SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número2Desenvolvimento neuropsicomotor, fatores socioeconômicos e neonatais em crianças de 18-36 meses que frequentam crecheProblemas emocionais/comportamentais entre uma amostra de adolescentes brasileiros durante a pandemia de Covid-19 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

versão impressa ISSN 1519-0307versão On-line ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.21 no.2 São Paulo jul./dez. 2021

 

ARTIGOS

 

Processamento sensorial cortical do ritmo alfa no transtorno do déficit de atenção e hiperatividade

 

Cortical sensorial processing of alpha rhythm in attention and hyperactivity deficit disorder

 

Procesamiento sensorial cortical del ritmo alfa en el trastorno por déficit de atención e hiperactividad

 

 

Nathalia Clemente BarachoI; Felipe Camilo Santiago VelosoII; Maria Júlia Cabral FortalezaIII; Carliane Maria da SilvaIV; Euclides Maurício Trindade FilhoV

IUniversidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. E-mail: nathaliaclemente@hotmail.com
IIUniversidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. E-mail: fcamilo.veloso@gmail.com
IIIUniversidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. E-mail: juliafortaleza@gmail.com
IVUniversidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. E-mail: caca2000kaka@gmail.com
VUniversidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Maceió, AL, Brasil. E-mail: emtfilho@gmail.com

 

 


RESUMO

O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é caracterizado por hiperatividade, impulsividade e/ou desatenção. Alterações nos processamentos corticais, incluindo prejuízo de atenção e concentração, são amplamente vistos na literatura. Além disso, os distúrbios do processamento sensorial são achados frequentes nesta população. O eletroencefalograma tem sido um instrumento capaz de fornecer dados em tempo real sobre o córtex cerebral. Anormalidades nas oscilações da banda alfa são encontradas em indivíduos com TDAH. Apesar de as alterações sensoriais serem relatadas nos pacientes com TDAH, poucos estudos as correlacionam com atividade cortical e com o ritmo alfa.
OBJETIVO: Comparar o processamento sensorial do ritmo alfa em indivíduos com TDAH e neurotípicos por meio de técnicas eletroencefalográficas.
MÉTODO: Estudo comparativo, analítico e transversal. Participaram do experimento indivíduos de ambos os sexos, com idade entre 5 e 20 anos, neurotípicos e diagnosticados com TDAH. O ritmo alfa nos processamentos sensoriais corticais visual, gustativo, auditivo, olfativo e somestésico foi analisado e comparado entre os grupos. Utilizou-se o teste de normalidade de Lilliefors e o teste de Mann-Whitney. Considerou-se significante p ≤ 0,05.
RESULTADOS: A média de idade geral foi de 16,25 ± 4,61 anos. Houve diminuição do ritmo alfa nas atividades de processamento cortical visual luminoso e gustativo. No entanto, houve um aumento do ritmo alfa nas atividades de processamento visual com imagem e auditivas de compreensão de fala.
CONCLUSÃO: O processamento sensorial cortical do ritmo alfa é alterado em indivíduos com TDAH para algumas das atividades executadas. Contudo, novos estudos são necessários para ampliar e refinar esta análise a fim de compreender o mecanismo neurofisiológico envolvido no processamento sensorial elétrico cortical dos indivíduos com TDAH.

Palavras-chave: Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Eletroencefalografia. Ritmo alfa. Processamento sensorial.


ABSTRACT

Attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) is characterized by hyperactivity, impulsivity, and/or inattention. Changes in cortical processing, including impaired attention and concentration are widely seen in the literature. Furthermore, sensory processing disorders are frequent findings in this population. The electroencephalogram has been an instrument capable of providing real-time data on the cerebral cortex. Abnormalities in alpha band oscillations are found in individuals with ADHD. Although sensory alterations are reported in patients with ADHD, few studies correlate them with cortical activity and alpha rhythm.
OBJECTIVE: To compare the sensory processing of the alpha rhythm in individuals with ADHD and neurotypical individuals using electroencephalographic techniques.
METHODS: Comparative, analytical and cross-sectional study. Individuals of both sexes, aged between five and 20 years, neurotypical and diagnosed with ADHD participated in the experiment. The alpha rhythm in visual, gustatory, auditory, olfactory and somesthetic cortical sensory processing was analyzed and compared between the groups. The Lilliefors normality test and the Mann-Whitney test were used. It was considered significant p ≤ 0.05.
RESULTS: The general mean age was 16.25 ± 4.61 years. There was a decrease in the alpha rhythm in light and gustatory visual cortical processing activities. However, there was an increase in the alpha rhythm in the activities of visual processing with image and auditory speech comprehension.
CONCLUSION: The cortical sensory processing of the alpha rhythm is altered in individuals with ADHD for some of the activities performed. However, further studies are needed to expand and refine this analysis, in order to understand the neurophysiological mechanism involved in the cortical electrical sensory processing of individuals with ADHD.

