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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev.Mal-Estar Subj vol.13 no.3-4 Fortaleza dez. 2013

 

ARTIGOS

 

Atualidade e produção de mal-estar

 

Post modernity and psychic malaise production

 

Post-modernidad y producción de malestar

 

Post-modernité et production d'un malaise

 

 

Katerine da Cruz Leal Sonoda

Graduada em Psicologia pela UFRJ. Mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz. Doutoranda em Psicologia Clínica e Cultura pela UNB. E-mail: katerine.sonoda@gmail.com

 

 


RESUMO

Pretende-se contemplar neste texto os efeitos da violência sobre a subjetividade e o processo saúde-doença dos indivíduos, partindo-se do pressuposto de que a violência (e a sensação de insegurança) nas cidades pode desencadear vários tipos de sofrimento, somatizações, mal-estar e, dependendo da gravidade, psicopatologias. Considera-se, portanto, a violência como um fator social para o adoecimento. Compartilham-se as ideias de diferentes autores que, em suas análises do cenário contemporâneo, referem-se à presença de um "mal-estar" na atualidade, que apresenta diferenças significativas em relação a épocas anteriores. A cultura do nosso tempo, além de ter produzido outras configurações psicopatológicas, fez emergir outros modelos de funcionamento psíquico. Isso afeta diretamente a clínica (neste caso, a psicanalítica) e, em um domínio mais amplo, a gestão e os próprios serviços públicos de saúde, na medida em que se apresentam como novas demandas de intervenção, tratamentos e gastos. O objetivo deste trabalho é pensar as formas contemporâneas do mal-estar em paralelo com as formulações psicanalíticas desse conceito, abordando os estudos sobre psicopatologias contemporâneas e suas possíveis formas de afetar a saúde humana. O expressivo aumento epidemiológico de certos transtornos psicológicos e psicossomáticos (como o transtorno de pânico, a agorafobia, o transtorno de estresse pós-traumático, a depressão, os transtornos fóbico-ansiosos, entre outros) tem chamado a atenção dos profissionais de saúde em instituições públicas e em consultórios particulares, configurando um desafio ao atendimento e à gestão em saúde.

Palavras-chave: sofrimento psíquico; violência urbana; sensação de insegurança; pós-modernidade; Subjetividade.


ABSTRACT

It is intended in this text include the effects of violence on subjectivity and the health-disease individuals, starting from the assumption that violence (and the feeling of insecurity) in cities can trigger various types of suffering, somatization, malaise and, depending on severity, psychopathology. It is, therefore, violence as a social factor for the disease. Agree to the ideas of different authors in their analysis of the contemporary scene; refer to the presence of a 'malaise' today, which shows significant differences compared to previous seasons. The culture of our time, and has produced other psychopathological configurations, also gave rise to other models of psychic functioning. This affects, for the clinic directly (in this case psychoanalytic) and a wider field affects their own management and public health services, to the extent that present themselves as new demands for intervention, treatment and expense. The aim of this work is to think of contemporary forms of malaise in parallel with psychoanalytic formulations of this concept, addressing the contemporary studies of psychopathology, its causes and possible ways to affect health. The significant increase epidemiological certain psychological and psychosomatic disorders (such as Panic Disorder, the Agarofobia Disorder, Posttraumatic Stress, Depression, Phobic anxiety disorders, among others) has drawn the attention of health professionals in public and in private offices, setting a challenge to care and health management. A professional attitude and ethic of care the person who suffers reduces the risk of iatrogenic interventions and unnecessary expenses.

Keywords: malaise; urban violence; feelings of insecurity; post-modernity; subjectivity.


RESUMEN

Se pretende en este texto contemplar los efectos de la violencia en la subjetividad y el proceso salud-enfermedad de las personas, partiendo del supuesto de que la violencia (y el sentimiento de inseguridad) en las ciudades puede provocar varios tipos de estrés, la somatización, malestar y, dependiendo de la gravedad, psicopatología. Por lo tanto, la violencia es considerada aquí un factor social de la enfermedad. Compartimos ideas de diferentes autores que, en sus análisis de la configuración actual, se refieren a la presencia de un "malestar" en la actualidad, lo que demuestra diferencias significativas en comparación con temporadas anteriores. La cultura de nuestro tiempo ha producido otras configuraciones psicopatológicas y también dio lugar a otros modelos de funcionamiento psíquico. Esto afecta, por la clínica directamente (en este caso psicoanalítico) y en un campo más amplio, afecta a su propia gestión y los servicios públicos de salud, en la medida en que se presentan como las nuevas demandas de intervención, tratamientos y gastos. El objetivo de este trabajo es pensar en las formas contemporáneas del malestar en paralelo con las formulaciones psicoanalíticas de este concepto, frente a los estudios contemporáneos sobre psicopatologías y sus posibles formas de afectar la salud humana. El significativo aumento epidemiológico de ciertos trastornos psicológicos y psicosomáticos (como el Trastorno de Pánico, la Agarofobia, Estrés Postraumático, Depresión, Trastornos de ansiedad fóbica, entre otros) ha llamado la atención de los profesionales de la salud pública, estableciendo un desafío a la atención y gestión de la salud. Una actitud profesional y ética de la atención de la persona que sufre reduce el riesgo de intervenciones iatrogénicas y gastos innecesarios.

