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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. v.7 n.14 São Paulo dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Para uma reconstrução dos conceitos de massa e identidade

 

The Reconstruction of the concepts of mass and identity

 

La Reconstrucción de los conceptos de la masa e identidad

 

 

Aluísio Ferreira de LimaI,1

IUniversidade Federal do Ceará (UFC)

Endereço para correspondência
 

 


RESUMO

Os últimos anos têm sido marcados por uma desconstrução e reconstrução das tradicionais formas de organização social e individual. As idéias clássicas a respeito do futuro foram substituídas por decretos sobre o final de “antigos” conceitos como; a social-democracia, o Estado de bem-estar, o fim da história etc., possibilitando inclusive especulações sobre o fim da modernidade. Todavia, alguns conceitos permanecem atuais e requerem uma análise de seu significado. A psicologia social brasileira não esteve fora desses debates e sofreu diversas contribuições conceituais desde a crise da psicologia social de 1970. O objetivo desse trabalho é tecer algumas considerações acerca das transformações dos conceitos de massa e identidade nessa ciência. Para tanto, faremos uma apresentação dos trabalhos clássicos que se referem às massas, multidões e grupos, com as contribuições e aproximações dos trabalhos de Negri, Hardt e Ciampa.

Palavras-chave: Identidade; Massa; Multidão; Psicologia Social.


ABSTRACT

The last years have been marked by a disconstruction and reconstruction in the traditional ways of social and individual organization. The classic ideas regarding the future were substituted by ordinances for the end of "old" concepts as: the social-democracy, the welfare state, the end of history etc., making possible speculations besides on the end of the modernity. Though, some concepts stay current and request an analysis of his meaning. The brazilian social psychology was not out of those debates and it suffered several conceptual contributions since the crisis of the social psychology of 1970. The objective of this paper is presents some considerations concerning the transformation of the mass concepts and identity in this science. For so much, we will make a presentation of the classic works that refer the masses, crowds and groups, with the contributions and approaches of the works of Negri, Hardt and Ciampa.

Keywords: Identity; Mass; Crowd; Social Psychology.


RESUMÉN

Los últimos años han sido manchados por una desconstrucción y reconstrucción en las maneras tradicionales de la organización social y individual. Las ideas clásicas, como las con respecto del futuro, fue sustituidos por ordenanzas del final de los “viejos” conceptos: la social-democracia, welfare state, final de la historia etc., hacendo especulaciones además sobre el final de la modernidad. Sin embargo, algunos conceptos se quedan en curso y piden una análisis del suyo significado. La psicología social brasileña inserida en esos debates sufrió algunas contribuciones conceptuales después de la crisis de la psicología social de 1970. El objetivo de ese trabajo es discutir algunas consideraciones con respecto a las tranformaciones de los conceptos del masa y identidad en esa ciencia. Para eso, haremos una presentación de las obras clásicas con respeto a las masas, las multitudes y grupos, las contribuciones y los enfoques de las obras de Negri, Hardt y Ciampa.

Palabras-clave: Identidad; Masa; Multitud; Psicología Social.




As massas como produto final, de toda a socialidade e pondo fim definitivo à socialidade, pois estas massas que nos querem fazer crer serem o social, são pelo seu contrário o lugar de implosão do social. As massas são a esfera cada vez mais densa onde vem implodir todo o social e onde vêm devorar-se num processo de simulação ininterrupto.” Jean Baudrillard


1. Introdução

Robert Farr (1998) em seu livro “As raízes da Psicologia Social moderna” ensina que desde a virada do século passado, entre os principais expoentes das ciências humanas, era extremamente freqüente escrever sobre o individual e o coletivo, visto que estes eram projetos distintos. Quando recorremos à história da Psicologia Social observamos que a relação indivíduo sozinho e indivíduo em grupo já era uma preocupação inicial na separação das ciências do espírito para as ciências naturais. Wundt (1900-1920) colaborou com essa distinção ao separar a Psicologia fisiológica e a Psicologia Social como áreas de pesquisa distintas. Para Wundt a primeira teria como objeto de estudo as entidades psíquicas e biológicas, e a segunda, por sua vez, deveria se preocupar com os fenômenos que se relacionassem com a realidade externa dos indivíduos. Sua “Völkerpsychologie”, Psicologia dos Povos, era a ciência psicológica criada para estudar os fenômenos como a magia, cultura, linguagem, gestos etc., que não podiam ser isoladas em variáveis controladas em laboratório. Entretanto, se para Wundt a separação entre o individual e coletivo era necessária para a delimitação e aprofundamento da pesquisa científica, para outros, como é o caso de Durkheim (1990), essa separação servia apenas para delimitar a área de estudo, que era objeto de determinado campo de conhecimento.

A separação individual x coletivo era mais do que simplesmente um ajuste epistemológico para Durkheim. Com a delimitação dos fenômenos individuais e coletivos esse autor buscava delimitar o objeto de estudo da sociologia, aquilo que ele chamou de representações coletivas, em contraposição com o objeto de estudo da psicologia, que ele dizia ser as representações individuais. Acreditava que a função da representação coletiva seria a transmissão da herança coletiva dos antepassados e seria responsável pela reposição da realidade social, acumulação da sabedoria e ciência no decorrer do tempo.

