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Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

Print version ISSN 1519-0307On-line version ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.17 no.2 São Paulo Dec. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v17n2p8-17 

ARTIGOS

 

Estresse materno e necessidade de cuidado dos filhos com TEA na perspectiva das mães

 

Maternal stress and need for care of children with ASD from the perspective of mothers

 

Estrés materno y necesidad de cuidado de los hijos con TEA en la perspectiva de las madres

 

 

Michele ChristmannI; Mariana Amaro de Andrade MarquesII; Marina Monzani da RochaIII; Luiz Renato Rodrigues CarreiroIV

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie
IIIUniversidade Presbiteriana Mackenzie
IVUniversidade Presbiteriana Mackenzie

 

 


RESUMO

Elevados níveis de estresse são encontrados em mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A literatura atribui o estresse à sobrecarga associada ao papel de cuidadora principal da criança. Diante da necessidade de dar a palavra às mães para melhor compreender suas vivências, o objetivo desta pesquisa foi avaliar o estresse e verificar a percepção que elas possuem sobre a relação entre estresse e necessidade de cuidado do filho. Participaram 23 mães de crianças com TEA que frequentavam uma instituição. Elas responderam o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de LIPP (ISSL), que confirmou a alta prevalência de estresse (73,9%), com maioria dos sintomas psicológicos (64,7%). Elas também responderam à uma entrevista semidirigida, através da qual se identificou que mais da metade considera muito difícil ter um filho com TEA. Foi atribuída relação direta entre os cuidados necessários com a criança e o estresse experienciado. Reflexões sobre fatores importantes associados ao estresse e à saúde mental das mães são apresentadas. Conclui-se que é necessário oferecer intervenções para facilitar a adaptação da família à necessidade de cuidado de seu filho com TEA e fomentar a estruturação de uma rede social de apoio para aumentar a qualidade de vida das mães.

Palavras-chave: Autismo, estresse, mães, cuidadores, relações familiares.


ABSTRACT

High levels of stress are found in mothers of children with Autistic Spectrum Disorder (ASD). The literature attributes stress to the overload associated with the primary caregiver role. Faced with the need to give voice to the mothers in order to better understand their experiences, the objective of this research was to evaluate stress levels and to verify their perception about the relationship between need for child care and stress. 23 mothers of ASD children attending an institution participated. They responded to the LIPP Adult Stress Symptom Inventory (ISSL), which confirmed the high prevalence of stress (73.9%), with majority of psychological symptoms (64.7%). They also responded to a semi-structured interview, which identified that more than half consider it very difficult to have a child with ASD. Direct relationship between the necessary care with the child and the experienced stress was established. Reflections on important factors associated with mothers' stress and mental health are presented. It is concluded that it is necessary to offer interventions to facilitate the adaptation of the family to the need to care for their child with ASD and to encourage the structuring of a social support network to increase the quality of life of mothers.

Keywords: Autism, stress, mothers, caregivers, family relations.


RESUMEN

Niveles elevados de estrés se encuentran en madres de niños con Trastorno del Espectro Autista (TEA). La literatura atribuye el estrés a la sobrecarga asociada al papel de cuidadora principal del niño. Ante la necesidad de dar la palabra a las madres para comprender mejor sus vivencias, el objetivo de esta investigación fue evaluar el estrés y verificar la percepción que ellas poseen sobre la relación entre estrés y necesidad de cuidado del hijo. Participaron 23 madres de niños con TEA que frecuentaban una institución. Ejas respondieron al Inventario de Síntomas de Estrés para Adultos de LIPP (ISSL) que confirmó la alta prevalencia de estrés (73,9%), con la mayoría de los síntomas psicológicos (64,7%). También respondieron a una entrevista semidirigida, que identificó que más de la mitad considera muy difícil tener un hijo con TEA. Se ha asignado una relación directa entre los cuidados necesarios con el niño y el estrés experimentado. Reflexiones sobre factores importantes asociados al estrés y salud mental de las madres se presentan. Se concluye que es necesario ofrecer intervenciones para facilitar la adaptación de la familia a la necesidad de cuidado de su hijo con TEA y fomentar la estructuración de una red social de apoyo para aumentar la calidad de vida de las madres.

Palabras-clave: Autismo, estrés, madres, cuidadores, relaciones familiares.