Palabras-clave: sufrimiento psíquico; violencia urbana; sensación de inseguridad; post-modernidad; subjectividad.


RÉSUMÉ

Il est prévu dans ce texte sont les effets de la violence sur la subjectivité et le processus santé-maladie des personnes, à partir de l'hypothèse que la violence (et le sentiment d'insécurité) dans les villes peut déclencher divers types de détresse, la somatisation, le malaise et, selon la gravité, de la psychopathologie. Il est, par conséquent, la violence comme un facteur social de la maladie. Actions à des idées de différents auteurs, dans leur analyse de l'environnement contemporain, se reporter à la présence d'un « malaise» aujourd'hui, qui montre des différences significatives par rapport aux saisons précédentes. La culture de notre temps, et a produit d'autres configurations psychopathologiques, a également donné lieu à d'autres types de fonctionnement psychique. Cela affecte, pour la clinique directement (dans ce cas psychanalytique) et un champ plus large, affecte leur propre gestion et des services de santé publique, dans la mesure où se présentent comme de nouvelles demandes d'intervention, le traitement et les frais. L'objectif de ce travail est de penser à des formes contemporaines de malaise en parallèle avec les formulations de ce concept psychanalytique, abordant les études contemporaines sur les moyens psychopathologie et possible d'affecter la santé humaine. L'augmentation significative épidémiologiques de certains troubles psychologiques et psychosomatiques (comme le Trouble Panique, le Trouble Agarofobia, Stress Post-traumatique, Dépression, Troubles Anxieux phobiques, entre autres) a attiré l'attention des professionnels de la santé publique et dans les bureaux privés, établissant ainsi un défi pour les soins et la gestion de la santé. Une attitude professionnelle et l'éthique des soins de la personne qui souffre réduit le risque d'interventions iatrogènes et des dépenses inutiles.

Mots-clés: vétresse psychologique; la violence urbaine; des sentiments d'insécurité; post-modernité; subjectivité.


 

 

Introdução

Os homens adquiriram sobre as forças da natureza tal controle que, com sua ajuda, não teriam dificuldades em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que provém grande parte de sua atual inquietação, de sua infelicidade e de sua angústia. (Freud, 1930/2006b, p. 143).

Na obra Mal-estar na civilização, Freud (1930/2006b) analisou a agressividade na cultura, que resultaria do mal-estar que todos sentem cotidianamente. Esse mal-estar teria origem no antagonismo irremediável entre as exigências da pulsão e as restrições da civilização, ou seja, a civilização aparece como limitadora - através da censura e da repressão - da realização do princípio de prazer. Um argumento importante desse texto é que o homem civilizado trocou uma parcela de suas potencialidades de felicidade e satisfação pulsional por uma parcela de segurança.

Segundo o autor, a vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós - proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la, não podemos dispensar medidas paliativas, que seriam de três tipos: "derivativos poderosos, que nos fazem extrair luz de nossa desgraça, satisfações substitutivas, que a diminuem; e substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a ela" (Freud, 1930/2006b, p. 83). Freud discursa ainda, no mesmo texto, sobre a dificuldade do homem moderno de encontrar a felicidade, mencionando três fontes de sofrimento, advindas dos compromissos com a civilização: o poder superior da natureza, a fragilidade de nossos corpos e a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade, sendo o relacionamento com os outros homens a fonte de mal-estar mais penosa de todas.

Birman (2001, p. 38) pontua que aquilo que Freud denominava de "civilização" corresponde ao "processo de modernização do social que se realizou no Ocidente desde então, de maneira que a ideia de mal-estar na civilização deve ser interpretada como uma crítica da modernidade" (grifos do autor). Para Freud, a categoria "civilização" foi, portanto, construída por um dado momento histórico.

Em Moral sexual civilizada e a doença nervosa dos tempos modernos (Freud, 1908/2006a), o conflito entre o mal-estar e o desamparo (inerentes à condição humana), bem como a necessidade de resposta a eles, foram representados sob a forma de uma solução possível, isto é, de uma "harmonia a ser conquistada entre os dois pólos pela mediação da psicanálise (...) de maneira que o sujeito poderia alcançar uma relação tranquila entre as exigências da pulsão e da civilização".