Para esses dois teóricos a cultura, os costumes, as crenças etc., estavam nas consciências dos indivíduos ao mesmo tempo em que se situavam fora deles. Farr vai dizer inclusive que as proximidades entre esses autores serão maior do que aquilo que os diferencia, no que se refere as diferenças, podemos dizer que o objeto de estudo de Wundt era a linguagem, enquanto que para Durkheim a religião. Outra diferença importante se refere ao fato que para Wundt a “Völkerpsychologie” era uma parte das ciências do espírito, enquanto que para Durkheim o estudo do social era um ramo das ciências naturais, fato que evidência em seu estudo sobre o suicídio. Farr lembra que na França existia na época toda uma discussão em torno do positivismo, que impulsionava as ciências sociais para que tomassem como modelo as ciências naturais. Esse fato seria, inclusive, um dos motivos da atribuição de Comte como fundador da Psicologia Social por autores como Gordon Allport (1954).

Sendo assim, quando a racionalidade e a consciência se tornaram o pivô da distinção entre o individual e o coletivo, as multidões, povos, massas, os grupos, ou como denominava Adorno, as comunidades de interesses, passaram a ser associadas à irracionalidade, desenvolvendo-se partir desse período a associação entre Psicologia Social e Psicopatologia. As patologias sociais serão muito bem exploradas por Quételet (1977) e Lombroso (2007), por exemplo, e se tornarão as bases teóricas para muitos autores que discorrerão sobre os grupos. A partir desses estudos começa-se a alertar sobre a necessidade de “domesticar” os indivíduos, os “lobos dos homens”, como dizia Thomas Hobbes (1979). Nesse período o indivíduo e o desenvolvimento da identidade passavam a ser uma preocupação científica, todavia, os estudos desenvolvidos para a compreensão desses sujeitos estavam voltados para a adaptação do organismo às imposições sociais.

E embora a psicologia dos povos proposta por Wundt fosse interessante para a análise das massas, multidões e grupos, sua psicologia fisiológica é que será essencial para que se desenvolva a Psicologia Social nos Estados Unidos. Essa Psicologia Social será influenciada num primeiro momento pelo behaviorismo e posteriormente pela Gestalt, principalmente pelos trabalhos de Psicologia Social Experimental voltada para os grupos proposta por Kurt Lewin. Outro aspecto importante de ser observado refere-se à vinculação dessa Psicologia Social com a psicopatologia desenvolvida na América do Norte, que passa a buscar elementos que pudessem explicar o comportamento anormal, anti-social, antipatriótico etc., na análise dos pequenos grupos e na intervenção adaptativa.

Isso mostra que não foi por um mero acaso que inicialmente no Brasil a Psicologia Social se desenvolvesse como uma disciplina da Medicina Social e na ciência criminal, como bem pode ser observado nos trabalhos de Nina Rodrigues (1939) e Arthur Ramos (1952), e que fosse voltada para a domesticação dos selvagens e ordem e progresso do Estado. Lembramos inclusive que Arthur Ramos foi o responsável pelo primeiro curso de Psicologia Social brasileiro na década de 50, contribuindo com esse campo estudando e utilizando conceitos como “inconsciente primitivo”, “personalidade degenerada” etc. Assim como, encabeçou campanhas higienistas que culpavam os indivíduos pelas doenças, pobreza e desigualdade vividas. Arthur Ramos reforça no Brasil a pertinência do uso das teorias norte-americanas para entender a realidade brasileira, que podem ser identificadas como formas psicológicas dessa disciplina e buscavam entender as problemáticas sociais a partir dos indivíduos, nas dificuldades de adaptação à sociedade.

Com a crise da Psicologia Social na década de 70, que ocorreu como um reflexo da crise do pensamento social que iniciou em 1960. As teorias positivas que pesquisavam as massas, multidões, grupos e identidades passaram a ser reavaliadas criticamente por Psicológos como, por exemplo, Serge Moscovici e Joaquim Israel na Europa; Martin Baró e Maritza Montero na América Latina e, Silvia Lane, Antonio Ciampa, César Góis no Brasil. Esses autores, partindo primeiramente da assunção do papel de reprodutores da ideologia criada pela classe dominante (Lane, 1980), procuraram contrapor essas teorias com a realidade européia, brasileira e latino-americana que estava vivendo um levante das massas contra a opressão dos regimes militares e políticos.

A escola de São Paulo, liderada por Silvia Lane (1984), na década de 80 já não considerava mais a dicotomia indivíduo x grupo, nem a diferença entre o indivíduo no grupo e indivíduo sozinho, mas entendia o grupo como condição necessária para a constituição humana. Sendo por um lado o promotor de sua ação como sujeito histórico, como o elemento de sua alienação do outro. A identidade, inclusive, passa a ser uma categoria de análise implicada no entendimento do desenvolvimento individual e sua indissociabilidade com o social, com as massas. O trabalho realizado por Antonio da Costa Ciampa (1987; 2002), mostra essa preocupação e, após ter desenvolvido uma compreensão da identidade como metamorfose, explica a relação entre o indivíduo e o grupo como uma tensão entre “políticas de identidade” e “identidades políticas”.

