SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.17 número2Depressão pós-parto: discutindo o critério temporal do diagnóstico índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

versão impressa ISSN 1519-0307versão On-line ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.17 no.2 São Paulo dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v17n2p101-110 

ARTIGOS

 

Transtorno do espectro autista: estudo de uma série de casos com alterações genéticas

 

Autism spectrum disorder: studyof a series of cases with genetic alterations

 

Trastornodel espectro autista: estudio de una serie de casos com alteraciones genéticas

 

 

Ariane Miranda de FreitasI; Décio BrunoniII; Juliana Lopes MussoliniIII

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie
IIIUniversidade Presbiteriana Mackenzie

 

 

 


RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento com acometimento na comunicação e interação social, além de comportamentos e atividades restritos e repetitivos. Afetando cerca de 1% da população, o TEA possui um quadro clínico heterogêneo, com diversas síndromes e psicopatias em comorbidade. Entre as condições observadas,as causas genéticas representam até 20%, sendo as variações no número de cópias (CNVs) as principais. O objetivo do trabalho é descrever alterações genéticas encontradas em uma amostra de seis pacientes com TEA. Estes foram averiguados no Laboratório TEA da Universidade Presbiteriana Mackenzie e os testes genéticos realizados em laboratórios comerciais. Cinco diagnósticos feitos por array e um por sequenciamento do exoma. A interpretação das coordenadas genômicas foi realizada com ferramentas de bioinformática. As regiões cromossômicas envolvidas foram: 3p26.3; 6q; 7q31.3; 7q36.3; 9p21.1; 17q22e os genes relevantes na manifestação do quadro clínico são: B4GALT1, PTPRN2, CNTN4, CNTN6, OXTR, GRM7, SETD5, BZRAP1, SYNGAP1 e IMMP2L. Os indivíduos que apresentam alterações genéticas similares aos pacientes aqui estudados, tem em comum a deficiência intelectual, assim essa característica clinica deve ser a principal indicação para investigar uma comorbidade de causa genética em pacientes com TEA.

Palavras-Chave: Autismo, Transtorno do Espectro Autista, array, exoma, alterações genéticas.


ABSTRACT

The Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental disorder with communication and social interaction impairments, also repetitive and restricted behaviors. Affecting about 1% of population, ASD has a heterogeneous clinical picture, besides several syndromes and psychopathies in comorbidity. Between the causal factors, it's known that the genetic causes represent up to 20% being that the copy number variations (CNVs) forms are the principal ones. The objective of this work is to describe genetic alterations found in 6 ASD patients. The patients were investigated in the Laboratório TEA of Universidade Presbiteriana Mackenzie and the testes were performed in commercial laboratories. Five patients were diagnosed by array and one by exoma sequencing. The genomic coordinates interpretation was performed with usual bioinformatics tools. The chromossomic regions involved were: 3p26.3; 6q; 7q31.3; 7q36.3; 9p21.1; 17q22 and the possible relevant genes in the manifestation of the clinical picture were: B4GALT1, PTPRN2, CNTN4, CNTN6, OXTR, GRM7, SETD5, BZRAP1, SYNGAP1 e IMMP2L.These results were already been published in other patients with ASD. Individuals who present genetic alterations similar to the studied patients have in common the intellectual disability. Thus, this clinical feature should be the main indication to investigate a genetic cause comorbidity in patients with ASD.

Keywords: Autism, Autism Spectrum Disorder, array, exome, genetic alterations.


