SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número1O brincar e sua influência no desenvolvimento de crianças com transtorno do espectro autistaAvaliação ecológica de funções executivas: um estudo de revisão integrativa índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

versão impressa ISSN 1519-0307versão On-line ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.21 no.1 São Paulo jan./jun. 2021

http://dx.doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v21n1p39-67 

Levantamento e avaliação da acessibilidade de aplicativos para apoio ao aprendizado de crianças com diagnóstico de transtorno do espectro autista

 

Research and assessment of applications accessibility to support the learning of children with autism spectrum disorders diagnosis

 

Encuesta y evaluación de accesibilidad de aplicaciones para apoyar el aprendizaje de niños con diagnóstico de transtorno del espectro autista

 

 

Carolina Yoshida ScotiniI; Fernanda Tebexreni OrsatiII; Elizeu Coutinho de MacedoIII

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: yoshida.carol@gmail.com
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: fernanda.orsati@gmail.com
IIIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: elizeu.macedo@mackenzie.br

 

 


RESUMO

O envolvimento da família é fundamental para a potencialização das intervenções e aprendizagem de crianças com transtorno do espectro autista (TEA). O uso de aplicativos para dispositivos eletrônicos móveis (tablets) pode ser um meio complementar de tratamento e aprendizagem para crianças com TEA, como demonstra a literatura. A acessibilidade a um aplicativo de tablet é importante pois garante compreensão e operacionalidade para os usuários. O objetivo do presente estudo foi avaliar a acessibilidade de diferentes aplicativos disponibilizados para treinamento de habilidades de crianças com TEA. O estudo foi conduzido em três etapas: 1. identificação dos aplicativos disponíveis para pessoas com TEA; 2. categorização dos aplicativos em função das habilidades treinadas; e 3. avaliação e classificação dos aplicativos a partir de uma guideline específica para acessibilidade de pessoas com TEA. Entre as características mais encontradas nos aplicativos, incluem-se interfaces simples, evitar estímulos distratores e instruções claras. Entre as características que podem ser expandidas, encontram-se permitir reverter ações críticas ou confirmá-las e customização de diversas características, por exemplo. Os resultados evidenciaram a importância da lista e ranking das caraterísticas contidas na guideline de acessibilidade, pois tais características representam o que o usuário com TEA, familiares, professores e profissionais devem procurar em um aplicativo. A divulgação dessas características proporciona um guia para o desenvolvimento de novos aplicativos voltados para crianças com TEA e demonstra a necessidade de gerar novos estudos para comprovação da efetividade dos aplicativos na aprendizagem de diversas habilidades.

Palavras-chave: Transtorno do espectro autista. Aplicativos móveis. Acessibilidade.


ABSTRACT

Family involvement is essential for positive results with interventions and for the learning of children with autism spectrum disorders (ASD). The literature demonstrates that the use of tablets is a resource that complements therapies and teaching for the children with ASD. Tablet application accessibility is important as it guarantees comprehension and usability to the users. The goal of the present paper was to assess accessibility of different applications available to children with TEA for practicing abilities. This study was structured in three levels: 1. identification of applications available and related to children with ASD; 2. categorization of the applications regarding the skills trained; and 3. assessment and ranking of the applications based on accessibility guidelines. The most common characteristics found include simple interface, avoidance of distractors, and clear instructions. The accessibility characteristics that needed expansion included possibility of reversing or need for confirmation of actions, and customization of the app, for example. The listing and ranking of these characteristics represent what users, their families, teachers, and professionals should look for in an application. The disclosure of these characteristics provides a guide for the development of new applications aimed at children with ASD, and demonstrates the need to generate new studies to prove the effectiveness of applications in learning various skills.

Keywords: Autism spectrum disorder. Mobile applications. Accessibility.


RESUMEN

La participación familiar es fundamental para mejorar las intervenciones y el aprendizaje de los niños con transtorno del espectro autista (TEA). El uso de aplicaciones para dispositivos electrónicos móviles (es decir, tabletas) puede ser un medio complementario de tratamiento y aprendizaje para los niños con TEA, como lo demuestra la literatura. La accesibilidad a una aplicación de tableta es importante porque garantiza la comprensión y la operatividad de los usuarios. El objetivo de este estudio fue evaluar la accesibilidad de las diferentes aplicaciones disponibles para la formación de las habilidades de los niños con TEA. El estudio se llevó a cabo en tres etapas: 1. identificación de las aplicaciones disponibles para las personas con TEA; 2. categorización de aplicaciones de acuerdo con habilidades capacitadas; y 3. evaluación y clasificación de aplicaciones a partir de una directriz específica para la accesibilidad de las personas con TEA. Entre las características más comunes, se encuentran interfaces simples, evitando estímulos que distraigan e instrucciones claras. Entre las características que se pueden ampliar, están permitir revertir acciones críticas o confirmarlas y la personalización de varias características, por ejemplo. Los resultados mostraron la importancia de la lista y el ranking de las características contenidas en la directriz de accesibilidad, ya que las características de tales representan lo que el usuario con TEA, familiares, profesores y profesionales deben buscar en una aplicación. La difusión de estas características también proporciona una guía para el desarrollo de nuevas aplicaciones dirigidas a los niños con TEA y demuestra la necesidad de generar nuevos estudios para probar la eficacia de las aplicaciones en el aprendizaje de diversas habilidades.

Palabras clave: Trastorno del espectro autista. Aplicaciones móviles. Accesibilidad.


