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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev.Mal-Estar Subj vol.13 no.1-2 Fortaleza jun. 2013

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Perspectivas para o bem-estar na docência: trajetória de vida e produção de sentido

 

Perspectives for the well-being in teaching: life trajectory and production of sense

 

Perspectivas para el bien estar en la docencia: trayectoria de vida y producción de sentido

 

Perspectives pour le bien-être dans l'enseignement : trajectoire de vie et de production de sens

 

 

Paulo FossattiI; Henrique GuthsII; Dirléia Fanfa SarmentoIII

IMestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Doutor em Educação ela PUCRS e Pós-Doutorando em Ciências da Educação pela Universidade do Algarve (Portugal). Reitor e professor do Curso de Mestrado em Educação do Centro Universitário La Salle de Canoas/RS. E-mail: paulo.fossatti@lasalle.edu.br
IIMestre em Ciências Cardiovasculares pela UFRGS. Professor, Pesquisador e Coordenador do Curso de Graduação em Fisioterapia do Centro Universitário La Salle de Canoas/RS. E-mail: hguths@unilasalle.edu.br
IIIDoutora em Educação pela UFRGS e Pós-Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade do Algarve (Portugal). Diretora de Extensão, Pós-graduação e Pesquisa. Professora do Curso Mestrado em Educação do Centro Universitário La Salle de Canoas/RS. E-mail: fanfa@unilasalle.edu.br

 

 


RESUMO

O artigo é decorrente de uma pesquisa-ação que focaliza a produção de sentido na docência. Tem por objetivo analisar os modos de construção e o desenvolvimento de valores criativos, vivenciais e atitudinais em professores que lecionam no Ensino Médio, no Curso Normal. O referencial teórico que fundamenta o estudo é a abordagem antropológica de Viktor Frankl no que se refere à produção de sentido, estabelecendo-se uma interlocução com autores que discutem a temática investigada. A coleta de dados foi realizada através da aplicação de um questionário contendo questões abertas, de cinco encontros com os professores e do registro das observações no diário de campo. Participaram do estudo nove professores situados na faixa etária entre 20 e 40 anos de idade, sendo quatro do gênero feminino e cinco do masculino. A análise dos dados coletados se dá a partir da Técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin. A incursão nos dados sinaliza para o cultivo de: valores vivenciais pautados especialmente por características de humanização docente; valores atitudinais reconhecidos na valorização e vivência de espaços e decisões de um coletivo; e valores criativos expressos na criatividade metodológica em meio a uma realidade onde impera a pobreza e a falta de recursos educacionais.

Palavras-chave: bem-estar docente; mal-estar docente; produção de sentido; professores da escola normal; opção pela docência.


ABSTRACT

The article is a result from a search-action that focuses the production of sense in teaching. It has as aim to analyze the modes of building and the development of creative values, life and attitude experienced in teachers who teach in High School, in the Teachers' College Course. The theoretical reference that founds the study is the anthropological approach by Victor Frankl in what is referred to the production of sense establishing an interlocution with authors who discuss the investigated topic. The collection of data was accomplished through the application of a questionnaire containing open questions of five meetings with the teachers and recording the observations in the field journal. Nine teachers aged between 20 and 40 participated in the study, four of them were females and five males. The analysis of the collected data is done as from the Technique of Content Analysis proposed by Bardin. The incursion into the data signalizes to the cultivating of life experienced values methodized especially by characteristics of teaching humanization; attitude experienced values recognized in the valorization and life experienced spaces and decisions of a team; and creative values expressed in the methodological creativity amid of a reality where poverty and the lack of educational recourses reigns.

Keywords: well-being teacher; bad-being teacher; production of sense; teacher' college; option for teaching.


RESUMEN

El artículo proviene de una pesquisa- acción que tiene como foco la producción de sentido en la docencia. Tiene por objetivo analizar los modos de construcción y el desarrollo de valores creativos, vivenciales y actitudinales en profesores que enseñan en Secundaria y en el Curso Normal. El referencial teórico que fundamenta el estudio es el abordaje antropológico de Viktor Frankl en lo que se refiere a la producción de sentido, estableciéndose una interlocución con autores que discuten la temática investigada. La colección de datos fue realizada a través de la aplicación de un cuestionario que contiene cuestiones abiertas, de cinco encuentros con los profesores y del registro de las observaciones en el diario de campo. Participaron del estudio nueve profesores con edades entre 20 y 40 años, siendo cuatro del género femenino y cinco del masculino. El análisis de los datos recogidos se da a partir de la Técnica de Análisis de Contenido propuesta por Barlin. La inclusión en los datos señala para el cultivo de: valores vivenciales guiados especialmente por características de humanización docente; valores actitudinales reconocidos en la valorización y experiencias de espacios y decisiones colectivas; y valores creativos expresados en la creatividad metodológica junto a una realidad donde prevalece la pobreza y la falta de recursos educacionales.

Palabras-clave: bien estar docente; mal estar docente; producción de sentido; profesores de la escuela normal; opción por la docencia.


RÉSUMÉ

L'article est le résultat d'une recherche active qui se concentre sur la production de sens dans l'enseignement. Son but est d´analyser les modes de construction et le développement de valeurs basées sur la créativité, l´expérience vécue et les attitudes chez les professeurs qui enseignent à l'école secondaire, dans le cours normal. Le référentiel théorique à la base de l'étude est l'approche anthropologique de Viktor Frankl en ce qui concerne la production de sens, en établissant un dialogue avec les auteurs qui discutent le sujet étudié. La collecte des données a été réalisée par l'application d'un questionnaire contenant des questions ouvertes, de cinq réunions avec les enseignants et de la liste d´observations dans un journal de terrain. Neuf professeurs entre 20 et 40 ans ont participé, quatre femmes et cinq hommes. L'analyse des données commence à partir de la technique de l'Analyse du Contenu proposée par Bardin. L´incursion dans les données montre une direction vers : des valeurs basées sur l´expérience vécue, guidées surtout par des caractéristiques d'humanisation de l'enseignement ; les valeurs basées sur les attitudes reconnues dans la valorisation et l´expérience d´espaces et de décisions collectives ; les valeurs créatives exprimées en créativité méthodologique au milieu d'une réalité dominée par la pauvreté et le manque de ressources pédagogiques.

