apresentam maior comprometimento com essa droga estão localizados nas camadas menos favorecidas da população brasileira, com menor nível de instrução e menor oportunidade de inserção social. Esse quadro, marcado pela fragilização do laço social e familiar e pela exclusão e distanciamento de bens e serviços ofertados pelo estado, acaba por empurrar o sujeito para o campo da desinserção. Apesar da pesquisa da Fiocruz evidenciar que o recurso ao crack não se apresenta em caráter epidêmico, a situação não deixa de ter sua gravidade reconhecida. Pesquisadores ligados à UFBA, desde o final dos anos de 1990, chamam atenção para o agravamento da vulnerabilidade do setor mais marginalizado da população brasileira que se revela pelo acentuado aumento do consumo de crack. É o caso, por exemplo, da pesquisa de Nuñez (1997) sobre os aspectos psicossociais do uso de crack em Salvador, na Bahia, que obteve dados alarmantes sobre o estilo de vida dos sujeitos que recorrem à essa substância: 78% dos entrevistados na pesquisa declaram não ter usado sempre preservativo nas suas relações sexuais; 50% das mulheres entrevistadas referiram ser trabalhadoras do sexo; 50% das mulheres entrevistadas declarou nunca ter usado preservativos nos últimos 06 meses anteriores a aplicação do questionário da pesquisa e 92% dos entrevistados relataram apresentar problemas de saúde.

Dois exemplos, descritos abaixo, foram extraídos da rotina de atendimento clínico em uma instituição pública de saúde no Rio de Janeiro:

1. João: tem 16 anos e é usuário de crack. Seu aspecto físico é assustador: magreza acentuada, dentes mal cuidados, olheiras e olhar distante. Ao iniciar o relato de sua vida pessoal, outro aspecto do consumo abusivo de crack emerge: ele apresenta delírios persecutórios de que a "boca" vai pegá-lo, fala sozinho, olha para trás (sua avó o interrompe diversas vezes indagando "João! Você tá falando com quem?"). Vive, atualmente, na casa de um estrangeiro, junto com outros adolescentes. Nessa casa, ele tem os objetos de consumo típicos de sua idade: videogame, computador, televisão LCD, DVD. João morava com a avó quando conheceu este homem e repentinamente, e sem objeção por parte de sua família, passa a residir em sua casa. Órfão, por parte de mãe, fora criado por sua avó paterna que disse nunca ter observado nenhum comportamento estranho do mesmo - apenas "tirava as coisa de casa, sabe? De vez em quando...".

2. Francisco: 9 anos. Faz uso de crack, Thinner, maconha e cigarro, desde os 8 anos. Sua aparência física é franzina e sua situação social é de extrema precariedade. Reside em um abrigo para crianças e jovens (em geral, moradores de rua), que consomem abusivamente substâncias psicoativas. Ele circula entre o abrigo, sua casa e a rua: foge do abrigo recorrentemente para a rua e, da mesma forma que foge, volta para lá. Sua mãe, de inicio, não foi encontrada na comunidade onde vivia. Por isso fora encaminhado à instituição pública, pelo abrigo, em função do uso abusivo de crack. Ao falar deste abrigo, ele afirma ser sua única referência. Francisco conheceu pouco o pai, queria encontrá-lo, inclusive já foi atrás do mesmo. Seus pais se separaram, pois sua mãe apanhava muito dele. Sobre a dependência química de Francisco e suas fugas do abrigo, ela indaga: "O que devo fazer? Vou amarrá-lo?". Sua rotina de idas e vindas abrigo-rua-casa, começa quando ainda morava com a mãe. Saía muito de casa, passava o dia nas ruas, e começara a faltar ao colégio. Vai, então, para o abrigo, por encaminhamento da escola que acionou o Conselho Tutelar. Esse movimento de alternância entre os lugares em que habita, parece se repetir em sua própria organização subjetiva. De um lado, mente a idade para mais e sempre ronda as mulheres mais velhas, numa espécie de flerte de igual para igual; bate nos colegas do abrigo sem noção da vulnerabilidade de sua idade. De outro, ao falar de sua mãe, Francisco chora, urina e deita sobre esta em posição fetal, demonstrando não só a vulnerabilidade típica de uma criança de 9 anos, mas o total abandono em que se encontra.

As famílias cuja função é a de transmitir valores, estabelecer uma rotina necessária que possibilite a elaboração de uma história de vida para a criança e o adolescente, consequentemente, a constituição de uma posição subjetiva perante a sociedade, foram ao longo dos anos progressivamente maltratadas por situações de precariedade cada vez mais violentas e difíceis de velar, como também reduzidas a condições de vida no limite do suportável. Nesse contexto, a sociedade - que deveria abrigar a criança para que ela tivesse tempo para constituir as bases para lidar com o mundo adulto - se desloca dessa função e parece passar à exigir que a criança se transforme em um adulto sem pai, antes do tempo. O que se tem observado é uma vulnerabilidade maior das crianças e adolescentes em situação de rua ao consumo de drogas. A tabela 3 apresenta o motivo para experimentar pela primeira vez uma droga ilícita.

