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Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

Print version ISSN 1519-0307On-line version ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.17 no.1 São Paulo June 2017

http://dx.doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v17n1p69-76 

ARTIGOS

 

Só ele me interessa! Aspectos simbióticos durante uma psicoterapia pais-bebê

 

Only he interests me! Symbiotics aspects during a parent-infant psychotherapy

 

Solo el me interessa! Aspectos simbióticos durante uma psicoterapia padres-bebé

 

 

Evanisa Helena Maio de BrumI; Aline Grill GomesII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

A Psicoterapia Pais-Bebê (PPB) está sendo muito utilizada no tratamento dos distúrbios presentes nas relações pais-bebê, e objetiva, principalmente, intervir nas eventuais representações patológicas que os pais possam ter acerca do seu bebê. Participou deste estudo uma família composta por um casal e seu bebê, os quais foram atendidos em 16 sessões de PPB. A mãe apresentava indicadores de depressão, o bebê, sintomas psicofuncionais e o casal dificuldades no relacionamento. O objetivo deste estudo foi verificar as eventuais modificações nas representações dos pais em relação ao bebê e apresentar a evolução do caso no tratamento. Os resultados revelaram melhora no quadro depressivo materno e no relacionamento do casal, esbatimento dos sintomas psicofuncionais do bebê e elementos de modificação na representação materna acerca do filho. Desta forma, é possível pensar que a psicoterapia pais-bebê teve um importante papel preventivo e de promoção da saúde mental para este bebê e sua família.

Palavras chaves: Psicoterapia Pais-Bebê, Avaliação, Processo, Sintomas Psicofuncionais, Depressão Materna.


ABSTRACT

Parent-Infant Psychotherapy (PIP) has the objective of modifying the eventual pathological representations of the parents regarding the baby and it has been highly used on the treatment of the disturbs present on those relationships. In this study participated a family composed by a couple and their baby. The mother exhibited indicators of depression, the baby, psycho functional symptoms and the couple has difficulties on their relationship. They went through 16 sessions of PIP. In this way, this study has the objective of verifying the eventual modifications of the representation of the parents regarding the baby, as so presenting the cases of one family assisted with the PIP. The results revealed improvement on the depressive state of the mother and on they relationship of the couple, decrement of the psycho functional symptoms of the baby and modification on the maternal representation. Furthermore, it is possible to reflect that the Parent-Infant Psychotherapy, on the studied case, had an important role of prevention and promoting awareness on the matter of mental health-care for the baby and its family.

Keywords: Psychotherapy Parent-Infant, Evaluation, Process, Psycho Functional Symptoms, Maternal Depression.


RESUMEN

La Psicoterapia Padres-Bebé (PPB) ha sido bastante utilizada en el tratamiento de los disturbios presentes en las relaciones padres-bebé, con el objetivo de intervenir, principalmente, en las eventuales representaciones patológicas que los padres puedan tener acerca de su bebé. Participó en este estudio una familia compuesta por una pareja y su bebé, los cuales fueron atendidos en 16 sesiones de PPB. La madre manifestaba indicadores de depresión, el bebé síntomas psicofuncionales y la pareja dificultades en la relación. El objetivo de este estudio fue verificar las eventuales modificaciones en las representaciones de los padres con respecto al bebé y presentar la evolución del caso en el tratamiento. Los resultados revelaron una mejora en el cuadro depresivo materno y en la relación de la pareja, el esbatimento de los síntomas psicofuncionales del bebé y los elementos de modificación en la representación materna sobre el hijo. De esta forma, es posible pensar que la psicoterapia padres-bebé tuvo un importante papel preventivo y de promoción de la salud mental para este bebé y su familia.

Palabras claves: Psicoterapia Padres-Bebé, Evaluación, Proceso, Síntomas Psicofuncionales, Depresión Materna.


 

 

1 - INTRODUÇÃO

A Psicoterapia Pais-Bebê (PPB) objetiva intervir nas eventuais representações patológicas dos pais em relação ao bebê e está sendo muito utilizada no tratamento dos distúrbios presentes nestas relações (CRAMER; PALACIO-ESPASA, 1993; STERN, 1997). As pesquisas com este tipo de intervenção têm revelado resultados satisfatórios, como a melhora dos sintomas depressivos maternos, dos sintomas psicofuncionais do bebê e da qualidade das interações pais-bebê, o aumento da sensibilidade materna, bem como alterações positivas nas representações maternas (GOODMAN, et al., 2015; LENZE; RODGERS; LUBY, 2015).