Mots-clés: bien-être dans l´enseignement; malaise dans l´enseignement; production de sens; professeurs de l´école normale; option pour l´enseignement.


 

 

Notas Introdutórias: Do Mal-Estar à Produção de Sentido e Bem-Estar na Docência

Na sociedade contemporânea tornou-se comum falar em crise. As pessoas dizem estar em crise mesmo que não consigam definir esse mal-estar em que estão mergulhadas. Além do mais, essa situação existencial, para além da ordem do sujeito, inscreve-se num contexto social global, ou seja, é uma sociedade toda que está em crise. Em decorrência dessa realidade, o presente, muitas vezes, mostra-se vazio de sentido e o futuro parece destituído de esperança. Parece já se ter tornado consenso que a crise atual se constitui num dos fatores que gera o surgimento de um sentimento de mal-estar que permeia tudo e todos.

Freud (1978), na clássica obra O Mal-Estar na Civilização, trata com propriedade das insatisfações humanas. Diz do desconforto na civilização atual e questiona-se sobre a felicidade dos homens de épocas anteriores e sobre a função de suas condições culturais. Vê contraposições entre o amor e a civilização com suas leis, normas, costumes, segurança, necessidades que restringem o instinto e as possibilidades de amar. A tríade psíquica: id, ego e superego, em seus respectivos princípios de prazer, realidade e dever, encontram-se constantemente em verdadeira luta na pessoa pela busca do prazer e evitação da dor. Conforme Freud (1978), o sofrimento ameaça a partir do próprio corpo, a partir do mundo externo que pode voltar-se contra a pessoa com forças esmagadoras e também ameaça a partir do relacionamento com as outras pessoas.

Na atualidade, a manifestação do mal-estar no âmbito profissional torna-se alvo de reflexões em vários grupos profissionais (Educação, Segurança Pública, Saúde, dentre outros) sendo que este fenômeno pode comprometer o desempenho destes profissionais. No que se refere aos profissionais que atuam na área educacional, estudos realizados por Esteve (1999) e Jesus (1988, 2000) enfatizam que o denominado mal-estar docente cada vez mais tem sido um dos fatores responsáveis pelo absenteísmo; desenvolvimento de doenças psicosomáticas e até a desistência do magistério.

Esteve (1999), um dos primeiros autores a definir o mal-estar docente, caracteriza-o como sendo sentimento resultante dos efeitos permanentes de caráter negativo que afetam a personalidade do professor. Tal sentimento seria resultante de um conjunto de exigências que, por vezes, recaem no educador, e este, muitas vezes, sem conseguir corresponder a tais exigências, desenvolve sintomas que podem manifestar-se em diversos planos (biofisiológico, comportamental, emocional e cognitivo). Dentre tais sintomas, podemos destacar: desmotivação, sensação de sobrecarga de trabalho, stress, irritabilidade e diminuição da autoestima. O autor refere dois grupos de fatores que contribuem para o surgimento do mal-estar na docência: os de primeira ordem são os fatores internos à sala de aula, o conjunto de relações que se estabelecem entre a pessoa do professor e a pessoa do aluno no processo das relações afetivas associadas ao processo de ensino e de aprendizagem. Os fatores de segunda ordem são os ambientais, isto é, os relacionados com o contexto externo à sala de aula e à escola e que interferem na eficácia da ação docente. Importante é ressaltar que estes fatores se inter-relacionam, pois, na ação docente, interferem tanto no conteúdo e nos processos afetivos estabelecidos entre professor e aluno, quanto nas variáveis externas à realidade da sala de aula.

A análise dos fatores que interferem no surgimento do mal-estar docente apresentados por Esteve (1999) mobiliza-nos a sugerir outro grupo de fatores que, no nosso entender, são determinantes na forma de a pessoa (re)agir perante as adversidades. Acreditamos que existam também fatores de terceira ordem relativos à própria pessoa do docente. Isto é, como seu modo de ser e de encarar a vida interferem diretamente em seu bem/mal-estar, em sua produção de sentido e em suas competências de resiliência.

Mesmo estando diante de situação complexa, que parece acenar para a ampliação do sentimento de mal-estar, consideramos oportuno salientar que nossa ênfase recai sobre o viés da positividade, ou seja, temos um olhar baseado no pensamento da possibilidade da dimensão de um bem-estar integral em que se entrecruzam o bem-estar pessoal e o profissional. Para este bem-estar, a produção de sentido na docência parece ser uma categoria fundamental a ser contemplada.

Frankl (1978) explica que o problema da atualidade não é a frustração sexual posta por Freud, e, tampouco, o sentimento de inferioridade descrito por Adler. Na sua concepção, o ser humano carece de um sentido em sua vida e [...] parece até que ele nem sequer sabe o que deseja. Limita-se a desejar o que os outros fazem ou a fazer o que os outros desejam (Frankl, 1978, p. 16). Essa carência de sentido gera o que o autor denomina de vazio ou frustração existencial (Frankl, 1978, 2003a).