Já em Mal-estar na civilização (Freud, 1930/2006b), Freud parece não acreditar mais em sua formulação original. A relação conflitual entre a pulsão e a civilização seria de uma ordem estrutural, isto é, o conflito jamais seria ultrapassado. Assim, se, em 1908, o conflito poderia ser "solucionado", em 1930, seria necessária "uma espécie de gestão interminável e infinita do conflito pelo sujeito, de forma tal que este não poderia jamais de deslocar da sua posição originária de desamparo" (Birman, 2001, p. 70).

Em contraste com a época de Freud (final do século XIX), na atualidade, surgem novas formas de inquietação. Para Maciel e Santos (2004), se a sociedade antiga era mais rígida em muitos aspectos, a atual é, por vezes, desnorteante na sua fragmentação e na aceleração do ritmo das mudanças. Existe uma maior tolerância aos aspectos sexuais em sentido estrito (mostrar o corpo, a homossexualidade, possibilidades de relacionamento antes e durante o casamento são mais permitidos, entre outros), mas a violência urbana, o consumo de drogas e outros problemas sociais graves nascem e se perpetuam em um grau que Freud jamais poderia imaginar.

 

Mal Estar na Atualidade e as Novas Formas de Sofrimento Psíquico

Considerando as formulações sobre mal-estar propostas por Freud há exatos oitenta e quatro anos, propõe-se aqui uma reflexão sobre o estatuto contemporâneo do mal-estar/sofrimento psíquico. O que nos preocupa neste trabalho é de outra ordem: o mal-estar gerado pela violência, pela precariedade e pelas novas formas de lidar com o sofrimento - que são, obviamente, distintas da época estudada e vivida por Freud. Assim, podemos levantar algumas questões importantes para pensar as origens do mal-estar socialmente produzido. Se a violência e a agressividade desde sempre fazem parte da história humana - e são, segundo Freud, uma das fontes do mal-estar e do sofrimento humano -, o que há de específico na violência das sociedades contemporâneas? Como se apresentam as formas atuais de mal-estar?

Em primeiro lugar, é preciso destacar algumas características da nossa atual época. Optou-se usar aqui o termo contemporaneidade ou mesmo atualidade para evitar as vastas imprecisões e confusões entre os teóricos sobre os termos modernidade, pós-modernidade, hipermodernidade e até mesmo jamais fomos modernos (Latour, 1994). Tais distinções conceituais não serão contempladas neste trabalho.

A estrutura da sociedade e da personalidade modifica-se profundamente no final da Idade Média. Fala-se de "dessimbolização", "fratura na modernidade" e "perda do grande Sujeito" (Dufour, 2005), em "fim das utopias" (Marcuse, 1969), "desencantamento do mundo" (Bourdieu, 1979), "sociedade do espetáculo" (Debord, 1997), "cultura do narcisismo" (Lasch, 1983), entre outros, para tentar explicar a mutação histórica em curso nas sociedades humanas. O indivíduo se libertou dos vínculos pessoais tradicionais. Os processos que levam ao isolamento, à impotência e à falta de proteção provocam efeitos psicológicos: a liberdade do indivíduo faz nascer a dúvida, a incerteza, um sentimento de impotência e a insegurança. Essa autonomia acompanha a emergência de um sentimento problemático, complexo, fonte de angústia: o medo de perder o "eu" (Haroche, 2004).

As décadas finais do século XX se caracterizaram pelo ceticismo. O mundo, desencantado e sem Deus, marcado pela absoluta racionalização científica, produziu formas inéditas de desamparo quando as utopias do Iluminismo e da Modernidade foram silenciadas (Birman, 2001). Dufour (2005) aponta como características da ruptura com a "modernidade" o fim das grandes ideologias dominantes, a desaparição das vanguardas, o desenvolvimento do individualismo, a exibição das aparências, a supremacia da mercadoria e do dinheiro, a diminuição do papel do Estado, as novas tecnologias, as interrogações múltiplas sobre a identidade cultural, a evitação do conflito, a desafetação progressiva em relação ao político, a publicização do espaço privado e a privatização do domínio público. O autor pontua como marcas desse "rompimento" atribuído à modernidade as dificuldades de subjetivação e socialização, a toxicomania, a multiplicação das passagens ao ato, os novos sintomas na clínica, a explosão da delinquência, as novas formas sacrificiais e as novas formas de violência. O sujeito, hoje, encontra-se em um "mundo" (espaço) bastante diferente do vivido pelas gerações anteriores.