Embora vários autores apontem a importância da PPB como uma intervenção precoce relevante, ainda são poucos os estudos voltados para a avaliação deste tipo de atendimento. Além disto, a maioria das pesquisas avalia o resultado da eficácia da psicoterapia, comparando tipos de intervenções conjuntas com avaliações antes e depois das intervenções ou somente depois (GOODMAN, et al., 2015; LENZE; RODGERS; LUBY, 2015) e poucos se configuram em estudos de caso.

A PPB, conforme sistematizada por Cramer e Palacio-Espasa (1993), está fundamentada no entendimento de que as psicopatologias do bebê decorrem de perturbações relacionais e, portanto, devem ser compreendidas no contexto da relação pais-bebê. Partindo do exposto, o presente estudo tem como objetivo: verificar as eventuais modificações das representações dos pais em relação ao bebê, bem como apresentar a evolução do caso de uma família atendida em PPB, especificamente relativo aos processos de mudança.

 

2 - MÉTODO

Os nomes dos participantes do seguinte estudo foram alterados para preservar a privacidade dos participantes.

Participaram deste estudo uma família composta pelo pai Ricardo (36 anos) pela mãe Luana (32 anos) e o bebê Jeferson (11 meses). O casal vivia em união estável há quatro anos. Ricardo tinha também outro filho, Pedro (nove anos), de seu primeiro casamento. Esta família fazia parte de um projeto maior (ver PICCININI et al., 2003), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS (Protocolo 200396). A família deste trabalho participou da avaliação inicial, das sessões de PPB e foi avaliada uma semana e seis meses após a psicoterapia.

Foi utilizado um delineamento de estudo de caso único (STAKE, 1994) para investigar o processo psicoterápico pais-bebê. Na Fase I as mães preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o Inventário Beck de Depressão (CUNHA, 2001), a Entrevista sobre dados sociodemográficos e a Entrevista Diagnóstica, que visava avaliar características clínicas de depressão. Já a Fase II envolveu a realização da Psicoterapia Pais-bebê (CRAMER; PALACIO-ESPASA, 1993; STERN, 1997). Esta consiste na formulação de um foco de tratamento, definido pela identificação de modalidades interativas patológicas que correspondam à formação de sintomas no bebê e à desestruturações das relações precoces entre pais e bebê. Dentro desse enfoque, o terapeuta pode demonstrar o papel etiológico da formação dos sintomas relacionando-os às representações conflituosas dos pais. A literatura sugere que seja realizada de seis a doze sessões, em encontros semanais, dependendo da evolução do caso. No presente estudo, a família participou de 16 sessões com duração aproximada de uma hora. Todas as sessões foram gravadas em áudio e vídeo. Fizeram parte do projeto longitudinal cinco terapeutas treinadas em relação à teoria e técnica da PPB e supervisionadas por um psiquiatra especialista nesta abordagem.

 

3 - RESULTADOS

Na entrevista diagnóstica, Luana relatou sentimentos de tristeza e irritação em relação ao marido, às tarefas da casa, além de desvalia, ansiedade, desânimo, apetite aumentado e culpa em separar-se do filho para trabalhar, indicando um quadro depressivo. Isto foi confirmado através do escore do BDI (14 pontos), que indicou que Luana estava com depressão leve. Ricardo não apresentava depressão segundo a entrevista diagnóstica, o que foi confirmado pelo BDI (10 pontos). Nesta entrevista ficou evidente a preocupação do casal com o relacionamento conjugal, pois estavam constantemente se desentendendo e falando em separação. Luana referiu que a irritação em relação ao marido iniciou após o nascimento do filho, disse que antes julgava que eles eram um casal feliz, estavam sempre "grudados" e que agora ela estava "grudada" em seu filho e indiferente ao marido. Referiu que a sensação era de que teria transferido tudo que sentia por Ricardo para Jeferson. Além disto, o casal se desentendia pelo ciúme que Luana sentia em relação a Pedro, filho mais velho de Ricardo.

Luana referiu que sua mãe e irmãs afastaram-se completamente dela por não aceitarem a gravidez, o que a deixava muito triste e frustrada, pois sua expectativa era de que o bebê viesse para unir a família. Não conseguia entender os motivos desse afastamento, mas acreditava que se devia à sua relação com Ricardo que não era aprovada. Contou que sua mãe sempre fora fria e distante com os filhos.

