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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.8 no.15 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Silêncios e saberes guardados nas imagens do pré-golpe de 19641

 

Silences and knowledges saved in the images of the pre-coup d’etat of 1964

 

Silencios y saberes guardados en las imágenes del pre-golpe de 1964

 

 

Aline Hernandez*, I, II ; Helena Scarparo**, II

I Faculdades Integradas de Taquara - FACCAT-RS. Pós-Graduação em Educação
II Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Brasil. Pós-Graduação em Psicologia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Embora as fotografias estejam fortemente incorporadas à cultura midiática, nota-se uma predileção em tratar dos temas fotografados antes de tratar da fotografia em si como elemento informativo. Evidencia-se, pois, a importância de analisar os elementos narrativos que o próprio dispositivo fotográfico inaugura e seu potencial de registro sobre a realidade como uma forma interessante de pesquisa psicossocial. Apresenta-se um roteiro de passos, oriundo de uma síntese de diferentes teóricos sobre a análise de imagens fotográficas e um exemplo de sua aplicabilidade: a análise de imagens da mídia sul-riograndense referentes ao período anterior ao golpe militar de 1964. A classificação e posterior análise de uma coleção de fotografias constituem um corpus de trabalho interessante à pesquisa em Psicologia, explorando aqueles elementos que não se vêem no plano superficial da imagem: marcadores informativos e narrativos guardados em seus diferentes planos. A análise fotográfica serve tanto para obtenção de dados relevantes acerca do objeto estudado quanto fonte de documentação histórica, pois resgata fatos do passado ressignificando-os no presente.

Palavras-chave: Análise de imagens fotográficas, Psicologia política, Golpe de 1964, Memória coletiva.


ABSTRACT

Although photographies are stronghy embedded in the media culture, there is a tendency to deal with the photographed themes before dealing with the photography itself as an informative element. It is important, therefore, to analize the narrative elements which are presented by the photography itself and its potential for recording reality as an interesting form of psychosocial research. We present a sequence of steps, coming from a synthesis of a number of scholars, related to the analysis of photographic images and an example of its applicability: the analysis of mass media images of Rio Grande do Sul related to the period before the coup d’etat of 1964. The classification and further analysis of a collection of photographies constitute an interesting working corpus to Psychology research, exploring those elements that are not seen in a superficial plan of the image: informative and narrative markers kept within their different plans. The photographic analysis serves both for obtaining relevant data about the studied object and as a source of hystorical documentation, because it rescues facts from the past to resignify them in the present time.

Keywords: Analysis of photograph images, Political psychology, 1964 coup d’etat, Colective memory.


RESUMEN

Aunque las imágenes estén estrechamente vinculadas a la cultura de los media, se nota una predilección en tratar de los temas fotografiados antes de tratar a la fotografía en si como elemento informativo. Evidenciase, pues, la importancia de analizar los elementos narrativos que el propio dispositivo fotográfico inaugura y su potencial de registro sobre la realidad como una interesante posibilidad de investigación psicossocial. Presentase, pues, un guión de pasos, resultante de una síntesis de diferentes teóricos sobre el análisis de imágenes fotográficas y un ejemplo de su aplicabilidad: el análisis de imágenes de los periódicos del Rio Grande do Sul referentes al período anterior al golpe militar de 1964. La clasificación y posterior análisis de una colección de imágenes constituyen un interesante corpus de trabajo a la investigación en psicología, visibilizando los elementos no aparentes en el plano superficial de la imagen: marcadores informativos y narrativos guardados en sus diferentes niveles. El análisis fotográfico sirve tanto para recolectar dados relevantes a cerca del objeto de estudio cuánto fuente de documentación histórica, pues recupera datos del pasado a fin de re-significarlos en presente.

Palabras clave: Análisis de imágenes fotográficas, Psicología política, Golpe de 1964 en Brasil, Memoria colectiva.