Um número crescente de pessoas está obcecado por uma sensação de ausência de sentido - "insignificância", absurdidade -, que frequentemente se faz acompanhar da sensação de vazio ou, como eu mesmo costumo dizer, de um "vazio existencial" [...] Esse sentimento se manifesta principalmente pelo tédio e pela apatia. Se o tédio revela uma falta de interesse pelo mundo, a apatia expressa a falta de iniciativa para realizar algo no mundo, para modificar alguma coisa no mundo (Frankl, 1995, p. 265) [grifo do autor].

O autor esclarece que

O termo "existencial" pode ser usado de três maneiras: referindo-se (1) à existência em si mesma, isto é, ao modo especificamente humano de ser; (2) ao sentido da existência; (3) à busca de um sentido concreto na existência pessoal, ou seja, à vontade de sentido. (Frankl, 2003a, p. 93) [grifo do autor]

Ao enfatizar a vontade de sentido, Frankl busca superar [...] o princípio do prazer (ou, como também poderíamos chamá-lo, a 'vontade de prazer') no qual repousa a psicanálise freudiana, e [...] a 'vontade de poder', enfatizada pela psicologia adleriana através do termo 'busca de superioridade' (Frankl, 2003a, p. 92) [grifo do autor].

Argumenta ele:

O poder é meio para um fim. E da mesma forma que a vontade de prazer, a vontade de poder proclama a sua independência no momento em que a vontade de sentido se vê frustrada. Sem determinados pressupostos sócio-econômicos, sem certo grau de poder, não posso realizar o sentido da minha vida: preciso de dinheiro para estudar, para comprar livros; preciso de pessoas com quem me relacionar etc. Tudo isto não passa, porém, de meios necessários para a realização do sentido da vida, que é o fim (Frankl, 2003b, p. 58).

Frankl (2003b) sugere a vontade de sentido, ou a transcendência de si mesmo enquanto fenômeno antropológico que possibilita sua autorrealização. A dimensão autotranscendente da pessoa, [...] nada tem a ver com o Além; significa que 'o homem é tanto mais humano quanto mais é ele mesmo, quanto mais ele se supera e se esquece a si próprio' na dedicação a uma tarefa, a uma coisa ou a um companheiro (Frankl, 1978, p. 56) [grifo do autor].

De acordo com Frankl (2003a), a produção de sentido pode ser favorecida por modos de transcender como o ato de dedicar-se a alguém e/ou a algo pelo simples valor disso, independentemente da possibilidade de sucesso em si mesmo de tal ato. Se pautarmos nossa vida por este princípio, possivelmente teremos uma vida com maior bem-estar e a força necessária e suficiente para nos dedicarmos àquilo que consideramos essencial e também para enfrentarmos as adversidades quando elas surgirem.

Com base nisso é possível inferir que a produção de sentido na docência está relacionada aos modos de construção, desenvolvimento e vivência de valores criativos, vivenciais e atitudinais no projeto de vida do educador. Frankl (1978, 2003a) acredita que através dos valores a pessoa pode encontrar um sentido para a sua vida ao se concretizarem em decisões livres e responsáveis. Nesta compreensão:

[...] o verdadeiro problema nada mais é do que o defrontar-se com o valor, decidir qual das possibilidades merece ser desenvolvida, qual é necessária. A confrontação com essa problemática equivale à confrontação com a nossa responsabilidade (Frankl, 1978, p. 35) [grifo do autor].

São estes valores que [...] constituem o 'logos', em cuja direção a psique se lança, transcendendo-se a si mesma. Se a psicologia quiser fazer jus a sua denominação, tem de reconhecer ambas as metades que a constituem, 'logos' e 'psyche' (Frankl, 1978, p. 180) [grifo do autor]. Desta forma, sempre que realizamos valores, estamos cumprindo o sentido da existência, estamos impregnando-a de sentido (Frankl, 1978, p. 180).

Os Valores Criativos são os valores que se dão essencialmente através do trabalho, da missão, da doação em que a pessoa deixa algo de si em favor do outro. Reafirmamos Frankl quando diz que a pessoa se torna criativa

[...] na medida em que cria alguma obra ou vivencia alguma coisa ou alguma pessoa. E vivenciar uma pessoa - ou alguma coisa - significa amá-la; captar uma pessoa na sua unicidade e irrepetibilidade individuais é o mesmo que amá-la" (Frankl, 2003c, p. 32).

Pela autotranscendência a pessoa se humaniza: o homem só se torna completamente homem quando se dirige para uma causa ou para uma pessoa. E só chega a se realizar quando se esquece e se supera a si mesmo (Frankl, 1978, p. 63-64).

Os Valores Vivenciais também são chamados Valores de Experiência. Realizam-se na satisfação, na alegria, na celebração por um trabalho bem feito, num projeto realizado, num dever cumprido. Também se manifestam no amor a uma causa, no amor a uma comunidade e no amor às pessoas. Manifestam-se, ainda, nos encontros significativos com um projeto ou com as pessoas no trabalho onde se pode despojadamente celebrar a festa do encontro, saindo de si mesmo no encontro com o outro.

Os Valores Atitudinais referem-se às atitudes assumidas em face dos acontecimentos que a vida apresenta, especialmente os desafios ao longo do processo existencial. Frankl (1978) acreditava que os fatos podem influenciar, mas não determinar a atitude da pessoa em face da vida. Logo, mais importante que o fato em si, é a postura, a atitude da pessoa em face dos acontecimentos.

Nessa perspectiva, um professor que consegue construir sentido para sua existência no desenvolvimento dos valores criativos, vivenciais e atitudinais, possivelmente vivenciará processo de desenvolvimento humano e bem-estar ao longo de sua existência. Assim, parece plausível afirmar que a produção de sentido se constitui em nova categoria a ser contemplada enquanto elemento constitutivo do êxito na docência e da superação do mal-estar.