As transformações verificadas na contemporaneidade têm produzido uma nova morfologia dos processos sociais, definidos por estilos violentos de sociabilidade, que invertem as expectativas do processo civilizatório (Santos, 2004). Uma transformação tão radical, evidentemente, balança com modelos instituídos de subjetividade. Assim, em uma ordem social tradicional, o sujeito:

é regulado pela longa duração das instituições e pela permanência quase ancestral de seu sistema de regras, que lhe oferecem segurança e grandes certezas (...) Isso porque as escolhas e opções do sujeito são fixadas em detalhes há muito estabelecidos na memória coletiva. Com isso, o potencial de angústia e de incerteza fica bastante restrito. O sujeito passa a se inscrever num mundo que lhe abre muitas possibilidades, mas que também lhe aponta muitas impossibilidades existenciais. (Birman, 2001, p. 79)

Via de regra, tais mudanças geram novas condições do mal-estar e formas outras de subjetivação - o que pode ser evidenciado, por exemplo, nas novas desordens (socio)médicas e suas formas de tratamento.

Entre as novas desordens (socio)médicas, podemos pensar, apenas a título de exemplo e por sua importante prevalência e incidência na população, no transtorno de pânico e na depressão, psicopatologias que estão associadas à dificuldade de criação de sentidos para a vida, sendo suas experiências relacionadas, portanto, à incapacidade do sujeito em ser criativo e dar sentido ao vivido (Maciel & Santos, 2004). Essas "novas" psicopatologias podem ser entendidas como defesas frente ao não reconhecimento mútuo, típico de nossos dias. Sem um lugar social e um reconhecimento simbólico, os sujeitos podem ser acometidos pelo pânico e pela depressão. Panicados e deprimidos não conseguem alcançar a "exigência infinita de performance" exigida pela "civilização do espetáculo" (Debord, 1997). Se há bem pouco tempo a coletividade referenciava simbolicamente os indivíduos fornecendo sinais de sua posição e de sua possível trajetória de vida, na atualidade, estamos "cada um por si". É o sujeito o responsável por seu "fracasso". Deprimidos, panicados e outros são, hoje, um grupo tão incômodo como foi o grupo das histéricas na época vitoriana.

Cabe ressaltar que são "novas" psicopatologias no sentido de como elas aparecem no contexto clínico, de sua intensidade e sentidos atuais. Se pensarmos no sentido da estrutura, essas psicopatologias são velhas conhecidas. Ontem e hoje, trata-se sempre de uma questão pulsional.

Entende-se que diversas questões contribuem para o perfil da psicopatologia e do mal-estar na atualidade, e que a violência é um desses fatores - importante o suficiente para impactar a saúde e a subjetividade humana.

No contexto do mundo do trabalho, Dejours (2011) questiona a preocupação dos profissionais no domínio da saúde do trabalho. Para o autor, as inquietações dos profissionais de saúde estão diretamente relacionadas ao aparecimento de novas patologias, decorrentes das mutações tecnológicas, organizacionais e gerenciais, sendo elas as patologias de esgotamento ou de sobrecarga, lesão por hipersolicitação, LER/DORT (Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), patologias ligadas ao assédio moral, medo de desemprego, suicídios, entre outras.

É razoável, assim, pensar que a cultura do nosso tempo, além de ter produzido outras configurações psicopatológicas, também fez emergir outros modelos de funcionamento psíquico. Isso afeta diretamente a clínica (no caso, a psicanalítica) e, em um domínio mais amplo, a gestão e os próprios serviços públicos de saúde, na medida em que se apresentam como novas demandas de intervenção, tratamento e gastos nos serviços de saúde.

 

"Viver é um Negócio muito Perigoso"? Produção do Medo e do Sofrimento Contemporâneo

Taquicardia. Sudorese. Anda rápido. Mais rápido. Segura a bolsa firme contra o peito. Desce do ônibus. Aquele sujeito é meio estranho... Bala perdida. Ansiedade. Medo. Bala achada. Medo do outro. Medo de morrer. Medo de viver. (Sonoda, 2010)

O título deste item é uma alusão ao livro de João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, publicado originalmente em 1956. Viver é um negócio perigoso é uma expressão utilizada por Riobaldo Tatarana, uma das personagens do romance.

Os estudos sobre psicopatologias contemporâneas pouco têm discutido sobre os desdobramentos da violência urbana para a saúde. Os maiores investimentos parecem estar nas pesquisas de descoberta e/ou desenvolvimento de medicações para as perturbações psíquicas, desconsiderando, em sua maioria, os fatores sociais que fazem parte do ser-estar dos indivíduos no mundo (violências, regime alimentar, espaço, formação acadêmica/educacional, dificuldade de acesso à medicação etc.). Diferentemente, neste trabalho, pretendemos incluir a violência urbana como fator desencadeante de sofrimento/mal-estar, considerando, dessa forma, que a violência urbana pode afetar a saúde humana. Assim, ainda que a violência não seja inicialmente um problema da saúde, ela a afeta.