 

 

Introdução

A pesquisa que apresentamos constituiu-se numa interessante possibilidade de identificar em profundidade as produções discursivas, as intenções subjacentes e as representações guardadas nas imagens fotográficas produzidas e veiculadas durante os meses que antecederam a ditadura no Brasil, período que denominamos pré-golpe. O objetivo central da pesquisa era encontrar, em diferentes edições da mídia impressa que circulavam no estado do RGS em 1964, elementos imagéticos, um conjunto discursivo de enunciação do regime de exceção que se instaurava. Por discurso midiático entendemos a ação de mobilizar e agenciar signos e sentidos a fim de difundir informações e conhecimentos junto à coletividade.

A análise de fotografias "lança um grande desafio: como chegar àquilo que não foi revelado pelo olhar fotográfico. Tal desafio impõe-lhe a tarefa de desvendar uma intricada rede de significações cujos elementos, homens e signos, interagem dialeticamente na composição da realidade" (Cardoso e Mauad 1997:405).

Nessa perspectiva, o conhecimento psicológico aparece como aporte relevante à compreensão de imagens, pois nesta pesquisa exploramos a diversidade de aspectos subjacentes de uma realidade dada, pois na análise fotográfica nem tudo está no primeiro plano, no nível aparente da superfície revelada. Este tipo de pesquisa valida sua relevância social a partir de um aspecto fundamental: a possibilidade de analisar a imagem fotográfica como aspecto determinante na produção de significados sociais e subjetividades.

O texto imagético guarda flashes da vida real, registra memórias, comportamentos, práticas sociais e representações relativas a uma determinada época e cultura. Através da análise fotográfica podemos compreender os códigos culturais de diferentes sociedades em contextos e tempos diversos.

A pesquisa de imagens permite situar, registrar e denunciar o percurso informativo de diferentes temáticas de forma crítica e contextualizada já que a tarefa de tornar visível uma história é sempre parcial e não se esgota na descrição processual de acontecimentos passados. Trata-se de uma interpretação das produções subjetivas, datadas vertical e horizontalmente na vida humana.

Para conhecer uma história sem obscurecê-la é preciso voltar atrás, identificar parcelas culturais e históricas importantes, muitas vezes, negadas pela oficialidade. Neste sentido, faz-se emergente a tarefa de favorecer a visibilidade social de saberes silenciados/ guardados nas imagens fotográficas.

A Psicologia Social tem, como uma de suas propostas, refletir criticamente sobre as práticas humanas, as dinâmicas sociais e compreendê-las na perspectiva da construção da subjetividade. Assim, o sujeito construtor do presente, co-autor da intersubjetividade é, recursivamente, produto e produtor das condições sociais da vida em todos os tempos da existência. Martín-Baró (1986) sublinha como uma das tarefas emergentes da Psicologia Social latino-americana a recuperação da memória histórica, descobrindo elementos do passado que possam ser úteis à luta e conscientização das pessoas no presente. Segundo ele "a superação do presentismo mediante a recuperação da memória histórica se converte no primeiro elemento à eliminação do fatalismo". Trata-se, pois de uma recuperação identitária, de resgate e restauração de aspectos que sirvam hoje para compreender certas construções do passado.

Quando nos dispomos a considerar mais atentamente as imagens, passamos a ampliar nossas possibilidades de "construção de sentidos" sobre a realidade social. Imagens e pensamentos são componentes inseparáveis do viver humano. A imagem torna-se assim uma linguagem universal e viva, pois afeta as pessoas diversamente. Tal linguagem caminha pelos tempos e dialoga com diferentes contextos num contínuo processo de atualização de significações. Consideramos, pois que registros imagéticos guardam uma riqueza histórica e cultural capaz de disponibilizar lembranças (esquecidas ou propositadamente apagadas), constituindo-se em veículo interessante, recursivo e cartográfico quanto ao seu qualificativo histórico.