A relação com o filho também a preocupava, pois precisava estar disponível para ele o tempo todo, tinha que estar "grudada" com ele ou ele chorava muito e, desta forma, acabava não conseguindo executar as tarefas de casa, o que a irritava. Descreveu-o como um bebê exigente e agitado, com dificuldades para adormecer e com comportamentos autoagressivos (batia a cabeça quando contrariado).

 

4 - DISCUSSÃO DO CASO A PARTIR DO PROCESSO PSICOTERÁPICO PAIS-BEBÊ

A partir das sessões de psicoterapia e dos dados obtidos nas entrevistas de avaliação, evidenciou-se que, apesar de Luana ter procurado atendimento para si, devido à sua depressão, toda a família e o relacionamento conjugal estavam sendo afetados pelo seu quadro clínico. Além disto, seu estado afetivo atingia a interação com o filho, que, por sua vez, apresentava sintomas e era descrito por ela como "uma criança exigente e agitada". Desta forma, ela se sentia incapaz de dar conta do marido, da casa e do filho.

A terapeuta foi ao longo do tratamento trabalhando a respeito das vivências significativas da vida de Luana - como o abandono materno e familiar e construindo junto com ela a sua história. Para Freud (1937/1980), o termo correto para estas situações que ocorrem no tratamento é construções, pois as formulações psicanalíticas não são réplicas exatas dos eventos anteriores da vida do paciente, mas são na realidade, hipóteses complexas que se destinam a reconstruir em seus aspectos simultaneamente reais e fantasmáticos, uma parte da história infantil do indivíduo, o que possibilita ao paciente dar um sentido aos seus conflitos atuais e elaborá-los.

Um momento importante do tratamento ocorreu na segunda sessão: enquanto Jeferson brincava e a mãe atendia incessantemente suas solicitações, sem quase olharem para a terapeuta ou referirem-se a ela, a terapeuta começou a se sentir excluída da cena. Este sentimento contratransferencial lhe serviu para compreender o que ali se passava e provavelmente o que Ricardo deveria sentir ao ser colocado de fora, e comunicou à dupla o que se passava ali naquele momento:

"Terapeuta: ...agora a gente ficou um tempo olhando para ele, como se ele ocupasse todo o nosso espaço aqui.

Luana: Tudo girando em torno dele, né?

Terapeuta: E aí eu fiquei pensando se em casa não era assim como estava sendo aqui. Que o Ricardo fica meio...

Luana: De lado!

Terapeuta: É, de lado. Como eu fiquei, de alguma forma...

Luana: Foi o que eu te falei, né? É que para mim tudo gira em torno dele. Eu acho que eu não soube dividir a minha atenção, o meu amor, com o Jeferson e com o Ricardo.

Terapeuta: É como se só ele te chamasse a atenção.

Luana: Por isso que o Ricardo ficou de lado, porque gira a minha atenção toda em torno dele."

Essa interpretação nos remete à contratransferência produtiva como refere Bollas (1992), na qual, o analista realiza a clivagem de seu ego em duas partes: a primeira permite ser ocupada pelo paciente, como se o paciente "entrasse no analista" e este pudesse sentir em si o mundo interno do paciente. Esta parte, de acordo com Bollas, fica necessariamente e temporariamente doente. A segunda parte "segue fora do paciente" e permanece observadora e avaliativa, capaz de realizar seu trabalho analítico ao utilizar o que sentiu quando foi ocupada pelo paciente. Assim, no presente caso, podemos dizer, com base nas concepções de Bollas, que a terapeuta permitiu-se ser ocupada por Luana para sentir seu mundo interno simbiótico, enquanto a outra parte do ego da terapeuta seguiu observador e avaliativo, pois ela utilizou o que sentiu contratransferencialmente ao interpretar sua sensação de exclusão.

Outro aspecto a ser apontado refere-se à dramatização da díade no aqui e agora que ocorreu em três momentos ao longo do tratamento e revelou a criação de um espaço para a expressão livre (POLLAK-CORNILLOT, 2003) do filho Jeferson. O primeiro foi na segunda sessão quando a terapeuta interpretou que Luana tinha sim outro homem: o filho, e que ele ocupava todos os espaços em sua vida, o de filho e de homem. Neste momento, Jeferson passou a falar e dar risadas, demonstrando muita alegria, Luana embalou seu corpo como se estivesse dançando. Parece que ele com seu comportamento demonstrava alegria por ser tudo na vida de sua mãe, conforme pode ser verificado no fragmento abaixo:

"Luana: É por isto que o Ricardo já achou que eu tinha outra pessoa...

