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Revista Psicologia Política

On-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.7 no.14 São Paulo Dec. 2007

 

DOSSIÊ

 

Política, história e socioambiente

 

 

Eda T. de O. Tassara; Omar Ardans

Editores

 

Apresentação

O sistema-mundo (Wallerstein, 1993) apresenta uma realidade abrangente cuja apreensão consiste em desafio tendo em vista superar, através do desenvolvimento de um sistema teórico analítico, a maneira caótica como se apresentam os fenômenos que caracterizam, nos níveis sincrônicos e diacrônicos, a sua dita complexidade. A apreensão da complexidade e do caos tem gerado um pensamento que, apoiado nos paradigmas desenvolvidos nos quadros das teorias físicas, aplica os referidos paradigmas, sob forma metafórica, no campo social.

Esta forma de transposição não tem subsidiado suficientemente o agir sobre os problemas subjacentes aos fatos sociais, por não ter instrumentalizado com eficiência a intervenção sobre os mesmos; pouco tem contribuído para uma heurística da pesquisa social interdisciplinar pois não oferece modelos que conduzam a uma observação metódica levando à escrita competente da história no mundo contemporâneo, nem sob a égide da globalização nem da mundialização; além disso, não alimenta a concepção de ações contidas na formulação de uma política ambiental pensada como construção intencional do futuro (Bardi, 1983).

Esse futuro consistiria na produção histórica da organização humana no espaço total, isto é, no espaço do sistema-mundo: um sistema de objetos e ações na extensão planetária. (Santos, 2002) Tal política ambiental deveria, por pressuposto, articular situações e resultados socioambientais futuros baseados em análises do passado em um presente decisório – um processo político, incremental e articulado, conduzindo à expansão do teor democrático da decisão; seu limite de participação é a multidão (multitudo - Espinosa, 1973)

O presente dossiê, intitulado Política, história e socioambiente, está integrado por um conjunto de artigos que visam refletir sobre estas complexas relações entre Psicologia e Política. São fragmentos que narram visões particulares sobre as interfaces entre psicologia socioambiental e políticas públicas, compondo uma história em curso, cujo contexto é a sociedade contemporânea inscrita na realidade brasileira hodierna, em uma dinâmica histórico-cultural cuja gênese se explicaria sob o enfoque das múltiplas temporalidades braudelianas.

A escolha do título para representar o dossiê deveu-se a uma série de considerações que, a nosso ver, o legitimariam.

Assim, ao longo do século XX, o exercício da ciência histórica configurou uma nova forma narrativa que, paulatinamente, foi legitimada pela crítica da cultura – a chamada história narrativa (Devoto, 2004). A história, sob tal configuração, apresentar-se-ia como uma ciência ideográfica, do espírito, enfocando os tempos curtos (Braudel, 1966), o tempo dos acontecimentos, aferrada à idéia de que o passado inscreve-se em desdobramentos temporais contidos na dinâmica ininterrupta da mudança histórica, de estreita relação entre passado e presente. Seu método privilegia a compreensão, ganhando, com isso, a complexidade e riqueza de matizes. Contudo, a história narrativa não pode deixar de buscar aportes na história analítica (Devoto, 2004), de longo tempo, a história do ritmo lento de Braudel (1966), indagando em enquadramentos cronológicos amplos e em espaços continentais, formulando explicações que atravessam espaços e cronologias.

Sob tal perspectiva, o presente dossiê configura-se como um documento de história narrativa, cujas raízes inscrevem-se na história analítica de grande duração. Seus autores e autoras são narradores de uma história em processo: a história do conhecimento das relações buscadas entre psicologia e socioambiente e a história dos acontecimentos sociais que o sustentam.

Dessa forma, o primeiro artigo intitulado A relação entre ideologia e crítica nas políticas públicas: reflexões a partir da psicologia social, de autoria de Eda T. de O. Tassara e Omar Ardans, propõe uma reflexão, a partir da psicologia social, sobre a relação entre ideologia e crítica nas políticas públicas, focalizando algumas interfaces da psicologia social com a ciência política, a lógica, a antropologia e a sociologia e implicando a discussão do objeto da psicologia social como sendo de caráter interdisciplinar, assim como seu método. Tal método apóia-se também na relação entre hermenêutica e filologia, na elucidação de premissas que sustentam a argumentação lógica, base da racionalidade e, portanto, da crítica.

A seguir, o dossiê apresenta artigo intitulado Derrubam-se casas: a (des)construção da questão indígena no cenário da política social, de autoria de Edinete Maria Rosa, Maria Lúcia Teixeira Garcia e Fabíola Xavier Leal. O objetivo deste artigo é refletir sobre a política social tendo por pano de fundo um episódio de confronto na luta pela posse da terra ocorrida no Espírito Santo no mês de janeiro de 2006. Tal reflexão parte do pressuposto de que a questão social e a questão ambiental não se dissociam. A análise realizada baseou-se em uma revisão teórica centrada nos principais aspectos presentes na formulação de política pública e em documentos, publicados na mídia impressa capixaba, que cobriram o ocorrido. Eles permitiram às autoras evidenciar a lógica da produção capitalista que engendra, em seu discurso, a bandeira do desenvolvimento sustentável, presente no conflito em torno da propriedade e do uso da terra. Nesse sentido, as autoras buscam contribuir com a reflexão sobre a questão dos povos indígenas, apontando cenas e tramas que se configuram no discurso da mídia e apontam “invisibilidades” de ordem ideológica.

Em continuação, o dossiê termina com o estudo de autoria de Elaine Pedreira Rabinovich e Ana Cecília Sousa Bastos, intitulado O Carmo ou porque um quilombo não quer ser um quilombo. Trata-se de relato de experiência ocorrida em uma comunidade de origem quilombola, em que o método de “observação participante” utilizado, revelou como o pesquisador é um personagem historicamente inserido cujas ações sempre têm um teor político. Descreve os acontecimentos que permitem se considerar o método utilizado como “engajado” e não situado à margem da política, consistindo, ele próprio, em um ato político e o pesquisador, em um agente político.

Confiamos que, a leitura dos textos contidos neste dossiê, venha enriquecer o complexo e inesgotável debate sobre as interfaces entre psicologia e política.

 

Referências

BARDI, L. B. (1983) “Política ambiental”. Simpósio Internacional. In: XXXV Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Belém/Pará: Universidade Federal do Pará.        [ Links ]

BRAUDEL, F. (1966). La Mediterranée et le monde mediterranéen a l´époque de Philippe II. (2 vol.).Paris: A. Collins.        [ Links ]

DEVOTO, F. (2004) Historia de la inmigración en la Argentina. Buenos Aires: Sudamericana.         [ Links ]

ESPINOSA, B. (1973). Ética. (Joaquim de Carvalho, Joaquim F. Gomese Antônio Simões, Trad.). São Paulo: Abril (trabalho originalmente publicado em 1670).         [ Links ]

SANTOS, M. (2002) A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: EDUSP.        [ Links ]

WALLERSTEIN, I. (1993) “The World-system after the cold war”. Journal of Peace Research, 30 (1), 1-6.        [ Links ]

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