 

Abordagem e Procedimentos Metodológicos

A pesquisa se caracteriza por ser uma pesquisa-ação. Focaliza a produção de sentido na docência tendo como centralidade os modos de construção e o desenvolvimento de valores criativos, vivenciais e atitudinais em professores que exercem a docência no Curso Normal de uma escola de Ensino Médio, sob a orientação pedagógica e gestão da Rede La Salle.

A Escola Centro de Ensino Médio Municipal José Soares Monte é a única escola regular no norte e nordeste do Brasil a oferecer Curso Normal sob a coordenação dos lassalistas. A Escola está localizada no município de Presidente Médici. O município tem uma população de 6.363 habitantes, de acordo com o último Censo/2009, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010) -, distribuída numa área geográfica de 438 km2, sendo que pouco mais de 3 mil pessoas vivem na cidade e outro tanto vive em povoados e pequenas comunidades na zona rural. Chega a ser superior a 70% a população pobre do município. A população jovem e adulta analfabeta passa de 40%, sendo que o analfabetismo funcional ultrapassa 70% da população jovem e adulta. Mais de 90% das crianças de 7 a 14 anos estão matriculadas nas escolas da rede pública (estadual e municipal) e particular.

As condições de vida da população são precárias, sobrevivendo de algum trabalho de produção agrícola, da criação de gado, reduzida extração de madeira, serviços sazonais, biscates e comércio na cidade. Os programas sociais do Governo Federal (bolsa escola, bolsa família etc.) desempenham papel importante na economia e na qualidade de vida da população.

Os participantes do estudo são nove professores (do conjunto geral de 15) que exercem a docência no Curso Normal Magistério do Centro de Ensino Médio Municipal José Soares Monte Neto. Este número está condicionado à dificuldade de reunir estes professores em função dos horários de trabalho preencher os três turnos, em diferentes escolas, da maioria destes profissionais. Os professores situam-se na faixa etária entre 20 e 40 anos de idade, sendo quatro do gênero feminino e cinco do masculino.

No que se refere à titulação, três possuem Ensino Médio completo (e já atuam como docentes no Ensino Médio. Buscam auto formação e atualização especialmente através de textos na Internet); três possuem graduação completa; e três possuem pós-graduação (especialização) completa. Quanto ao tempo de atuação no exercício da docência na Educação Básica, quatro professores atuam até dois anos na docência; quatro professores atuam na faixa entre seis e dez anos na docência; e um professor atua na faixa de quinze a vinte anos na docência.

Em relação ao número de horas semanais dedicadas à docência, não obtivemos informações precisas. Contudo os dados mostram que quatro professores trabalham em três escolas e todos os demais trabalham em duas escolas ou aliam uma escola com outro trabalho, como secretaria de ação social ou secretaria de educação.

Realizar pesquisa-ação implica planejamento, ação, observação, reflexão cuidadosa, sistemática e regular para além da observação da vida cotidiana. Ao pesquisador envolvido com pesquisa-ação delegam-se quatro tarefas básicas, a saber: (i) o plano - ação organizada que antecipa a ação; (ii) a ação - deliberada e controlada; (iii) a observação - que tem a função de documentar os efeitos da ação criticamente informada; e (iv) a reflexão - que rememora a ação tal como tem ficado registrada pela observação, contudo, é também um elemento ativo. Vários são os pesquisadores em educação que vêm constatando em suas pesquisas as contribuições para o processo formativo de educadores por meio da pesquisa-ação colaborativa (Franco, 2005; Pimenta, 2005; Monceau, 2005; Zeichner, & Diniz-Pereira, 2005; Elliot, 2000). A opção por esta tipologia de pesquisa justifica-se por seu caráter de implicação e a transformação da realidade por parte dos pesquisadores envolvidos. No dizer de Franco (2005, p. 485):

Se alguém opta por trabalhar com pesquisa-ação, por certo tem a convicção de que a pesquisa e ação podem e devem caminhar juntas quando se pretende a transformação da prática. No entanto, a direção, o sentido e a intencionalidade dessa transformação serão o eixo da caracterização da abordagem da pesquisa-ação.

Ao referir-se à metodologia para a pesquisa-ação, Franco (2005) destaca a importância desta para instaurar no grupo não somente dinâmicas, mas também práticas dialógicas que levem à participação e à transformação. No entender da autora, a adoção da perspectiva metodológica da pesquisa-ação pode se fundamentar em dimensões tais como:

a) quando a busca de transformação é solicitada pelo grupo de referência à equipe de pesquisadores, a pesquisa tem sido conceituada como pesquisa-ação colaborativa, em que a função do pesquisador será a de fazer parte e cientificizar um processo de mudança anteriormente desencadeado pelos sujeitos do grupo;

b) se essa transformação é percebida como necessária a partir dos trabalhos iniciais do pesquisador com o grupo, decorrente de um processo que valoriza a construção cognitiva da experiência, sustentada por reflexão crítica coletiva, com vistas à emancipação dos sujeitos e das condições que o coletivo considera opressivas, essa pesquisa vai assumindo o caráter de criticidade e, então, tem se utilizado a conceituação de pesquisa-ação crítica;

c) se, ao contrário, a transformação é previamente planejada, sem a participação dos sujeitos, e apenas o pesquisador acompanhará os efeitos e avaliará os resultados de sua aplicação, essa pesquisa perde o qualificativo de pesquisa-ação crítica, podendo ser denominada de pesquisa-ação estratégica (Franco, 2005, p. 485-486).