 

 

INTRODUÇÃO

A utilização de tecnologia com crianças com diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) vem se expandindo e permitindo o desenvolvimento da comunicação (FRAIWAN et al., 2015), possibilitando a inclusão e a alfabetização (ALLEN; HARTLEY; CAIN, 2016), assim como o treinamento de habilidades específicas (BONO et al., 2016). Tecnologia assistiva diz respeito a pesquisa, fabricação, uso de equipamentos, recursos ou estratégias utilizadas para potencializar as habilidades funcionais das pessoas com deficiência (BRASIL, 2009). A utilização de aplicativos para comunicação de crianças não verbais com TEA, por exemplo, se caracteriza por um recurso de tecnologia assistiva, e é descrita como promissora na literatura (AVILA; PASSERINO; TAROUCO, 2013; CORREIA; MENDES; CORREIA, 2013; ALLEN; HARTLEY; CAIN, 2016). Além disso, o tablet como instrumento mediador no aprendizado é de vital importância e praticidade tanto no ambiente escolar, de intervenções variadas, quanto na casa da criança com diversas deficiências (KAGOHARA et al., 2013). Características como a tela sensível ao toque, a portabilidade, a variedade de atividades e graus de dificuldade, bem como a possibilidade de individualização fazem do tablet um instrumento de intervenção que pode ser incorporado no suporte ao aprendizado de diversas habilidades em crianças com TEA. Porém, é necessário que a acessibilidade de tais recursos tecnológicos seja avaliada para que pais e profissionais tenham certeza de que o aprendizado será de qualidade.

O TEA é caracterizado pela presença de dificuldades na comunicação, na interação social em múltiplos contextos e pela presença de padrões de comportamento restritos e repetitivos, sejam eles em interesses ou em atividades (APA, 2002). Esses sintomas costumam estar presentes precocemente no período do desenvolvimento e causam prejuízo clínico significativo, além de afetar o funcionamento social e profissional e outras áreas importantes da vida do indivíduo. Tal diagnóstico é considerado um espectro, o que significa que existe uma apresentação clínica variada das características nesses indivíduos. Sendo assim, existem pessoas com diferentes habilidades e dificuldades em sua comunicação, interação social e seus padrões de comportamento (APA, 2002). Devido a essa diversidade, intervenções propostas para crianças com TEA devem levar em conta a possibilidade de individualização e adaptação baseada nessas características individuais.

O Centro Nacional de Autismo nos Estados Unidos desenvolveu diretrizes para demonstrar evidência da eficácia de diversas intervenções para pessoas com autismo (NATIONAL AUTISM CENTER, 2009). Nesse sentido, princípios eficazes nas intervenções incluem a análise funcional do comportamento, incorporação de tecnologia assistiva, treinamento de pais para intervenções específicas, entre outros (NATIONAL AUTISM CENTER, 2009).

Intervenções comportamentais baseadas em uma análise funcional do comportamento apresentam resultados funcionais e duradouros quando incorporadas em um tratamento para crianças com TEA (MCPHILEMY; DILLENBURGER, 2013). A análise de comportamento aplicada tem como foco a elaboração de um projeto e a avaliação e implementação de modificações sociais e ambientais, com o objetivo de produzir mudanças positivas no comportamento das pessoas. Para que haja essa mudança positiva, a intervenção faz uso da observação direta, medição e análise funcional das relações entre ambiente e comportamento (BEHAVIOR ANALYST CERTIFICATION BOARD [BACB], 2014). Para aumentar a probabilidade de um comportamento ser reproduzido novamente, é necessário reforçá-lo (SKINNER, 2007).

Outro princípio importante é a aprendizagem sem erro. Ela consiste em um processo que propicia um desempenho preciso ou com pouco erro (MELO; HANNA; CARMO, 2014). Nesse processo, quando a pessoa consegue resolver um problema emitindo uma resposta correta e é reforçada, isso gera uma alteração no comportamento, promovendo o efeito do reforço positivo que aumenta a probabilidade da emissão do mesmo comportamento novamente (SKINNER, 2007). Melo, Hanna e Carmo (2014) mostram evidências de pesquisas que afirmam que o erro não é necessário para a aprendizagem, propondo novas metodologias de ensino que foquem a produção de sucesso do aluno. Crianças com TEA, assim como diversas outras crianças, beneficiam-se desse tipo de aprendizado, pois quanto mais reforçado é um comportamento desejado, maior é a probabilidade de ele ocorrer novamente, ocasionando uma aprendizagem mais rápida.

A literatura ainda salienta a importância de um ambiente previsível para que uma aprendizagem funcional possa ser aplicada no dia a dia, ou seja, nos contextos naturais da criança (BONO et al., 2016). Além disso, é amplamente conhecido que pessoas com TEA geralmente apresentam boas habilidades visuais, como a memória visual, isto é, são capazes de representar conceitos por sequência de imagens. Dessa forma, como apoio nas terapias, é proposto o uso de fotografias, imagens, fluxogramas, desenhos animados, entre outros, para melhorar a compreensão desses indivíduos (DATTOLO; LUCCIO, 2017). As principais dificuldades na implementação de tais intervenções incluem o desenvolvimento de um protocolo de intervenção específico e personalizado, levando em conta as reais dificuldades e os pontos fortes da criança, assim como extensas horas de terapia necessárias (BONO et al., 2016). Uma intervenção personalizada é mais efetiva do que uma genérica, principalmente nos casos de TEA, pois crianças com esse mesmo diagnóstico apresentam grandes diferenças entre si.

Com um diagnóstico precoce, é possível iniciar intervenções em fases iniciais do desenvolvimento infantil, produzindo resultados mais promissores (ZWAIGENBAUM et al., 2015). Nesse sentido, o estudo de revisão de Zwaigenbaum et al. (2015) recomenda intervenções com 25 horas semanais e envolvimento da família para que sejam mais eficazes. De fato, o envolvimento da família é fundamental, pois a criança realiza muito de sua rotina diária no ambiente familiar, o que possibilita a potencialização das oportunidades para intervenção e aprendizado.

A intensidade da intervenção é crucial para um resultado positivo, mas muitas vezes não se consegue alcançá-la somente em um contexto clínico. A viabilidade econômica tem um papel substancial no tratamento, pois a carga horária de intervenção recomendada para crianças com TEA não é acessível para grande parte das famílias na nossa sociedade. Portanto, o envolvimento e treinamento dos pais e cuidadores para o suporte ao aprendizado da criança são estratégias necessárias e efetivas, pois aumentam o número de oportunidades, assim como o acesso a ambientes naturais e ricos em estímulos (FRAIWAN et al., 2015).