Keywords: Attention deficit disorder with hyperactivity. Electroencephalography. Alpha rhythms. Sensory processing.


RESUMEN

El trastorno por déficit de atención con hiperactividad (TDAH) se caracteriza por hiperactividad, impulsividad y/o falta de atención. Los cambios en el procesamiento cortical, incluido el deterioro de la atención y la concentración, se ven ampliamente en la literatura. Además, los trastornos del procesamiento sensorial son hallazgos frecuentes en esta población. El electroencefalograma ha sido un instrumento capaz de proporcionar datos en tiempo real sobre la corteza cerebral. Las anomalías en las oscilaciones de la banda alfa se encuentran en personas con TDAH. Aunque se reportan alteraciones sensoriales en pacientes con TDAH, pocos estudios las correlacionan con la actividad cortical y el ritmo alfa.
OBJETIVO: Comparar el procesamiento sensorial del ritmo alfa en individuos con TDAH y neurotípicos mediante técnicas electroencefalográficas.
MÉTODO: Estudio comparativo, analítico y transversal. En el experimento participaron individuos de ambos sexos, con edades comprendidas entre los cinco y los 20 años, neurotípicos y diagnosticados de TDAH. El ritmo alfa en el procesamiento sensorial cortical visual, gustativo, auditivo, olfativo y somestésico fue analizado y comparado entre los grupos. Se utilizaron la prueba de normalidad de Lilliefors y la prueba de Mann-Whitney. Se consideró significativo p ≤ 0,05.
RESULTADOS: La edad media general fue de 16,25 ± 4,61 años. Hubo una disminución en el ritmo alfa en las actividades de procesamiento cortical visual luminoso y gustativo. Sin embargo, hubo un aumento del ritmo alfa en las actividades de procesamiento visual con imagen y comprensión auditiva del habla.
CONCLUSIÓN: El procesamiento sensorial cortical del ritmo alfa se altera en individuos con TDAH para algunas de las actividades realizadas. Sin embargo, se necesitan más estudios para expandir y refinar este análisis con el fin de comprender el mecanismo neurofisiológico involucrado en el procesamiento sensorial eléctrico cortical de las personas con TDAH.

Palabras Claves: Desorden hiperactivo y deficit de atención. Electroencefalografía. Ritmo alfa. Procesamiento sensorial.


 

 

INTRODUÇÃO

Caracterizado por dificuldades de atenção, concentração e hiperatividade, o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma doença neurobiológica de etiologia desconhecida (TRIPP; WICKENS, 2009) que interfere nas relações afetivas, de aprendizagem e sociais daqueles que a possuem (ASHERSON, 2012). Existem casos em que o predomínio é na desatenção, e outros, na hiperatividade e impulsividade. Existem, ainda, os casos em que há uma associação entre desatenção e hiperatividade (PUENTE et al., 2002). Vários estudos têm sido realizados a fim de descobrir qual substrato no sistema neurológico, de fato, está alterado em indivíduos com TDAH (TRIPP; WICKENS, 2009; KONRAD; EICKHOFF, 2010). Pesquisadores estimam que alterações nas ondas elétricas corticais das áreas pré-frontais estejam associadas ao TDAH (ELLIS et al., 2017), comprometendo a realização de tarefas que exijam as habilidades de funções executivas como atenção, concentração, planejamento e memória de trabalho nesses indivíduos (FAEDDA et al., 2019; SILVERSTEIN et al., 2018).

O componente genético parece estar implicado na gênese do TDAH (DEMONTIS et al., 2019) e, no mundo, 5% a 8% das crianças são acometidas pelo transtorno (ASHERSON, 2012). Ocorrem mais em meninos quando comparado a meninas (SCHNEIDER; EISENBERG, 2006) e as alterações corticais elétricas encontradas nas meninas são de menor amplitude quando comparado aos meninos (CLARKE et al., 2003). Em dois terços dos casos, o TDAH é persistente, permanecendo na vida adulta, com prevalência estimada em 2,5% a 4,5% (ASHERSON et al., 2016).