Tendo presente às peculiaridades da abordagem metodológica adotada nesta investigação, Kemmis e McTaggart (1992), a enfatizam que no processo metodológico o pesquisador deve observar as etapas que seguem:

1ª Etapa: Diagnóstico-reconhecimento e fortalecimento de identidade de grupo. O trabalho com o coletivo de participantes do estudo é um dos aspectos fundamentais na pesquisa-ação. A integração e o sentimento de pertença são pré-requisitos para o engajamento na pesquisa, incidindo sobre os resultados almejados. Dessa forma, nesta primeira etapa, ações são postas em prática para viabilizar o processo de pesquisa diagnóstica.

2ª Etapa: Planejamento das ações. A proposição de espaços formativos ganha centralidade nesta segunda etapa. Desta forma, no decorrer da pesquisa, são realizadas oficinas com os professores cujos focos temáticos foram detectados durante a realização da primeira etapa da pesquisa.

3ª Etapa: Aplicação de estratégias de ação, processo de observação-registro e avaliação. Nesta etapa é implantado, em cada contexto educacional, o plano de ação para o aprimoramento das práticas educativas relativas ao processo de alfabetização. Com base na análise dos dados coletados pelos próprios educadores, as propostas poderão ser redimensionadas com o intuito de aperfeiçoamento e continuidade do trabalho.

4ª Etapa: Reflexão e reorganização. Nesta etapa são desenvolvidos encontros cuja centralidade da discussão se dará a partir da análise, avaliação e organização dos registros produzidos pelos educadores na própria ação educativa. Tal movimento permite um avaliar e refazer das propostas de intervenção na ação educativa, buscando a qualificação do trabalho cotidiano nas unidades escolares. De outro modo, nesta etapa os pesquisadores fazem uma incursão exaustiva nos dados coletados através dos diversos instrumentos utilizados no decorrer da investigação (por exemplo: diário de campo e questionário). Com base nisso, são feitas análises, interpretações e proposições para desencadear a 2ª fase da pesquisa. Tal dinâmica traduz-se em um movimento espiralado, tal como idealizado por Lewin (2006).

As ações desenvolvidas foram análise do Projeto Pedagógico da Escola e a realização de cinco encontros com os professores (com duração aproximada de 3 horas cada um).

O primeiro encontro teve como foco a integração dos professores e o desenvolvimento do sentimento de pertença ao processo investigativo. Os pesquisadores apresentaram o projeto de pesquisa esclarecendo as dúvidas apresentadas pelos professores. Estes últimos demonstraram total acolhida à proposta de investigação; interagiram com os pesquisadores esclarecendo suas dúvidas e pontuando questões pertinentes ao estudo proposto.

No segundo encontro foram retomados os objetivos da pesquisa. Após foi aplicado um questionário com questões abertas para caracterizar os professores. As questões giraram em torno das seguintes temáticas: formação docente; opção pela docência; sentido da docência na trajetória de vida do educador; características fundamentais para um professor ter êxito e bem-estar na docência; e modos de reação diante das dificuldades encontradas no exercício da docência.

Nos terceiro, quarto e quinto encontros os professores receberam a devolução da síntese do questionário e aprofundaram a problematização das temáticas abordadas no questionário. As atividades realizadas em cada encontro foram filmadas e as observações pertinentes registradas no diário de campo dos pesquisadores.

 

Análise e Discussão dos Dados

A análise dos dados coletados se dá a partir da Técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1988). Tal análise integra um conjunto de técnicas que possibilitam, através de procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo, a realização de inferências acerca da produção e/ou recepção de determinada mensagem (Bardin, 1988). A incursão nos dados teve como eixo analítico os modos de produção de sentido dos professores no exercício da docência. O sentido é sempre exclusivo e específico de cada pessoa ou grupo. Desta forma, nos eixos temáticos da análise, reconhece-se que a potencialização do sentido efetiva-se através da auto transcendência na vivência da tríade valorativa, a saber: valores criativos, valores vivenciais e valores atitudinais.

A Opção pela Docência

Para os professores 1, 2, 5, 8 e 9 a opção pelo magistério apresentava-se como uma das únicas alternativas de trabalho no município. Logo, a motivação inicial é pelo trabalho, pelo emprego, e não pelo magistério em si. Contudo, com o tempo, a motivação vai ganhando outros contornos e os professores iniciam e consolidam um processo de sentido com a docência do qual hoje não pretendem abrir mão, conforme é possível perceber no relato dos professores 1 e 2:

[...] ao longo do tempo valorizei e comecei a gostar de dar aula; tudo o que tenho hoje foi consequência dessa profissão que aprendi a amar. Hoje já me especializei e continuo fazendo o que gosto. (P1)

[...] com o tempo fui aprendendo e me apaixonando pela vida docente. Hoje posso dizer que não me vejo fazendo outra coisa. Comecei a valorizar meu trabalho e a gostar da minha profissão, a amar o que faço, pois, me sinto muito bem, produzo sentido quando estou em sala de aula. (P2)

O professor 3 ressalta que

[...] desde a infância sempre sonhava em ser professora e por falta de outros cursos fiz o magistério e a minha vocação é a educação infantil. (P3)

No caso do professor 7, a entrada no magistério serviu como uma forma de superar as dificuldades:

[...] comecei substituindo minha mãe que é professora, essa substituição foi por motivo de doença. Mas acabei encontrando sentido e abracei a profissão, mesmo ainda estudando o ensino médio. (P7)

O professor 4 destaca a influência das figuras parentais em sua opção profissional. Manifesta sua insatisfação com o magistério:

Minha avó foi professora, minha mãe e seus irmãos são professores, meus irmãos são professores, daí hoje eu sou um professor. Não me considero realizado, pois, as dificuldades são tantas, desde alunos indisciplinados até salário de miséria. Tenho que trabalhar em três escolas para garantir o pão de cada dia. (P4)

Com exceção do professor 4, nota-se claramente a mudança motivacional dos professores. Na atualidade, não é determinante a motivação inicial que os levou à docência em um município que não possui indústrias, fábricas ou outro meio de empregabilidade. O que determina hoje é a escolha por continuar na docência movida pelo amor por esta opção diante de outras oportunidades profissionais que possam se apresentar.