Com esse breve histórico já nos parece ser possível defender a tese de que os conceitos de Massa, Multidão, Grupo e Identidade foram trabalhados antagonicamente ao longo da história para se referir tanto aos movimentos revolucionários, quanto para descrever e domar as possibilidades de subversão. E entendendo a complexidade de utilização dos mesmos para a Psicologia Social e Política, propomos discutir algumas das principais concepções desenvolvidas ao logo desses anos e articula-las com o repertório da Psicologia Social brasileira, principalmente, a desenvolvida pela Escola de São Paulo por Silvia Lane e Antônio Ciampa. A pertinência da discussão desses conceitos aparece no fato de serem temas emergentes dentro da Psicologia Social e Política desde o século XIX, sendo utilizados nas leituras acerca dos movimentos sociais e, juntamente com o conceito de patologias sociais, formarem os temas de preocupação científica para as ciências biológicas, sociais, psicológicas, jurídicas, econômicas e de reflexão filosófica.


2. Do conceito de Massa à Multidão

Horkheimer e Adorno (1978: 78), partem da idéia de que a Massa representa, em relação ao indivíduo, o nexo mais imediato e primário da sociedade, por outro lado, os mesmos autores vão dizer que o conceito de massa “é um fenômeno moderno, relacionado de modo específico com as grandes cidades e com a atomização”, sendo que esse conceito foi amplamente utilizado “como chave para a interpretação e compreensão dos nossos tempos.” Temida por sua força e por sua capacidade de questionar a idéia de identidade nacional, as massas tornaram-se desde o princípio objeto de temor, rapidamente descrito, como tudo àquilo que escapa ao “padrão” social, como patologia social.

No que se refere aos autores que poderíamos chamar de clássicos que discorreram acerca das massas podemos destacar Scípio Sighele e Gustave Le Bon, o primeiro inclusive, desenvolve toda uma teoria da criminalidade. Sob o conceito de crime de massa, Sighele (1954) acomoda todas as violências coletivas da plebe, das guerras operárias às revoltas públicas. Sua concepção de massa entende essa como um conjunto de indivíduos que por “sugestão” seguem cegamente condutores, os hipnotizadores. Para este autor só isso podia explicar como os hipnotizados passariam a seguir os primeiros. É importante assinalar que as palavras utilizadas por esse autor; contágio, sugestão e alucinação, indicam a grande influência do alienista Jean-Martin Charcot em sua obra. Le Bon, por sua vez, analisa as massas de modo muito semelhante ao de Sighele o comportamento das multidões (nesse momento como sinônimo de massa, visto a idéia de corpo único e homogêneo que sua concepção carrega). Na introdução da Psicologia da Multidões, Le Bon (1947: 17-18), alerta os leitores para o fato de que os grandes impérios foram derrubados pela invasão dos povos, segundo esse autor:

(...) o advento das classes populares na vida política, quer dizer, sua transformação progressiva em classes diretoras, é uma das características mais salientes de nossa época em transição. (...) Hoje as reivindicações das multidões se apresentam cada vez com maior força, pretendendo destruir por completo a sociedade atual para levá-la ao comunismo primitivo, que foi o estado normal de todos os grupos humanos de outrora na civilização. (...) Pouco aptas para a reflexão, as multidões são, pelo contrário, muito aptas para a ação.

As multidões seriam a expressão do primitivo, da infantilidade social. A noção de primitivo que aparece nos dois autores faz com as massas sejam reduzidas e atreladas ao campo do patológico, e passem a serem vistas como aberrações contingentes destinadas a desaparecer, fortalecendo discursos políticos nos quais é preciso nos “resignarmos a sofrer o reinado das multidões.” (LE BON, 1947: 21). Fica explícito na obra de Le Bon que sua voz ecoa do ponto de vista burguês, da preservação dos privilégios, nesse sentido, é óbvio que a possibilidade de subversão das massas apareciam como uma desorganização do “organismo” social.

Outro autor clássico muito importante para o entendimento da influência do fenômeno das massas foi o magistrado Gabriel Tarde. Com o desenvolvimento das noções de sugestão e sugestionabilidade, de imitação e contra-imitação, esse autor conseguirá ir além das concepções de Sighele e Le Bon. Em seu trabalho “As leis da imitação”, Tarde (s/d) defende a idéia que o conceito de massa é um conceito ultrapassado e que a sociedade de sua época estaria entrando na “era dos públicos”. Mattelard & Mattelard (2005: 25) explicando a diferença entre massa e públicos trazidos por Tarde vão dizer que ao contrário de massa, “conjunto de contágios psíquicos essencialmente produzidos por contatos físicos, o público ou os públicos, produto da longa história dos meios de transporte e difusão, “progridem com a sociabilidade”. Só pertencem a uma única massa por vez.” Nesse sentido, a teoria de Tarde contrapõe-se radicalmente a sociologia positiva de Émile Durkheim, que trabalha com os fenômenos sociais isolados do indivíduo consciente e aproxima-se do projeto teórico de Georg Simmel, que se interessa pelos “pequenos objetos” da vida no cotidiana.