O eletroencefalograma (EEG) é um exame de medida neurofisiológica que quantifica a atividade elétrica cortical em tempo real, tornando possível a obtenção de registros enquanto o indivíduo realiza atividade de processamento cortical, em repouso de vigília ou sonolência, através de eletrodos no couro cabeludo. Devido à versatilidade, ao baixo custo e fácil disponibilidade, os registros do EEG estão sendo estudados como biomarcadores promissores para doenças neuropsiquiátricas, inclusive nos indivíduos com TDAH (MCVOY et al., 2019; LENARTOWICS; LOO, 2014; ALDEMIR et al., 2018).

Delta, teta, alfa, beta e gama são as denominações para as variações de frequências dos registros encontrados no EEG que flutuam entre 0,5 e 70 Hz (ALDEMIR et al., 2018). As bandas delta e teta são encontradas durante o sono, enquanto o ritmo alfa é observado quando o indivíduo se encontra em vigília, relaxado, com baixa atividade mental e nos registros eletroencefalográficos é possível observar oscilações entre 8 e 13 Hz. Por outro lado, quando há aumento do suprimento sanguíneo em uma região, pode-se dizer que houve aumento do processamento elétrico cortical naquela área, como é observado na faixa de frequência beta. Por fim, o ritmo gama tem sido atribuído ao processamento cortical mais intenso registrado no córtex cerebral humano, sugerindo que a área cortical seria a responsável pelo processamento da atividade executada (NIEDERMEYER, 1996).

Interessantemente, as oscilações da banda alfa têm sido designadas como um importante modulador de processamento de informações no cérebro, direcionando a atenção, uma vez que a atividade alfa é considerada inversamente proporcional ao aumento da ativação cortical. Como é sabido, os pacientes com TDAH têm dificuldades em evitar distrações, controlar a impulsividade e se autorregular. Por isso, várias evidências apontam o ritmo alfa como alvo de estudo promissor nesta população (HUURNE et al., 2017; LENARTOWICZ et al., 2019).

Apesar de autores demonstrarem que indivíduos com TDAH apresentam o processamento sensorial distorcido quando comparado com neurotípicos (LITTLE et al., 2017; KAMATH et al., 2020; GHANIZADEH, 2013; SMITH et al., 2020), poucas pesquisas correlacionam a alteração de processamento sensorial com atividade elétrica cortical. O comportamento das oscilações da banda alfa nas atividades de processamento cortical sensorial nos indivíduos com TDAH é mais raramente estudado. Nesse sentido, a utilização do EEG em indivíduos com TDAH para analisar o processamento sensorial cortical mostra-se oportuno a fim de desvendar a neurofisiologia sensorial do ritmo alfa no TDAH.

 

MÉTODO

O presente estudo é do tipo comparativo, analítico, transversal e experimental, cuja aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas está sob o protocolo nº 2.383.568.

A amostra foi definida por conveniência, seguindo o estudo de Nazari et al. (2012) e a amostragem foi do tipo não probabilística por voluntariado. Foram incluídos indivíduos de ambos os sexos, com idade entre 5 e 20 anos, neurotípicos e diagnosticados com TDAH por neuropediatra e/ou psiquiatra, obedecendo aos critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders V (DSM-V, 2013). Foram excluídos indivíduos com comorbidades, com lesões cerebrais adquiridas e em uso de drogas psicotrópicas.

As variáveis independentes consistiram nas alterações do processamento sensorial e a variáveis dependentes na potência relativa do ritmo alfa.

Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, os participantes foram selecionados com base nos critérios de elegibilidade. Na ocasião, os pesquisadores apresentaram a proposta e os procedimentos do estudo e, após a explicação clara das etapas, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e/ou do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (Tale) para início da coleta de dados.

Os participantes foram agrupados em indivíduos com TDAH e em indivíduos neurotípicos, pareados por sexo e idade. Cada indivíduo foi submetido a uma sessão experimental, sempre realizada no turno matutino.

Foi utilizado um EEG da marca EMSA, modelo 64 nano, 29 canais. Além disso, adotou-se o sistema internacional 10-20 e após a limpeza do couro cabelo com gaze, foi utilizada pasta eletrolítica para fixação dos eletrodos. Os sinais elétricos cerebrais sofreram uma amostragem de 256 Hz e foram filtrados para mais, na faixa de 0,1 Hz.