RESUMEN

El Trastorno del espectro autista (TEA) es un trastorno de lneurodesarroll ocon deterioro en la comunicación y interacción social, además del comportamientos y actividades restringidos y repetitivos. Afectando al redor del 1% de la población, TEA tiene una presentación clínica heterogénea, com varios síndromes y psicopatías en comorbilidad. Entre las condiciones observadas, las causas genéticas representan hasta 20% , y las variación en el número de copias (CNVs) són los principales. El objetivo de este estudio es describir los cambios genéticos que se encuentran en 6 pacientes con TEA. Los pacientes fueron investigados enla Clinica TEA de Universidade Presbiteriana Mackenzie y los ensayos genéticos se realizaron en laboratórios comerciales. Cinco diagnósticos hechos por array y uno por secuenciación del exoma. La interpretación de las coordenadas genómicas se realizó con instrumentos de bioinformática habituales. Las regiones cromosómicas implicadas fueron: 3p26.3; 6BR; 7q31.3; 7q36.3; 9p21.1; 17q22 y los posibles genes relevantes en la manifestación del cuadro clínico son: B4GALT1, PTPRN2, cntn4, CNTN6, OXTR, GRM7,SETD5, BZRAP1, SYNGAP1 y IMMP2L. Las personas que tienen alteraciones genéticas similares a los pacientes estudiados aquí tienen en común la discapacidad intelectual. Por lo que esta característica clínica debe ser la principal indicación para investigar una comorbilidad de causa genética en pacientes con TEA.

Palabras clave: Autismo, Transtorno del Espectro Autista, array, exoma, alteraciones genéticas.


 

 

1 - INTRODUÇÃO

Segundo o DSM-V, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o Transtorno do Espectro Autista é um distúrbio do neurodesenvolvimento, com déficits persistentes na comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento. Com um fenótipo muito heterogêneo, os sintomas começam a se manifestar aos três anos, de tal maneira que já é possível o seu diagnóstico.

A partir dos anos de 1970, foi estabelecido que o TEA é um transtorno que afeta principalmente indivíduos do sexo masculino. Possui prevalência em torno de 1% da população, sem predileção com antecedentes étnicos e com ampla diversidade sintomatológica na área cognitivo comportamental. Os quadros variam de muito graves, nos quais prepondera a deficiência intelectual, até os casos clínicos cujos indivíduos têm inteligência normal e razoável capacidade adaptativa. Têm sido estabelecidas, também, diversas comorbidades com TEA, como a epilepsia, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividades e diversas síndromes genéticas e ambientais (ABRAHMS, GESCHWIND, 2010; APA, 2002; APA, 2013; CID 10, 2000; DAGLI, MUELLER, WILLIAMS, 2015; FOMBONNE, 2009; GRABRUCKER, 2013; JESTE, GESCHWIND, 2014).

A etiologia do TEA ainda não é totalmente conhecida, mas sabe-se que há anormalidades cromossômicas (2%), síndromes monogênicas (5%), microduplicações e microdeleções (10%), ambiental (3%) e multifatorial e epigenética (80%). Quanto às causas genéticas do TEA temos as alterações cromossômicas microscopicamentes visíveis, como duplicação 15q11-q13 e as deleções 2q37, 22q11.2 e 22q13.3. Há também as conhecidas na forma de comorbidades com síndromes genéticas monogênicas, como as síndromes do X-frágil (FMR1) e Rett (MECP2), Esclerose Tuberosa (TSC1 e TSC2), síndrome de Angelman (UBE3A), Neurofibromatose (NF1) e outros. Grande parte, porém são causadas por microdeleções e microduplicações designadas como CNVs (variações no número de cópias). As CNVs nada mais são que o número de cópias submicroscópias anormais de segmentos de DNA do genoma humano, podendo ser herdadas ou uma mutação esporádica. (BETANCUR, 2011; ERIKSSON et al, 2015; ZANOLLA et al, 2015).

O array é uma técnica citogenômica de alta resolução que detecta essas perdas e ganhos cromossomais ao nível de kilobases e é feita a partir da comparação da intensidade de hibridação das amostras teste e controle . A técnica oferece importantes vantagens sobre os métodos de citogenética convencional, pois além de não ser necessária a obtenção de cultura celular, é possível a análise do DNA extraído de diferentes tecidos. Há a capacidade de investigar, em uma única análise, milhares de regiões cromossômicas, detectando perdas e ganhos cromossômicos submicroscópicos em um único exame. Com esse método é possível detectar CNVs e SNPs (variações no número de cópias e polimorfismo de um nucleotídeo), dissomia uniparental e perda de heterozigosidade. A técnica revolucionou a citogenética com sua alta resolução, que levou a um aumento de diagnósticos de indivíduos com defeitos congênitos, autismo e deficiência intelectual não detectados pelos métodos convencionais de citogenética, como a banda G. (BI et al, 2012; KULIKOWSKI, 2013; FAN et al, 2013; SANTOS et al, 2016).