Inserido na efervescência dos debates acerca das massas, das multidões. Sigmund Freud escreverá em 1921 sua “Psicologia de Grupo e análise do Ego”, e será o responsável por mais uma guinada no campo do fenômeno das massas. Freud, partindo da tese que o indivíduo é um ser constituído a partir da sua relação com outros indivíduos, e que nesse sentido o contraste entre a psicologia individual e a psicologia social perde sentido quando examinada mais de perto, que desde o início o indivíduo está vinculado à outra pessoa, ou seja, desde o começo toda psicologia individual é psicologia social (1995: 91), relativisa o conteúdo patológico das massas e a concepção de imitação. Ele contesta os axiomas tracionais da psicologia das massas, principalmente aquele trazido por Le Bon em que nas massas os indivíduos teriam uma exaltação dos afetos e uma inibição do pensamento.

Para Freud a idéia de sugestão é muito fraca para explicar a transformação dos indivíduos no grupo. O investimento individual no grupo seria resultado de uma identificação com o objeto de amor. Esses objetos estariam postos no lugar do eu ideal, o lider seria seguido e admirado por estar em um lugar simbólico paterno, desejado, para Freud, ou seja, o grupo “é um certo número de indivíduos que colocaram um só e mesmo objeto no lugar de seu ideal de ego e, consequentemente, se identificaram uns com os outros em seu ego.” (Idem: 147). Se compreendemos bem a idéia desse autor, podemos dizer que ao se referir às massas, tudo gira em torno da noção de identificação e o ponto de partida para explicar a pluralidade de alternativas de ação do grupo deve-se ao grau de distância entre o ideal de ego e o ego ideal.

No mesmo período, nos Estados Unidos, a análise das massas passa a ser cada vez mais relacionada à análise dos pequenos grupos. Autores como Cooley (1909), por exemplo, fazem uma distinção entre os “primary groups” e “secundary groups”, considerando os primeiros como primários no desenvolvimento da personalidade e a manutenção das idéias e ideais sociais e o segundo como os grupos de filiação necessários para a organização em sociedade, como o Estado, Partido, Classe etc. A análise de pequenos grupos passa a ser entendida como a chave para o entendimento da dinâmica das massas. Fato observado na divulgação e extensão que a teoria de campo de Kurt Lewin após a década de 40. Esse autor defendia a tese de que se estudássemos relativamente pequenos estaríamos no caminho certo para entender as propriedades dinâmicas, o grau de tensão, coesão e ideologia presentes nesses (Lewin, 1965). Diferentemente dos autores que teorizavam sobre as massas, Lewin propunha conduzir experimentos que pudessem estudar empiricamente em que medida a vida do grupo depende da personalidade especifica de seus membros. Em meados de 1960 Aroldo Rodrigues (1967) vai apontar a importância de Lewin para a Psicologia Social dizendo que sua teoria da dinâmica de grupo possibilitou o aparecimento de dois novos setores para a Psicologia Social: a terapia de grupo e os treinamentos em relações humanas.

Em síntese podemos dizer que esses autores formam historicamente a estrutura básica de entendimento tradicional das massas, e que esquematicamente podem ser entendidas a partir da seguinte maneira: como um problema sociológico-político e que em trabalhos como de Sighele e Le Bon o fenomeno grupal, a massa para o primeiro e a multidão para o segundo, passa a ser vista como uma parte inevitável da comunidade, sendo perigosa e patológica, devendo o Estado reprimi-las e mantê-las dentro de seus limites, ou ainda, como momentos de criação e invenção, como bem vai explorar Tarde; posteriormente como problema da Psicologia, nesse sentido tendo Freud como um dos representantes da guinada no pensamento referente às massas, principalmente ao tirar o caráter mistificador e apontar os laços inconscientes que ligam o grupo, ou seja, da expressão de conteúdos subjetivos individuais a partir da identificação, sendo ponto de partida para explicar a força do grupo e a admiração pelo líder, da luta pela distância entre o ideal de eu e o eu ideal e, finalmente como objeto de investigação experimental da Psicologia Social em trabalhos como os de Cooley e Lewin. No que se refere a importância das idéias desses autores, podemos inferir que elas passaram a ser as bases de explicação tradicional para o fenômeno das massas e, servem atualmente como ponto de reflexão para teóricos de diferentes tradições filosóficas, científicas e políticas.

