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Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

Print version ISSN 1519-0307On-line version ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.19 no.2 São Paulo July/Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v19n2p9-24 

Fatores ambientais das crianças com Síndrome de Down conforme a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)

 

Environmental factors of children with Down Syndrome according to International Classification of Functioning

 

Factores ambientales en los niños con Síndrome Down según la Clasificación Internacional del Funcionamiento

 

 

Clarissa Cotrim dos AnjosI; Joyce de Souza MirandaII; Júlia Ferreira BrandãoIII; Renata Sampaio Rodrigues SoutinhoIV; Shirley da Silva SantosV; Thays Cristine Ferro WanderleyVI

ICentro Universitário CESMAC, Maceió, AL, Brasil. E-mail: clacotrimanjos@gmail.com
IICentro Universitário CESMAC, Maceió, AL, Brasil. E-mail: joyce.mirandaa@hotmail.com
IIICentro Universitário CESMAC, Maceió, AL, Brasil. E-mail: juliafbrandao96@outlook.com
IVCentro Universitário CESMAC, Maceió, AL, Brasil. E-mail: renatasampaio_@hotmail.com
VUniversidade de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. E-mail: shyr_l@hotmail.com
VICentro Universitário CESMAC. E-mail: thatyferro@hotmail.com

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Na Síndrome de Down (SD), o ambiente é um fator importante no desenvolvimento, podendo esse ser um facilitador ou uma barreira para o aprendizado. É o uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) que ajuda a identificar as reais necessidades do paciente.
OBJETIVO: Descrever as características de um grupo de crianças com SD quanto aos fatores ambientais por meio da CIF, em um Centro Especializado em Reabilitação (CER) de uma universidade pública no estado de Alagoas.
MATERIAIS E MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal, descritivo, de característica quantitativa, realizado com dez crianças com SD e que realizavam acompanhamento fisioterapêutico. Utilizou-se de instrumento de coleta de dados para os aspectos sociodemográficos e os aspectos reabilitacionais e o uso da CIF para a coleta dos fatores ambientais.
RESULTADOS: Verificou-se que produtos e tecnologias foram considerados como os principais facilitadores para o desempenho das crianças. O apoio de família nuclear/parentes, a presença de cuidadores e de assistentes pessoais, a presença dos profissionais de saúde e a disponibilidade dos serviços de transporte e de educação são apontados como as principais barreiras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A identificação dos fatores ambientais por meio da utilização da CIF proporcionou o reconhecimento dos aspectos modificáveis para melhorar o desempenho da criança na terapia, o que irá refletir nos diversos contextos nos quais a criança estará inserida (domiciliar/escolar). Sabe-se que a mudança em aspectos tão complexos vai além da prática fisioterapêutica, mas o reconhecimento da interferência de tais fatores consiste no primeiro passo.

Palavras-chave: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Síndrome de Down. Fisioterapia. Relações familiares. Desempenho psicomotor.


ABSTRACT

INTRODUCTION: In Down Syndrome (DS), the environment is an important factor in development, which may be a facilitator or a barrier to learning. It is the use of the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) that helps identify the real needs of the patient.
OBJECTIVE: To describe the characteristics of a group of children with DS related to environmental factors through the CIF, carried out in a Specialized Center in Rehabilitation (CER) of a public university in the State of Alagoas.
MATERIALS AND METHODS: This is a cross-sectional, descriptive, quantitative trait study of 10 children with DS who underwent physiotherapeutic follow-up. A data collection instrument was used for the sociodemographic and rehabilitation aspects and the use of the ICF for the collection of environmental factors.
RESULTS: It was verified that products and technologies were considered as the main facilitators for children's performance. Nuclear family support/relatives, the presence of caregivers and personal assistants, the presence of health professionals, and the availability of transportation and education services are identified as the main barriers.
FINAL CONSIDERATIONS: The identification of environmental factors through the use of CIF has allowed the recognition of modifiable aspects to improve the child's performance in therapy, which will reflect in the different contexts in which the child will be inserted (domicile/school). But it is known that change in such complex aspects goes beyond physiotherapeutic practice, but recognition of the interference of such factors is the first step.