Terapeuta: Tem outra pessoa.

Luana: Não.

Terapeuta: Tem!

Luana: Não, eu digo assim... Um homem. Um namorado no serviço, se eu tô gostando de alguém. Não é nada disso.

Terapeuta: Porque em parte o Ricardo tem razão porque o Jeferson passou a ser tudo.

Luana: Tudo!(sorri).

Terapeuta: Ele faz até papel de um homem, ele tira o interesse até da relação sexual.

Luana: Eu não tenho vontade nenhuma de transar. Nem com o Ricardo, nem com ninguém.

Bebê: fala e dá risada [movimenta-se, dança, demonstra alegria]."

O segundo episódio ocorreu na décima sessão quando estava sendo trabalhada a necessidade de Luana de ter relações simbióticas, tanto com o filho como com o marido e disse que tinha receio que o marido a abandonasse depois do nascimento do filho:

"Terapeuta: Mas tu repara que tu já estavas imaginando que ele ia fazer uma relação dele com o Jeferson e que tu ia ficar isolada. Não existe espaço pra mais de dois. Mas tu vê como isso é assim. Se tu tá me dizendo que tu não imagina ele [Jeferson] isolado. Como se tu imaginasse que o Ricardo ficasse com ele e tu ficasse de fora. Tão horrível como é pra ti quando tu não é incluída. É como quando tu vê o Ricardo e o Pedro e tu não está incluída, é desesperador".

Neste momento, o filho começou a gritar muito, puxou a mãe querendo-a só para ele, chegando a virar o rosto dela para si, de forma que Luana não olhasse para a terapeuta dramatizando o conflito que estava sendo trabalhado na sessão. O terceiro episódio ocorreu na décima primeira sessão, quando Luana estava muito deprimida, o que podia ser percebido através de sua fisionomia triste, seu olhar perdido e por sua apatia. Logo, Jeferson passou a apresentar comportamentos de extrema agitação e a solicitar a mãe a todo instante. Nestes três episódios podemos observar a materialização descrita por Cramer e Palácio-Espasa (1993), pois encontramos a "coincidência" entre o enunciado do conflito feito pela mãe e sua materialização interativa entre os dois protagonistas que o dramatizaram na sessão.

Outro fator importante a ser considerado é a relação de confiança que se estabeleceu da paciente com a terapeuta, dando espaço a construção de uma aliança terapêutica positiva. O que pode ser verificado, por exemplo, no seguinte fragmento:

Luana revela sua tristeza diante da separação da terapeuta:

"Luana: Ah, é. Não, e tu já conhece tudo, tu já sabe tudo. (risos) Aí começar tudo de novo com uma outra pessoa. Todo esse tempo que a gente já vem conversando.

Terapeuta: É difícil falar em término, separação. Essas coisas são difíceis pra ti, né, Luana?

Luana: Uhum.

Terapeuta: Muitas vezes são difíceis. E se a gente não fala é pior, né?

Luana: É claro. É, eu... A sensação que eu tive agora foi de tristeza, pra te ser bem sincera. Eu queria continuar contigo assim, porque a gente tá há um tempo juntas."

Chatoor e Krupnick (2001) também referiram que a relação da dupla terapêutica no aqui e agora da sessão é um importante fator para mudanças psíquicas no paciente, pois quando o paciente se sente em conexão com o terapeuta, passa a vê-lo como um novo objeto. No caso de Luana pensamos que a terapeuta ofereceu-se como uma figura compreensiva e acolhedora, permitindo a aproximação de Luana. O fragmento de sessão abaixo parece revelar o processo terapêutico com relação à posição ocupada pela terapeuta. Situação que ocorreu na décima quarta sessão quando a terapeuta falou que era preciso marcar o dia da última sessão e Luana demonstrou novamente muita tristeza, começou a chorar e pediu para seguir sendo atendida pela terapeuta. Seu choro era intenso e seguiu presente até o final da sessão. Foi possível constatar que o choro de Luana revelou-se em um insight afetivo de grande importância, pois Luana conseguiu apresentar para a terapeuta o bebê desamparado que estava dentro dela e que chorava pedindo pela terapeuta/mãe. Desta forma, revelou que não estava utilizando suas defesas tão conhecidas de distanciamento e independência. Luana parecia começar a contatar com o bebê que existia dentro dela, um bebê vivo e desamparado que precisava ainda de cuidado. Podemos supor que sua postura autossuficiente começou a dar lugar a uma outra parte mais dependente, que ainda precisava de ajuda e amparo emocional, e que agora estava conseguindo aparecer na relação com a terapeuta:

"Terapeuta: Eu vou estar aqui. Se tu precisar ligar. Eu vou estar aqui.