Fato que pode ser verificado em trabalhos atuais como os de Antonio Negri & Michael Hardt (2005). Esses autores ao tentarem superar a problemática encontrada ao trabalhar com a teoria de classe econômica, entre escolher a unidade e a pluralidade, resgatam o conceito de multidão primeiramente trazido por Le Bon. Embora o conceito de multidão para os mesmo seja aplicado de modo diferente, ou seja, a “multidão é uma multiplicidade irredutível; as diferenças sociais singulares que constituem a multidão devem ser expressas, não podendo ser aplainadas na uniformidade, na unidade, na identidade ou na diferença.” (Idem: 145). Na concepção dos autores o conceito de multidão aparece como um importante aliado para ampliar a noção de classe operária, que segundo os mesmos, excluem por sua vez outras classes, como a de não trabalhadores, por exemplo; além disso, o conceito de multidão possibilita com que pensemos “que os inúmeros e específicos tipos de trabalho, formas de vida, localização geográfica, que sempre haverão necessariamente de permanecer, não impedem a comunicação e a colaboração num projeto político comum.” (NEGRI & HARDT, 2005: 146).

Outro exemplo de articulação teórica acerca dos grupos realizada por autores contemporâneos pode ser encontrado em Paolo Virno (2002). Que também resgata o conceito de multidão desenvolvido por Le Bon tal como Negri & Hardt para contrapor ao conceito de “povo” que entende como uma palavra que designa uma natureza centrípeta que converge numa vontade geral, que “é a interface ou o reflexo do Estado”.Povo para Virno é antitese da multidão, que é entendida como algo que foge da unidade política. A multidão “não firma pactos com o soberano, não porque lhe relegue direitos, mas porque é reativa à obediência, porque tem inclinação para certas formas de democracia nãorepresentativa” (Idem: 76). A multidão tanto em Negri & Hardt quanto em Virno são formadas da e na tensão das políticas de identidade, sendo que o sentido de sua existência está no fato que suas formas de atuação incitam à ação política. Sendo que aqui aparece um dos elementos que tornam explicável a demonização das massas e sua subseqüente classificação nas etiologias patológicas. Lembrando, a partir de Woodward (2000: 34), que as políticas de identidade sempre foram aquilo que definiu os movimentos sociais, demonstrando o que eles significavam/significam, como eram/são produzidos, na afirmação da “identidade cultural das pessoas que pertencem a um determinado grupo oprimido ou marginalizado. Nesse sentido, as políticas identidade tornam-se, assim, um fator importante de mobilização política”.

No que se refere à Psicologia Social brasileira uma interessante discussão é encontrada nos trabalhos desenvolvidos e orientados por Antonio da Costa Ciampa (1987; 2002). Como trazido na introdução, esse autor, que participou do movimento contra a Psicologia Social positiva da década de 70, para discutir as massas, multidões e grupos trabalha com a idéia de que esses fenômenos sofrem uma tensão constante entre as Políticas de Identidade e das Identidades Políticas. E defende que mais do que um simples trocadilho, a utilização desses conceitos podem ajudar a discutir aspectos, tanto regulatórios como emancipatórios, dadas às análises do poder presentes nas relações sociais.

A questão das políticas de identidade de grupos envolve a discussão sobre a autonomia (ou não), que se transforma para indivíduos em indagações sobre a autenticidade (ou não) de individualidades políticas, talvez refletindo duas visões opostas, dependendo de se colocar a ênfase na igualdade &– uma sociedade centrada no Estado &– ou na liberdade &– uma sociedade composta de indivíduos (CIAMPA, 2002: 134)

Na concepção de identidade desenvolvida por Ciampa aparece a impossibilidade de se trabalhar com o conceito de políticas de identidade aos moldes da idéia de identidade coletiva clássica, que segundo o autor trabalhariam apenas com a heteronomia dos indivíduos, negando a experiência individual, atribuindo um caráter a priori de determinação, recaindo nas tradicionais formas de entendimento das massas. Na concepção de Ciampa (2002: 141) “uma identidade coletiva é quase sempre referida a uma personagem: nos exemplos, fala-se no singular de ‘negro’, ‘trabalhador’, ‘mulher’, ‘sem-terra’, ‘gay’ etc., cada um correspondendo a um ou mais movimentos.” Nesse sentido, as políticas de identidade servem à formação e manutenção dessas identidades singulares, e podem ser tanto emancipatórias quanto regulatórias; emancipatórias quando ampliam a possibilidade de existência na sociedade, garantindo direitos para os indivíduos, ou regulatórias, quando criam regras normativas que muitas vezes impedem que o indivíduo consiga sua diferenciação. Ao passo que as identidades políticas surgiriam quando os indivíduos desenvolvessem uma concepção de identidade para si mesmos e passassem a se diferenciar do grande número. Podendo em um primeiro momento se valer das políticas de identidade para fazer valer seus direitos, fortalecendo as possibilidades de reconhecimento, aumentando os laços solidários e, num segundo momento, assumindo novos projetos e novas pretensões de reconhecimento.