 

 

1 - INTRODUÇÃO

As características essenciais do Transtorno do Espectro Autista (TEA) são prejuízos persistentes na comunicação social recíproca, na interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesse ou atividades (ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA [APA], 2014). Esses sintomas estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o funcionamento diário. Manifestações do transtorno variam muito dependendo da gravidade da condição do autista, do nível de desenvolvimento e da idade cronológica. A versão atual do DSM apresenta o TEA como a condição que engloba transtornos antes chamados de autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger (APA, 2014).

Crianças com TEA enfrentam dificuldades para a realização de tarefas comuns, próprias a cada fase de desenvolvimento. Isto porque as características clínicas da síndrome aumentam a demanda por cuidados e, consequentemente, o nível de dependência de pais e/ou cuidadores. A família destas crianças, por sua vez, se vê frente ao desafio de ajustar seus planos e expectativas futuras a essa nova condição, além da necessidade de adaptar-se à intensa prestação de cuidados em relação às necessidades específicas do filho (EBERT; LORENZINI; FRANCO DA SILVA, 2015; BOSA, 2006).

Esses desafios são apresentados à família justamente por se configurar como o principal microssistema em que a pessoa em desenvolvimento estabelece relações significativas e estáveis (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006). Os pais, além de prestadores de cuidados, modelos, disciplinadores e promotores da socialização dos filhos, assumem posição central no que se refere à estimulação para favorecer o desenvolvimento dos filhos (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006; EBERT; LORENZINI; FRANCO DA SILVA, 2015; PÉREZ-LÓPEZ et al., 2012; SANCHES; JÚNIOR, 2011).

Neste contexto, o diagnóstico de TEA tem sido apontado como uma fonte de estresse para os pais, que apresentam índices de estresse mais elevados do que pais de crianças com desenvolvimento típico e atípico com outros diagnósticos (CADMAN et al., 2012; HAYES; WATSON, 2012). Pesquisadores de diferentes regiões e países encontram estresse agudo em famílias que possuem um membro com diagnóstico de autismo (GOMES et al., 2015; FÁVERO; SANTOS, 2005). Especial atenção tem sido dada ao estresse das mães de crianças com TEA, em função do papel de cuidadora principal que ainda lhe é atribuído em nossa sociedade (MOREIRA; PERRINI; RIBEIRO, 2016). Mães apresentam níveis mais elevados de estresse em comparação com os pais de crianças com TEA (SIFUENTES; BOSA, 2010; GOMES et al., 2015).

A definição de estresse, de acordo com Lazarus e Folkman (1984), enfatiza a relação entre a pessoa e o ambiente, levando-se em conta, por um lado, as características da pessoa e, por outro, a natureza do evento ambiental.

Consequentemente, o estresse constitui-se em um processo no qual o indivíduo percebe e reage a situações consideradas por ele como desafiadoras, que excedem seus limites e ameaçam o seu bem-estar. Lipp (2005) entende o estresse como uma reação do organismo a situações extremamente difíceis e excitantes. Estas alterações envolvem reações fisiológicas no organismo diante de demandas que exigem maior energia adaptativa para restabelecer o equilíbrio interno e a interpretação do indivíduo sobre os eventos experienciados.

Estudos de revisão sistemática da literatura sobre autismo e estresse familiar foram realizados por diferentes autores. Fávero e Santos (2005) verificaram que o estresse dos pais de crianças com TEA estava associado a questões de prejuízo cognitivo da criança, a gravidade dos sintomas e comportamentos agressivos. Gomes et al. (2015), revisando apenas trabalhos brasileiros, verificaram que a postergação para se obter um diagnóstico, as dificuldades para se lidar com o diagnóstico e com os sintomas relacionados, o acesso precário a serviços de saúde e a falta de apoio social são as variáveis que mais contribuem para a sobrecarga emocional. Além disso, Miele e Amato (2016) encontraram como variáveis que interferem na qualidade de vida, estresse e sobrecarga de familiares de crianças com TEA o otimismo, estratégias de enfrentamento (coping), depressão, ansiedade, grau de severidade apresenta pela criança com TEA, aceitação por parte dos pais e familiares e a condição socioeconômica da família.