McPhilemy e Dillenburger (2013) observaram a experiência do envolvimento dos pais na análise de comportamento aplicada a crianças diagnosticadas com TEA. Tal intervenção teve um impacto não só na vida da criança e, em particular, no que diz respeito a comunicação, desafios e independência, mas também na família como um todo, incluindo melhora na qualidade de vida. Encontram-se resultados positivos também no envolvimento de pais em treinamento para habilidades comunicativas (FRAIWAN et al., 2015) e de interação social (BONO et al., 2016) e no uso de tablet para promover comunicação (ALLEN; HARTLEY; CAIN, 2016). Assim, ressalta-se a importância não só do envolvimento, mas também do treinamento dos pais e cuidadores e do suporte a intervenções para crianças diagnosticadas com TEA.

Tecnologia faz parte do cotidiano, e as crianças podem utilizar esses dispositivos em ambientes escolares, sociais e familiares. Esse acesso se dá tanto por meio de telefones celulares quanto de computadores e tablets, todos muito populares no Brasil. Uma pesquisa realizada pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil aponta que, em 2014, o celular era utilizado por 82% das crianças e dos adolescentes. Em relação ao tablet, em 2012, apenas 2% o utilizavam; já em 2014, esse número passou para 32% (NÚCLEO DE INFORMAÇÃO E COORDENAÇÃO DO PONTO BR, 2016).

Boucenna et al. (2014) indicam que a utilização de tecnologia computacional para crianças com autismo apresenta diversos pontos de concordância para ajudar pessoas com esse diagnóstico, diante de suas características, incluindo previsibilidade e consistência de resposta. Os autores apontam que o uso de modelos computacionais, como robôs e outras interfaces, apoia o desenvolvimento e melhora de atenção focalizada e atenção geral, além de auxiliar na capacidade de se manter sentado, na motricidade fina e na generalização de comportamentos (BOUCENNA et al., 2014).

A literatura destaca diversos trabalhos que analisam o uso de diferentes aplicativos para o desenvolvimento de habilidades em pessoas com TEA (KAGOHARA et al., 2013). Entre as habilidades treinadas, encontram-se habilidades sociais, comunicação funcional e sequência de ações (FRAIWAN et al., 2015), atenção compartilhada e imitação (BONO et al., 2016), avaliação do progresso em terapia (KOłAKOWSKA et al., 2016) e aprendizado de palavras e comunicação alternativa (AVILA; PASSERINO; TAROUCO, 2013; CORREIA; MENDES; CORREIA, 2013; ALLEN; HARTLEY; CAIN, 2016).

Fraiwan et al. (2015) mostram que programas e jogos em aplicativos têm um grande potencial social, de saúde e econômico. Dessa forma, jogos podem ser desenvolvidos para a reabilitação comportamental, visando a introduzir padrões comportamentais adequados, como as habilidades sociais, por meio de histórias guiadas por um personagem principal. Dessa mesma forma, outros jogos podem ser desenvolvidos para estimular distintas habilidades cognitivas, aproveitando o potencial da tecnologia para transformar atividades, tornando-as mais interessantes e atrativas para as crianças.

Bono et al. (2016) criaram e estudaram a viabilidade de uma plataforma de jogo chamada Gaming Open Library Intervention for Autism at Home (Goliah) para intensificar a intervenção em casa, utilizando computador ou tablet. A plataforma necessita de pelo menos dois aparelhos, um para a criança e outro para o terapeuta, e possibilita trabalhar diversas habilidades por meio de atividades e jogos. O estudo contou com dez crianças com TEA, durou três meses e o objetivo foi estimular a imitação e atenção compartilhada da criança utilizando 11 jogos. Essa plataforma tem como base princípios da análise do comportamento, de desenvolvimento e de relacionamento social. Para cada criança, foi traçado um programa personalizado, que levava em consideração o perfil funcional, padrão relacional e possibilidades de modificação de comportamentos. Foram realizadas seis sessões semanais com cada criança, cinco em casa junto com os pais e uma no hospital, com duração de 20 minutos cada. A plataforma permite ajustar o nível de dificuldade para cada criança, de acordo com suas habilidades, assim como permite ajustar o tipo de reforço positivo que será fornecido para a criança no fim da tarefa. As conclusões demonstraram que a plataforma do jogo é útil na interação com o terapeuta e com pessoas não especializadas, como os pais. Foi constatada uma rápida melhora no desempenho das crianças com TEA nas atividades de imitação e atenção compartilhada. A maioria dos pais relatou ter ficado satisfeita com o aplicativo como suporte ao tratamento dos filhos, e ainda apontou que houve uma melhora na qualidade de vida das crianças e em suas relações com seus filhos no cotidiano.

Kołakowska et al. (2016) realizaram um estudo com uma plataforma chamada Automated Therapy Monitoring for Children with Autism Spectrum Disorder (Autmon), que visa ao desenvolvimento de métodos e ferramentas para permitir a avaliação e o progresso da terapia em crianças com TEA. Nesse programa, monitora-se o padrão de comportamento apresentado no uso do aplicativo pela criança durante a terapia. O objetivo do estudo foi identificar quais aplicativos proporcionam experiências positivas para a criança e têm um papel na terapia. Os cinco aplicativos para tablets utilizados foram projetados por psicólogos, terapeutas e cientistas de dados. O grupo-alvo foi composto por crianças entre 3 e 7 anos de idade, no ensino infantil e com diagnóstico de TEA. Os resultados demonstram as seguintes características importantes para a interface tablet e criança: os aplicativos devem ser divertidos; a necessidade de familiaridade com a tecnologia; possibilidade de aumentar ou diminuir a dificuldade do aplicativo de acordo com a criança; compreensão da tarefa. O estudo sugere que, com treinamento, há potencialidade no uso dos tablets e tecnologias nas terapias para crianças com TEA. Os autores concluem que há necessidade de desenvolvimento de maiores recursos para a mensuração do progresso, para que o terapeuta possa se adequar e, assim, garantir mais qualidade ao tratamento.

