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Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

Print version ISSN 1519-0307On-line version ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.18 no.1 São Paulo Jan./June 2018

http://dx.doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v18n1p104-116 

Efeitos da fisioterapia no acidente vascular cerebral na infância: uma revisão baseada em evidências

 

Effects of physical therapy on childhood stroke: an evidence-based review

 

Efectos de la fisioterapia en el accidente cerebrovascular en la infancia: una revisión basada en evidencias

 

 

Jéssica da Silva GonçalvesI; Flávia Cristina CarboneroII; Fábio BezerraIII; Denise CamposIV

IFaculdade Anhanguera de Campinas, Campinas, SP, Brasil. E-mail: jessica28sg@gmail.com
IIUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil. E-mail: flaviaramosfisio@gmail.com
IIIFaculdade Anhanguera de Campinas, Campinas, SP, Brasil. E-mail: fabio.eugenio@anhanguera.com
IVFaculdade Anhanguera de Campinas, Campinas, SP, Brasil. E-mail: denise.campos@gmail.com

 

 


RESUMO

O acidente vascular cerebral (AVC) é uma das principais causas de lesão cerebral adquirida em crianças e pode causar várias sequelas sensório-motoras. O objetivo deste estudo foi verificar, por meio de revisão da literatura, os efeitos do tratamento fisioterapêutico em crianças que tiveram AVC. Como metodologia, adotou-se a revisão integrativa de literatura. Foram incluídos artigos publicados nas bases de dados PubMed, Lilacs, SciELO, Medline, Google Acadêmico e PEDro, nos idiomas inglês e português, entre 2007 e 2017. Excluíram-se artigos cuja amostra era composta por adultos e/ou os distúrbios motores decorriam de outras patologias que não fossem AVC. Selecionaram-se 21 artigos e utilizaram-se seis, que atenderam aos critérios estabelecidos. Verificou-se que a fisioterapia melhora o tônus muscular, a força muscular, o equilíbrio e a função motora em crianças que tiveram AVC, por meio da utilização de fisioterapia convencional, terapia de restrição e indução de movimento e facilitação neuromuscular proprioceptiva. Sugere-se, a partir desta revisão de literatura, que a fisioterapia pode ser indicada no tratamento de crianças que tiveram AVC. Cabe destacar, no entanto, que esse tema é pouco explorado na literatura, sendo necessários estudos adicionais para demonstrar a eficácia das técnicas e dos recursos fisioterapêuticos em longo prazo.

Palavras-chave: Acidente vascular cerebral. Criança. Transtornos motores. Fisioterapia. Modalidades de fisioterapia.


ABSTRACT

Stroke is one of the leading causes of acquired brain injury in children and can cause various motor disorders. Objective: To verify, through a literature review, the effects of physical therapy treatment in children with stroke. Methodology: Integrative literature review. We included articles published in the PubMed, Lilacs, SciELO, Medline, Google Scholar and PEDro databases, in the English and Portuguese languages, from 2007 to 2017. We excluded articles in which the sample was composed of adults and/or the motor disorders were due to other pathologies. Twenty one articles were selected and six were used, which met the established criteria. Physiotherapy has been shown to improve muscle tone, muscle strength, balance and motor function in children with stroke, through the use of conventional physiotherapy, restriction therapy and induction of movement, and proprioceptive neuromuscular facilitation. It was suggested, from this literature review, that physiotherapy may be indicated in the treatment of children who had stroke. It should be noted, however, that this topic is little explored in the literature, and additional studies are needed to demonstrate the efficacy of techniques and physiotherapeutic resources in the long term.

Keywords: Stroke. Child. Motor disorders. Physiotherapy. Physical therapy modalities.


RESUMEN

El accidente cerebrovascular (ACV) es una de las principales causas de lesión cerebral adquirida en los niños y puede causar varias secuelas motoras. Objetivo: Verificar los efectos del tratamiento fisioterapéutico en niños que tuvieron ACV. Metodología: Revisión de literatura. Se incluyeron artículos publicados en las bases de datos PubMed, Lilacs, SciELO, Medline, PEDro y Google Académico, en inglés y portugués, entre los años 2007 a 2017. Se excluyeron artículos en que la muestra estaba compuesta por adultos y/o los disturbios motores provenían de otras patologías. Se seleccionaron 21 artículos y utilizados seis, que atendieron los criterios establecidos. Se ha comprobado que la fisioterapia mejora el tono muscular, la fuerza muscular, el equilibrio y la función motora en los niños que han sufrido ACV, a través de la terapia convencional de restricción y inducción de movimiento y facilitación neuromuscular proprioceptiva. Se sugiere, a partir de esta revisión de literatura, que la fisioterapia puede ser indicada en el tratamiento de niños que tuvieron ACV. Cabe destacar, sin embargo, que este tema es poco explorado en la literatura, siendo necesarios estudios adicionales para demostrar la eficacia de las técnicas y de los recursos fisioterapéuticos a largo plazo.