Você quer fazer psicologia? Deleuze e Guattari dizem: aprenda a história, percorra as grandes formações da história universal, espolie a biblioteca do arqueólogo, do etnólogo, do economista, empanturre-se de literatura e de arte, aí estão as disciplinas do desejo, as disciplinas que relatam no seu conjunto e na diversidade as produções do desejo. Aprenda a ver o múltiplo que aí está em construção. (Ewald, 1991:90)

A pesquisa de imagens fotográficas constitui-se numa fonte adequada para localizar indicadores sociais, culturais e produções discursivas engendradas em determinado contexto histórico. A pergunta que foi tão pertinente à análise semiológica ao longo da obra de Barthes "que mensagem a imagem elabora e difunde?" indica que a fotografia "faz pensar" as diferentes realidades que nos subjetivam (Kossoy, 1989). Assim, é fonte valiosa de informações, dilui a fixidez do passado potencializando a plasticidade, pois é permeável, abre portas à interpretação, à inauguração de novos sentidos e territórios.

Como referem Cardoso e Mauad (1997:402) "agora todos os vestígios do passado são considerados matéria prima para o historiador. Desta forma, novos textos, tais como a pintura, o cinema, a fotografia, foram incluídos no elenco de fontes dignas de fazer parte da história". Esta opção metodológica de analisar "novos tipos de texto" promove uma aproximação da história com a Psicologia, uma interlocução necessária ao trabalho analítico e interpretativo.

O qualificativo social de uma pesquisa de análise fotográfica reside em sua relevância histórica e psicossocial, dado seu objetivo nuclear: capturar, colocar em evidência aqueles elementos narrativos, históricos e culturais guardados nos diferentes planos da imagem.

Considerar a imagem com uma linguagem visual composta de diversos tipos de signos equivale, a considerá-la como uma linguagem e, portanto, como uma ferramenta de expressão e de comunicação. Seja ela expressiva ou comunicativa, é possível admitir que uma imagem sempre constitua uma mensagem para o outro, mesmo quando o outro somos nós mesmos (Joly, 1996:55).

O exame de imagens é, então, um meio/instrumento de dialogar com acontecimentos. Isso implica considerar a complexidade das ações, seus contextos e seus efeitos. Para muitos/as teóricos/as a análise fotográfica pode ser considerada uma espécie de "índice" de uma época, dada a riqueza de informações que pode aportar à pesquisa (Eco, 1980; Cardoso e Mauad, 1997).

 

Imagem e texto: o zoom ampliado da fotografia

A fotografia registra momentos da história e pode retratar ângulos diversos de temas pontuais acerca da realidade. A fotografia como memória é um lugar desde onde se pode "intuir aquilo que foi" (Kirst & Costa, 2005:142). Apesar de seu plano estático, depois de materializada, movimenta o imaginário social através de uma linguagem simbólica que lhe é própria. Quando resgatada e interpretada a imagem pode ser reinventada e interpretada.

Conforme Penn (em Bauer & Gaskell, 2002) é a semiologia como disciplina e Barthes como seu autor principal que vão fornecer as ferramentas e explicações mais úteis com relação à análise de imagens paradas. O dispositivo fotográfico serve como suporte de anúncio e denúncia de uma realidade social. Serve, pois, como uma via de representação e, conforme Barthes, fala demasiado, faz refletir, sugere um sentido que não pode ser dissociado do seu plano contextual. Ele diz: "no fundo, a fotografia é subversiva não quando assusta, perturba ou até estigmatiza, mas quando é pensativa" (1984:61).

As fotografias são, pois, um equivalente da lembrança já que através delas, pode-se atualizar no presente um passado, recortes de ontem podem ser atualizados, continuados na realidade de hoje (Dubois, 1984).

É indiscutível a importância da fotografia como marca cultural de uma época, não só pelo passado ao qual nos remete, mas também, e principalmente, pelo passado que ela traz à tona. Um passado que revela, através do olhar fotográfi co, um tempo e um espaço que fazem sentido (...) Um sentido coletivo que remete o sujeito à sua época (...) A imagem fotográfica compreendida como documento revela aspectos da vida material de um determinado tempo do passado de que a mais detalhada descrição verbal não daria conta (Cardoso & Mauad, 1997:406).