O Sequenciamento do Exoma é outro exame citogenômico eficiente para identificar causas genéticas de doenças ou deficiências sem causa aparente. Nele é possível observar perdas e ganhos genômicos, ou seja, alterações microscópicas ao nível de um par de base, apenas nas porções codificantes do DNA, o Exoma. O exoma é projetado para avaliar somem exóns e, portanto, aquelas alterações que estiverem fora dos éxons e possam ser responsáveis pelo quadro clínico, apesar de serem uma pequena parte das doenças conhecidas atualmente, não são detectadas (DLE MEDICINA LABORATORIAL, 2010; KULIKOWSKI, 2013; BUXBAUM etal., 2012).

Há diversos bancos de dados online e ferramentas específicas para auxiliar a interpretação das variantes genômicas encontradas em testes citogenômicos, como o array. Entre eles, os principais são: Database of Chromosomal Imbalanceand Phenotype in Humans Using Ensembl Resources (DICIPHER, 2009), Genome Browser (UCSC GENOME BROWSER, 2002), Data base of Genomic Variants (MACDONALD, 2013) e o Nacional Center for Biotetechnology Information (NCBI) (GEER, 2010). O SFARI (ABRAHAMS, 2013) é uma base de dados específica para doenças psicológicas, como o TEA. Lá encontram-se os principais genes relacionados com distúrbios psicológicos diversos, artigos relatando casos e um score que avalia a relevância de um dado gene para o fenótipo em questão.

O array e o exoma revolucionaram o conhecimento sobre a genética do TEA, revelando e acumulando diversas variantes genéticas que algum dia poderão explicar a enorme heretogeneidade do distúrbio (BETANCUR, 2011). No Brasil, estudos com amostras expressivas já foram publicados, com resultados expressivos de CNVs potencialmente patogênicas para TEA. Moreira et al (2016) obteve uma coorte de 505 pacientes brasileiros com TEA sindrômico e não sindrômico. Foi realizado array e sequenciamento do exoma nessa amostra que resultou em importantes CNVs com potencial para relacionar fenótipo- genótipo.

Objetivo do presente estudo é o de descrever as características genéticas de uma série de casos de pacientes com TEA nos quais foram detectadas alterações genéticas.

 

2 - MÉTODO E CASUÍSTICA

Casuística

A casuística compreendeu seis pacientes com o diagnóstico de TEA, de ambos os sexos, averiguados na Clínica de Transtornos do Espectro do Autismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Os indivíduos são agendados na clínica e estudados de acordo com o protocolo de Velloso e cols (2011). Os testes genéticos necessários são solicitados e as famílias que dispõem de Planos de Saúde utilizam Laboratórios Comerciais para realizá-los. Em todas as crianças o quadro clínico de TEA foi considerado grave. É importante salientar que se trata de uma amostra de conveniência, ou seja, uma técnica que seleciona uma amostra da população que seja de fácil acesso para determinada pesquisa que está em andamento. Geralmente essa conveniência representa uma maior facilidade operacional e baixo custo de amostragem, mas tem como consequência a incapacidade de fazer afirmações gerais com rigor estatístico sobre a população. Em nosso trabalho, é possível observar essa dificuldade de dados estatísticos justamente pelo número pequeno de amostras selecionadas para o estudo.

Todos os pacientes foram avaliados da Clínica TEA-MACK ou do Centro de Genética Médica da UNIFESP e seus representantes legais deram o consentimento informado segundo o protocolo aprovado (CEP-UPM:910/03/06).

Métodos

Com os resultados de arrays e Sequenciamento de Exoma, estes foram anexados aos respectivos prontuários de cada paciente e analisados posteriormente. Vale ressaltar que cada laboratório utilizou um kit específico para realizar os procedimentos.

Dispondo de um computador com acesso à internet, os endereços genômicos das alterações foram pesquisados em um banco de dados específico, o Genome Browser. Então, os principais genes que poderiam ter relação com o fenótipo foram levantados e estudados. Primeiramente foram pesquisadas as funções de cada gene e sua localização exata, utilizando-se o OMIM e o GeneCards. Posteriormente, no SFARI, foram inseridos esses genes para saber se havia relação destes com distúrbios psicológicos e o TEA, assim como sua relevância como gene candidato.