Keywords: International Classification of Functioning Disability and Health. Down Syndrome. Physical therapy specialty. Family relationships. Psychomotor performance.


RESUMEN

INTRODUCCIÓN: En la Síndrome Down (SD), el ambiente es un factor importante para el desarrollo, lo que influye para la facilitación o una barrera para el aprendizaje. El uso de la Clasificación Internacional del Funcionamiento, de la Discapacidad y la Salud (CIF), ayuda en la identificación de las necesidades de los pacientes.
OBJETIVO: Describir las características de un grupo de niños con la SD, sobre los factores ambientales por la CIF, en un Centro Especializado en Rehabilitación (CER) de una universidad pública del estado de Alagoas.
MATERIALES Y MÉTODOS: Se trata de un estudio trasversal, descriptivo, con características cuantitativas, realizado con niños con SD y que reciban intervenciones de la fisioterapia. Se ha aplicado un instrumento para recoger los datos, para los aspectos sociodemográficos, aspectos de la rehabilitación e el uso de la CIF para recoger los datos sobre los factores ambientales.
RESULTADOS: Se ha analizado que los productos e las tecnologías son los principales facilitadores para el desarrollo de los niños. El apoyo de la familia, la presencia de los cuidadores e de los asistentes personales, la presencia de los profesionales de la salud e la disponibilidad de los servicios del transporte y educación, conllevan para ser el principal problema.
CONSIDERACIONES FINALES: La identificación de los factores ambientales con la utilización de la CIF, conlleva para el reconocimiento de los aspectos que se pueden cambiar para mejorar el desarrollo de los niños en la terapia, lo que influye en los distintos contextos en lo que los niños se encuentran (domiciliar/escuela). Mientras se sepa, que los cambios en estos aspectos complejos, llevan a sitios más lejos que la práctica de la fisioterapia, mientras, el reconocimiento de la interferencia de estos factores influye para empezar la intervención.

Palabras claves: Clasificación Internacional del Funcionamiento de la Discapacidad y la Salud. Síndrome Down. Fisioterapia. Relaciones familiares. Desempeño psicomotor.


 

 

INTRODUÇÃO

A Síndrome de Down (SD) é uma anomalia genética muito frequente em todo o mundo, reconhecida há mais de um século, sendo sua primeira descrição feita pelo médico pediatra inglês John Langdon Down, em 1866 (PINHEIRO et al., 2015; FERREIRA et al., 2016).

Sua incidência populacional é de cerca de um em cada 700 nascimentos vivos (TRINDADE; NASCIMENTO, 2016). Estima-se que 3% da população mundial tenha a trissomia no cromossomo 21, que é prevalente em indivíduos brancos, sendo rara em negros. Ocorre em decorrência de uma falha genética, na qual haverá uma alteração no par do cromossomo 21, em que, em vez de dois, há um terceiro cromossomo, que leva a uma distribuição cromossômica inadequada durante a fase da meiose (PINHEIRO et al., 2015; FERREIRA et al., 2016).

As alterações associadas à SD afetam na maioria dos casos a qualidade de vida e a saúde de inúmeras maneiras, aumentando assim o grau de dependência desses indivíduos, afetando também a qualidade de vida de seus cuidadores (MOREIRA et al., 2016).

No desenvolvimento motor das crianças com SD, o ambiente é um fator importante no desempenho, podendo este ser um facilitador ou uma barreira para o aprendizado (TRINDADE; NASCIMENTO, 2016).

O ambiente é considerado importante e relevante na funcionalidade do indivíduo, destacando-se o uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) na prática clínica fisioterapêutica, pois promove um raciocínio clínico de acordo com as necessidades do paciente, destacando a seriedade de analisar os fatores contextuais no desempenho das pessoas (PERES et al., 2018).