Então, para se chegar aos elementos que a fotografia revela e guarda temos de partir do contexto sócio-cultural no qual foi produzida. A perspectiva histórica-semiótica de análise de imagens nos oferece algumas ferramentas a esta exploração.

Para Barthes (1984) a fotografia traz consigo duas significações numa única face: o studium (termo advindo do latim: estudo, investimento) e o punctum (também do latim querendo significar ponto, picada, pequeno orifício). Com essas categorias Barthes analisa o plano fotográfico sob duas óticas: uma que está ali, dada, explícita aos olhos de quem a vê e outra que é o suplemento implícito acrescentado à foto, mas que já está nela.

O studium é o conteúdo evidente na imagem. Para reconhecer esse plano basta olhar a foto, interessar-se por ela, reconhecê-la e constatá-la enquanto uma representação intencional de algo que existiu e foi materializado. O studium é o plano material, o sentido óbvio da fotografia.

O punctum é aquele conteúdo que está materializado no plano fotográfico, mas sem um sentido óbvio. É o conteúdo latente, pulsante, que trespassa, toca, "fere", mobiliza, acomete o olhar quando vemos o plano material, salta aos olhos quando menos esperamos. O punctum lança o desejo para além do que se vê, assim, pode ser entendido como ponto aberto, fissura, ponto de efeito. É o ponto que escapa do concreto e revela o não-manifesto, o subjetivo. É o plano simbólico, a outra linguagem da fotografia. O punctum é o que fica retido na retina quando temos apenas a intenção de ver o primeiro plano. É, por assim dizer, a "essência sentimental" da fotografia, é o que permite que um sentimento se manifeste para além do que se vê. É através dessa categoria que a fotografia salta aos olhos, penetra e é incorporada, simbolicamente, à instância subjetiva e interpretativa: "a fotografia não deve ser examinada, deve ser vista desde sua latência" (Barthes, 1984).

Podemos dizer que certas fotografias representam muito mais, extrapolam o plano material estabelecendo um trânsito constante entre a expressão de uma realidade material e outra subjetiva. Para Barthes o ato de ler uma imagem é um processo interpretativo resultante da interação entre leitor/a e material. Assim, temos de entender que o sentido dado à imagem irá variar de acordo com os conhecimentos culturais de quem a interpreta, podendo ser bastante universal dentro de uma cultura dada, mas idiossincrático em outra.

Para além destes dois planos, um material, objetivo e outro simbólico, subjetivo Barthes diz que a imagem é sempre polissêmica, ambígua e, por isso, deverá ser ancorada em algum tipo de texto que reduza sua ambivalência. Somados, imagens e texto formam o sentido completo da explicação semiológica. Para tal, Barthes esmiúça outras duas categorias de análise: o sentido conotativo e denotativo da imagem. A denotação exige conhecimentos lingüísticos, já que nesta etapa é preciso clarificar a mensagem literal da imagem. A conotação exige conhecimentos culturais, interpretativos, pois nesta etapa é preciso compreender a imagem. Eis, pois, o trabalho semiológico: desmistificar, "desvelar" o processo de naturalização imposto pela denotação. O grande foco para a conotação é partir do princípio de que nem tudo na fotografia está na superfície, dado e objetivado, mas que existem inúmeros elementos habitando o solo subterrâneo do plano denotativo.

Assim, embora o plano denotativo seja "completo" (em sua obviedade) se não interpretado, compreendido, se esvazia, pois não implica sentidos derivados ou figurados. Pensemos em uma imagem publicitária onde a mensagem denotativa está naturalizando, obscurecendo a mensagem conotada. É preciso ir além do próprio signo para entendê-la, é preciso captar seu significado. Conforme Penn (em Bauer & Gaskell, 2002) esta é então a porta aberta àqueles que fazem uso psicológico do sistema semiológico: os dois tipos de conhecimento são fundamentais para "agarrar" a significação em cada nível.