Todas essas informações foram inseridas em uma planilha Excel e posteriormente descritas neste trabalho.

 

3 - RESULTADOS

No quadro 1 estão descritos os casos da casuística, sendo eles os endereços genômicos, os genes candidatos encontrados e suas respectivas funções. Foi um caso do sexo feminino e 5 do sexo masculino, com idades entre 4 e 16 anos e com os seguintes cromossomos afetados: 3, 6, 7, 9 e 17.

Ainda no quadro 1 é possível visualizar os genes: B4GALT1, PTRN2, CNTN4, CNTN6, OXTR, GRM7, SETD5, BZRAP1, SYNGAP1 e o IMMP2L. O caso 5 foi o único que realizou um Sequenciamento do Exoma, visto que o array não detectou alterações.

 

4 - DISCUSSÃO

Caso 1

O gene B4GALT1, localizado no cromossomo 9p, traduz a enzima galactosiltransferase e é um dos sete beta-1,4-galactosil-transferase (beta4GalT genes). Codificam glicoproteínas tipo II ligadas a membrana. Esse gene é único entre os genes beta4GalT, pois codifica uma enzima que participa tanto no glicoconjugado, quanto na biossíntese da lactose. Catalisa a reação que envolve a UDP-galactose e N-acetilglicosamina para a produção de galactose beta-1,4-N-acetilglicosamina. A enzima galactosiltransferase pode formar, também, um heterodímero em conjunto com a proteína regulatória alfa-lactobumina para formar a lactose sintetase. A galactosiltransferase pode ser um componente da membrana plasmática, funcionando no reconhecimento e adesão celular (OMIM, 2016; ABRAHAMS, 2013; GENECARDS, 2016).

Van der Zwaag et al (2009), sugere que as alterações de dosagem destes genes podem contribuir para o fenótipo de TEA. O estudo conclui que os genes envolvidos nas vias da glicosilação estão diretamente envolvidos no desenvolvimento cerebral, e que perdas ou ganhos nessas regiões podem levar a consequências orgânicas graves no sistema nervoso.

Caso 2

O gene PTPRN2 codifica uma proteína com a sequência semelhante à da proteína do receptor tirosina fosfatase e sua função pode estar envolvida na regulação da secreção de insulina. Ele possui um papel importante nos processos de secreção, mediada por vesículas, ou seja, é necessário para que haja o acúmulo das mesmas contendo insulina e impedir sua degradação. É preciso que tenha uma quantidade normal de neurotransmissores de noradrenalina, dopamina e serotonina no cérebro (OMIM, 2016; GENECARDS, 2016).

Segundo um estudo, o gene PTPRN2 junto com mais sete genes, é encontrado na região 7q causando uma deleção e podendo estar associada a deficiência intelectual, microcefalia, malformações (WU, et al. 2010).

Caso 3

O gene CNTN6, localizado no cromossomo 3p, traduz a contactina 6, que é membro do subgrupo da família das imunoglobulinas.É um glicosilfosfatidilinositol (GPI) - proteína de membrana ancorada - que medeia as interações de superfície de célula durante o desenvolvimento do sistema nervoso (OMIM, 2016; ABRAHAMS, 2013; GENECARDS, 2016). É regulado pelo T- Brain 1, uma proteína de risco para o TEA (CHUANG, H.; HUANG, T.; HSUEH, 2015) e que interage com a molécula de adesão celular L1-like, outra proteína associada com deficiência intelectual e dificuldades na fala (TASSANO et al, 2014). Além dessas associações, o CNTN6 faz interação com o gene NOTCH1, que promove a ativação deste, através da liberação do Domínio Intercelular Notch (NICD, do inglês notch intercellular domain). E traduz a proteína Notch 1, para a geração de oligodendrócitos, células responsáveis pela produção e manutenção da bainha de mielina dos axônios. Por desempenhar um papel na formação de ligação de axônio no sistema nervoso em desenvolvimento e, embora tenha poucos estudos sobre a prevalência, há relatos que relacionam esse gene mutado com indivíduos com TEA (MERCATI, et al, 2016).