O relatório mundial da Organização de Saúde (OMS, 2001) destaca, em um dos seus tópicos, os distúrbios mentais mais prevalentes e as situações estressoras pertencentes ao contexto atual da cidade do Rio de Janeiro. O fato de a cidade do Rio ser contemplada no relatório mundial não pode passar despercebido. De acordo com o documento, o transtorno mental possui entre seus determinantes fatores sociais e econômicos, fatores demográficos (como sexo e idade), ameaças graves (como conflitos e desastres), presença de doença física grave e ambiente familiar. O referido relatório ressalta, ainda, uma seleção dos distúrbios que, em geral, causam incapacidade grave se não forem bem tratados e impõem pesados encargos à comunidade. Integram esse grupo: transtornos depressivos, transtornos de uso de substâncias, esquizofrenia, epilepsia, doença de Alzheimer, retardo mental e transtornos da infância e da adolescência.

Para os objetivos do presente trabalho, as considerações mais importantes do relatório são aquelas em relação ao Programa de Saúde Mental, que considera importante agregar algumas situações de risco psicossocial referidos ao contexto carioca e comuns nos serviços de saúde, como a violência doméstica, a violência urbana, a tentativa de suicídio e o isolamento social - fatores que podem agravar ou desencadear os transtornos (OMS, 2001).

Segundo o relatório, a maioria das doenças, mentais e físicas, é influenciada por uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. A evidência científica trazida do campo da medicina comportamental demonstra a existência de uma relação fundamental entre saúde mental e física. As pesquisas mostram que existem duas vias principais pelas quais ambas influenciam-se mutuamente. Uma delas são os sistemas fisiológicos, como o funcionamento neuroendócrino e imunitário. A angústia e a depressão, por exemplo, desencadeiam uma cascata de mudanças adversas no funcionamento endócrino e imune, criando maior susceptibilidade a várias doenças físicas. Outra via de influência é o comportamento "saudável", que diz respeito à dieta alimentar, exercícios, práticas sexuais, uso de tabaco e outras drogas etc.

Os fatores psicológicos do indivíduo também estão relacionados ao desenvolvimento de perturbações mentais/sofrimento psíquico. Fatores sociais, como a urbanização, a pobreza e a rápida transformação tecnológica, também são relevantes. Ainda segundo o relatório, de 20% a 25% de todas as pessoas, em um dado momento de suas vidas, sofreram ou sofrerão algum transtorno psíquico. É importante lembrar que os dados epidemiológicos possuem diferenças relevantes de país a país - variações que dependem, sobretudo, do que se entende por "transtorno mental" e "normalidade" em uma dada cultura. Por exemplo: as categorias diagnósticas do DSM-IV (APA, 1994), por serem bastante abrangentes, costumam apresentar dados epidemiológicos de prevalência mais altos que o CID-10, sistema classificatório dos transtornos mentais e comportamentais da OMS (1993). Em resumo, o manual estatístico utilizado para diagnosticar os transtornos mentais também pode influenciar nos índices epidemiológicos.

Essas perturbações têm impactos (diretos e indiretos) econômicos e sociais importantes a serem analisados. As intervenções em saúde mental são consideradas de alta complexidade no Brasil, o que significa gastos importantes para o Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, a doença mental é a causa de inúmeros processos de incapacitação profissional (o que gera custos para a Previdência Social) e estigma, gerando problemas sérios de reinserção no trabalho, na família e nos demais contextos sociais. É enorme o impacto negativo sobre a qualidade de vida das famílias e dos indivíduos acometidos.

Para Ceccarelli (2005), cada contexto histórico teve sua psicopatologia, ou seja, suas tentativas de decompor o sofrimento psíquico em seus elementos de base, para, a partir daí, compreender, classificar, estudar e tratar o sofrimento/psicopatologia. Como resultado, ao longo do processo sócio-histórico, surgiram várias metapsicologias, cada uma com referências próprias e diferentes perspectivas teóricas-clínicas. Seguindo uma proposta semelhante, Dutra, Fensterseifer e Areosa (2006) consideram que cada situação sócio-histórica evidencia não apenas conceitos muito próprios do que seja saúde, mas também formas muito próprias de apresentação de sintomas e doenças pela humanidade. Nas camadas populares, por exemplo, a expressão de conflitos é colocada como "doença dos nervos", materializando-se no corpo, que é o principal veículo de expressão e comunicação das vivências.