Avaliando especificamente mães, Schmidt e Bosa (2007) encontraram que os altos níveis de estresse estão relacionados com o excesso de demanda de cuidados diretos do filho, com o isolamento social e com a escassez de apoio social. As autoras identificaram que as atividades de vida diária, como vestir-se, fazer a higiene e sair sozinho, e as dificuldade de comunicação da criança estão entre as variáveis que mais contribuem para a sobrecarga das mães. Além disso, o alto nível de dependência de apoio da família e a carência de outras provisões de apoio geram intenso sentimento de insegurança, ansiedade e temores em relação à condição futura da pessoa com autismo, afetando a família como um todo (SCHIMIDT; BOSA, 2007; EBERT; LORENZINI; FRANCO DA SILVA, 2015).

A sobrecarga vivenciada pelas mães em função das exigências, cuidados e tarefas peculiares que precisam exercer na atenção ao filho com TEA pode colocá-las em maior risco de desenvolver estresse crônico, depressão e ansiedade. (OWSON; HWANG, 2001). O sentimento de frustração das mães de crianças com TEA em decorrência das peculiaridades do aprendizado, da dificuldade de comunicação das demandas, e dos déficits de interação social da criança pode estar associado a esse mecanismo (SANINI, BRUM; BOSA, 2010). De fato, os problemas de saúde mental das mães de crianças com TEA são uma preocupação para os pesquisadores. Em um estudo epidemiológico, Lecrubier, et al. (2002) encontraram altas taxas de depressão (68%) e ansiedade generalizada (28%) em cuidadores de crianças com autismo do oeste europeu e de países em desenvolvimento, sendo que estas taxas foram relacionadas a importantes dificuldades sociais e à presença de eventos estressantes. Em Taiwan, dados semelhantes foram encontrados por Shu, Lung e Chan (2000), com 33% de prevalência de algum transtorno psiquiátrico dentre as mães de crianças com TEA. Os autores entendem a condição autista da criança como uma sobrecarga emocional, física e financeira para as mães e para a família.

Nunes e Santos (2010), em um trabalho que mostrou a trajetória materna em busca de compreender o problema do filho com TEA, demonstraram mudanças na dinâmica familiar, principalmente na interação mãe-filho. Os autores constataram uma situação de vulnerabilidade, na qual as mães passam a dedicar-se integralmente as crianças, precisando ainda cuidar da casa e da família acarretando sobrecarga emocional e física. O tempo despendido pela criança na escola é, geralmente, aproveitado pelas mães no desempenho de tarefas domésticas, sem tempo para atividades de autocuidado. Os resultados indicaram, ainda, que as mães ficam frustradas com a dificuldade de aprendizagem dos filhos e revelam grande preocupação com o futuro e bem-estar quando não puderem mais ser cuidadoras destes (NUNES; SANTOS, 2010).

Considerando a literatura sobre estresse em mães de crianças com TEA e diante da necessidade de dar a palavra às mães para melhor compreendermos suas vivências, o objetivo desta de pesquisa foi avaliar o nível de estresse em mães de crianças com TEA e verificar a percepção que elas possuem sobre a relação entre estresse e necessidade de cuidado do filho.

 

2 - MÉTODO

Aspectos éticos

Os procedimentos metodológicos foram aprovados Comissão Interna de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Presbiteriana Mackenzie (CIEP n. T119/11/08). Os participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa, os procedimentos a serem seguidos, os riscos e benefícios e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A instituição na qual o trabalho foi realizado também foi informada por meio de carta explicativa sobre os objetivos do estudo e autorizou a realização deste em suas dependências.

Participantes

Participaram deste estudo 23 mães de crianças diagnosticadas com TEA atendidas em uma entidade destinada às pessoas com autismo da cidade de São Paulo.

Instrumentos

Para a realização desta pesquisa, foi utilizado como instrumento de avaliação do grau de estresse o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de LIPP (ISSL) (LIPP, 2005). O ISSL visa identificar, de modo objetivo, a sintomatologia que o paciente apresenta, avaliando se este possui sintomas de estresse, o tipo de sintoma existente se (físico ou psicológico) e a fase em que se encontra (alerta, resistência ou exaustão).

Além disso, foi utilizada uma entrevista semidirigida, cujo roteiro e respectivos objetivos são apresentados no Quadro 1, a seguir. A entrevista foi construída pelos próprios pesquisadores e versa sobre a autopercepção da relação entre estresse e necessidade de cuidado do filho. Além disso, ela investigar como as mães desenvolvem estratégias para lidar com esta situação.