Palabras-clave: Accidente cerebrovascular. Niño. Transtornos motores. Fisioterapia. Modalidades de fisioterapia.


 

 

INTRODUÇÃO

O acidente vascular cerebral (AVC) é um distúrbio comum no adulto, caracterizado como uma lesão cerebrovascular originada pelo rompimento do aporte sanguíneo para determinada região do cérebro e classificado como isquêmico, quando ocorre a obstrução de vaso sanguíneo, ou hemorrágico, quando há ruptura de vaso sanguíneo (MEKITARIAN FILHO; CARVALHO, 2009).

O AVC também pode ocorrer na infância e causar grandes morbidades, como sequelas motoras, cognitivas e comportamentais (LO et al., 2008; BERNARD; GOLDENBERG, 2010; BÉJOT et al., 2012). Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), são considerados AVCs na infância os casos ocorridos até 18 anos. O AVC pode ser assim dividido: neonatal, que inclui os períodos pré-natal, perinatal (entre a 28ª semana de gestação e os primeiros sete dias de vida), neonatal (primeiro mês de vida) e não neonatal ou infantil (após um mês de idade) (MEKITARIAN FILHO; CARVALHO, 2009).

Vale ressaltar que, embora o AVC ocorra em adultos e crianças, os fatores de risco diferem em ambos os públicos, sendo necessário entendê-los para melhorar as estratégias de prevenção e intervenção, minimizando assim os prejuízos físicos, mentais e financeiros que essa patologia ocasiona (GRUNT et al., 2015; ROSA et al., 2015; COLE et al., 2017).

As causas mais frequentes de AVC em crianças são anemia falciforme, cardiopatias congênitas, varicela, vasculopatias vasculites, meningencefalites, malformações dos vasos cerebrais, aneurismas e doenças hematológicas (GERZSON et al., 2015). Cabe destacar, entretanto, que em mais de um terço dos casos a etiologia é desconhecida (NUMIS; FOX, 2014).

Estima-se que a incidência anual de AVC em crianças seja de 1-6/100 mil pessoas (ROSA et al., 2015), e a taxa de letalidade chega a aproximadamente 4%, estando na mesma proporção o AVC isquêmico e hemorrágico (JORDAN, 2008; NUMIS; FOX, 2014), e não havendo predomínio entre os sexos (MALLICK et al., 2014).

O diagnóstico de AVC nas faixas etárias pediátricas é sempre mais difícil, pois os sinais e sintomas são muito variados e inespecíficos (ROSA et al., 2015). As manifestações clínicas mais comuns são: convulsão, apneia e redução do nível de consciência (MEKITARIAN FILHO; CARVALHO, 2009). Após o AVC, a maioria das crianças pode apresentar sequelas como paralisia cerebral, epilepsia, problemas cognitivos e/ou comportamentais (CHABRIER et al., 2011; PAPATHANASIOU et al., 2016; SALIBA et al., 2017; GREENHAM; ANDERSON; MACKAY, 2017). Sendo assim, a fisioterapia apresenta-se como um tratamento fundamental. Por causa da plasticidade do cérebro, pesquisas mostram que a reabilitação em crianças que tiveram AVC tem impacto favorável na morbidade em longo prazo, melhorando a qualidade de vida e a saúde física e emocional tanto da criança acometida como da família (ROSA et al., 2015; TIBUSSEK et al., 2015).

A fisioterapia dispõe de várias técnicas e recursos de tratamento para o AVC infantil. Entre eles, podem-se destacar o Método Bobath, a facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNMP), a terapia do espelho (TE) e a terapia de restrição e indução do movimento (TRIM) (SOUZA et al., 2010; DOS SANTOS et al., 2014; KHALID et al., 2015; PAPATHANASIOU et al., 2016; LOMBARD, 2016; OLIVEIRA; TOVAZI; NEVES, 2017).