A CIF serve como uma ferramenta por ser uma linguagem universal tanto na abordagem funcional e biopsicossocial quanto nas informações para que seja descrito o funcionamento da deficiência (CASTANEDA, 2018).

A CIF é dividida em duas partes: a primeira apresenta as estruturas e as funções corporais, referindo-se às partes anatômicas e às funções fisiológicas. A segunda cita os fatores contextuais, ambientais e pessoais (PERES et al., 2018).

Os fatores ambientais são destaques no contexto em que as pessoas estão inseridas, assim como os fatores econômicos, nutricionais, sociais, as atividades de lazer, a cultura, as atividades diárias, entre outros. É importante salientar que diante do papel da saúde e participação dos indivíduos, estes podem se tornar uma barreira ou um facilitador para a funcionalidade, influenciando, principalmente, a qualidade de vida (ATHAYDE et al., 2017).

São exemplos de facilitadores para o desenvolvimento os estímulos diários que contribuem para o desenvolvimento de habilidades: o nível socioeconômico, a escolaridade, a parceria estável e a relação dos pais com a criança, pois promovem um aprendizado que, consequentemente, traz benefícios para o seu desenvolvimento. Entretanto, outros aspectos podem ser considerados barreiras, tais como a acessibilidade aos serviços e as atitudes de familiares (KNYCHALA et al., 2018).

Os fatores ambientais analisados na CIF compõem os ambientes físico, social e atitudinal em que as pessoas vivem e conduzem sua vida, e representam o conjunto de fatores ambientais extrínsecos. A CIF recomenda que esses fatores sejam codificados sob a perspectiva da pessoa cuja situação está sendo descrita (OPAS/OMS, 2015).

A CIF aborda um contexto proposto pela OMS, no qual analisa vários fatores envolvidos na saúde, sejam eles biológicos, sociais ou pessoais, considerando as condições ambientais e individuais inseridas no contexto (GOMES et al., 2017).

Na prática clínica, muitas vezes, o fisioterapeuta centraliza o seu cuidar apenas na disfunção da criança, não valorizando adequadamente os fatores ambientais em que esta vive. Assim, o uso da CIF permite uma ampliação do olhar diante do paciente, identificando de forma mais clara a influência do ambiente no desempenho da criança.

Este trabalho buscou descrever as características de um grupo de crianças com SD quanto aos fatores ambientais por meio da CIF em um Centro Especializado em Reabilitação (CER) de uma universidade pública no Estado de Alagoas.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente trabalho é um recorte da pesquisa intitulada "Perfil de funcionalidade, incapacidade e saúde na vida de crianças com Síndrome de Down conforme a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)", que tem como objetivo caracterizar o perfil de funcionalidade e incapacidade das crianças com SD assistidas no CER III.

Trata-se de um estudo transversal, descritivo, de característica quantitativa, realizado com dez crianças com diagnóstico confirmado de SD e que realizavam acompanhamento fisioterapêutico no Centro Especializado em Reabilitação III (CER III), vinculado a uma universidade pública de Alagoas. Este estudo teve início após a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) sob protocolo de nº 2.130.715.

Os responsáveis legais pelos pacientes ativos no serviço foram esclarecidos sobre a importância do estudo e orientados sobre suas etapas, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) como forma de confirmar sua participação na pesquisa.

Consideraram-se como critérios de inclusão da pesquisa todas as crianças que estavam em atendimento no centro no ano de 2017, com diagnóstico descrito no prontuário de SD, independentemente de gênero e na faixa etária de 0 a 12 anos. Foram excluídos aqueles que tinham síndromes associadas e que estivessem em tratamento fisioterapêutico por menos de três meses, no local da pesquisa.