Luana: (chora) É que eu queria seguir contigo."

Quanto ao diagnóstico, Luana apresentava depressão leve na avaliação inicial e ao final do tratamento não apresentava mais este quadro clínico, seus escores no BDI passaram de 14 para dez pontos. Em relação aos sintomas psicossomáticos apresentados por Jeferson, estes, não foram mais mencionados pela mãe durante o tratamento e na entrevista realizada uma semana após o término do tratamento, Luana relatou que considerava o filho carinhoso, que ele chorava pouco e se tranquilizava com facilidade e que era uma criança fácil. Também os comportamentos auto agressivos de Jeferson não foram mais relatados pela mãe. Podemos supor que as sessões de PPB fizeram com que Jeferson passasse a ser capaz de ter comportamentos de autoconsolação, não precisando mais agredir-se diante de situações de ansiedade ou angústia (POLLAK-CORNILLOT, 2003). Há certo consenso na literatura, que a PPB pode conduzir a mudanças positivas tanto no sintoma da criança, como nos sintomas maternos (MURRAY et al., 2003), o que encontramos no caso de Luana e seu filho.

Podemos supor que a descrição de Luana acerca do filho ser uma criança fácil reflita a alteração de sua representação mental em relação a ele (STERN, 1997). Desta forma, Luana passou a representar mentalmente o filho de forma menos distorcida e menos carregada de projeções e conteúdos inconscientes seus. Murray et al. (2003) também encontraram que as mães referiram menos dificuldades de lidar com seus filhos o que estava relacionado, entre outras questões, à alteração da representação mental destas mães após a PPB.

Em relação à queixa inicial de Luana sobre as dificuldades com o marido encontramos que com o tratamento, ela passou a sentir-se menos irritada com ele e com mais vontade de se aproximar, porém sem saber como fazê-lo. De acordo com Frizzo (2008) a depressão pós-parto é um transtorno multideterminado e o relacionamento conjugal, neste contexto, pode ser vivenciado de forma conflituosa. A autora destacou que o estabelecimento de uma relação de apoio entre os cônjuges e a participação do pai na psicoterapia pode contribuir para a melhora da qualidade da relação conjugal. Podemos supor, no caso de Luana, que a ausência destas duas questões apontadas por Frizzo (2008) tenham influenciado nas dificuldades que seguiam presentes na relação do casal, pois Luana não se sentia apoiada pelo marido e apesar dos convites para que ele viesse às sessões, ele só compareceu ao último encontro. Ademais, Luana via Ricardo como sendo um elemento que levou ao distanciamento de sua família em relação a ela, o que possivelmente também tenha interferido.

Com o tratamento, Luana passou a dar conta do filho e das tarefas de casa, o que nos leva a supor que esta prática foi alterada através da compreensão da influência de questões transgeracionais de não sentir sua mãe disponível emocionalmente para os filhos. Luana temia reproduzir este modelo de mãe para Jeferson, e, portanto, diante de qualquer solicitação dele largava tudo para atendê-lo. Quando conseguiu entender esta relação pôde se sentir tranquila para terminar as tarefas dela e da casa mesmo diante de eventuais demandas dele. Isto sugere a importância da compreensão e elaboração das questões transgeracionais para a melhora dos comportamentos disfuncionais da díade (FRAIBERG et al., 1994).

Por fim, consideramos que apesar das melhoras apresentadas pela díade, Luana permanecia com dificuldades em sua relação com o marido e seu padrão de relações simbióticas seguia presente, o que levou a necessidade de indicação de um tratamento mais extenso; o que foi realizado pela terapeuta. De qualquer modo, é possível se pensar que a psicoterapia pais-bebê, no caso de Luana, por se tratar de uma intervenção realizada nos momentos iniciais da vida de seu filho, teve um importante papel preventivo e de promoção da saúde mental para ele e para a díade.

 

5 - REFERÊNCIAS

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Recebido em: 12.07.2017
Aceito em: 18.08.2017

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