O Método Bobath ou Conceito Neuroevolutivo Bobath é uma abordagem para avaliação e tratamento de pacientes com distúrbios de movimentos e controle postural provocados por uma lesão no sistema nervoso central. O objetivo dessa técnica é melhorar o equilíbrio e o movimento, e aprimorar a função com técnicas específicas de manuseio para diminuir ou aumentar o tônus muscular anormal e facilitar padrões normais de movimento. Tal método foi desenvolvido em 1943 e é muito utilizado na prática clínica pediátrica. No entanto, há pouco suporte científico dessa abordagem (SOUZA et al., 2010).

A FNMP, também muito empregada na prática clínica, utiliza o estímulo da sensibilidade proprioceptiva para aumentar força, flexibilidade e coordenação, melhorando a qualidade do movimento. Essa técnica envolve contrações musculares concêntricas, excêntricas e estáticas, combinadas com resistência propriamente graduada e procedimentos facilitatórios adequados, todos ajustados para atingir as necessidades de cada paciente (KHALID et al., 2015).

A TE é uma intervenção de baixo custo e fácil aplicabilidade, que fornece ilusão visual e cinestésica de um membro funcional. Essa terapia consiste no posicionamento de um espelho entre os membros superiores do indivíduo (de modo sagital) para que ele realize movimentos com o membro saudável. Esses movimentos são refletidos pelo espelho e interpretados como se fossem realizados pelo membro parético, contribuindo assim para a melhora do membro superior parético, por meio da ativação do sistema de neurônios espelhos e do trato corticoespinal (PAPATHANASIOU et al., 2016).

Outra técnica de tratamento para crianças após AVC é a TRIM, que consiste na restrição de movimentação do membro superior não afetado, encorajando a realização de atividades funcionais com o membro superior parético, a fim de maximizar ou restabelecer a função motora do membro superior deficiente. Essa técnica foi desenvolvida para reabilitação de adultos, porém atualmente se apresenta como uma ferramenta para a reabilitação de crianças com sequelas motoras, sendo utilizada principalmente para tratar o membro superior (DOS SANTOS et al., 2014).

Contudo, atualmente não há um consenso sobre quais são as melhores intervenções terapêuticas disponíveis para os casos de AVC na infância. Investigar o AVC nessa faixa etária é muito difícil, e, por isso, os estudos são escassos. A pesquisa em AVC infantil impõe diversos desafios metodológicos: a documentação existente sobre o início da doença geralmente é incerta, pois não há dados dos pacientes anteriores ao ocorrido; e o subdiagnóstico é frequente, uma vez que casos que apresentam sintomas leves ou transitórios não são identificados e diagnosticados. Diante de tantas dificuldades e limitações, somadas ao fato de que o AVC é uma importante causa de lesão cerebral adquirida em crianças, por causa da gravidade de suas sequelas (MALLICK et al., 2014), o presente estudo teve por objetivo verificar os efeitos do tratamento fisioterapêutico em crianças que tiveram AVC. Este trabalho contribui então para divulgação de conhecimentos sobre o AVC infantil, das técnicas fisioterapêuticas utilizadas para o tratamento dessas crianças e dos seus efeitos.

 

MÉTODO

Tratou-se de uma revisão integrativa de literatura sobre AVC na infância e tratamento fisioterapêutico, conforme descritos na Figura 1. Foram incluídos estudos clínicos e de revisão de literatura publicados nas bases de dados Pub-Med, Lilacs, SciELO, Medline, Google Acadêmico e PEDro, nos idiomas inglês e português, entre 2007 e 2017. Para pesquisa, utilizaram-se as seguintes as palavras-chave: acidente vascular cerebral (stroke), criança (child), distúrbios motores (motor disorders), fisioterapia (physiotherapy). Excluíram-se artigos cuja amostra era composta por adultos e/ou os distúrbios motores que decorriam de outras patologias que não fossem AVC.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta revisão integrativa de literatura, foram selecionados 21 artigos que abordavam o tema AVC infantil. Porém, para análise de resultados, utilizaram-se apenas seis artigos, os quais atenderam aos critérios estabelecidos e tratavam concomitantemente de AVC infantil e fisioterapia. Esses artigos foram agrupados de acordo com a metodologia e os principais resultados obtidos, conforme demonstrado no Quadro 1.