A coleta dos dados ocorreu no período de junho a setembro de 2017, sendo realizada no horário do acompanhamento fisioterapêutico no CER III. Foi realizada por meio de um instrumento visando obter informações sobre as características sociodemográficas e reabilitacionais. Aplicou-se a CIF nas crianças com o auxílio de seus cuidadores.

Para obter os resultados baseados na CIF, utilizaram-se as categorias inseridas no Anexo 9 do componente fatores ambientais, em especial os capítulos 1, 3 e 5. Os cuidadores foram questionados sobre a magnitude de suas dificuldades nesta categoria.

O Centro Especializado em Reabilitação III (CER III), vinculado a uma universidade pública de Alagoas, foi escolhido pelo fato de ser considerado referência no atendimento de crianças com necessidades especiais e de ser o único vinculado a uma instituição de ensino.

Para caracterizar o perfil das crianças com SD participantes do estudo, aplicou-se um instrumento de coleta de dados, composto de itens objetivos, tais como: idade; gênero da criança; frequência escolar; doenças associadas; cuidador; escolaridade do cuidador; quais terapias eram realizadas; benefício da seguridade social; independência quanto à marcha e início do tratamento reabilitacional.

Destaca-se que nesta pesquisa foi considerado como tratamento precoce aquele iniciado antes dos 6 meses, tendo como base o fato de que quanto mais cedo se inicia a estimulação do Sistema Nervoso Central (SNC), maior será o aproveitamento da plasticidade cerebral e melhores serão os resultados (CARMO, 2006; TOLEDO et al., 2015).

No presente estudo, em razão da pouca idade das crianças, fez-se necessário o julgamento de situações listadas na CIF por seus cuidadores presentes no momento da coleta.

Para classificação do componente de fatores ambientais foram utilizados dois qualificadores, que indicam a extensão em que o fator ambiental age como facilitador, sendo representado por +8, ou a barreira, representada por .8.

O facilitador (+8) foi considerado quando havia disponibilidade de recurso ou acesso garantido, e se era de boa qualidade. O qualificador barreira (.8) apontava para a frequência com que um fator limitava a criança, se a dificuldade era grande ou pequena, evitável ou não. Os fatores ambientais considerados como barreiras podem interferir diretamente na funcionalidade da criança pela sua presença ou ausência.

Os dados coletados pelo instrumento de coleta de dados e da CIF, após sua análise, foram armazenados em uma pasta eletrônica e, posteriormente, apagada de modo a manter a confidencialidade dos sujeitos da pesquisa.

Ressalta-se que os resultados foram entregues ao profissional responsável do serviço com considerações e sugestões para a criança/família.

Os dados desta pesquisa foram analisados por meio da estatística descritiva através de números absolutos (N), porcentagem (%), média, desvio-padrão mínimo e máximo realizados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram dessa pesquisa dez crianças com SD, com idade média de 3,10 ± 2,55 anos, sendo a idade mínima de 1 ano e a máxima de 9 anos, atendidas no Centro Especializado em Reabilitação III (CER III), vinculado a uma universidade pública de Alagoas. Em relação ao sexo: 50% (5) eram do sexo feminino e 50% (5), do masculino.

Em relação aos cuidadores das crianças com SD participantes desta pesquisa, verificou-se que em: 70% (7), as cuidadoras eram as próprias mães das crianças; a seguir, mãe e pai, conjuntamente, com 20% (2) dos casos; e apenas 10% (1) informaram "outro".

Os estudos realizados por Moreira et al. (2016) e Oliveira e Limongi (2011) identificaram que os principais cuidadores das crianças com SD eram as próprias mães. Esses achados corroboram os dados desta pesquisa.

Sendo o principal cuidador da pessoa com SD a mãe e havendo fortes vínculos emocionais envolvidos, geralmente no período de gravidez, ocorre que, muitas vezes, estas não estão preparadas para assumir as responsabilidades física, mental e social, precisando também de cuidados (MOREIRA et al., 2016).