Sentido da Docência na Trajetória de vida do educador

O sentido da docência para a vida destes professores dá-se no retorno do outro, geralmente do aluno, em seus resultados cognitivos, comportamentais, atitudinais e valorativos decorrentes do processo educativo. Para o professor 1:

A docência mesmo sendo um trabalho árduo e que por muito tempo foi desvalorizado, é não só para mim, como com certeza para os demais professores, gratificante, quando se vê o sorriso e o agradecimento de um aluno. (P1)

Nesta mesma perspectiva são as opiniões dos professores 2 e 9 quando destacam que a docência:

[...] mesmo sendo um trabalho delicado e árduo, proporciona resultados gratificantes onde seu maior sentido com certeza está na contribuição científica para uma sociedade mais justa e solidária. (P2)

[...] é muito gratificante [...] como educadora me sinto muito bem quando vejo o sorriso, o crescimento e o sucesso dos educandos agradecidos pelo nosso trabalho. (P9)

No entender do professor 6:

Nada assemelha-se com este meio, ou forma de transmissão de conteúdos, que podem ser repassados de um ser para outro [...] (P6)

Frankl (2003a) chama atenção para que nossos atos não sejam mecânicos, rotineiros, meramente por força do hábito, da lei, dos costumes, mas acima de tudo, resultantes de um sentido que atribuímos ao que somos e fazemos. O sentido da docência para a vida destes professores circunscreve-se também no reconhecimento de possibilidades que fortalece o desenvolvimento da pessoa cidadã, crítica e responsável. Este sentido corrobora a emergência de uma sociedade comprometida com as questões sociais e valores da solidariedade.

No dizer dos professores 3 e 8, o sentido da docência ao longo de suas trajetórias está

[...]em levar as crianças e os jovens da minha comunidade a vivenciar e entender a realidade como um todo, a partir dos conhecimentos adquiridos. (P3)

[...]na participação na construção de uma sociedade informada, crítica e com perspectiva de futuro. (P8)

Na concepção do professor 7:

[...] é ver todas crianças na escola e com um futuro melhor, pois, sem educação não chegamos a lugar nenhum. (P7)

Um terceiro modo de produzir sentido na trajetória de vida dos professores está no exercício da docência enquanto expressão do seu próprio ser, de sua autoria em função do outro, geralmente aluno, família ou sociedade:

Foi nesta profissão que descobri o quanto cada um é importante na construção da sociedade. É no exercício do magistério que posso divulgar minhas próprias ideias e agir mais humanamente com o outro. (P5).

Enfim, os professores testemunham uma atitude de abertura, um modo de ser que se expressa num movimento de auto transcendência em benefício do aluno e de toda a comunidade escolar enquanto autor de si próprio nos processos de identificação com a docência.

Características fundamentais para um professor ter êxito e bem-estar na docência

Discorrendo sobre características como conhecimentos, habilidades e competências que deve ter um professor para exercer a docência no magistério, os professores apontam para quatro grandes categorias, a saber: características da ordem da dimensão humana; características da ordem do conhecimento técnico; características do âmbito didático-pedagógico e suas implicações para o processo ensino-aprendizagem; e características referentes à valorização da profissão docente.

As características voltadas para os processos de humanização dizem de: carinho (P3), paciência (P3, P9), amorosidade pelo outro (P3, P4) e pela profissão (P2, P9); respeito e prazer no se que faz (P9). De modo geral, as posições dos professores e 1 e 5 parecem resumir os valores de humanização na relação professor-aluno. O professor 1 salienta a necessidade de o professor ter

[...]muito amor pela profissão, paciência, profundo conhecimento em didática, domínio de turma e acima de tudo, respeitar os limites dos alunos. (P1)

O professor 5 enfatiza que o professor:

[...] primeiramente deve passar confiança, sabedoria e acima de tudo amizade, para que os educandos possam sentir na figura do mestre um amigo com quem ele pode contar sempre que esteja pronto para ouvir e orientar. (P5)

O bom humor mostra-se resultante da felicidade dos educadores pelo lugar que ocupam como confiança, dedicação, dentre outros. As características de ordem pessoal, promotoras de êxito e bem-estar, são referidas como: a alegria, o vínculo, a dedicação, o compromisso e o diálogo com o aluno. Seligman (2004, 2005) destaca a importância e as características do cultivo de emoções positivas, de virtudes e de forças pessoais, especialmente quando a vida apresenta dificuldades. Para ela, as pessoas não só querem a superação do que há de negativo e rotineiro nelas, como também buscam vidas plenas de sentido: [...] querem mais que apenas corrigir suas fraquezas; querem vidas cheias de significado, e não somente um dia depois do outro até a morte (Seligman, 2004, p. 11).

As questões de natureza didática e metodológica focam-se no domínio da turma, no diálogo, na criatividade e organização. Neste contexto, é digno de nota salientar que os professores parecem desenvolver a prática de acordo com o que apresenta Nóvoa (1999), para quem a didática metodológica transita por três tipos de práticas: institucionais, organizativas e didáticas. As práticas institucionais levam o professor a se envolver com as regras do sistema escolar e infraestrutura da escola e a buscar, dentro delas, a melhor forma de desenvolver suas habilidades e competências junto aos alunos. Já as práticas organizativas estão relacionadas à organização da unidade escolar que envolve o conjunto dos professores, a distribuição das atividades no tempo, as habilidades de utilizar o espaço escolar, a competência para agregar os saberes e as disciplinas. É a integração com a estrutura de funcionamento que os envolve individual e coletivamente. Por fim, as práticas didáticas dizem da responsabilidade direta do professor com o seu fazer pedagógico na profissionalização docente. Considerando este conjunto de práticas, destacamos a importância de saber circular entre elas, pois as mesmas participam dos processos de construção da docência.