Para o experimento, os participantes foram convidados a sentar em uma poltrona confortável e fechar os olhos, então houve início da gravação dos registros eletroencefalográficos, seguindo o protocolo: um minuto de registro basal em vigília, continuado de 30 segundos de cada atividade de processamento sensorial (visual - luminosa e imagem; gustativo; auditivo - ruído e compreensão de fala; olfativo e somestésico).

Por meio de duas atividades distintas, o processamento sensorial visual foi analisado. O primeiro consistiu na estimulação visual luminosa. Com uma lanterna tipo caneta de luz amarela, foi aplicado o estímulo em cada olho de forma alternada, ocluindo-se o globo ocular contralateral com a mão da pesquisadora. O segundo estímulo foi o visual com imagem. Para isso, foi solicitado ao participante que fixasse o olhar em uma imagem colorida de animais presente em livro infantil.

Em seguida, foi avaliado o processamento sensorial gustativo, no qual duas hastes flexíveis embebidas em enxaguante bucal sabor menta foram introduzidas nas comissuras labiais dos participantes.

O processamento sensorial auditivo foi avaliado a partir de dois estímulos: ruído e compreensão de fala. No primeiro momento, utilizou-se um chocalho em uma intensidade de 64 dB. Continuando com a atividade de compreensão de fala, foram realizadas quatro perguntas, repetidas duas vezes cada pela pesquisadora (Qual seu nome? Quantos anos você tem? Onde você mora? Você estuda?). O participante foi orientado a mentalmente entender as perguntas.

O processamento olfativo foi analisado a partir da inspiração profunda em uma solução de óleo de eucalipto embebido em algodões. Por fim, o processamento somestésico foi avaliado por meio da introdução das mãos dos participantes em um recipiente contendo arroz.

A análise dos registros eletroencefalográficos foi realizada selecionando três épocas (1,30 s) de atividade elétrica cortical durante cada atividade de processamento sensorial executada. Utilizou-se a transformada de Fourier para análise dos registros, permitindo a observação das frequências corticais alfa em cada quadrante do córtex cerebral. Os sinais eletroencefalográficos foram amplificados e digitalizados, as informações do mapeamento cerebral analisadas e todos os dados obtidos arquivados em HD externo.

A frequência cortical relativa da atividade alfa em cada quadrante foi comparada entre os participantes dos dois grupos. Utilizou-se o teste de normalidade de Lilliefors e o teste de Mann-Whitney. Considerou-se p ≤ 0,05. A análise estatística foi realizada utilizando o software BioEstat 5.8.9 (Instituto Mamirauá, Tefé - AM, Brasil).

 

RESULTADOS

Características dos participantes

O estudo incluiu 16 indivíduos, dos quais oito (50%) foram alocados no grupo TDAH e oito (50%) no grupo controle, pareados por sexo. A média de idade geral foi de 16,25 ± 4,61 anos. No grupo TDAH, a média foi de 16,12 ± 5,16 anos, e no controle 16,37 ± 4,34 anos.

Ritmo alfa

Na atividade de processamento cortical visual com estímulo luminoso houve diminuição significante da atividade do ritmo alfa no quadrante posterior direito nos indivíduos no grupo TDAH (p ≤ 0,05), enquanto na atividade de processamento visual com imagem, a atividade da frequência alfa foi aumentada no quadrante anterior direito neste mesmo grupo (p ≤ 0,05).

Durante a atividade de estímulo gustativo foi observada diminuição significante da atividade alfa no quadrante anterior esquerdo nos indivíduos com TDAH (p ≤ 0,05) e na atividade de compreensão de linguagem, foi observado, no grupo experimental, um aumento da atividade do ritmo alfa no quadrante anterior esquerdo (p ≤ 0,05). As atividades de processamento sensorial estão expostas na Tabela 1.

 

DISCUSSÃO

O estudo foi realizado com 16 participantes, em uma média de idade de 16,25 ± 4,61 anos. Uma diminuição do ritmo alfa nas atividades de processamento visual luminoso no quadrante posterior direito e gustativo no quadrante anterior esquerdo foi encontrada, além do aumento do ritmo alfa nas atividades de processamento visual com imagem no quadrante anterior direito e auditivo de compreensão de fala no quadrante anterior esquerdo.