A escolaridade dos cuidadores foi de 50% (5) com mais de 9 anos de estudos; seguida de 20% (2) dos casos com 5 a 8 anos de estudos; 20% (2) eram analfabetos; e apenas 10% (1) tinham até 4 anos de estudos. Quanto ao fato de receberem benefício da seguridade social, 90% (9) responderam que "sim", uma única mãe respondeu "não", mas afirmou que já tinha dado entrada e que estava aguardando. Tal fato demonstra a renda familiar baixa das crianças com SD avaliadas.

As crianças com SD participantes desta pesquisa apresentaram doenças associadas, sendo a mais comum a cardiovascular, em 60% (6) dos casos; seguida de distúrbios visuais e auditivos em 40% (4); 10% (1) tinham alergia ao leite. É importante mencionar que cada criança poderia ter mais de um distúrbio. Das crianças com cardiopatia congênita, 50% (3) realizaram cirurgia corretiva e todas tinham indicação de medicamento de uso contínuo.

A presença de distúrbios associados com SD na criança ocorre, frequentemente, devido às condições genéticas da síndrome, resultando em diversas alterações, como cardiopatia congênita; hipotonia muscular; distúrbios da tireoide; alteração visual; alteração auditiva; alterações na coluna cervical; problemas neurológicos; obesidade, contribuindo ainda mais para o atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (ARARUNA; LIMA; PRUMES, 2015; SOUSA et al., 2017). Tais dados foram encontrados também nesta pesquisa.

Das crianças participantes: 40% (4) estavam frequentando escola regular e 60% (6) ainda não estavam na idade mínima (maiores de 3 anos) de ingressar em creches municipais. Em relação à independência das crianças, apenas 10% (1) não deambulavam independentemente e necessitavam ser deslocadas no colo da mãe ou em carrinho de bebê.

O início do tratamento reabilitacional ocorreu de forma precoce em 30% (3) dos casos. Destaca-se que quanto mais cedo iniciam-se as intervenções, maiores são as chances de minimizar ou impedir modificações no desenvolvimento (MORAIS et al., 2016).

As crianças avaliadas estavam inseridas em terapias multidisciplinares, sendo que 100% (10) realizavam fisioterapia; 60% (6), fonoaudiologia; 50% (5), terapia ocupacional; apenas 10% (1), tratamento psicológico. Considerando a necessidade de atendimento multiprofissional, todas as crianças deveriam realizar fonoaudiologia, terapia ocupacional e/ou tratamento psicológico (mãe e/ou criança). De acordo com os cuidadores, nem todas as crianças estavam fazendo tratamentos, pois não havia vagas disponíveis no CER, no entanto estavam à espera.

Os resultados encontrados nesta pesquisa serão descritos em três blocos de fatores ambientais: produtos e tecnologias; atitudes e relacionamentos; e disponibilidade de serviços públicos.

Na Tabela 1 estão listadas as categorias da CIF referentes aos produtos e tecnologias.

 

 

Na CIF, produtos e tecnologias são definidos como qualquer produto, instrumento, equipamento ou tecnologia adaptado ou especialmente concebido para melhorar a funcionalidade de uma pessoa com incapacidade (OPAS/OMS, 2015).

De acordo com os dados encontrados na Tabela 1, verifica-se que nas crianças avaliadas, apenas uma responsável indicou ter dificuldades para a aquisição de comida especial e medicamentos; na acessibilidade, equipamentos adaptados para a educação.

O estudo realizado por Brasileiro et al. (2009) com crianças com paralisia cerebral (PC) encontrou que essa população necessita de muitas adaptações para o uso em suas vidas pessoais, como órteses e medicamento especial. Diferentemente do encontrado nesta pesquisa.

Alves et al. (2018) relatam que com o aumento do grau de escolaridade de cuidadores há uma significativa diminuição de sobrecarga, fazendo com que eles resolvam os problemas com conhecimento e resolutividade. Tal fato pode justificar o encontrado nesta pesquisa, já que os produtos e tecnologias indicados precisam ser solicitados e, portanto, é necessário conhecimento para que possam ser conseguidos.