 


Quadro 1 - Clique para ampliar

 

Procedimentos para coleta de dados

A coleta de dados se iniciou com a entrega de uma carta convite à Instituição, objetivando acesso às mães. O encontro com as mães foi na própria Instituição, no horário previamente combinado. As mães interessadas em participar da pesquisa passaram por uma triagem para verificar se possuíam o perfil solicitado. A entrevista e resposta ao ISSL foi realizada em uma sala cedida pela Instituição, após a apresentação dos objetivos do trabalho e da assinatura do TCLE.

Procedimento para Análise dos dados

A análise dos dados ocorreu em dois momentos. No primeiro, foi realizada uma análise estatística descritiva dos resultados obtidos com o ISSL, identificando a presença de estresse, o tipo de estresse (físico e/ou psicológico) e a fase do estresse (alerta, resistência ou quase-exaustão) vivenciada pelas mães da amostra. Em um segundo momento, foi feita uma análise qualitativa dos conteúdos das respostas da entrevista semidirigida buscando, em cada uma delas, identificar como os objetivos descritos para cada pergunta foram respondidos. Foi utilizado como referencial teórico a Análise de Conteúdo de Bardin (2011) onde identificou-se o núcleo comum das respostas dos diferentes participantes.

 

3 - RESULTADOS

Avaliação do estresse

Os dados obtidos sobre os sintomas de estresse em mães de crianças com TEA são apresentados na Tabela 1. Nota-se que quase 75% das participantes apresentavam estresse no momento da pesquisa, sendo que a maioria estava em fase de resistência. Os sintomas predominantes eram do tipo psicológico.

Avaliação da entrevista semidirigida

Questão 1 - O que é para você ter um filho(a) com TEA?

A análise das respostas indicou que 47% das mães entrevistadas responderam que ter um filho com autismo é "difícil", e outras 47% responderam ser "muito difícil". A percepção geral das mães é de que criar um filho com TEA é "uma lição de vida".

Questão 2 - Quais foram as principais mudanças que ocorreram em sua vida após o nascimento de seu filho (a)?

Neste item, 26% responderam "muitas" e 34,7% das mães responderam que precisaram mudar "tudo". Mais especificamente no tipo de mudança ocorrida, 17,3% responderam "parar de trabalhar", 21,7% disseram "me dedicar somente ao meu filho" e 13% "deixar de sair". Respostas como "reeducar a família" e "mudar o funcionamento da casa" também foram apresentadas. Com o relato das mães pudemos notar que essas mudanças são atribuídas à presença do filho com autismo.

Questão 3 - O quanto de dedicação você percebe que é necessária para cuidar de seu filho(a)?

A maior parte das mães (65,2%) indicou "sentir a necessidade de 24 horas de dedicação ao cuidado com o filho". Além disso, 13 % respondeu que "precisa de muita dedicação".

Questão 4 - Quais as maiores dificuldades que você encontra no seu dia-a-dia?

Ao perguntarmos sobre as maiores dificuldades que essas mães encontram no dia-a-dia, 13% respondeu que a maior dificuldade está em sair de casa. A maioria das respostas está associada diretamente ao filho, como, por exemplo, dificuldade na hora da refeição (8%), ensinar coisas (8%). Ficou claro que todas as mães enfrentam dificuldades relacionadas à rotina das crianças.

Questão 5 - Como você faz para dar conta do cuidado de seu filho (a)?

Quando questionadas sobre como fazem para dar conta dos cuidados de seus filhos, 34,7% das mães responderam que ficam com ele o maior tempo possível, 13% das mães responderam que estabelecem uma rotina para isso, outras 13% disseram que contam com a ajuda de outras pessoas. Além disso, 8,6% disseram que não sabem responder como fazem para dar conta da rotina com o filho.

Questão 6 - Quanto tempo passa por dia com seu filho (a)?

Ao serem questionadas quanto tempo do dia passam com seu filho, 47,8% das mães indicaram que passam o dia inteiro com a crianças e 21,7% responderam passar o dia inteiro menos o período do dia em o filho esta Instituição que presta serviços às crianças com autismo.

Questão 7 - Você cuida dele sozinha ou tem alguém que te auxilia com os cuidados de seu filho (a)?