Referindo-se à cidade de São Paulo, Endo (2005) afirma que qualquer habitante se remete a alguns traços comuns quando fala das violências urbanas: a própria vida posta em risco, a convivência com a angústia e com o medo, a morte exposta e nua. Para o autor, viver sob a experiência cotidiana do medo impõe, mais a uns do que a outros, o que ele chama de convivência com o traumático, experiência que se procura evitar a todo custo. Nesse custo, estão incluídos o isolamento, o apoio à ação policial dura e a permissividade ao desrespeito dos direitos civis, desde que sirvam para evitar uma nova repetição do trauma, ao mesmo tempo em que se criam as condições para a sua reprodutibilidade:

A violência letal é sempre traumática para o psiquismo e o obriga a uma contra-ação que expulse do corpo e do psiquismo sua presença indelével. Isso não só para aquele que foi atingido diretamente por um ato violento, mas muitas vezes para um número imenso de pessoas que gravitam em torno do acontecimento e da vítima. (Endo, 2005, p. 287)

Assim, conviver com o traumático não deixa de ser uma forma de perpetuar as condições excessivas que possibilitam o trauma e instaurar as condições subjetivas de sua reprodutibilidade, repetindo compulsivamente o que traumatiza e produz sofrimento. O que é excessivo pode vir à tona nos sonhos traumáticos, nas somatizações e nos relatos de sofrimento acompanhados de um mal-estar difuso, nos quais o indivíduo não se dá conta do que exatamente sofre ou o que o incomoda.

Para o referido autor, a mídia é um segundo trauma: quando a possibilidade de ser surpreendido pela violência se multiplica e se alastra, "junto com isso vem toda uma gama de interpretações, comentários, relatos e imagens sobre o ocorrido", em uma tentativa de dar sentido para o que aconteceu. Conviver com o traumático degrada, e tal excesso promove o segundo trauma:

Se, aparentemente, nada se passa com o espectador enquanto permanece inerte diante do aparelho de TV, subjetivamente, muito deve acontecer para que o sujeito permaneça imóvel e atento, chocado e paralisado, passivo e ativo, sofrendo e gozando, e, é claro, viver um contexto violento contribui decisivamente para isso. A televisão pode passar a ser também aquilo que reproduz incessantemente e oniricamente o traumático. (Endo, 2005, p. 256)

Se, por um lado, a clínica nos apresenta novos sintomas (assumidos como sintomas "do social"), por outro, temos novas maneiras de sofrer com os antigos sintomas.

Diversos estudos (Glicken, 2006; Birman, 2001; Maciel & Santos, 2004; Leite & Birman, 2004) apontam possíveis efeitos para a saúde da população exposta à violência. Medo, ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, baixa autoestima, desconfiança, hostilidade, distúrbios do desenvolvimento e baixo rendimento escolar são alguns dos problemas que a literatura aponta como consequências da violência para a saúde mental das populações expostas. Sobre as vítimas diretas, incluem-se as lesões físicas, como fraturas, desfigurações, queimaduras e abortos, além de situações clínicas crônicas, sobretudo psicossomáticas, como dor pélvica, cefaleias, síndrome do cólon irritável, fibromialgia, entre outras.

Soares, Miranda e Borges (2006) destacam, ainda, a questão das vítimas ocultas da violência, que são os parentes ou pessoas próximas das vítimas diretas, das quais pouco se sabe sobre como reagem e sentem suas perdas.

Souza (2008) enfatiza que o medo parece estar enraizado na população das grandes metrópoles violentas, provocando consequências comportamentais e psicológicas diversas. A fobópole, um conceito cunhado e desenvolvido pelo autor, é uma cidade em que boa parte de seus habitantes sofre de estresse crônico e outras psicopatologias por causa da violência, do medo da violência e da sensação de insegurança. Em casos mais graves, o excessivo ao psiquismo pode aparecer na forma de sintomas mais graves, ocasionando o desenvolvimento de psicopatologias, como transtorno de estresse pós-traumático, depressão, pânico e outras.

A difusão do medo, como aponta Batista (2003, p. 51), "é um mecanismo indutor e justificador de políticas autoritárias e de controle social". Percebem-se ações estatais cada vez mais centradas na repressão policial, em que o uso de mecanismos de controle social e extermínio, como o "caveirão", são cada vez mais presentes e aceitos. Não por acaso a atuação das polícias é tão violenta nos espaços segregados. É muito comum que operações que resultam em mortes de supostos traficantes e outros bandidos nas favelas não seja uma atividade repreendida pelo cidadão comum. Muito pelo contrário: a ação violenta das polícias, muitas vezes, é apoiada pelos setores conservadores da sociedade. A ação violenta da polícia é proporcional à ação violenta do tráfico de drogas. Assim, nas favelas onde o tráfico de drogas é mais violento, a polícia parece responder na mesma medida (Sonoda, 2012).

Na produção do medo contemporâneo, ganham destaque as ameaças com alto grau de imprevisibilidade, que não permitem controle sistemático, como o terrorismo e a violência urbana. O medo socialmente produzido só encontra lugar na sociedade na medida em que absorve as angústias e inseguranças presentes nela, traduzidas na forma de ameaças visivelmente perceptíveis e potencialmente próximas, inserindo-se no campo da produção das subjetividades.