O gene CNTN4, localizado no cromossomo 3p, traduz a contactina 4, proteína de adesão associada ao axônio, da família das imunoglobulinas que possui um importante papel na manutenção e plasticidade das redes neuronais funcionais. A contactina 4 é um glicosilfosfatidilinositol, uma proteína de membrana ancorada, com função de formação de ligações de axônios no sistema nervoso em desenvolvimento por isso, está mais expressa no cérebro, principalmente no cerebelo, tálamo, amigdala e cótex cerebral (OMIM, 2016; ABRAHAMS, 2013; GENECARDS, 2016).

A proteína codificada pelo gene OXTR, localizado no cromossomo 3p, pertence à família dos receptores acoplados a proteína G e atua como um receptor de oxitocina no qual desempenha um papel importante no útero durante o parto, na lactação e ligação hormônio peptídeo, sendo um potente modulador de comportamentos sociais e reprodutivos. Está associada a peptídeos receptores de ligação e a via de sinalização AMPc. Sua atividade é mediada por proteína G, que também ativa o sistema de segundo mensageiro fosfatidilinositol- cálcio (OMIM, 2016; ABRAHAMS, 2013; GENECARDS, 2016).

Gene GRM7, localizado no cromossomo 3p, codifica um receptor acoplado à proteína G para glutamato. O L-glutamato é o principal neurotransmissor excitatório no sistema nervoso central, e ativa os receptores de glutamato ionotrópicos e metabotrópicos. A neurotransmissão glutamatérgica está envolvida na maioria dos aspectos da função cerebral normal e pode ser perturbada em muitas condições neuropatológicas. A via do glutamato tem sido considerada como desempenhando papéis importantes na plasticidade neural, desenvolvimento neural e neurodegeneração e, através de modelos animais e estudos neuroquímicos e neurofarmacológicos, o autismo tem sido proposto ser um distúrbio que envolve a concentração alterada de glutamato (YANG, PAN, 2013).

Gene SETD5, localizado no cromossomo 3p, é um gene previsto para codificar a enzima metiltransferase, com base na sequência de homologia de outras proteínas SET (OMIM, 2016; GENECARDS, 2016). Embora esteja ativamente presente em vários mamíferos e expresso no cérebro, sua função ainda é pouco conhecida. Com base nos outros membros da família de proteínas SET, a SETD5 pode ser importante no controle das histonas do DNA e age como reguladora de transcrição.

Caso 4

Gene BZRAP1, localizado no cromossomo 17q, codifica o receptor periférico de benzodiazepina, associado a proteína. É uma molécula de adaptação considerada como reguladora da transmissão sináptica, ao liberar a maquinaria responsável pela liberação de vesículas de cálcio (Ca2+) para os canais dependentes (BUNCAN et al, 2009). Gene candidato ao autismo com um score de 4 (evidência mínima) no SFARI.

Caso 5

Gene SYNGAP1, localizado no cromossomo 6p, codifica uma proteína RasGTPase de ativação sináptica específica do cérebro, a SynGAP, majoritariamente localizada nas árvores dendríticas de neurônios piramidais neocorticais.É um componente do complexo receptor-NMDA (N-Metil-D-Aspartato), que atua juntamente com o mesmo, bloqueando a inserção do AMPA (ácido alfa-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol propiônico) na membrana pós-sináptica por inibição da via RAS-ERK. Acredita-se que interrupções nos mecanismos moleculares e função controladora da estrutura glutamatérgica de sinapse estão relacionadas a determinados distúrbios do desenvolvimento neurológico e da cognição como a deficiência intelectual e o TEA. Entretanto, ainda é desconhecido como uma disfunção sináptica resultante de mutações patogênicas impacta o desenvolvimento e o comportamento (OMIM, 2016; GENECARDS, 2016; CLEMENT et al, 2012; HAMDAM et al, 2011)

Caso 6

O gene IMMP2L (Inner Mitochondrial Membrane Peptidase Subunit 2), localizado no cromossomo 7q, que codifica uma proteína envolvida no processamento das sequências de peptídeos de sinal utilizadas para direcionar proteínas mitocondriais para as mitocôndrias. A proteína codificada reside nas mitocôndrias e é uma das necessárias para a atividade catalítica do complexo mitocondrial peptidase de membrana interna (IMP). Duas variantes que codificam a mesma proteína foram descritas para este gene, a IMP1 e IMP2 (OMIM, 2016; ABRAHAMS, 2013; GENECARDS, 2016).