Na SD existe a prevalência de malformações cardíacas que geralmente evoluem para cirurgias ou utilização de medicamentos de uso contínuo e, na fala de cuidadores, o acesso ao remédio é uma barreira. Assim como foi mencionado por uma cuidadora, referindo-se à criança que tem alergia ao leite, há uma barreira de acesso ao fornecimento de alimento especial.

Drummond et al. (2018) afirmam que, no Brasil, o acesso aos medicamentos gratuitos para as doenças crônicas ocorre em 50% dos casos.

Na Tabela 2 estão listadas as categorias da CIF referentes ao apoio e aos relacionamentos adotadas pelos cuidadores das crianças com SD.

 

 

As atitudes são as consequências observáveis dos costumes, das práticas, das ideologias, dos valores, das normas, das crenças religiosas, dentre outras, influenciando o comportamento individual e a vida social em todos os níveis, dos relacionamentos interpessoais e associações comunitárias às estruturas políticas, econômicas e legais (OPAS/OMS, 2015).

As redes de apoio são geralmente fragilizadas no ato de cuidar, entre elas parentes, pai e amigos, sendo um grande problema para a relação familiar. A família é muito exigida e não é incomum que mais de um ente se envolva nas atividades. Normalmente, as mães são as mais requisitadas, seguidas de outros membros do núcleo familiar, como irmãos mais velhos, avós, pais, tios e sogra (BARBIERI et al., 2016). Esse fato foi apontado pelos cuidadores de SD como uma barreira, uma vez que não podem compartilhar o cuidar da criança com outros, pois encontram dificuldades em ter apoio da família nuclear, de parentes e amigos.

O artigo de Jung, Chung e Byoung-Hee (2017), realizado com idosos com SD, mostrou que membros da família imediata (família nuclear), quando são facilitadores, contribuem para o desempenho desses indivíduos (JUNG; CHUNG; BYOUNG-HEE, 2017).

Como já dito, a maioria das famílias recebe benefício de prestação continuada para a criança, que, muitas vezes, constitui a única renda da família. Por isso, elas não podem receber auxílio para cuidadores externos, o que torna sua sobrecarga maior. Isso constitui uma barreira muito significativa, pois interfere diretamente no desempenho de suas funções de cuidar, uma vez que têm de cumprir outros afazeres além de cuidar da criança (MOREIRA et al., 2016).

Resultado semelhante foi encontrado no estudo de Brasileiro et al. (2009), que mostra que as crianças com PC têm barreiras importantes nesses aspectos, sendo a presença de profissionais de saúde a principal.

Mesmo as crianças estando inseridas em um centro especializado, a multiprofissionalidade não estava presente na sua totalidade, visto que algumas delas não tinham acesso à terapia ocupacional, à fonoaudiologia e aos tratamentos psicológicos disponíveis no próprio serviço.

No estudo realizado por Ferrer et al. (2015), foi relatado que o acesso ao nível secundário consiste em uma barreira em razão do longo tempo de espera por assistência. Faz-se necessária a integração dos serviços de saúde para a resolutividade do cuidar, já que 50% dos cuidadores de seus filhos têm indicação, mas não dispõem de tratamento.

Esse aspecto também merece destaque pelo fato de que a criança só terá sua potencialidade totalmente atingida se pais e terapeutas estiverem unidos para esse fim, de modo que todos tenham compreensão das necessidades de cada criança para que a terapia possa ser reproduzida em casa. Portanto, faz-se necessário um envolvimento ativo da família para que haja uma abordagem centrada na criança/família, minimizando as dificuldades na integração do cuidador e, consequentemente, efetividade terapêutica (ALVES et al., 2018).

Na Tabela 3 estão listadas as categorias da CIF referentes à disponibilidade dos serviços adotados pelos cuidadores para as crianças com SD.