3. Da Identidade ao sintagma Identidade-Metamorfose-Emancipação

Sabemos que discutir políticas de identidade e identidades políticas sem apresentar a maneira como Ciampa entende a identidade pode deixar várias brechas para interpretações equivocadas, uma vez que se sabe que identidade é um conceito que tem sido extensamente discutido atualmente por autores como Bauman (2005); Hall (2000; 2001); Melucci (1996) etc., e que nossa escolha pelo mesmo se dá pelo papel que este desempenhou no desenvolvimento da Psicologia Social brasileira. Para compreender a importância da concepção de identidade teorizada por Ciampa para a Psicologia Social, parece necessário lembrar novamente das condições históricas em que essa categoria foi desenvolvida. Como já foi explicitado anteriormente, os teóricos comprometidos com o projeto de criação de uma Psicologia Social tipicamente brasileira buscavam desenvolver pesquisas que fugissem do positivismo reinante na academia que eram frutos da Psicologia Social desenvolvida sob a influência da Psicologia Social norte americana. Sendo assim, buscava-se novos referencias em teóricos embasados na interdisciplinaridade, ou seja, teóricos europeus críticos, dissidentes da linha positivista nos Estados Unidos, sociólogos, filósofos, antropólogos, educadores e outros Psicólogos Sociais da América Latina que estavam interessados em construir uma disciplina que representasse genuinamente o povo latino (LANE & CODO, 1984).

Nesse pano de fundo, autores como Goffman (1988), Berger & Luckmann (2003), Mead (1962) e outros, apareceram como contribuições importantes para a leitura da identidade do brasileiro. Todavia, as leituras desses autores eram entendidas como um desafio para o pensamento psicológico-social na medida em que eram desenvolvidos em paises colonizadores. Para não cair novamente em um novo engodo, as teorias desses autores foram confrontadas com a realidade, ou seja, ao invés de utilizar as teorias como os óculos para olhar a realidade como foi feito com a Psicologia Social norte americana, trouxe-se a realidade para validar o conhecimento que estava sendo incorporado. O descrito processo pode ser observado na reformulação proposta por Silvia Lane às categorias dialéticas que constituem o psiquismo humano descritas por Leontiev: a atividade, a consciência e a personalidade.

Essa autora vai dizer que embora a categoria personalidade já aparecesse para Leontiev como decorrente da interação entre os indivíduos, portanto, sendo constituída como um processo, a contribuição de Ciampa ampliava a categoria e explicitava as cristalizações (mesmices) e metamorfoses (mesmidades) dos indivíduos, explicitando o caráter opressor da sociedade capitalista e o caráter político da pesquisa em Psicologia Social. Desde o mestrado Ciampa já lia os teóricos que trabalhavam com a temática da identidade e tentava apontar as limitações desses conceitos que tendiam a descrever a identidade como uma coisa estática, com tendências à cristalização. A concepção dialética da identidade desenvolvida por Ciampa passa a entendê-la como metamorfose, “é construção, reconstrução e desconstrução constantes, no dia-a-dia do convívio social, na multiplicidade das experiências vividas.” (KOLYNIAK & CIAMPA, 1993: 9).

Em sua dissertação de mestrado Ciampa apontava que a releitura da teoria de George Mead (1962), realizada por Berger & Luckmann (2003) na época possibilitava re-pensar a questão da identidade social e sua relação com a ideologia para a Psicologia Social, preparando o campo para a concepção de identidade que iria desenvolver posteriormente. Nesse período a identidade já era entendida como um conceito central para Psicologia Social, que poderia ajudar a explicar tanto como se dava a construção das desigualdades e problemas sociais, quando entender como se formavam as resistências individuais aos processos de massificação e buscas emancipatórias.

O trabalho em questão sofria ainda fortes influências da teoria dos papéis desenvolvidas por Theodor Sarbin um eminente teórico da teoria dos papéis nos Estados Unidos e seu discípulo Karl Scheibe que lecionava no Programa de estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC São Paulo na época (SARBIN & SCHEIBE, 1983). É importante frisar que essa influência se dava muito mais pela aproximação que Scheibe possibilitava da teoria de Mead do que necessariamente pela teoria dos papéis, fato que se confirma com a guinada que Ciampa realiza no doutorado após a leitura de autores como Berger & Luckmann e posteriormente Jürgen Habermas2

No livro resultante da tese de doutoramento, “A estória do Severino e a História da Severina” de 1987, a guinada de uma teoria da identidade social para uma concepção de identidade como metamorfose será completada. Neste trabalho Ciampa entra em contato com a obra de Jürgen Habermas e encontra uma teoria que possibilitava trabalhar algumas deficiências julgava encontrar nos autores utilizados anteriormente. As idéias de Habermas (1982; 1983), principalmente as desenvolvidas no livros traduzidos no Brasil: “Conhecimento e Interesse”, de 1982, e “Para a Reconstrução do Materialismo Histórico”, de 1983, possibilitaram para Ciampa a substituição da concepção fenomenológica da sociedade que atribuía um caráter ontológico para a mesma, trazida por Berger & Luckmann e, ao mesmo tempo, uma nova leitura de Mead que mostrava a importância da linguagem na construção do self.