 

 

Foram encontrados quatro estudos de casos, um estudo clínico e um estudo de revisão de literatura. De modo geral, verificou-se que a fisioterapia proporcionou melhora de tônus muscular, força muscular, equilíbrio e função motora em crianças que tiveram AVC, por meio da utilização da FNMP e TRIM. Cabe destacar que a maioria dos estudos eram recentes (publicados nos últimos cinco anos), escritos na língua inglesa, visaram à reabilitação de incapacidades dos membros superiores em crianças mais velhas (com idade acima de 9 anos) e abordaram aspectos relacionados à fisioterapia convencional e à TRIM.

Papathanasiou et al. (2016) realizaram uma revisão sistemática da literatura para verificar quais técnicas de reabilitação motora são utilizadas no tratamento de hemiplegia decorrente de AVC na infância (desde o nascimento até 18 anos). A TRIM foi uma técnica bastante utilizada nos estudos e efetiva para reabilitação motora e negligência espacial unilateral. No entanto, os autores relataram que o público pediátrico permanece pouco estudado. Não foram encontradas evidências sobre o treinamento bimanual. Abordagens como estímulo elétrico funcional, terapia robótica, realidade virtual, terapia de observação de ação e terapia espelho também apresentaram evidências insuficientes, mas os autores acreditam que tais métodos podem ser promissores para o tratamento de déficits mais graves dos membros superiores em crianças mais velhas.

Lombard (2016) descreveu um programa de avaliação e intervenção fisioterapêutica convencional aplicado em um menino de 10 anos, com AVC e doença cardíaca congênita, que aguardava transplante cardíaco. A intervenção foi aplicada diariamente, durante quatro semanas, e incluía diversas atividades para treino de equilíbrio estático e dinâmico (na posição sentada e em pé), treino de força muscular, utilizando exercícios funcionais e resistidos (atividades na posição de quatro apoios, engatinhar na subida ultrapassando obstáculos, atividades na posição de cócoras, agachamento, andar de triciclo adaptado), treino de resistência (deambulação na esteira, aumentando gradualmente o tempo e a velocidade) e treino de mobilidade funcional (atividades de subir e descer escada, transferências posturais). A intervenção foi elaborada considerando as limitações apresentadas pela criança na avaliação. Ao final do tratamento, houve melhora de tônus muscular, amplitude de movimento, equilíbrio, resistência, força e mobilidade funcional. Tais progressos contribuíram para o aumento da distância, velocidade e independência na caminhada e transferências posturais.

Khalid et al. (2015) avaliaram os efeitos da FNMP em um estudo prospectivo de acompanhamento de 50 crianças com idade abaixo de 15 anos, divididas em grupo I e grupo II. As crianças do grupo I foram submetidas à FNMP, enquanto as do grupo II foram tratadas com exercícios passivos. O tratamento durou três meses. Para avaliação, utilizaram-se um questionário e uma escala de avaliação de força muscular. Verificou-se que a FNMP foi um método de tratamento efetivo, pois houve aumento significativo de força muscular, alívio da dor, redução da espasticidade e melhora funcional no grupo I em relação ao grupo II.

Cabe destacar que o método de reabilitação mais encontrado nos estudos de AVC em crianças foi a TRIM (SOUZA et al., 2010; DOS SANTOS et al., 2014; PAPATHANASIOU et al., 2016; OLIVEIRA; TOVAZI; NEVES, 2017). Essa terapia está baseada na teoria do "não uso aprendido" que se desenvolve no estágio inicial após o AVC infantil, em que a criança compensa os movimentos com o membro não afetado, impedindo a recuperação do membro afetado. A restrição do membro superior não afetado e o uso forçado do membro afetado para a realização das atividades diárias atuam diretamente na reabilitação e no aprendizado motor após o AVC infantil (DOS SANTOS et al., 2014).

Os resultados de tratamento com a TRIM, observados através da ressonância magnética funcional, evidenciam uma reorganização cortical após a aplicação da técnica. Para a eficácia da TRIM, ao longo dos anos foram surgindo vários protocolos de tratamento. O protocolo inicial preconizava que o paciente deveria manter-se 90% do tempo com membro não afetado contido enquanto estivesse acordado. A prática de realizar tarefas repetidas também é uma estratégia de treinamento, o qual consiste em realizar atividades funcionais por um determinado tempo (SOUZA et al., 2010).