O tablet e o iPad podem ser usados como mediadores na aprendizagem de habilidades associativas. Allen, Hartley e Cain (2016) investigaram como o aprendizado de palavras por meio de imagens se transfere para o objeto real, mediado pelo uso de livros e do iPad em crianças com TEA. Todas as 16 crianças que participaram do estudo tinham conhecimento do Picture Exchange Communication System (Pecs) como intervenção e estavam acostumadas com o uso do iPad para fins educacionais. Os resultados demonstraram que tanto no iPad quanto nos livros as crianças foram capazes de associar o nome das imagens com os objetos físicos, mostrando a utilização do iPad como um meio eficaz de aprendizagem de vocabulário.

Em ambientes escolares, o uso de aplicativos torna-se cada vez mais popular para o apoio à aprendizagem. Por exemplo, Tunney e Ryan (2012) realizaram um estudo com assistentes de professores e o uso de tecnologia para auxiliar e complementar o ensino de crianças com TEA, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. Os aplicativos mais utilizados pelos assistentes com fins educacionais foram os mais eficazes, mas o estudo relata impacto positivo sobre o comportamento do aluno, principalmente na ansiedade e frustração dos alunos durante as aulas.

Com a expansão do uso de tablets para aprendizagem de habilidades específicas nos casos de TEA, o desenvolvimento de aplicativos que sejam acessíveis e que complementem o perfil neuropsicológico (apoiando as dificuldades e desenvolvendo as potencialidades) dessas crianças é essencial. Por exemplo, Pavlov (2014) apresenta requisitos e orientações sobre o conceito de interface com o usuário para garantir a acessibilidade de pessoas com TEA a um aplicativo de leitura. A interface do usuário é um componente importante da viabilidade do uso de um aplicativo num tablet, sendo uma ferramenta de ajuda que promove uma experiência de qualidade. A acessibilidade ao aplicativo visa a garantir operacionalidade, percepção e compreensão aos usuários. Tais requisitos são fundamentais e definem o sucesso ou o fracasso do aplicativo.

Para a promoção de uma interface de aplicativo de acordo com as necessidades dos usuários, é importante conhecer seus aspectos psicológicos, principalmente levando-se em consideração a grande variabilidade de características das crianças com diagnóstico de TEA. Em uma revisão da literatura, Becker, Koltermann e Salles (2017) demonstram que as principais defasagens neuropsicológicas do TEA incluem funções executivas, memória e linguagem (oral e escrita). As funções executivas são compreendidas como um conjunto de processos e, nos casos de TEA, os prejuízos dessas funções se relacionam a habilidades sociais, atenção, comunicação, memória de trabalho, inibição, planejamento de ações motoras e visomotoras, flexibilidade cognitiva, fluência verbal, alternância entre estímulos e busca visual. A linguagem é de extrema importância, e as crianças com TEA apresentam dificuldade nas linguagens receptiva e expressiva, que estão diretamente ligadas à compreensão, leitura, linguagem falada, escrita e sinalização. Dificuldades na área da linguagem se caracterizam por prejuízos em habilidades pragmáticas, interferindo em tarefas de processamento de inferências e interações sociais. Além disso, o prejuízo no reconto de histórias orais, apresentado por crianças com TEA, parece estar ligado a uma dificuldade no uso de estratégias para processar e armazenar informações de acordo com a categoria semântica, dificultando a compreensão da narrativa.

Perante um perfil de características específicas de crianças com TEA, foram selecionadas tarefas específicas que possam ser trabalhadas pelos aplicativos. Para treinar dificuldades de atenção e de planejamento de ação visomotora, que envolvem processamento de informações e planejamento motor para execução, foram utilizados aplicativos com atividades de pareamento de estímulos correspondentes, categorização de imagens por função, classe, grupo e sequenciamento de imagens. Assim como foi feito para trabalhar a dificuldade de linguagem, envolvendo compreensão receptiva, semântica, sintaxe e pragmática, fez-se o uso de aplicativos que apresentam atividades com conceituação e vocabulário. Para a defasagem nas interações sociais, foram utilizados aplicativos que envolvem o reconhecimento de emoções e aplicativos que trabalham habilidades sociofuncionais, possibilitando trabalhar situações de imprevisibilidade do cotidiano e de quebra de rotina. Os aplicativos somados a uma preferência por previsibilidade e mídias computacionais devem levar em conta o interesse da pessoa, uma vez que aplicativos em um tablet se tornam ferramentas importantes na aprendizagem. O presente artigo objetiva fazer um levantamento e uma análise de acessibilidade de aplicativos existentes para treinamento de habilidades específicas em crianças com TEA, que podem ser utilizados por pais ou profissionais da área no Brasil.

 

MÉTODOS

Levantamento dos aplicativos

A pesquisa de levantamento dos aplicativos foi conduzida com base em três critérios. Na primeira etapa, definiram-se as plataformas de pesquisa, App Store e Play Store, e utilizou-se a palavra-chave "autismo" para busca nessas plataformas. O primeiro critério de seleção foi que os aplicativos fossem relevantes para crianças diagnosticadas com TEA no Brasil e que se fizesse uma filtragem dos cem primeiros aplicativos que apareceram nessa primeira etapa. Estabeleceram-se mais dois critérios para a inclusão: os aplicativos deveriam estimular dificuldades específicas de crianças com TEA, incluindo habilidades visomotoras, linguagem e habilidades sociofuncionais; e os aplicativos deveriam ter versão gratuita, ou pelo menos algumas de suas tarefas iniciais deveriam ser gratuitas. Os aplicativos que apresentam um custo em parte do seu conteúdo só tiveram sua parte gratuita analisada. Dessa forma, o presente estudo não realiza uma análise da relação custo-benefício, nem incentiva a compra deles.