Por outro lado, chama a atenção que as características da ordem do conhecimento formal, da investigação ou do aprimoramento acadêmico aparecem com menos intensidade nas respostas dos professores. Somente são mencionadas a atualização (P2) e o domínio de conteúdo (P2), conhecimento (P8, P9) e a capacidade indutiva (P6). A ênfase recai sobre a necessidade de o professor ser criativo (P2, P3, P4, P8). Os valores criativos [...] trazem mudança. Mudam alunos, os professores e as situações (Woods, 1999, p. 132). A criatividade deixa suas marcas inconfundíveis em suas múltiplas formas de expressão didático-pedagógica. A própria cultura local potencializa o desenvolvimento de habilidades e competências de comunicação e expressão entre alunos e professores. Talvez o fato de viver numa realidade de pobreza onde impera a falta de recursos educacionais, a exemplo da ausência de qualquer livro didático, apostila ou outro recurso de mídia, tão utilizados em grandes centros de educação, faz com que os professores lancem mão de teatro, poesia, artes cênicas e outras como recurso didático muito comum para aquela realidade.

O êxito e bem-estar na docência estão associados, no entender dos professores, à valorização do profissional (P2) e do trabalho por ele realizado (P1), incluindo-se nesta valorização a questão salarial (P2, P5, P8). De acordo com o professor 4,

o professor desmotivado tem um impacto marcante na aprendizagem. O professor tem que trabalhar apenas em uma escola que disponibilize material adequado e sofisticado para uma boa aula. (P4)

É possível constatar que o êxito e o bem-estar docente requerem dos professores valores atitudinais tais como compromisso, amor pela profissão, metas e objetivos (P2); humildade, transparência, diálogo, compromisso, inteligência, dedicação, firmeza, lealdade (P3); simplicidade, alegria, companheirismo, dedicação, compromisso, dialogicidade (P5); ser alguém dinâmico e criativo (P6); estar bem preparado, dialogar sempre com seus alunos, procurar o que se passa na vida do aluno [...] e sempre bem humorado (P7).

Modos de reação diante das dificuldades encontradas no exercício da docência: os valores atitudinais

O sentido sempre poderá ser vivenciado enquanto valor atitudinal de forma incondicional, inclusive no sofrimento inevitável. [...] muitas vezes é justamente uma situação exterior extremamente difícil que dá à pessoa a oportunidade de crescer interiormente para além de si mesma (Frankl, 2003a, p. 72). Frankl (2003a, p. 67) explica ainda que:

[...] não se encontra sentido apenas na realização de valores de criação e de experiência. Se a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá. Afinal de contas o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma do mesmo modo que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da existência como um todo.

Vivências de dificuldade extrema, pobreza de bens materiais, carências diversas, entre outras, fazem parte do difícil cotidiano dos professores em estudo. Estas situações os direcionam para o processo de constante reflexão, um processo de autoanálise reflexiva. De acordo com Nóvoa (2000), dos três AAA (Adesão, Ação e Autoconsciência) que sustentam o processo identitário do professor, cabe salientar a autoconsciência:

[...] porque em última análise tudo se decide no processo de reflexão que o professor leva a cabo sobre a sua própria ação. É uma dimensão decisiva da profissão docente, na medida em que a mudança e a inovação pedagógica estão intimamente dependentes deste pensamento reflexivo (Nóvoa, 2000, p.16).

Dessa forma, considerando os dados da pesquisa, a reação dos docentes, as dificuldades enfrentadas direcionam-se para a autoanálise reflexiva e para a busca de ajuda. E quanto à autoanálise reflexiva, os professores 1 e 9 demonstram a prática da reflexão, da meditação, da revisão consciente de suas ações. Conforme o professor 1:

Tento transformá-los em algo bom e sempre repito comigo: amanhã posso fazer bem melhor. E faço. (P1)

O autoconhecimento e o conhecimento das pessoas com as quais convivemos são essenciais para a construção de um ambiente que viabilize o desenvolvimento de pessoas saudáveis. A pessoa saudável consegue enfrentar as adversidades encarando-as como oportunidades para o crescimento. Além disso, tem condições estruturais para auxiliar outras pessoas a superarem dificuldades e limitações.

Já a busca de ajuda mostra-se na capacidade de partilhar os sentimentos e dificuldades através do diálogo com os diversos segmentos da comunidade escolar, tais como com os colegas e com alunos, na tentativa de ser ouvido e de extravasar emoções negativas (P5); com o coordenador pedagógico (P7); com professores mais experientes (P8); visitando as famílias e fazendo reunião com a comunidade educativa para poder tomar decisões (P3). Esses espaços de diálogo demonstram dar-se num contexto de cultura local onde a entreajuda torna-se relevante para a tentativa de solução de conflitos. O olhar positivo perante as dificuldades é destacado pelo professor 2:

Diante das dificuldades sempre me lembro de voltar meu pensamento à parte boa de tudo. Isso me revigora e me dá forças para continuar. (P2)

Vale destacar que dos nove professores, somente o professor 4 faz a opção pelo silenciamento. No seu entender,

[...] são tantas dificuldades, mas na maioria delas eu me calo, pois, posso até enlouquecer tentando consertar pessoas. (P4)

Os professores 6 e 8 optam por analisar a situação e buscar formas recreativas e dinâmicas de forma que estas induzam o aluno ao rumo no qual estávamos antes (P6) e metodologias inovadoras, pesquisa e preparação (P8).