Em resumo esta série de casos mostrou alguns aspectos característicos de casos descritos na literatura: maior número de meninos afetados e apresentação na forma de síndromes dismórficas com DI (ZANOLLA et al, 2015). Quanto às regiões cromossômicas envolvidas, todas já foram descritas na literatura. A região 7q é a mais recorrente em relação aos genes, CNTN6, CNTN4 e o SYNGAP1 são os mais vistos, também.

Os mecanismos neurais envolvidos nos TEA são migração neuronal, formação de sinapses e neurotransmissores. Em relação aos neurotransmissores, sabe se que as deficiências de alguns deles, como a dopamina e a serotonina, agravam sintomas como a apatia, inércia, irritabilidade e desinibição por serem hormônios associados a comportamentos sociais que, se defeituosos, resultam em anomalias nestes. E, consequentemente, gerando uma pré-disposição para o autismo (PEREIRA et al, 2012). A formação de sinapses está relacionada a atividades neuronais importantes para o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Por isso, se houver alguma ocorrência nesse processo, é possível que a aprendizagem, memória, percepção e equilíbrio sejam de algum modo afetados. E, dependendo da gravidade, podemos classificar o indivíduo como autista (INSTITUTO NEUROLÓGICO, 2016). Como visto na discussão de cada caso, encontramos em nosso estudo os genes B4GALT1, CNTN6, CNTN4, GRM7, BZRAP1 e o SYNGAP1 cujos mecanismos envolvidos com o TEA são dependentes principalmente de enzimas, proteínas, neurotransmissores e formação de sinapses. Logo, podemos associar estes fatores a atividades do sistema nervoso que podem ser responsáveis pela ocorrência desse transtorno.

Os casos também mostram que o teste genético mais resolutivo para pacientes com este perfil clínico é o array. De fato, apenas em um paciente (caso 5) o array não conseguiu descobrir a alteração, tendo sido necessário um teste NGS (do inglês, New Generation Sequencing), o Sequenciamento do Exoma.

 

5 - CONCLUSÃO

Todas as variações genômicas encontradas já foram descritas em pacientes com TEA e deficiência intelectual, com exceção de dois genes, PTPRN2, que codifica uma proteína de sinalização que regula os processos celulares, e IMMPL2, relacionada à síndrome de Tourette com possível sobreposição sindrômica com autismo. Esses genes são encontrados em pacientes com deficiência intelectual, mas não amplamente associados com TEA isolado. Alguns dos genes neste trabalho produzem enzimas (B4GALT1 e SETD5) que estão envolvidas no metabolismo em geral. Existem genes relacionados à migração neuronal, ativação sináptica específica em árvores dendríticas, desenvolvimento de córtex cerebral, cerebelo, hipocampo, tronco cerebral e receptores de neurotransmissores (GRM7, OXTR, BZRAP1, família CNTN e SYNGAP1) que estão substancialmente conectados ao TEA, devido à sua importância na plasticidade e manutenção neural.

Ao longo do trabalho foi possível notar uma escassez de material e pesquisas relacionadas a alguns genes, como por exemplo, o gene IMMP2L e o gene PTPRN2. O primeiro, talvez pela sua função complexa no organismo, fazendo com que haja menos estudos relacionados a ele. E o segundo, por estar mais associado a deficiência intelectual do que ao TEA propriamente dito, o que dificulta achados sobre o mesmo.

Podemos concluir também que ambos os testes genéticos mais utilizados em nosso estudo, o array e o Sequenciamento do Exoma são de grande utilidade e de grande importância para as áreas de citogenética e citogenômica devido a sua alta resolução, e pela facilidade de detectar erros que outras técnicas não conseguiriam. Mas embora ambos os testes tenham sido bem-sucedidos, no caso 5 o erro foi detectado apenas por sequenciamento, o que mostra que a técnica de Array não é 100% eficiente em determinados casos.