Após a busca baseada nos critérios descritos, 18 aplicativos foram selecionados para análise. Os aplicativos são recomendados para crianças a partir de 2 anos de idade. Todos os aplicativos selecionados foram brevemente descritos e organizados de acordo com a habilidade treinada, incluindo ainda o idioma, o sistema operacional e a necessidade ou não do uso de internet, conforme exposto no Quadro 1 abaixo. Após a exploração e descrição, todos os aplicativos foram analisados segundo sua acessibilidade.

 

 

Análise de acessibilidade dos aplicativos

A análise de acessibilidade de aplicativos pode ser feita a partir de guidelines específicas desenvolvidas para esse fim. Dessa forma, buscou-se identificar diferentes guidelines que pudessem ser usadas para avaliação de aplicativos utilizados por pessoas com TEA. Britto e Pizzolato (2016) conduziram revisão bibliográfica com publicações científicas sobre acessibilidade para pessoas com TEA e outros distúrbios neurológicos. Com base nos resultados, construíram uma guideline atualizada, que tem como objetivo guiar o usuário na identificação de aspectos de acessibilidade na interface de um aplicativo. Essa guideline é sugerida para auxiliar profissionais que desenvolvem aplicativos para essa população. O presente estudo utiliza como base a guideline desenvolvida por Britto e Pizzolato (2016). O Quadro 2 apresenta cada categoria e respectivas subcategorias para análise dos aplicativos.

 

 

Os autores explicam a seleção das categorias da guideline com base em características relacionadas às pessoas com autismo, por exemplo: dificuldade para manter a atenção, compreender instruções dadas verbalmente e generalização de comportamento em diferentes contextos. Nesse sentido, a categoria G6 (comentários/respostas) é importante, pois facilita o uso do aplicativo ao sinalizar a resposta correta, promove a compreensão do que é solicitado pela utilização de diferentes modos de instrução e antecipa como lidar com elementos similares no aplicativo, tornando-se previsível (BRITTO; PIZZOLATO, 2016).

Os dois primeiros autores deste trabalho classificaram, independentemente, os aplicativos selecionados com base nos critérios da guideline por meio dos seguintes códigos: A, se o aplicativo cumpre o critério; B, se cumpre parcialmente; C, se não cumpre o critério da categoria; N/A, se o critério não se aplica. Após a avaliação de cada aplicativo, dentro de cada critério de acessibilidade, foram calculados os índices de concordância entre as notas dos dois avaliadores.

 

RESULTADOS

Após as notas atribuídas pelos avaliadores, os aplicativos foram ranqueados segundo: a) porcentagem de notas A atribuídas por aplicativo dentro de cada categoria da guideline; e b) cálculo do índice de concordância entre os dois avaliadores. A partir da análise dos aplicativos com base nessa guideline, os aplicativos que obtiveram a maior porcentagem de A foram Super StoryMaker (79%), Social Stories (77%) e BitsBoard (68%).

Os que menos se adequaram às guidelines, obtendo as maiores porcentagens da classificação C, foram os aplicativos Usando o Banheiro e Baby Panda's Supermarket (46%), ABC Autismo (48%) e Shop & Math (39%). Os mesmos aplicativos que obtiveram a maior porcentagem de C (não cumprem os critérios) estão entre as menores porcentagens do critério A (cumprem os critérios). Todas as médias de porcentagens e os rankings estão apresentados na Tabela 1.

 

 

Analisando os aplicativos em função da acessibilidade, as categorias que obtiveram a maior porcentagem de A para todos os 18 aplicativos analisados foram G10 - interação com a tela sensível ao toque (92%), G1 - vocabulário visual e textual (88%) e G7 - rendimento (72%). As categorias que obtiveram mais pontos por não cumprirem os critérios C foram G2 - customização (79%), G9 - interação com o sistema (60%) e G5 - multimídia (43%), que se enquadram entre as categorias que obtiveram uma menor porcentagem de A (Tabela 2).

 

 

A partir de um consenso entre os dois avaliadores, todos os índices de concordância obtiveram valores acima de 60% (Tabela 1). Com base nos resultados obtidos, os aplicativos foram organizados de acordo com a classificação dentro de cada categoria de habilidade treinada, para melhor ilustrar pontuação na guideline de acessibilidade para TEA (Tabela 3).

 

 

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi fazer um levantamento e uma análise de acessibilidade de aplicativos existentes para treinamento de habilidades específicas em crianças com TEA que podem ser utilizados por pais ou profissionais da área no Brasil. Assim, foram selecionados 18 aplicativos que se enquadraram nos critérios de busca estabelecidos. Entre tais aplicativos, seis habilidades que são descritas na literatura como necessárias para o treinamento de crianças com autismo foram priorizadas: pareamento, categorização, quantificação, sequência lógica, conceituação e habilidades sociofuncionais. Cada aplicativo dentro de tais categorias respondeu diferentemente aos critérios de acessibilidade da guideline: A (cumpre os critérios); B, se cumpre parcialmente; C, se não cumpre o critério da categoria; N/A, se o critério não se aplica.

As categorias discutidas estão voltadas para habilidades que podem ser treinadas para ajudar no aprendizado de crianças com TEA. Os aplicativos que obtiveram maior conceito de adequação com base na guideline foram os da categoria de habilidades sociofuncionais (Super StoryMaker, Social Stories e BitsBoard), que estão diretamente ligados aos déficits em diversas áreas do TEA. Esses aplicativos podem proporcionar uma instrução multimodal de quais comportamentos emitir em determinadas situações, ajudando no desenvolvimento de comportamentos e habilidades necessárias para uma interação social bem-sucedida. Histórias criadas com personagens preferidos pela criança (customização) ajudam na motivação e engajamento, e facilitam a compreensão de relação de causa e efeito, linguagem e regras sociais. Esses aplicativos, por possuírem uma alta possibilidade de customização, são versáteis e adequam-se mais às características de uma interface individual, principalmente voltada para crianças com TEA. A possibilidade de apresentação redundante de aplicativos sociofuncionais, de gravar sons, inserir diferentes figuras/fotos e a capacidade de adicionar texto foram características importantes para a individualização das atividades para pessoas com TEA (BONO et al., 2016).