Retomamos aqui a importância dada por Silvia Lane para a “Estória do Severino e a História da Severina”, na medida em que este trabalho trouxe uma concepção de identidade que desmontava as teorias importadas e utilizadas no Brasil pela Psicologia Social até então trazendo uma concepção que previa um desenvolvimento dinâmico, de constante metamorfose. Com esse trabalho Ciampa ensinou que a identidade é a articulação tanto entre diferença e igualdade (ou semelhança), como entre objetividade e subjetividade, sendo nesse sentido impossível falar de identidade sem falar em metamorfose, como um processo que se dá desde o nascimento do indivíduo até sua morte.

Para explicar como se dá a apresentação da identidade enquanto metamorfose o autor valeu-se de elementos da dramaturgia, nesse sentido, a identidade passa a ser vista, expressada empiricamente, por meio de personagens, e a articulação dessas personagens é que vai compor a identidade do indivíduo. Nesse sentido, a identidade passa a ser entendida também como história, e como toda história (ao menos história humana), torna-se impossível sem personagens; “o ator é o eterno dar-se: é o fazer e o dizer.” É importante apontar que quando Ciampa apresenta a idéia de personagens em seu trabalho é preciso lembrar de uma questão importante: “a necessidade de normatização de determinadas personagens”; que servem para conservar as identidades produzidas.

Um fenômeno que funciona por meio da “re-posição” e que pode ser tanto positiva quanto negativa, na medida em que tanto possibilitam um sentido de direção para os indivíduos (no primeiro caso), como podem reduzir o indivíduo a uma única personagem acabando com a articulação da igualdade e da diferença (no segundo). Ciampa desvela com essas proposições um fenômeno inerente à identidade: a aparência de “não-metamorfose”. Para explicar como ocorre esse fenômeno ele recorre a explicitação do trabalho de re-posição, que cria a aparência de não metamorfose e impede muitas vezes que vejamos as metamorfoses da identidade; para ajudar a entender como ocorre esse processo, Ciampa propõe dois movimentos na identidade, caracterizados como mesmice e mesmidade.

A mesmice decorre da re-posição da identidade que pode se dar como consciente busca de estabilidade ou inconsciente compulsão à repetição; é pré-suposta como dada permanentemente e não como re-posição de uma identidade que um dia foi posta. O que pode dar uma aparência de não metamorfose, comumente observado quando olhamos para uma pessoa depois de algum tempo e dizemos para nós mesmos: fulano não mudou nada, continua o mesmo! O que sustenta a mesmice é o impedimento da emancipação; e a plena concretização da mesmice é aquilo que Ciampa chama de fetichismo da personagem, que vai explicar a quase impossibilidade de um indivíduo atingir a condição de ser-para-si. O mundo da mesmice (da não-mesmidade) e da, má infinidade (a não superação das contradições), em que a própria atividade que serve de base para a personagem deixa de ser desempenhada: Severino “é lavrador” mas já “não lavra”.

Todavia, Ciampa diz que o impedimento da emancipação e a manutenção da mesmice não se constituem em algo inevitável, na medida em que a impossibilidade de viver sem personagens e a idéia de ser-para-si possibilita a alterização das personagens pressupostas. O termo alterização, trazido por Ciampa quer expressar a idéia de uma mudança significativa &– um salto qualitativo &– que resulta de um acúmulo de mudanças quantitativas, às vezes insignificantes, invisíveis, mas graduais e não radicais, que podem indicar uma possibilidade e uma tendência, da conversão das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas, mudanças condicionadas às questões históricas e materiais determinadas.

Isso possibilita ao autor desenvolver o conceito de “mesmidade”, que se refere à superação da personagem vivida pelo indivíduo; e que pode ser compreendido como a expressão do outro “outro” que também sou eu. Que se torna possível a partir da possibilidade de formular projetos de identidade, cujos conteúdos não estejam prévia e autoritariamente definidos, ou seja, pelo desenvolvimento de “identidade pós-convencionais” que se definam “pela aprendizagem de novos valores, novas normas, produzidas no próprio processo em que a identidade está sendo produzida, como mesmidade de aprender (pensar) e ser (agir).” (CIAMPA, 2002: 241)

Isso não é uma tarefa fácil, como ensina Ciampa, na medida em que a criação de novas normas, novos valores e projetos na esfera universal encontram grandes dificuldades de concretização e superação no nível coletivo. Aparecendo aqui a importância dialética dessa categoria para a Psicologia Social, seja na possibilidade que a mesma oferece nas leituras da realidade, seja na tarefa que apresenta para essa disciplina de comprometer-se com a emancipação social e a promoção de identidades pós-convencionais. Sob essas proposições, o conteúdo político do conceito de identidade desenvolvido por Ciampa ganha força, evoluindo da simples concepção de autonomia como uma busca pelo autogoverno, para autonomia como uma busca pela emancipação humana. É nesse contexto que o autor desenvolve a diferenciação entre as “políticas de identidade” e as “identidades políticas”.