As respostas indicam que 26% contam com a ajuda do pai da criança e 13,4% contam com a ajuda dos parentes como mãe, cunhados e irmãos. Além, 13,4% afirmaram que cuidam sozinhas de seus filhos. As respostas mais frequentes para essa questão foram: "Eu e meu esposo cuidamos dele" e "Ajuda do pai e irmã dele (do filho)".

Questão 8 - Você se sente uma pessoa estressada? Por quê?

Quando questionadas sobre a autopercepção que estas mães têm sobre estresse, 60% afirmou que sempre se sente estressada, 30,4% às vezes e somente 4,34% responderam que não se percebem com estresse. O estresse fica evidente nas respostas dadas, como, por exemplo: "Ano passado perdi o controle com ele", "Sinto a impressão de estar dando murro em ponta de faca", "Sim é muito estressante sair com ele e as pessoas ficarem olhando e comentando", "Me irrito facilmente", "Não consigo dar conta de tudo" e "Tenho de abrir mão de muitas coisas".

Questão 9 - Você acha que este nível de estresse tem relação direta com a necessidade de cuidados do seu filho (a)?

As respostas indicaram que 52% das mães associam o estresse ao cuidado com o filho e 26% das mães responderam que não. Foram obtidas respostas, como, por exemplo, "Sim porque tenho minhas necessidades pessoais, e impede de eu ter uma vida normal", "Às vezes choro, mas eu tenho mais força", "Um pouco é difícil lidar com criança com esse problema", "Sim porque tenho que abrir mão de muitas coisas por ele, e mesmo assim acho que nunca faço o melhor para ele, gostaria de fazer mais e melhor", "Sim por não ter tempo para mim mesma, inclusive parei de trabalhar".

 

4 - DISCUSSÃO

Para cumprir o objetivo de avaliar o nível de estresse em mães de crianças com TEA e verificar a percepção que as mães possuem sobre o estresse experienciado e a necessidade de cuidados da criança, 23 mães de crianças com TEA que frequentam uma instituição que presta serviços especificamente para essa população foram entrevistadas. Assim como encontrado em outros trabalhos da literatura (FÁVERO; SANTOS, 2005; GOMES et al., 2015), pudemos verificar que a maioria (73,9%) das mães de crianças com TEA de nossa amostra sofrem com estresse. Esse resultado foi confirmado durante a entrevista com as mães, visto que quando questionadas sobre a autopercepção que têm sobre seu nível de estresse mais da metade delas afirmou sentir-se estressadas.

Dentre as mães que foram identificadas como apresentando estresse, a fase predominante foi a de resistência, quando os estressores se acumulam e o organismo entra em ação para impedir o desgaste total de energia (LIPP, 2005). Nesta fase o organismo da pessoa resiste aos estressores e tenta reestabelecer a homeostase. Quanto maior é o esforço que a pessoa faz para se adaptar e restabelecer a harmonia interior, maior é o desgaste do organismo. No entanto, quando o organismo consegue proceder a uma adaptação completa e resistir ao estressor adequadamente, o processo do estresse é interrompido sem sequelas. Se os fatores estressantes persistirem em frequência ou intensidade, há uma queda na resistência da pessoa e ela passa à fase de quase-exaustão. O fato de estresse ter sido encontrado em quase 75% da amostra é preocupante inclusive do ponto de vista físico, visto que possíveis doenças podem surgir pela debilidade que o estresse pode causar ao organismo, adicionando mais um fator de estresse na vida dessas pessoas que já estão sobrecarregadas (LIPP; MALAGRIS, 2011).

Com relação aos cuidados com a criança, pudemos constatar que, na presente amostra, a mãe era a principal cuidadora da criança e que ela passa o dia inteiro com seu filho, resultado semelhante ao encontrado por Schmidt e Bosa (2007). A mulher em nossa sociedade assume o papel de cuidadora principal e assume as consequências sociais e financeiras que essa posição impõe (MOREIRA; PERRINI; RIBEIRO, 2016). Isso se expressa de maneira mais significativa em mães de crianças com transtornos e ou deficiências, para as quais o papel de mãe assume peculiaridades e uma atenção específica, diferenciada daquela conferida às outras crianças (PINTO et al., 2014; NUNES; SANTOS, 2010). Nesse contexto, as mães respondem às demandas socioculturais de renúncia e dedicação e oferecem um cuidado às crianças que inclusive compromete sua vida pessoal e qualidade de vida, como foi possível observar no relato das mães da amostra do presente estudo. Elas afirmam que precisaram mudar a dinâmica da casa, abrir mão de trabalhar fora de casa e se dedicar às crianças 24 horas por dia, ficando sem tempo de cuidar de si mesma. Todas essas ações têm consequências nos níveis fisiológicos, emocionais e sociais (PINTO et al., 2014; LECRUBIER et al., 2002; OLSSON; HWANF, 2001), o que torna os cuidados direcionados para as mães de crianças com TEA uma demanda de extrema importância.