Os aplicativos das companhias iHelp e Step by Step se adequaram de forma mediana aos critérios da guideline. Ambos os sistemas possuem diversas atividades e, por isso, estão presentes em mais de uma categoria de habilidade treinada. Tal agrupamento de atividades ajuda os pais e os terapeutas a terem acesso a diferentes aplicativos que trabalham diversas habilidades de maneira similar. Isso facilita a compreensão da criança sobre como interagir com o aplicativo e proporciona um ambiente de aprendizagem previsível, com menor exigência de adequação visomotora para cada atividade (BONO et al., 2016).

Outros critérios utilizados para classificação dos aplicativos que tiveram destaque por sua importância na aprendizagem de crianças com TEA são customização, interação com o sistema e capacidade multimídia. Como visto anteriormente, crianças com TEA possuem características diferentes, portanto a possibilidade de customização de um aplicativo, como, por exemplo, o nível de dificuldade ou tempo e número de itens em uma atividade, é de grande importância para sua acessibilidade e sucesso na interface com a criança (BONO et al., 2016). A customização da quantidade de estímulos presentes na tela é uma função que pode ajudar crianças que tenham dificuldades inibitórias e de atenção, por exemplo. Porém, a customização foi uma das categorias da guideline de acessibilidade a que os aplicativos menos se adequaram. Levando em consideração a importância da individualização das atividades e da incorporação dos interesses das crianças nas atividades (BONO et al., 2016), o aplicativo que possibilita uma customização do conteúdo para o interesse da criança irá garantir que ela se engaje em tal atividade.

Estudos indicam que o uso de reforçadores é essencial na aprendizagem para manter e ampliar o comportamento desejado (SKINNER, 2007). Todos os aplicativos apresentam sons ou imagens ou uma combinação para indicar para a criança sua resposta correta. A utilização de imagens, sons ou animações que são disponibilizados após uma resposta correta, além de promover um feedback (para que a criança aprenda com suas ações), pode motivar o engajamento da criança na atividade. Todos os aplicativos possuem sons diferenciais para representar os acertos. As telas de reforçadores e intervalos entre atividades apareceram em dois dos 18 aplicativos, sendo que somente em um deles, o Camp Discovery, era possível selecionar as imagens que a criança poderia utilizar nessas telas. Quanto maior for a customização, maior é a individualização dos aplicativos para a necessidade daquela criança e, portanto, maior é a probabilidade de motivação para o engajamento dela.

Todos os aplicativos obtiveram boas notas no último critério, interação com a tela touch screen. Tal habilidade é de grande importância no treinamento de habilidades de crianças com TEA, pela consequência direta de ação e resposta, por isso a importância do uso do tablet em si. Outra questão importante da interação é a maneira como a criança interage com os elementos da tela. Na maioria dos aplicativos, é necessário tocar e arrastar os itens para dar respostas, e o usuário não consegue modificar a quantidade de estímulos na tela. As opções de modificar o número de estímulos ou somente toque para resposta (sem a necessidade de arrastar) garantem que crianças com dificuldade de planejamento visomotor consigam executar a tarefa. Isso acontece, por exemplo, no aplicativo Step by Step, que possibilita as duas opções de interação com a tela (tocar e arrastar). Em relação ao número de estímulos e uso do espaço em branco na tela, aplicativos com muitas imagens, como o Shop & Math ou o Baby Panda's, não obtiveram pontuação alta em acessibilidade e não apresentam os critérios necessários para usabilidade segundo a guideline (BRITTO; PIZZOLATO, 2016). Porém, tais interfaces, que podem ser consideradas, em termos de acessibilidade, interfaces com mais distratores, podem ser atrativas e estimulantes para alguns usuários, pois são um estímulo que relembra o ambiente real.

A maioria dos aplicativos encontrados está no idioma inglês, o que dificulta a utilização no Brasil sem que haja a necessidade da mediação de um adulto que traduza para a criança. Uma função simples, a qual os aplicativos Step by Step, BitsBoard e Social Stories já apresentam, é a customização dos sons, possibilitando gravar a voz para instrução ou nomeação de cada objeto. Tal recurso garante a customização do aplicativo para diversos idiomas e amplia o alcance do uso, bem como a utilização independente pela criança (BRITTO; PIZZOLATO, 2016).

A categoria interação com o sistema garante que a criança receba instruções apropriadas do que deve fazer para conseguir interagir com o aplicativo (BECKER, KOLTERMANN; SALLES, 2017). Em muitos aplicativos, como no Junta Junta, BitsBoard, Hear Builder Sequencing e Step by Step, antes da tentativa ou após um certo tempo, o aplicativo oferece o modelo visual da ação que a criança deve seguir. Outros aplicativos, como Sort it out, Match it up e Baby Panda's, não apresentam instruções claras. Dessa forma, a criança pode ter dificuldade de interação com o sistema ou dificuldade em realizar a atividade proposta, o que resulta na utilização inadequada do aplicativo para o treinamento da habilidade proposta.