Diante do exposto fica claro que os estudos de casos devem ser ampliados utilizando os testes genéticos já disponíveis clinicamente. Este conhecimento vai melhorar o entendimento das modificações provocadas pelas alterações genéticas em indivíduos com TEA, além de acumular mais informações em bancos de dados online, possibilitando, no futuro, compreender esse distúrbio e sua etiologia.

 

6 - REFERÊNCIAS

ABRAHAMS, B. S.; GESCHWIND, D. H. Connecting genes to brain in the autism spectrum disorders. Archives of neurology, v. 67, n. 4, p. 395-399, 2010.         [ Links ]

ABRAHAMS, B. S. et al. "SFARI Gene 2.0: A Base de Conhecimento conduzido pela comunidade para os Transtornos do Espectro do Autismo (ASDs)" Molecular Autism 4 (2013): 36. PMC. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3851189/. Acessado em: 31 maio 2016.         [ Links ]

APA-AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV. 4ª ed. Porto Alegre; Editora ArteMed, 2002.         [ Links ]

APA-AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Estatistic Manual of Mental Disorders. 5ed. Revised. Washington, D.C.: American Psychiatric Publishing, 2013.         [ Links ]

BETANCUR, C.. Etiological heterogeneity in autism spectrum disorders: more than 100 genetic and genomic disorders and still counting. Brain research, v. 1380, p. 42-77, 2011.         [ Links ]

BI, W. et al. Comparison of chromosome analysis and chromosomal microarray analysis: what is the value of chromosome analysis in today's genomic array era? Genetics in Medicine, v. 15, n. 6, p. 450-457, 2012.         [ Links ]

BUCAN, M. et al. Genome-wide analyses of exonic copy number variants in a family-based study point to novel autism susceptibility genes. PLoSGenet, v. 5, n. 6, p. e1000536, 2009.         [ Links ]

BUXBAUM, J. D. et al. The autism sequencing consortium: large-scale, high-throughput sequencing in autism spectrum disorders. Neuron, v. 76, n. 6, p. 1052-1056, 2012.         [ Links ]

CHUANG, H.; HUANG, T.; HSUEH, Y. T-Brain-1-A Potential Master Regulator in Autism Spectrum Disorders. Autism Research, v. 8, n. 4, p. 412-426, 2015.         [ Links ]

CLEMENT, J. P. et al. Pathogenic SYNGAP1 mutations impair cognitive development by disrupting maturation of dendritic spine synapses. Cell, v. 151, n. 4, p. 709-723, 2012.         [ Links ]

DAGLI, I. A.; MUELLER, J.; WILLIAMS, C. A..Gene Reviews Seattle (WA): University of Washington, Seattle; 1993-2015. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1144/. Acesso em 31 maio 2016.         [ Links ]

DECIPHER Database of Chromosomal Imbalance and Phenotype in Humans using Ensembl Resources. Firth, H.V. et al (2009). Am.J.Hum.Genet 84, 524-533.         [ Links ]

DLE Medicina Laboratorial Sequenciamento completo do exoma. Disponível em: https://dle.com.br/biologia-molecular-genetica-humana/sequenciamento-completo-do-exoma. Acesso em: 01/11/2017        [ Links ]

ERIKSSON, M. A. et al. Rare copy number variants are common in young children with autism spectrum disorder. Acta Paediatrica, v. 104, n. 6, p. 610-618, 2015.         [ Links ]

FAN, Y. S. et al. Frequent detection of parental consanguinity in children with developmental disorders by a combined CGH and SNP microarray. Mol Cytogenet, v. 6, n. 1, p. 38, 2013.         [ Links ]

FOMBONNE, E. Epidemiology of pervasive developmental disorders. Pediatric research, v. 65, n. 6, p. 591-598, 2009.         [ Links ]

GEER L.Y., MARCHLER-BAUER A., GEER R.C., HAN L., HE J., HE S., LIU C., SHI W., BRYANT S.H.. The NCBI BioSystems database. Nucleic Acids Res. 2010.         [ Links ]

GENECARDS, Human Gene Data Base, 2016. Disponível em: <http://www.genecards.org/>. Acesso em: 05 nov. 2016.         [ Links ]

HAMDAN, F. F. et al. De novo SYNGAP1 mutations in nonsyndromic intellectual disability and autism. Biological psychiatry, v. 69, n. 9, p. 898-901, 2011.         [ Links ]