 

 

A disponibilidade de transporte foi apontada pelos cuidadores como grande barreira para o desenvolvimento das crianças. Tal fato foi encontrado no estudo realizado por Pereira et al. (2011).

Apesar de apenas uma criança não deambular, Pereira et al. (2011) justificam que as dificuldades de acesso a ônibus coletivo, pelo fato de alguns motoristas não pararem próximo ao ponto principal para eles, e pela necessidade de ter que tomar vários ônibus para chegar ao centro de tratamento, faz que isso seja uma barreira mesmo para aqueles que não têm dificuldades de locomoção, como a maioria das crianças desta pesquisa.

A questão da falta de acessibilidade dos diversos locais e serviços torna as pessoas isoladas da sociedade, sem oportunidades e sem estímulos, dificultando o desenvolvimento biopsicossocial, desvalorizando assim suas potencialidades. A acessibilidade não se refere apenas ao direito de ir e vir, mas de ter acesso adequado a todos os serviços de lazer e da área social a que têm direito (PEREIRA et al., 2011).

Em relação ao acesso dos serviços de saúde, 30% dos cuidadores apontaram isso como barreira. O que pode ser justificado, pois, para o fornecimento de assistência integral à saúde para alguém com SD, faz-se necessária a presença de vários profissionais que deveriam estar disponíveis no mesmo serviço (MISSEL et al., 2017). Uma saída para tal fato consistiria em ter serviços de reabilitação mais próximos das residências, evitando longos deslocamentos.

Apenas 50% das crianças estavam tendo acesso aos serviços de educação, de acordo com seus responsáveis. Sabe-se que a inclusão das crianças com SD nas escolas é algo desafiador, pois requer adequação da família, dos professores e da própria escola para que o acesso deixe de ser uma barreira na vida dessas crianças e passe a ser um facilitador (SOUSA et al., 2017). Apesar de ainda haver sete crianças fora da escola, pela faixa etária mínima, a implementação de creches também se faz necessária, pois além de permitir a socialização, possibilita ao cuidador o ingresso no mercado de trabalho.

Outro aspecto que merece destaque é o de que muitas vezes não existe articulação entre os serviços de saúde e de educação, de modo a haver uma inclusão de fato realizada (ATHAYDE et al., 2017). Isso deve ser considerado e revisto pelos profissionais do centro para que possa contribuir para a inclusão das crianças com SD, além de possibilitar acesso aos próprios profissionais do CER.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento dos fatores ambientais permite a identificação de fatores que podem ser modificáveis e que interferem direta ou indiretamente no desempenho das crianças na terapia, o que vai refletir nos diversos contextos em que a criança está inserida (domiciliar/escolar). Dentre os aspectos modificáveis, pode-se destacar o acesso a produtos e tecnologias, como alimentação, medicamento e equipamentos especiais para a educação, sendo que estes devem ser modificados para que a criança possa ter melhor desempenho, conforme apontado pelos cuidadores.

Em relação aos fatores ambientais relacionados ao apoio e aos relacionamentos adotados pelos cuidadores das crianças com SD, destacam-se aspectos referentes ao contexto familiar. Sabe-se que a mudança em fatores tão complexos, como estrutura familiar, acessibilidade e inclusão, envolvem aspectos que vão além da prática fisioterapêutica, e que o reconhecimento da interferência dos fatores ambientais no desempenho das crianças consiste no primeiro passo a ser dado para proporcionar o desenvolvimento ideal das crianças com SD. Apesar de frequentarem um centro especializado de reabilitação, algumas crianças da pesquisa ainda enfrentam barreira de acesso a todos os profissionais que são importantes para uma atenção integrada.

As principais limitações deste estudo são o pequeno tamanho amostral e a necessidade de utilizar métodos de avaliação específicos para avaliar o impacto dos fatores ambientais na vida das crianças com SD.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 28.3.2019
Aprovado em: 29.8.2019

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