Alguns aplicativos, como o Montessori Preschool, não permitem o erro da criança, ou seja, é baseado no princípio de aprendizagem sem erros e progressiva priorizada para crianças com TEA (MELO; HANNA; CARMO, 2014). Tal característica dos aplicativos é bastante importante e se mostra essencial no processo de aprendizagem de novas habilidades. Ao permitir que a criança repita a resposta errada, sem dar o modelo correto, não é possível garantir o treino da habilidade objetivada. Crianças com TEA apresentam comportamentos repetitivos, e algumas podem apresentar pouca flexibilidade para modificação de estratégia de resposta. Permitir que a criança continue tentando a mesma resposta incorreta pode não ajudá-la a perceber que a resposta correta é a outra sem ter um modelo correto explícito de resposta para aquela atividade. Os aplicativos Hearbuilder, Junta Junta 1, 2 e 3 e BitsBoard são exemplos de aplicativos que já apresentam as respostas corretas após algumas tentativas de respostas incorretas. Outra característica que não foi encontrada na maioria dos aplicativos foi a possibilidade de reverter ações críticas ou confirmá-las, mas, se o aplicativo já não permite o erro da criança, como é o caso do Match it up e do Sort it out, tais etapas não são necessárias.

A outra categoria que recebeu menor número de notas de adequação está relacionada diretamente com a principal atração característica da interação com a tecnologia: representação dos conteúdos de diversas maneiras com imagem, áudio e vídeo. A baixa adequação foi devido ao fato de que nenhum dos aplicativos avaliados utiliza um mecanismo que permita ampliar as imagens apresentadas para melhor visualização. É importante ressaltar que essa categoria está relacionada com a compreensão do conteúdo. Dificuldades na linguagem, incluindo processamento de informação receptiva e de informações mais complexas, características de crianças com TEA (BECKER; KOLTERMANN; SALLES, 2017), podem ser compensadas na utilização de aplicativos com funções multimodais. Com uma representação multimídia do conteúdo, há uma facilitação de compreensão da criança sobre o que se deve fazer e como interagir com a atividade proposta. Além disso, em alguns aplicativos, há somente o uso de imagens, não incluindo palavras escritas relacionadas àquele conteúdo, o que diminui a ampliação do repertório da criança para leitura, por exemplo. A representação multimídia ideal seria englobar diversos recursos de input de informações, principalmente áudio e imagem e, se possível, vídeo. Aplicativos como o Social Stories permitem criar conteúdo com multimídia e personalizados para a criança, respeitando as características gerais do TEA, possibilitando a flexibilização quanto ao interesse da criança e auxiliando nas dificuldades relacionadas à linguagem, com treino de habilidades pragmáticas, categorização semântica e narrativas.

O presente estudo demonstra que as características mais presentes nos aplicativos são interfaces simples; evitar estímulos distratores; instruções claras; usar espaços brancos para separar diferentes conteúdos; linguagem textual e visual simples, evitando parágrafos; ícones e imagens do dia a dia; contrastes entre o fundo e os objetos/imagens; elementos com interações similares; e tela touch screen com sensibilidade apropriada. Dentre as características dos aplicativos que podem ser expandidas ou desenvolvidas, destacam-se as seguintes: instruções apropriadas para interação; possibilidade de reverter ações críticas ou confirmá-las; exibição de respostas corretas depois de até cinco tentativas incorretas; customização de diversas características (cores, imagens, tamanhos, quantidade de estímulos na tela); modo leitura; representação do conteúdo com áudio, legenda e vídeo; e símbolos próximos ao texto.

A tecnologia está cada vez mais presente em nossas vidas e pode ser incorporada na aprendizagem de crianças com TEA. Devido ao crescente uso de tablets e aplicativos, é necessário garantir que o conteúdo proposto pelo aplicativo seja entregue de maneira acessível ao usuário. Por isso, o conceito de acessibilidade na interface com o usuário garante que as necessidades e características pessoais deles sejam consideradas na formulação do aplicativo para promover uma experiência de qualidade. De maneira geral, a análise de acessibilidade foi relevante em relação às características dessas crianças e informativa para entender a utilização e interface dos aplicativos de treinamento de habilidades específicas em usuários com TEA, seus pais, professores e profissionais da área (FRAIWAN et al., 2015; ALLEN; HARTLEY; CAIN, 2016; KAGOHARA et al., 2013).

Todos os aplicativos analisados no presente estudo apresentam relevância na clínica, em casa ou em outros ambientes da criança com TEA para o treinamento de habilidades específicas. É necessário ressaltar que a posição baixa no ranking dos aplicativos citados neste estudo não significa falta de qualidade do aplicativo, da interface ou do conteúdo em si. O levantamento levou em consideração o ranking, mas o estudo é limitado, pois não pesquisou junto a profissionais, familiares ou pessoas com TEA sobre sua impressão no uso do aplicativo. Na prática, cada criança e família tem uma necessidade e cada aplicativo pode se adequar dependendo do quadro clínico, da demanda da família e dos profissionais envolvidos no suporte. Por exemplo, quanto maior for a customização, mais exigência de conhecimento profissional para criação de estímulo ou atividade adequada é necessária. Portanto, uma história geral já pronta para um comportamento mais comum, como uso do banheiro, pode se aplicar a diversas crianças e famílias e exigir menos preparo de profissionais e pais para criá-la. Ainda, o presente estudo não analisou a relação custo-benefício dos aplicativos com acesso parcialmente pago. Estudos futuros podem fazer uma análise mais profunda desses aspectos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A divulgação de guidelines de acessibilidade é importante para proporcionar novos aplicativos voltados para crianças com TEA, em conformidade com os critérios de funcionamento, e gerar novos estudos para comprovar a efetividade dos aplicativos como auxílio na aprendizagem de habilidades (DATTOLO; LUCCIO, 2017). Todos os aplicativos levantados aqui parecem ser relevantes para o treinamento de habilidades, principalmente de pareamento, categorização, quantificação, sequência lógica, conceituação e habilidades sociofuncionais, que podem ser treinadas em um ambiente escolar, terapêutico ou domiciliar. O presente artigo fornece informações sobre o que familiares, professores e profissionais devem procurar em um aplicativo voltado para crianças com TEA, além de fornecer informações essenciais para os profissionais que desenvolvem aplicativos com características esperadas de um aplicativo para uma população com TEA, que pode se beneficiar de tal recurso para a aprendizagem.