Os valores atitudinais destes professores mostram-se, na maioria das vezes, voltados para o enfrentamento das adversidades com estratégias de ordem pessoal, decorrentes das experiências vividas por estes professores ao longo de suas vidas. Ao assumir a opção pela docência, mesmo sem uma formação e um acompanhamento satisfatórios, estes professores criam diversos modos ou possibilidades para a resolução de conflitos.

No dizer de Frankl: há muita sabedoria nas palavras de Nietzsche: 'Quem tem um porquê viver suporta quase sempre qualquer como' (Frankl, 2003a, p. 95). Esta atitude parece estar presente na vida destes professores, ou seja, apesar das inúmeras dificuldades, os professores geralmente encontram um modo que lhes possibilite realizar seus objetivos.

 

Considerações Finais

Continuamos a nos perguntar: O que move estes professores em sua opção pela docência? Que olhares os apaixonam a cada dia para manter o encantamento pela educação em meio a tantas adversidades? Amparamo-nos em Huertas ao entendermos que

[...] a motivação humana deve ser entendida como um processo de ativação e orientação da ação. Tal processo deve conter uma série de estados ou fases que intervêm em sua situação (Huertas, 2001, p.54).

A trajetória de vida e a produção de sentido na vida dos professores supracitados se expressa em diferentes eixos no exercício da docência. Eles desenvolvem diferentes valores como estratégia de resposta aos desafios apresentados no percurso profissional.

Logo, o aprofundamento do conjunto de valores propostos por Frankl nos conduz à reflexão de que eles são essenciais para a constituição do profissionalismo docente, individual e coletivo. Este profissionalismo se expressa pelo desenvolvimento de habilidades e competências necessárias para o exercício da docência, a autonomia e a afirmação da própria profissão. Visto sob esta ótica, é salutar analisar as habilidades e competências (Perrenoud, 2000) necessárias para a materialização de tais valores no exercício da docência.

Desta forma, os dados mostram um cenário mosaico constituído de: valores vivenciais pautados por características de humanização docente; valores atitudinais voltados para a valorização e vivência de espaços e decisões de um coletivo; e valores criativos expressos especialmente na criatividade metodológica em meio a uma realidade onde impera a pobreza e a falta de recursos educacionais. Vejamos mais detalhadamente cada um deles.

Os valores vivenciais mostram-se maximizados nas relações professor-aluno. Chama atenção, não apenas nos relatos, mas em nossas observações, os estreitos vínculos entre professores e alunos. Em uma escola onde não existe serviço de psicologia, nem de orientação educacional ou mesmo de supervisão pedagógica, o professor figura como o grande conselheiro, amigo, educador, psicólogo, ou seja, a referência para os alunos em questões de conhecimento, de relacionamento humano e principalmente de problemas existenciais.

Já os valores atitudinais se dão a conhecer de múltiplas formas, tais como o professor reflexivo na hora da dificuldade, da dor e da tomada de decisões. Dois movimentos estão bem delineados: a autorreflexão e a meditação. O pensamento reflexivo sobre o ser e fazer do professor é apenas um primeiro ato que se direciona ao encontro do movimento da cooperação na resolução de conflitos a partir de um coletivo.

Os valores criativos transversalizam a filosofia da escola que se efetiva em práticas de direção colegiada, em exercício de cidadania, em valorização das decisões emanadas da comunidade escolar, envolvendo uma prática metodológica peculiar, pautada pelas artes cênicas, pela capacidade de diálogo com pais, com alunos, com professores e comunidade em geral. Este modo de ser em educação forja processos de identificação com a valorização e vivência de espaços e decisões de um coletivo.

A atitude autotranscendente enquanto movimento de sair de si em ajuda ao aluno é notória. O feedback dos alunos enquanto compreensão, acolhida e aprendizagem por parte de seus professores, torna-se fator relevante para que estes professores continuem acreditando e produzindo sentido na docência. Chama-nos atenção o trabalho pedagógico para além do discurso da queixa, caracterizado pela criatividade didática em uma realidade pobre em estrutura e infraestrutura. Também apontamos para a necessidade de potencializar o conhecimento técnico e a produção científica que se mostraram de forma muito tímida entre os docentes partícipes da investigação.

Contudo, o grande desafio continua sendo a luta pela dignificação da profissão docente. Os baixos salários, o desprestígio da classe docente, a dura realidade da grande maioria dos professores, que exige trabalhar em 3 escolas para aumento da renda familiar, é realidade vivida, guerreada e assumida com muito querer existencial por estes professores.

Na perspectiva de caminharmos para o bem-estar na docência, resultante de uma trajetória de vida com produção de sentido, reconhecemos a necessidade de garantirmos os valores vivenciados por este grupo de professores. Também, é necessário entender o binômio indissociável pessoal-profissional. Segundo Nóvoa (2000, p.15)

A crise de identidade dos professores, objeto de inúmeros debates ao longo dos últimos vinte anos, não é alheia a esta evolução que foi impondo uma separação entre o eu pessoal e o eu profissional. [...] Este novo olhar, resgata questões de afetividade, do sentimento e da pessoa.

Em suma, os dados apontam para um cenário onde a dialética entre realidade e possibilidade é problematizada em nossa investigação que pretende chegar a um estágio em que nunca alguém poderá dizer de si mesmo 'sou aquele que sou', apenas 'sou aquele que chegarei a ser', ou 'serei o que sou' - 'serei actu', segundo a realidade, o que sou 'potentia', segundo a possibilidade (Frankl, 1978, p.231, grifo nosso). Este parece ser o cenário mais delineado para este grupo de professores no presente momento.

 

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Recebido em 17 de junho de 2010
Aceito em 17 de maio de 2011
Revisado em 04 de janeiro de 2012

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