 

 

A tabela 3 mostra a situação de desamparo da infância: cresce o número de crianças e jovens que vivem nas ruas, que consomem drogas por curiosidade ou em função de um chefe de rua, que estão submetidos a perigos como o assassinato por parte de grupos de extermínio e a condições precárias de alimentação, saúde e educação (Kliksberg, 2002). Alguns relatos oriundos de menores que vivem nas ruas (Rosa, 1999), sugerem uma organização em grupos que giram em torno do chefe de rua. Esse modo de organização em torno do chefe poderia sugerir a presença de um ideal, de um Nome-do-Pai. No entanto, Rosa (1999) relata, ainda, que quando indagadas sobre sonhos, medos e vergonhas, as crianças em situação de rua, que compuseram a amostra de sua pesquisa, demonstravam ausência da distinção entre brincar, roubar, traficar e drogar-se, perda da noção de tempo e espaço, desorientação nas referências básicas para a elaboração de uma história, que contemple passado, presente e futuro:

As respostas são literais, há perda da noção de tempo e espaço: não sabem o dia em que estão, há quanto tempo estão na rua ('uns 19 anos'), a data do aniversário, sua idade: '14 - minha mãe me falou'. (...) A perda de referências denota desorientação quanto ao lugar a que pertencem. (Rosa, 1999, p. 208)

Recentemente, o estudo de Malheiro (2013) traz uma elucidação importante sobre as condições subjetivas de fixação em um nome-do-pior (sacizeiro) que ascende no ponto de fragilização do Nome-do-Pai. A autora analisa três categorias nativas na cidade de Salvador, para uso de crack e elabora um quadro associativo entre estrutura de vida, disponibilidade da droga, etapas de consumo e padrões de consumo. O quadro está exposto na tabela 4.

 

 

A Tabela 4 mostra a estruturação da vida e o padrão de uso de crack de um sujeito fixado no nome sacizeiro: observa-se que a estruturação de vida precária é indissociável do padrão compulsivo de consumo. A perda de referências, o empuxo à compulsão, a desorientação espaço-temporal, a indistinção entre brincar e usar drogas, são alguns dos índices de operatividade mínima do Nome-do-Pai, que leva crianças e adolescentes em situação de rua à recorrem à seu próprio discurso para sobreviverem no espaço da rua. É, portanto, população infanto-juvenil de rua por que:

1. Estão destituídos da proteção dos significantes que compõem o discurso familiar;

2. Encarnam o refugo da sociedade de consumo;

3. Servem-se de seu corpo, da degradação de seu cuidado, da marca de seu abandono, para encarnar o lugar radical de exceção, de refugo, na sociedade - por meio de um processo denominado por Recalcati (2002) de evidência obscena.

4. Estão fixados em uma certeza que orienta sua existência na situação de rua: ser débil ou ser perigoso, viciado, crackeiro, sacizeiro.

Tais certezas compõem o que Lacadée (2006b) denominara de nomes-do-pior, para contrapor à orientação pelo ideal oferecida pelo Nome-do-Pai. Retomando a hipótese deste artigo, referente aos determinantes psíquicos do consumo de crack na população infanto-juvenil em situação de rua, defende-se que o consumo é desencadeado pelo processo de desvalorização social, de perda fálica associada ao lugar de refugo, que se instala na família - desde as condições de migração de um estado do Brasil para outro, até as condições de emprego e de inserção social de seus membros - e que se transmite através da desorganização dos lugares na família, da eclosão da violência entre os pares e da localização da criança como resto no laço familiar.

 

Conclusão: A Criança na Civilização do Objeto a

O presente artigo dedicou-se a abordar, pela psicanálise, a relação entre a vida nas ruas - durante a etapa que vai da infância à adolescência - e o uso de drogas (em especial, o crack). A partir da hipótese freudiana de que a constituição subjetiva depende do recalcamento das pulsões e da identificação ao ideal, promovida pela função paterna, pretendeu-se mostrar que a abordagem das particularidades da constituição subjetiva na população infanto-juvenil de rua exige que se analise o nível de operatividade da função paterna.

O conjunto de pesquisas citadas ao longo desta artigo mostra que a relação entre a situação de rua e o consumo de drogas, em especial o crack, não evidencia uma correlação perfeita e nem configura uma epidemia. Dessa forma, sua atual visibilidade depende de fatores que precisam ser bem distinguidos da ideologia de que, por exemplo, o tema complexo do recurso ao crack na situação de rua é um problema epidemiológico. E esse foi o eixo principal do artigo.