Instituto Neurológico de São Paulo, as sinapses disfuncionais podem originar autismo, epilepsia, abuso de substâncias e depressão. Disponível em: http://www.institutoneurologico.com.br/sites/inesp/noticias-item.asp?IdReg=18>. Acesso em: 23. nov. 2016.         [ Links ]

JESTE, S. S.; GESCHWIND, D. H. Disentangling the heterogeneity of autism spectrum disorder through genetic findings. Nature Reviews Neurology, v. 10, n. 2, p. 74-81, 2014.         [ Links ]

KULIKOWSKI, L. D.et al. Citogenômica aplicada à prática médica. 2013.         [ Links ]

MACDONALD J.R., ZIMAN R., YUEN R.K., FEUK L., SCHERER S.W. The database of genomic variants: a curated collection of structural variation in the human genome. Nucleic Acids Res. 2013.         [ Links ]

MERCATI, O. et al. CNTN6 mutations are risk factors for abnormal auditory sensory perception in autism spectrum disorders. Molecular psychiatry, 2016.         [ Links ]

MOREIRA, E. S. et al. Detection of small copy number variations (CNVs) in autism spectrum disorder (ASD) by custom array comparative genomic hybridization (aCGH). Research in Autism Spectrum Disorders, v. 23, p. 145-151, 2016.         [ Links ]

Online Mendelian Inheritance in Man, OMIM®. McKusick-Nathans Institute of Genetic Medicine, Johns Hopkins University (Baltimore, MD), 2016. World Wide Web URL: http://omim.org/.         [ Links ]

PRATTE-SANTOS, R; RIBEIRO, Katyanne H; SANTOS, T A and CINTRA, T S. Análise de anomalias cromossômicas por CGH-array em pacientes com dismorfias e deficiência intelectual com cariótipo normal. Einstein (São Paulo) [online]. 2016, vol.14, n.1, pp.30-34        [ Links ]

PEREIRA, Alessandra; PEGORARO, Luiz Fernando Longuim; CENDES, Fernando. Autism and epilepsy: models and mechanisms. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, v. 18, n. 3, p. 92-96, 2012.         [ Links ]

TASSANO, E. et al. Heterozygous deletion of CHL1 gene: detailed array-CGH and clinical characterization of a new case and review of the literature. European journal of medical genetics, v. 57, n. 11, p. 626-629, 2014.         [ Links ]

UCSC GENOME BROWSER: Kent W.J.;Sugnet C.W.;Furey T.S.; Roskin K.M.; Pringle T.H.;Zahler A.M.; Haussler D. The human genome browser at UCSC. Genome Res. 2002 Jun; v. 12, n. 6: 996-1006.         [ Links ]

VAN DER ZWAAG, B. et al. Gene-network analysis identifies susceptibility genes related to glycobiology in autism. PloSone, v. 4, n. 5, p. e5324, 2009.         [ Links ]

VELLOSO, R. et al. Protocolo de validação Diagnóstica Multidisciplinar da Equipe de Transtornos Globais do Desenvolvimento Vinculado à Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, v. 11, n. 1, p. 9-22, 2011.         [ Links ]

WU, S. et al. Positive association of the oxytocin receptor gene (OXTR) with autism in the Chinese Han population. Biological psychiatry, v. 58, n. 1, p. 74-77, 2005.         [ Links ]

WU, Y. et al. Submicroscopic subtelomeric aberrations in Chinese patients with unexplained developmental delay/mental retardation. BMC medical genetics, v. 11, n. 1, p. 1, 2010.         [ Links ]

YANG, Y.; PAN, C. Role of metabotropic glutamate receptor 7 in autism spectrum disorders: a pilot study. Life sciences, v. 92, n. 2, p. 149-153, 2013.         [ Links ]

ZANOLLA, T. A; FOCK, R. A; PERRONE, E; GARCIA, A. C.; PEREZ, A. B. A.; BRUNONI. D. Causas Genéticas, Epigenéticas e Ambientais do Transtorno do Espectro Autista. Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, 2015.         [ Links ]

 

 

Data de submissão: 15.09.2017
Data de aceite: 05.12.2017

Creative Commons License