Junto a isso, pode-se pensar também em um processo de naturalização/internalização da violência urbana. Submetidos a doses "homeopáticas" diárias de violência, os moradores de espaços periféricos e favelas se "acostumam" com a violência sofrida. Cotidianizadas e banalizadas, as violências obrigam a coletividade a preparar-se diariamente para a possibilidade do enfrentamento desse problema. Todos nós somos impactados pela violência e estamos sujeitos a ela e aos seus efeitos.

Autores como Coimbra (2001) e Brasil (2003) interessam-se em pesquisar as produções contemporâneas de subjetividade frente ao fenômeno da violência. Como essa violência é produzida e como ela se mantém? Quais fatores políticos envolvem a manutenção do estado de terror?

Brasil (2003) aponta que o tema da violência atual incide sobre a clínica, desestabilizando modelos tradicionais. Os relatos de situações em que a violência desborda, seja pela intensidade com que se apresenta, seja por seu caráter inusitado, tem posto os profissionais frente a impasses que põem em xeque não apenas as referências teóricas e clínicas, mas o modo de funcionamento social, as relações sociais e as condições atuais de cidadania. Seria a violência de outra ordem que não o sintoma? Como agir frente aos relatos de violência, carregados de dor? Como os profissionais "psi" devem ouvir isso?

As unidades de saúde mental têm servido como ponto de referência aos afetados por situações de violência. Elas passaram a funcionar como ponto de ancoragem para a clientela em busca de apoio e/ou de medicamentos para enfrentar situações-limite. Pacientes e familiares unem suas vozes para pedir reconhecimento de que a violência é capaz de enlouquecer. Além da demanda por atenção clínica, as unidades passam a ser uma referência de acolhida protetora para os ameaçados pela polícia ou pelo narcotráfico até que se viabilize outro tipo de apoio familiar ou institucional.

O atendimento imediato às vítimas e todo o esforço de reabilitação e readaptação representam, hoje, no Brasil, uma sobrecarga dos serviços de emergência dos hospitais gerais, dos centros especializados e dos institutos médico-legais, indicando a necessidade de adequação de recursos humanos e de equipamentos ao crescimento da demanda por tratamento (Minayo, 1994; Dimenstein, 2001). A violência, especificamente a violência urbana, está entrando "na agenda" da saúde (Minayo, 1994, 2006), contribuindo para a produção de mal-estar e gerando gastos para o sistema público de saúde.

Podemos pensar em como a contemporaneidade e as características do espaço (marcado pela violência, pela precariedade e pela ausência) podem interferir no processo saúde-doença dos indivíduos.

No plano coletivo, começamos a nos "acostumar" com o fechamento dos espaços de convivência, através de contenções físicas (grades, muros, cercas) e simbólicas (medo, constrangimento, estigma etc.). A psicanalista Junia de Vilhena (2009) chama a atenção para esse distanciamento da convivência: tal movimento, que possui múltiplas causas e fatores de manutenção, tem repercussões clínicas e provoca uma inversão histórica da tradição milenar - o que agora causa pânico são os espaços abertos, e não mais os fechados. Para a autora, com a qual concordamos, não deve ser coincidência tantos diagnósticos de síndrome do pânico e tão graves (e rápidas) mudanças em nossa sociabilidade:

Na paranoia da segurança há uma colonização de nosso imaginário que se rende à inexorabilidade do fechamento, do distanciamento daquele que não mais reconheço como semelhante. A privatização do espaço público esvazia o que de político há nele - o espaço aberto para as discussões - a polis. (Vilhena, 2009, p. 14)

A depender da intensidade do crime e da personalidade de quem o sofre, as consequências são graves: desde evitar certos locais em certos horários até o desenvolvimento de sérios transtornos psíquicos, como transtorno de pânico, agorafobia, estresse pós-traumático, depressão, entre outros.

Com relação aos gastos no sistema de saúde público, a pesquisadora Edinilsa Souza (2009) analisa a questão da violência urbana na saúde a partir de dois pontos: i) o aumento do número de mortes geradas pela violência e ii) a morbidade. A pesquisadora aponta que quem vive ou testemunha a violência apresenta síndrome do estresse pós-traumático e sintomas físicos, como insônia, tremores e suor em excesso. Pode também ficar deprimido e apresentar falta de apetite. Para atender esses usuários, o sistema público deve ampliar emergências e aumentar as equipes de saúde, o que gera custos. "A violência causa prejuízo aos cofres públicos também", afirma a pesquisadora.

Vale destacar uma pesquisa realizada recentemente pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro ("Correlação entre transtorno de estresse pós-traumático, luto materno e distúrbios cardíacos") e coordenada pela psiquiatra Vera Lemgruber (2009). Os resultados mostram como as pessoas que passaram por situações de violência extrema revivem, com o próprio corpo, os momentos de perigo e de dor.