No que se refere aos fatores sociais, se trabalhou com a caracterização da sociedade de consumo em termos de declínio do ideal como orientador para a ação, ascensão do objeto de consumo e de seu regime de satisfação. Neste quadro, definido pela hegemonia da satisfação imediata associada à lógica o consumo, pelo declínio do ideal e pelo abalo das identificações, algumas respostas foram situadas neste trabalho. Conforme fora abordado, a declaração da CEPAL, para o ano de 2002, de que a situação existente nos países da América Latina sobre os quais se estende a globalização, evidenciou o abismo que se abriu entre as expectativas referentes à aplicação do modelo neoliberal e as baixas perspectivas de crescimento (Henschel-Lima & Aragon, 2006).

O destaque concedido à esses elementos, que compõem a anomia social contemporânea, permitiu apontar para a situação atual do discurso político. Este cedeu de sua dignidade de defender e promover o bem-estar em nome de uma distribuição pautada na concentração da riqueza. O resultado não poderia deixar de ser outro: a produção da precariedade, a colocação do ser humano na condição de objeto a ser consumido ou, seguindo a noção de refugo elaborada por Bauman (2005), de mancha a ser eliminada.

No contexto do refugo, se mostrou como as famílias - cuja função seria de transmitir valores, estabelecer uma rotina necessária para viabilizar a elaboração de uma história de vida para a criança e o adolescente e, consequentemente, a constituição de uma posição subjetiva perante a sociedade - foram ao longo dos anos progressivamente maltratadas por situações de precariedade cada vez mais violentas e difíceis de velar, como também reduzidas a condições de vida no limite do suportável. Nesse contexto, a sociedade - que deveria abrigar a criança para que ela tivesse tempo para constituir as bases para lidar com o mundo adulto - se desloca dessa função e parece passar à exigir que a criança se transforme em adulto, antes do tempo. O que se tem observado é uma vulnerabilidade maior das crianças e adolescentes em situação de rua ao consumo de drogas

Alguns relatos oriundos de menores que vivem nas ruas (Rosa, 1999), sugerem sua organização em grupos que giram em torno do chefe de rua (obedecer ou sair fora e, se sair, ele não vai ajudar). Esse modo de organização em torno do chefe poderia sugerir a presença de um ideal. No entanto, Rosa (1999) relata ainda que, quando indagadas sobre sonhos, medos e vergonhas, as crianças de rua, que compuseram a amostra de sua pesquisa, demonstravam ausência da distinção entre brincar, roubar, traficar e drogar-se, perda da noção de tempo e espaço, desorientação nas referências básicas para a elaboração de uma história, que contemple passado, presente e futuro.

O problema que a psicanálise identificou na atualidade, é que os adultos podem não se sentir responsáveis pelo mundo que oferecem à criança. Dessa forma, no que se refere aos determinantes psíquicos, o marco teórico da psicanálise mostrou a relevância da ausência de um contexto familiar na rotina da criança na abordagem da população infanto-juvenil de rua que consome crack: nela se localiza o eixo em torno do qual aparecem os problemas de dependência patológica. Dessa forma, a perda de referências, a desorientação espaço-temporal, são alguns dos índices de operatividade mínima do Nome-do-Pai, e que levam crianças e adolescentes em situação de rua à recorrerem à seu próprio discurso para sobreviverem no espaço da rua. Deixar seus corpos vulneráveis aos prejuízos clínicos da inundação cocaínica do crack (anorexia, parkinsonismo precoce, comprometimentos dentários, comportamento sexual de risco, incremento da atividade ilícita, sentimento paranóico e atos de violência associados a esse sentimento, síndrome de abstinência) evidencia uma posição subjetiva fixada nos nomes-do-pior: ser débil ou ser perigoso, viciado, sacizeiro.

Referindo-se a subjetividade contemporânea, Miller (2005) assinala sua dependência ao objeto a, a bússola da civilização atual. A criança em situação de rua não escapa a esse modo de organização, apresentando-se em uma vertente distinta do Ideal: ela encarna a versão dejeto do objeto a, ocupando o lugar de refugo no discurso capitalista contemporâneo e submetida, em sua estrutura subjetiva, à exigência superegóica. A direção argumentativa deste artigo permitiu evidenciar que o declínio do Nome-do-Pai na efetuação da estrutura subjetiva e a preponderância da ação do supereu, que toma a forma de uma autoridade externa anônima, conduziu o sujeito à dois movimentos:

1.Migrar para a rua como recurso à liberdade.

2.Recorrer a substância psicoativa para apaziguar os efeitos do supereu.

O presente artigo não desprezou os fatores sociais que concorrem para a instalação da situação de rua e o consumo abusivo de drogas. Ao contrário, sublinhou que a criança e o adolescente em situação de rua representam um desafio não só para as políticas de proteção à infância e à adolescência, mas também para uma atividade clínica que deixa, cada vez mais de se restringir ao espaço fechado dos consultórios particulares. A psicanálise pode, pela posição do psicanalista centrada na escuta interessada, oferecer uma versão do Outro em quem se possa confiar na medida em que confira dignidade à palavra.

 

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Recebido em 06 de dezembro de 2010
Aceito em 21 de outubro de 2011
Revisado em 11 de janeiro de 2012

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