O que aparece de novo, e que aproxima Ciampa de autores como Negri & Hardt é o fato de que o conceito de identidade política permite verificar, mesmo dentro de grupos que lutam pelo reconhecimento legítimo de determinadas políticas de identidade, as expressões de opressão à identidade individual, muitas vezes massacrada pelo grupo ao não se submeter totalmente e negar sua totalidade, ao mesmo tempo, essa concepção permite entender as metamorfoses que acontecem nesses mesmos grupos e enxergá-los como espaços democráticos também, que se metamorfoseiam na medida em que os interesses individuais mobilizam os grupais. Assim, pode-se dizer que o conceito de identidade política desenvolvido por Ciampa possibilita a compreensão de um projeto de vida de determinado indivíduo e a articulação deste com a consciência de si.

Da mesma maneira, o conceito permite verificar o quanto este indivíduo está aberto para o mundo, podendo vivenciar suas personagens de forma não coercitiva, ou ainda, enxergar a opressão que este vivencia perante a redução de sua identidade a uma única personagem. Fica explícito que a concepção de identidade trazida por Ciampa denota uma questão política, ao passo que em sua compreensão deve-se levar em consideração tanto os fragmentos de emancipação, quanto a sutil opressão.


4. O conceito de identidade pode ajudar a compreender as multidões?

Diante do conteúdo trazido até agora, que pode parecer mais um mosaico do que uma construção uniforme discutimos agora, a guisa de conclusão, uma possível articulação entre a proposta de Multidão trazida por Negri & Hardt e de políticas de identidade e identidades políticas desenvolvida por Ciampa. A proposta de Negri & Hardt amplia a noção de multidão como corpo uniforme, alienada e possibilita uma articulação muito maior com as diferenças presentes em cada grupamento de pessoas. Nos autores é possível enxergar a tensão entre o individual e o grupal, envoltos em uma tensão constante frente às vontades individuais e da multidão. As multidões juntam-se com um objetivo comum, mas não necessariamente compartilham de perspectivas comuns, os diferentes podem se unir contra um inimigo comum, como é o caso do movimento global anti-captalista que agrupa indivíduos de diferentes movimentos sociais, ou ainda, o Fórum Social Mundial.

Ciampa, por sua vez, ao apresentar a idéia de que a identidade sempre é metamorfose, a articulação tanto entre diferença e igualdade (ou semelhança), como entre objetividade e subjetividade, no qual “sem essa unidade, a subjetividade é desejo que não se concretiza, e a objetividade é finalidade sem realização” (1987: 145), oferece elementos importantes para o entendimento da proximidade e distanciamento dos indivíduos nas multidões. A partir da articulação das teorias desses autores podemos até pensar a multidão como a expressão da individuação, como proposto por Virno. As identidades não estariam cada vez mais fragmentadas em uma modernidade tardia, mas sim, seriam a expressão de uma infinidade de personagens, irredutíveis aos papéis impostos socialmente, estando aí sua força e sua possibilidade de transformação.

As propostas de Negri, Hardt e Ciampa, ao que nos parece, aparecem como importantes aliados na construção da Psicologia Social e Política brasileira, E ajudam a pensarmos em um coletivo, uma multidão, que ao mesmo tempo em que cobra uma identificação, apresenta a multiplicidade de escolhas de vida, variedade de caminhos a seguir, de lutas a serem travadas, que refletem como um espelho que o outro, aquele a quem amo, odeio, admiro, desprezo, me é um outro possível, que me completa e me torna incompleto. A multidão entendida a partir da tensão entre as políticas de identidade e as identidades políticas mostram sua força ao negar o essencialismo da identidade e sua fixidez como algo natural. E da mesma maneira que apresentam para a identidade sua falta, sua impotência e impotência de todos, desvela a potência do grupo, da massa, da multidão, com sua força de transformação. Dialeticamente, as políticas de identidade tornam-se a própria expressão das identidades políticas, ao passo que àquilo pelo que se luta refere-se tanto ao bem coletivo, expressando uma solidariedade, quanto ao bem individual, que eleva o grau de autonomia do indivíduo. As políticas de identidade continuam tanto com o seu fator “recrutamento”, do cidadão por parte de determinadas instâncias, quanto com o fortalecimento da resistência por parte daqueles que não têm sua identidade reconhecida, ou seja, têm sido mantidos fora do jogo social, ficando às margens da sociedade.

 

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Endereço para correspondência
Aluísio Ferreira de Lima
E-mail: aluisiolima@hotmail.com

Recebido em 13/03/2007
Aprovado em 27/02/2008



1 Universidade Federal do Ceará (UFC). Psicólogo. Professor de Psicologia Social. Doutorando e Mestre em Psicologia Social pela PUCSP. Especialista em Saúde Mental pela USP. Membro da Comissão de Ética do CRP/SP e do NEPIM &– Núcleo de Pesquisa da Identidade e Metamorfose. Endereço: Av: Barão de Mauá, 4520. Vila São João &– Mauá &– São Paulo. Cep: 09330-150. Tel: 15 88 9252.1415. E-mail: aluisiolima@ufc.br
2 Para maiores detalhes dessa metamorfose teórica consultar: Lima, Aluísio Ferreira de (2005) A dependência de drogas como um problema de identidade: possibilidades de apresentação do Eu por meio da oficina terapêutica de teatro. Dissertação de Mestrado PUCSP.

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