Assim como o/a espectador/a constrói a imagem impondo-lhe um sentido, também a imagem constrói o/a espectador/a, pois comunica, informa, denuncia, educa, atrela novos significados e configurações ao contexto. Nossas representações estão impregnadas de mensagens imagéticas. As imagens compõem nossa vida e contribuem decisivamente à nossa percepção do meio social.

 

O processo de análise de imagens

Nesta pesquisa optamos por visitar a história através de imagens e, para tal, vasculhamos imagens e fotografias2 publicadas nos periódicos do estado do Rio Grande do Sul2 durante os meses que antecederam a instauração do regime militar no Brasil. O processo de análise de imagens é como uma "dissecação" seguida de articulação, cujo objetivo é tornar explícitos os conhecimentos necessários para compreender a imagem (Penn, Bauer & Gaskell, 2002, Barthes, 1984). Como já vimos, este processo envolve duas grandes etapas bastante complexas e complementares: a descrição objetiva da imagem seguida de sua interpretação. Também são referenciais os princípios de oposição (o que vejo explicitamente versus o que não vejo) e de segmentação (o que significa versus o que não significa). Vejamos agora os quatro passos que articularam a análise de imagens fotográficas.

 

A coleção

Organizar uma coleção das imagens recopiladas é o primeiro passo. Uma vez selecionadas e digitalizadas, as imagens foram ordenadas em um banco de dados virtual e categorizadas conforme: a) fonte (nome do periódico em que foram publicadas), b) data de publicação, c) número seqüencial em ordem crescente (conforme a aparição na sequência do periódico), d) tipo de imagem (publicitária, jornalística, charge).

 

Inventário denotativo

O inventário denotativo compreende a descrição da imagem denotada, a objetivação do 1º plano. Faz-se a identificação dos elementos objetivos da imagem: figuras contidas nos diferentes planos, formas, adereços. O estágio denotativo da análise é a catalogação do sentido literal do material, a descrição dos elementos óbvios que a imagem apresenta. Se a imagem inclui texto o mesmo deve ser descrito como parte fundamental de sua composição.

 

Níveis de significação

Esta parte da análise parte do inventário denotativo. É a hora de fazer a cada elemento descrito (denotado) uma série de perguntas: o que os elementos descritos conotam? Como se relacionam entre si? Que conotações culturais e contextuais estão explicitadas no material? Deve-se prestar às correspondências e correlações entre as diferentes imagens que compõem a coleção.

Esta etapa prevê explicações desde o ponto de vista histórico. O âmbito da conotação vai englobar conhecimentos socioculturais, exigindo ir além das explicações linguísticas descritas no plano denotativo. Tudo vai interessar à análise conotativa. O conveniente nesta etapa é interpretar a imagem: contrastar elementos em destaque com aqueles contidos em outros planos, considerar os termos de efeito, as conseqüências da imagem no/a observador/a, destacar as nuanças subjetivas, pois a "agudeza da percepção aumenta à medida que nos afastamos do centro" (Baxandall, 2006:38). Uma alternativa pertinente à pesquisa é o registro de nossas impressões no momento mesmo em que vemos a imagem, uma espécie de "diário de campo subjetivo" onde registram-se sentimentos e impressões suscitados, ou seja, os "pequenos orifícios" pelos quais nossa subjetividade dialoga com a imagem.

 

Mapa categorial

O mapa categorial refere-se à elaboração de uma matriz onde se identificam as categorias que reúnem os elementos de conexão, os pontos de fusão encontrados entre as diferentes imagens analisadas. Olhando o mapa temos uma visão global, ainda que sintética das categorias oriundas da análise efetivada. As categorias são formuladas a partir de similitudes e diferenças que permitem associá-las em segmentos analíticos. A matériaprima do mapa, o sintagma inclui aquelas explicações de inter-relação entre os elementos das imagens, suas correspondências e contrastes. O sintagma se dá pelo "agenciamento" (Barthes, 1971) momento de traçar regras associativas capazes de reconciliar, reintegrar os segmentos, as unidades analisadas, num todo maior, reconstruindo o objeto estudado.