Sabe-se que os níveis de estresse são mais elevados quando não há uma rede de apoio social estabelecida, ou quando o cuidado com a criança não é compartilhado (GOMES et al., 2015; PINTO et al., 2014; SANCHES; JÚNIOR, 2011). No relato das participantes, pode-se perceber que elas associam diretamente o seu nível de estresse com a necessidade de cuidados com o filho, e também que a dedicação constante ao cuidado com o filho é indicada como a maior dificuldade encontrada para sair de casa. Esses resultados reforçam a ideia de proposta por Schmidt, Dell'Aglio e Bosa (2007) de que a rotina e os cuidados cotidianos de quem lida com a pessoa com TEA é estressante, e que o apoio emocional para a família é essencial, principalmente para a mãe, que tradicionalmente possui o papel de cuidadora principal.

No entanto, o auxílio de outros cuidadores, como pai, parentes, cunhados e irmãos, também foi mencionado pelas participantes do presente estudo. Elas afirmaram que recebem ajuda do pai da criança, ou de parentes, como a mãe dela, outros filhos etc. De fato, cabe à família se adaptar a realidade de cuidados com o seu filho (EBERT; LORENZINI; FRANCO DA SILVA, 2015; PINTO et al., 2014). Essa adaptação familiar deve abranger os diferentes membros, de maneira que não haja sobrecarga específica de uma pessoa, que passa a apresentar outros problemas relacionados com isso, como os altos índices de estresse encontrados no presente estudo. Entende-se que é necessário o estabelecimento de uma organização familiar e social que permita o compartilhamento de cuidados e decisões. Ainda que a mãe seja mantida no papel de cuidadora principal, o envolvimento maior dos membros deverá diminuir a sobrecarga, o estresse e as demais repercussões psicossociais encontradas na vida das mães cuidadoras (PINTO et al., 2014).

Os resultados encontrados no presente trabalho acrescentam informações à literatura sobre estresse e ser mãe de uma criança com autismo, visto que trabalhou, em uma perspectiva qualitativa, aspectos que contribuem diretamente para a alta prevalência de estresse nessa população. No entanto, é preciso analisar os resultados obtidos considerando suas limitações. Trata-se de uma amostra restrita, de mães que acompanham seus filhos em uma instituição especializada. Além disso, não foi estudado diretamente o comportamento da criança e suas reais necessidades de cuidado, o que deve afetar os níveis de estresse da mãe. Estudos futuros devem levar em consideração características individuais da mãe e da criança na análise para compreender especificamente quais fatores contribuem mais para os índices de estresse vivenciados.

Ainda que haja limitações, o presente trabalho evidencia a realidade das mães de crianças com autismo no que se refere à estresse e cuidado com os filhos. Tais evidências sugerem a necessidade de acompanhamento psicológico para essas mães. Seria importante que fossem desenvolvidas atividades de intervenção voltadas para diminuição do estresse e desenvolvimento de estratégias uma melhor qualidade de vida, como feito por Motoxó e Malagris (2015), até mesmo porque o suporte a família está dentre as estratégias de sucesso para superação das dificuldades relacionadas com o TEA (GOMES et al., 2015).

 

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos resultados encontrados, entende-se como fundamental a sensibilização de profissionais de saúde às dificuldades vivenciadas pelas mães no cuidado oferecido ao filho com TEA. O acompanhamento das famílias, a criação e incentivo na participação de grupos de apoio e de educação em saúde, bem como a necessidade de fomentar a rede de suporte social são fundamentais para a reorientação dos cuidados dispensados pelas mães às crianças.

 

6 - REFERÊNCIAS

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Data de submissão: 11/04/2017
Data de aceite: 19/09/2017

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