Ellis et al. (2017) sugeriram que a assimetria da oscilação do ritmo alfa no córtex frontal direito e esquerdo é algo presente nos indivíduos com TDAH, indicando que a alteração da modulação do ritmo alfa nas áreas frontais está relacionada com o comportamento desinibitório. Interessantemente, este achado corrobora os encontrados no nosso experimento, em que alterações de oscilações nas regiões frontais em três das atividades testadas - como a diminuição da atividade alfa no quadrante anterior esquerdo na atividade de processamento cortical gustativo, aumento do ritmo alfa no quadrante anterior esquerdo na atividade auditiva de compreensão de fala e um aumento no quadrante anterior direito no estímulo visual com imagem - foram encontradas nos indivíduos com TDAH, enfatizando a assimetria do ritmo alfa entre quadrantes anteriores direito e esquerdo.

Huurne et al. (2017) investigaram a atividade cognitiva de atenção espacial e encontraram que a potência do ritmo alfa posterior ipsilateral aumenta, diminuindo o contralateral ao hemicampo visual assistido, inibindo ou facilitando o fluxo de informações, respectivamente. Esses resultados contribuem para o alto poder de alfa sobre regiões vinculadas ao processamento das informações autônomas para supressão ideal de distração. Curiosamente, nossos achados indicam que na atividade de processamento visual luminoso houve uma diminuição da potência do ritmo alfa no quadrante posterior direito nos participantes com TDAH, demonstrando que o ritmo alfa, diante do estímulo luminoso, sofre oscilações neste grupo. Dessa forma, a comunidade científica deve ficar em alerta sobre as distintas modulações do ritmo alfa durante o processamento cortical nos indivíduos com TDAH em atividades que demandem a utilização do sistema sensorial visual como via de entrada de informação.

Dentre as atividades do protocolo proposto neste estudo, as estimulações de fixação de olhar na imagem colorida e a de compreensão de fala são as que demandam um nível atencional mais elaborado. Para Ellis et al. (2017), um aumento do ritmo alfa indicaria alteração dos níveis atencionais. Este fato concorda com nossos achados eletroencefalográficos quando é observado um aumento da atividade alfa no quadrante anterior direito na atividade de imagem e, por outro lado, um aumento do ritmo alfa no quadrante anterior esquerdo na atividade de compreensão de fala.

Ao nos debruçarmos na literatura, observamos que as vias sensoriais visuais e auditivas são mais estudadas do que as vias olfativa, gustativa e somestésica.

Apesar de Schecklmann et al. (2011) terem utilizado ressonância magnética funcional em indivíduos com TDAH e encontrado alteração na região frontal e temporal durante estimulação de sensibilidade olfatória, Karz et al. (2008) relatarem alterações nas regiões pré-frontais e Lorenzen et al. (2016) encontrarem aumento do tamanho do bulbo olfatório e indicarem que esse aumento pode estar relacionado a uma maior sensibilidade olfatória nos indivíduos com TDAH, nosso estudo não encontrou diferença significante no ritmo alfa entre o processamento sensorial olfativo quando comparamos os indivíduos com TDAH e controles utilizando EEG. Este fato pode ser justificado pela análise do processamento olfatório ser dificultada pela integração no Uncus, estrutura cortical profunda não corretamente avaliada do EEG de superfície, mesmo que várias pesquisas reforcem que indivíduos com TDAH apresentam alterações na sensibilidade olfativa ao utilizarem outros métodos de investigação (SCHECKLMANN et al., 2011; KARZ et al., 2008; LORENZEN et al., 2016; WEILAND et al., 2011).

Nossos achados demonstraram uma diminuição do ritmo alfa no quadrante anterior esquerdo diante do estímulo gustativo em indivíduos com TDAH. Interessantemente, não foram encontrados dados na literatura sobre processamento cortical sensorial gustativo em indivíduos com TDAH, corroborando Ghanizadeh (2013) quando afirma que o processamento sensorial oral em crianças com TDAH é uma área de pesquisa limitada. Apesar disso, Weiland et al. (2011) realizaram um experimento que identificou que o aumento da sensibilidade ao amargo pode ser uma característica específica em pacientes com TDAH, e sugeriram que a avaliação da função gustativa possa ser um biomarcador biológico para TDAH. Little et al. (2017) demostraram que crianças com TDAH apresentam alteração do processamento oral sensorial.