 

REFERÊNCIAS

ALLEN, M. L.; HARTLEY, C.; CAIN, K. iPads and the use of "apps" by children with Autism Spectrum Disorder: do they promote learning? Frontiers in Psychology, v. 7, n. 1305, ago. 2016. DOI 10.3389/fpsyg.2016.01305        [ Links ]

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-IV-TR. rev. São Paulo: Artmed, 2002.         [ Links ]

AVILA, B. G.; PASSERINO, L. M.; TAROUCO, L. M. R. Usabilidade em tecnologia assistiva: estudo de caso num sistema de comunicação alternativa para crianças com autismo. Relatec - Revista Latinoamericana de Tecnologia Educativa, v. 12, n. 2, p. 115-129, 2013.         [ Links ]

BECKER, N.; KOLTERMANN, G.; SALLES, J. F. Funções neuropsicológicas em crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista. In: BOSA, C. A.; TEIXEIRA, M. C. T. V. (org.) Autismo: avaliação psicológica e neuropsicológica. São Paulo: Hogrefe, 2017. p. 165-178.         [ Links ]

BEHAVIOR ANALYST CERTIFICATION BOARD (BACB). Applied behavior analysis treatment of autism spectrum disorder: practice guidelines for healthcare funders and managers. 2. ed. Littleton: Behavior Analyst Certification Board, 2014.         [ Links ]

BONO, V. et al. Goliah: a gaming platform for home-based intervention in autism: principles and design. Frontiers in Psychiatry, v. 7, n. 70, abr. 2016. DOI 10.3389/fpsyt.2016.00070        [ Links ]

BOUCENNA, S. et al. Interactive technologies for autistic children: a review. Cognitive Computation, v. 6, n. 4, p. 722-740, 2014. DOI 10.1007/s12559-014-9276-x        [ Links ]

BRASIL. Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Comitê de Ajudas Técnicas: tecnologia assistiva. Brasília: Corde, 2009.         [ Links ]

BRITTO, T. C. P.; PIZZOLATO, E. B. Towards web accessibility guidelines of interaction and interface design for people with autism spectrum disorder. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON ADVANCES IN COMPUTER HUMAN INTERACTIONS, 9., 2016, Venice, Italy. Anais [...]. Venice: ACHI, 2016. p. 24-28.         [ Links ]

CORREIA, P. V. A.; MENDES M. L.; CORREIA, S. D. P. Alteração de um paradigma e o futuro da comunicação alternativa: VOX4ALL, um caso de estudo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA, 5., 2013, Porto Alegre. Anais eletrônicos [...]. Porto Alegre: UFRGS, 2013. Disponível em: http://www.ufrgs.br/teias/isaac/VCBCAA/pdf/114772_1.pdf. Acesso em: 20 dez. 2017.         [ Links ]

DATTOLO, A.; LUCCIO, F. L. A review of websites and mobile applications for people with Autism Spectrum Disorders: towards shared guidelines. In: GAGGI, O. et al. (ed.). Smart objects and technologies for social good. Cham: Springer, 2017. p. 264-279. DOI 10.1007/978-3-319-61949-1_28.         [ Links ]

FRAIWAN, M. et al. A gaming approach to behavioural rehabilitation: concept exploration. International Journal of Computer Applications in Technology, v. 51, n. 3, p. 226-234, 2015. DOI 10.1504/ijcat.2015.069337        [ Links ]

KAGOHARA, D. M. et al. Using iPods® and iPads® in teaching programs for individuals with developmental disabilities: a systematic review. Research in Developmental Disabilities, v. 34, n. 1, p. 147-156, jan. 2013. DOI 10.1016/j.ridd.2012.07.027        [ Links ]

MCPHILEMY, C.; DILLENBURGER, K. Parents' experiences of applied behaviour analysis (ABA)-based interventions for children diagnosed with autistic spectrum disorder. British Journal of Special Education, v. 40, n. 4, p. 154-161, dez. 2013. DOI 10.1111/1467-8578.12038        [ Links ]

KOłAKOWSKA, A. et al. Applications for investigating therapy progress of autistic children. Proceedings of the 2016 Federated Conference on Computer Science and Information Systems, v. 8, p. 1693-1697, out. 2016. DOI 10.15439/2016f507        [ Links ]

MELO, R. M. de; HANNA, E. S.; CARMO, J. dos S. Ensino sem erro e aprendizagem de discriminação. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v. 22, n. 1, p. 207-222, 2014. DOI 10.9788/TP2014.1-16        [ Links ]

NATIONAL AUTISM CENTER. National Autism Standards Report. Randolph, MA: National Autism Center, 2009.         [ Links ]

NÚCLEO DE INFORMAÇÃO E COORDENAÇÃO DO PONTO BR (ed.). TIC kinds online Brasil: pesquisa sobre o uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2016.         [ Links ]

PAVLOV, N. User interface for people with Autism Spectrum Disorders. Journal of Software Engineering and Applications, v. 7, n. 2, p. 128-134, 2014. DOI 10.4236/jsea.2014.72014        [ Links ]

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. Tradução João C. Todorov e Rodolfo Azzi. São Paulo: Martins Fontes, 2007.         [ Links ]

TUNNEY, R.; RYAN, M. Can idevices help teaching assistants support pupils with ASD? Journal of Assistive Technologies, v. 6, n. 3, p. 182-191, 2012. DOI 10.1108/17549451211261308        [ Links ]

ZWAIGENBAUM, L. et al. Early intervention for children with Autism Spectrum Disorder under 3 years of age: recommendations for practice and research. Pediatrics, v. 136, n. 1, p. s60-s81, out. 2015. DOI 10.1542/peds.2014-3667e        [ Links ]

 

 

Recebido em: 23/11/2020
Aprovado em: 08/04/2021

Creative Commons License