Oliveira, Tovazi e Neves (2017) realizaram um estudo de caso de um menino de 4 anos hemiparético à direita, diagnosticado com AVC fetal, para avaliar os efeitos da TRIM. O tratamento teve duração de um mês, sendo realizado três dias na semana, com sessões de três horas. O menino foi submetido a uma avaliação inicial antes da intervenção fisioterapêutica, a uma avaliação final após um mês de intervenção e a outra após três meses do final da intervenção. Antes da contenção, realizavam-se mobilização articular passiva, alongamento muscular passivo, descarga de peso e facilitação neuromuscular proprioceptiva no membro superior parético. A seguir, o membro superior não parético era contido com faixas junto ao tronco do paciente, de modo que ele não pudesse utilizá-lo nas atividades propostas. O paciente foi estimulado a realizar exercícios fisioterapêuticos, atividades escolares, de lazer e atividades de vida diária. Verificou-se que a TRIM proporcionou melhora da amplitude de movimento, frequência e qualidade da função manual do membro superior parético.

Semelhantes resultados foram encontrados por Dos Santos et al. (2014) que descreveram um estudo de caso de uma paciente de 9 anos com hemiparesia espástica à esquerda, decorrente de AVC isquêmico, em que foi adotado o seguinte protocolo: contenção por meio de uma malha tubular do membro superior direito (não acometido), posicionado em rotação interna com adução de ombro, flexão de cotovelo em 90º, sendo contido por 14 dias em um total de 23 horas por dia. Essa contenção era retirada apenas nas sessões de fisioterapia que aconteciam sete dias por semana, com duração de 50 minutos, com os seguintes exercícios: alongamentos de membros superiores direito e esquerdo; exercícios de estimulação para pinça e preensão; exercícios de coordenação motora; exercícios funcionais, como abrir e fechar um zíper, vestir-se, abotoar e desabotoar, amarrar e desamarrar, passar cadarço; higiene pessoal, como escovar os dentes, pentear e prender o cabelo; independência, como levar um copo ou um talher até a boca, alimentar-se, pendurar roupas no varal com um prendedor; brinquedos com encaixe; abrir e fechar maçaneta; e manipular objetos com diferentes texturas. Nesse caso clínico, os autores relataram melhora do equilíbrio e da atividade dos músculos flexores e extensores de punho no membro superior parético (DOS SANTOS et al., 2014).

No estudo de Souza et al. (2010), também foram evidenciados ótimos resultados com a aplicação da TRIM, com uso de luva durante a maior parte do tempo acordado, associada à prática de tarefas durante uma hora e meia por dia, duas vezes por semana, durante 16 sessões de tratamento. Uma das variáveis testadas e trabalhadas foi a destreza. Nesse caso, utilizaram-se dois recursos para a avaliação:

• Trenzinho de madeira com nove pinos: a criança deveria colocar e retirar os pinos com a mão parética.

• Um quadrado de madeira com orifícios e um cadarço: a criança deveria alinhavar, ou seja, passar o cadarço pelos orifícios. O tempo foi cronometrado para a realização total da tarefa.

Observou-se uma redução de tempo para realização dos testes, com melhora na rapidez para concretização das tarefas (SOUZA et al., 2010).

Cabe destacar, entretanto, que a TRIM é considerada uma técnica de difícil execução e incômoda por causa do tempo de contenção do membro não afetado e da grande intensidade diária de treinamento, porém é um tratamento aceitável e bastante eficaz em crianças. Pesquisas futuras devem, portanto, investigar novos protocolos abrangendo um tempo menor de intervenção diária e tratamento domiciliar (SOUZA et al., 2010; DOS SANTOS et al., 2014).

 

CONCLUSÃO

Com base nesta revisão de literatura, a fisioterapia pode ser indicada no tratamento de crianças que tiveram AVC. Os estudos relataram melhora de tônus muscular, força muscular, equilíbrio e função motora com a utilização de fisioterapia convencional, FNMP e TRIM, porém faltam evidências científicas para fundamentar esse tipo de tratamento. Cabe destacar que esse tema é pouco explorado na literatura. Por conta disso, são necessários estudos clínicos adicionais que contenham números expressivos de pacientes para analisar criticamente a eficácia das técnicas e dos recursos de tratamento (Bobath, FNMP, TRIM, realidade virtual, estimulação elétrica funcional, terapia espelho, hidroterapia) e investigar a duração de seus efeitos em longo prazo na melhora da função motora.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 16.02.2018
Aprovado em: 05.04.2018

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