Nosso estudo apresenta algumas limitações: a utilização de estímulos sensoriais pouco expressivos ou em pequena quantidade pode não ter permitido desencadear o potencial de ação suficiente para o aumento ou a redução das atividades elétricas nos quadrantes analisados em algumas das atividades propostas - como na atividade de processamento somestésico avaliada por meio da introdução das mãos dos participantes em um recipiente contendo arroz. Outro ponto limitante desta pesquisa foi o número reduzido de participantes, o qual é explicado pela dificuldade em encontrar indivíduos com TDAH que permitam, que são autorizados ou que possuam condições de participar de uma atividade como a realizada neste trabalho.

Além disso, as atividades analisadas nesta pesquisa não seguiram um protocolo validado. Esse fato pode ter influenciado positivamente ou negativamente os resultados obtidos. A não utilização de um protocolo validado é justificado pelo motivo de que, para algumas das atividades testadas, não são encontrados, o que provocou uma necessidade de adaptação e elaboração pelos pesquisadores.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de ficar evidente a alteração do ritmo alfa em algumas das atividades de processamento sensorial cortical em indivíduos com TDAH quando comparado com os neurotípicos, os autores sugerem que novos estudos sejam realizados com a utilização de estímulos mais robustos, com um aumento da amostra, bem como com a utilização de protocolos validados, o que possibilitará resultados consistentes e com poucas interferências metodológicas. Dessa maneira, será possível elucidar a fisiopatologia do processamento sensorial do ritmo alfa nesta população, utilizá-lo como um possível biomarcador e direcionar tratamentos eficazes para os indivíduos que são acometidos por este transtorno.

 

REFERÊNCIAS

ALDEMIR, R. et al. Investigation of attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) sub-types in children via EEG frequency domain analysis. International Journal of Neuroscience, London, v. 128, n. 4, p. 349-360, 2018. DOI 10.1080/00207454. 2017.1382493        [ Links ]

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013.         [ Links ]

ASHERSON, P. ADHD across the lifespan. Medicine, Hagerstown, v. 40, n. 11, p. 623-627, 2012. DOI 10.1016/j.mpmed.2012.08.007        [ Links ]

ASHERSON, P. et al. Adult attention-deficit hyperactivity disorder: key conceptual issues. Lancet Psychiatry, Kidlington, v. 3, n. 6, p. 568-578, 2016. DOI 10.1016/S22150366(16)30032-3        [ Links ]

CLARKE, A. et al. EEG activity in girls with attention-deficit/hyperactivity disorder. Clinical Neurophysiology, New York, v. 114, n. 2, p. 319-328, 2003. DOI 10.1016/ S1388-2457(02)00364-4        [ Links ]

DEMONTIS, D. et al. Discovery of the first genome-wide significant risk loci for attention deficit/hyperactivity disorder. Nature Genetics, New York, v. 51, n. 1, p. 63-75, 2019. DOI 10.1038/s41588-018-0269-7        [ Links ]

ELLIS, A. J. et al. Frontal alpha asymmetry predicts inhibitory processing in youth with attention deficit/hyperactivity disorder. Neuropsychologia, Oxford, n. 102, p. 45-51, 2017. DOI 10.1016/j.neuropsychologia.2017.06.003        [ Links ]

FAEDDA, N. et al. Intellectual functioning and executive functions in children and adolescents with attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) and specific learning disorder (SLD). Scandinavian Journal of Psychology, Oxford, v. 60, n. 5, p. 440-446, 2019. DOI 10.1111/sjop.12562        [ Links ]

GHANIZADEH, A. Parents reported oral sensory sensitivity processing and food preference in ADHD. Journal of Psychiatric and Mental Health Nursing, Oxford, v. 20, n. 5, p. 426-432, 2013.         [ Links ]

HUURNE, N. ter et al. Diminished modulation of preparatory sensorimotor mu rhythm predicts attention-deficit hyperactivity disorder severity. Psychological Medicine, London, v. 47, n. 11, p. 1947-1956, 2017. DOI 10.1017/S0033291717000332        [ Links ]

KAMATH, M. S. et al. Sensory profiles in adults with and without ADHD. Research in Developmental Disabilities, New York, v. 104, 103696, 2020. DOI 10.1016/j.ridd. 2020.103696        [ Links ]