Para chegar aos resultados que relacionam diretamente problemas cardiovasculares a traumas decorrentes da violência, foi estudada, durante dezesseis meses, a incidência de transtorno de estresse pós-traumático em mães que tiveram seus filhos mortos violentamente ou desaparecidos. Essas mães são chamadas "vítimas indiretas da violência". Das onze mães estudadas, dez apresentaram o transtorno, que tem como consequência o aparecimento de problemas cardíacos. Os afetados pelo problema também sentem sintomas que simulam um infarto agudo do miocárdio, com dor no peito, alterações no eletrocardiograma e nas enzimas cardíacas. Para os pesquisadores envolvidos, o contexto violento do Rio de Janeiro facilita o desenvolvimento do transtorno. A pesquisa aponta ainda para a importância do tratamento médico e psicológico das vítimas de violência urbana. Contudo, as populações pobres, que são as maiores vítimas de violência, estão entre as pessoas com maiores dificuldades de acesso ao sistema de saúde.

 

Considerações Finais

Na contemporaneidade, perdemos a cota de segurança que justificou a renúncia pulsional da civilização. Temos, assim, uma dupla perda: a pulsional e a proteção.

Comentando Freud, Mezan (2006) pontua que as principais causas do sofrimento psíquico na época vitoriana eram por conta da insatisfação pulsional, impostas pela sociedade dita patriarcal, na qual a religião possuía relevante peso, com uma moral sexual que exigia pesadas renúncias aos indivíduos. Assim, havia, por um lado, a repressão social e, por outro, a renúncia dos indivíduos a seus desejos e fantasias. Nessa renúncia, poderiam ser encontradas as razões da infelicidade, do mal-estar e da insatisfação.

Parece existir um paralelo importante entre a constituição do psíquico e a constituição do "social". Se for correto o pressuposto de que, na contemporaneidade, esse "eu" é mal constituído, frágil, quebradiço e fragmentado, o "social" também não o seria? A falha na constituição do "eu" seria também uma falha na constituição do "social"?

Ao levarmos em conta que o sujeito é produto e produtor da sociedade, podemos entender melhor as relações entre a constituição do sujeito e a constituição do social.

Inicialmente, reconhecemos a dificuldade de estudar a nossa época, por estarmos em pleno processo de produção desse contemporâneo. Estamos analisando um fenômeno em "tempo real", de forma que qualquer estudo é provisório e especulativo.

O mal-estar na civilização não desapareceu. Muito pelo contrário, ele está mais presente que nunca, travestido em novas formas. Parece-nos importante entender como o aparelho psíquico trabalha para dar conta das rápidas transformações socioestruturais que nos assolam. Que marcas seriam essas que caracterizam a nossa época e estariam caracterizando também a constituição do sujeito (e, é claro, do social)?

O século XIX foi marcado por uma pesada repressão da sexualidade e, ao mesmo tempo, um século de prostíbulos e prostitutas famosas. Um paradoxo (repressão/exaltação) sexual que foi traduzido em sintomas histéricos em muitas mulheres dessa época. Assim, no século XIX, as histéricas não poderiam ser outra coisa.

Se a Viena de Freud teve como subproduto clínico a histeria, questiona Maia (2001): quais seriam as implicações entre a cultura contemporânea a as manifestações psicopatológicas que inquietam a todos, sobretudo aos analistas em seus consultórios?

Parece ser consenso entre os estudiosos que estamos em um momento histórico e social marcadamente distinto da época em que Freud produzia a psicanálise, mas é preciso deixar mais claras as características dessa contemporaneidade, responsáveis por mudanças da subjetivação dos sujeitos. O que está produzindo tanta depressão, pânico e constituições arcaicas hoje?

O homem moderno, que acreditara em um mundo inteligível, regular e indubitável, já não tem certeza de nada. O projeto moderno falhou e as promessas da modernidade não foram cumpridas. A ciência não tornou o mundo melhor e mais seguro. Nem a religião. Tampouco o Estado. Isso refletiu na queda da legitimidade das tradições e no desamparo. A questão do enfraquecimento da figura paterna - não abordada neste texto - também é importante para o debate.

A mudança na configuração da constituição da subjetividade parece estar diretamente relacionada às mudanças sociais. A estrutura de uma sociedade revela muito sobre os indivíduos que a compõem. Como afirma Birman (2001), o que caracteriza a subjetividade na cultura do narcisismo - e aqui tomamos a contemporaneidade como profundamente narcísica - é a impossibilidade de poder admirar o outro em sua diferença radical. Para o referido autor, com o qual concordamos, esse é o cenário para a explosão da violência (não a violência constitutiva, mas a violência social e mortífera) na cultura contemporânea. Violência que assume formas diversas e inéditas.

 

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Recebido em 17 de outubro de 2011
Aceito em 15 de agosto de 2012
Revisado em 02 de janeiro de 2013

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