KARSZ, F. R. et al. Olfactory impairments in child attention-deficit/hyperactivity disorder. Journal of Clinical Psychiatry, Memphis, v. 69, n. 9, p. 1462-1468, 2008. DOI 10.4088/jcp.v69n0914        [ Links ]

KONRAD, K.; EICKHOFF, S. B. Is the ADHD brain wired differently? A review on structural and functional connectivity in attention deficit hyperactivity disorder. Human Brain Mapping, New York, v. 31, n. 6, p. 904-916, 2010. DOI 10.1002/hbm.21058        [ Links ]

LENARTOWICZ, A. et al. Alpha modulation during working memory encoding predicts neurocognitive impairment in ADHD. Journal of Child Psychology and Psychiatry, Oxford, v. 60, n. 8, p. 917-926, 2019. DOI 10.1111/jcpp.13042        [ Links ]

LENARTOWICZ, A.; LOO, S. K. Use of EEG to diagnose ADHD. Current Psychiatry Reports, Philadelphia, v. 16, n. 11, p. 1-11, 2014. DOI 10.1007/s11920-014-0498-0        [ Links ]

LITTLE, L. M. et al. Sensory processing patterns in autism, attention deficit hyperactivity disorder, and typical development. Physical & Occupational Therapy in Pediatrics, v. 38, n. 3, p. 243-254, 2017. DOI 10.1080/01942638.2017.1390809        [ Links ]

LORENZEN, A. et al. Chemosensory processing in children with attention-deficit/ hyperactivity disorder. Journal of Psychiatric Research, Oxford, v. 76, p. 121-127, 2016. DOI 10.1016/j.jpsychires.2016.02.007        [ Links ]

MCVOY, M. et al. A systematic review of quantitative EEG as a possible biomarker in child psychiatric disorders. Psychiatry Research, Limerick, v. 279, p. 331-344, 2019. DOI 10.1016/j.psychres.2019.07.004        [ Links ]

NAZARI, M. A. et al. The effectiveness of neurofeedback training on EEG coherence and neuropsychological functions in children with reading disability. Clinical EEG and Neuroscience, Iran, v. 43, n. 4, p. 315-22, 2012. DOI 10.1177/1550059412451880        [ Links ]

NIEDERMEYER, E. Dipole theory and electroencephalography. Clinical Electroencephalography, v. 27, n. 3, p. 121-131, 1996. DOI 10.1177/155005949602700305        [ Links ]

PUENTE, A. et al. Short latency and long latency auditory evoked responses in children with attention deficit disorder. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, Limerick, v. 62, n. 1, p. 45-51, 2002. DOI 10.1016/s0165-5876(01)00596-1        [ Links ]

SCHECKLMANN, M. et al. Altered frontal and temporal brain function during olfactory stimulation in adult attention-deficit/hyperactivity disorder. Neuropsychobiology, Basel, v. 63, n. 2, p. 66-76, 2011. DOI 10.1159/000323448        [ Links ]

SCHNEIDER, H.; EISENBERG, D. Who receives a diagnosis of attention-deficit/hyperactivity disorder in the United States elementary school population? Pediatrics, Elk Grove Village, v. 117, n. 4, p. 601-609, 2006. DOI 10.1542/peds.2005-1308        [ Links ]

SILVERSTEIN, M. J. et al. The relationship between executive function deficits and DSM-5-defined ADHD symptoms. Journal of Attention Disorders, Thousand Oaks, v. 24, n. 1, p. 41-51, 2018. DOI 10.1177/1087054718804347        [ Links ]

SMITH, B. et al. The relationship between sensory sensitivity, food fussiness and food preferences in children with neurodevelopmental disorders. Appetite, London, v. 150, 104643, 2020. DOI 10.1016/j.appet.2020.104643        [ Links ]

TRIPP, G.; WICKENS, J. R. Neurobiology of ADHD. Neuropharmacology, Oxford, v. 57, n. 7-8, p. 579-589, 2009. DOI 10.1016/j.neuropharm.2009.07.026        [ Links ]

WEILAND R., et al. Olfactory and gustatory sensitivity in adults with attention-deficit/ hyperactivity disorder. Attention Deficit and Hyperactive Disorders, Wien, v. 3, n. 1, p. 53-60, 2011. DOI 10.1007/s12402-010-0052-9        [ Links ]

 

 

Recebido em: 17/09/2021
Aprovado em: 02/02/2022

Creative Commons License