 

 

Ao organizar as imagens recopiladas e capturar sua lógica interna, efetiva-se uma coleção de instantes do passado no presente, arrancando da fotografia sua inércia, transformando-a em biografia, em veículo capaz de narrar uma história. Conforme Rodrigues (1999) as histórias efetivas jamais estão em atraso.

A fotografia é um "equipamento coletivo de enunciação" (Guatari, 1996), pois faz retornar o mundo em suas formas originais, carrega consigo uma data, desvendando processos de subjetivação. A fotografia é uma âncora do real: atravessa sentidos, afetos, cognição e religa os acontecimentos, os sentidos à história. É, pois, um dispositivo de memória coletiva, uma prova de presença já que não podemos negar "que a coisa esteve lá" (Barthes, 1984).

A seguir, apresentamos em detalhe nossas categorias analíticas. Não obstante, cabe salientar que as imagens contidas serão ilustrativas das categorias analíticas, pois para cada segmento analítico contou-se com um conjunto de imagens muito mais amplo.

 

Militarização social: disciplinando mentes e corpos

O projeto moderno preparou seus membros para o trabalho industrial e o serviço militar. Ambos, em parceria, pareciam consolidar as estruturas capazes de instaurar a reforma necessária às novas sociedades, à modernização. O primeiro, dado seu potencial de inovação, prometeu apagar dos cenários sociais o velho, instaurando o novo em seu lugar: chegara o progresso e era preciso modernizar-se ou render-se ao obsoleto, estar em descompasso. O segundo, prometeu instaurar a ordem, varrendo do mesmo cenário o caos, a desordem e a rebeldia. "Era o corpo do potencial operário ou soldado que contava; era o espírito que tinha de ser silenciado e, uma vez silenciado, podia ser excluído do cômputo como algo sem conseqüência" (Bauman, 2007:145).

A equação "ordem e progresso" era a lógica adotada para estruturar a nação. A manutenção da ordem era uma estratégia de fortalecimento da identidade nacional, tão necessária ao Estado. Segundo Ianni e Bastos (1985) há um fio de continuidade militarista que tece a larga história do Estado autoritário, ligando passado e presente, região e nação, sociedade civil e Estado, militares e burgueses. Tal Estado, por si e pela voz dos seus defensores têm consolidado a idéia de que a intervenção militar no processo político garante a tranqüilidade, a paz social, a estabilidade política, a segurança, a ordem, o progresso, o desenvolvimento.

A militarização, condição por excelência de um regime militar, quando instaurada em forma de projeto governamental acaba "atropelando" os espaços políticos próprios da esfera civil. No Brasil, no mínimo dois aspectos foram capilares em tal projeto: 1) o desenvolvimento econômico (visando o progresso) ainda que para isso fosse preciso adquirir e incrementar a dívida externa e 2) a militarização da política (a fim de controlar o social e manter a ordem).

Com freqüência, os dois aspectos combinados apresentam efeitos perversos. De um lado, em prol da ordem, a sociedade sofre a repressão política e, de outro, em prol do progresso, setores empobrecidos se tornam ainda mais marginalizados. O autoritarismo, braço executor da militarização, supõe a diminuição participativa de diferentes segmentos sociais na vida política da sociedade. O silêncio forçado e a participação política negada acabam sendo o solo ideal para que governos militares, empresários e elites se apoderem de recursos locais e da política como "algo" do qual podem apropriar-se.

Assim, não seria equivocado pensar que a militarização como projeto políticoideológico acaba violando os direitos humanos de forma sistemática, reprimindo a participação ativa da população em movimentos políticos e sociais. Além disto, regimes de exceção justificam seus crimes mediante um aparato legal e instrumental que os legitima. No Brasil esta questão se consolidou mediante diferentes Atos Institucionais (AI) que criminalizavam as lutas sociais a fim de "aprimorar" uma política de segurança nacional anti-subversiva.

A eficácia simbólica do Estado (Chartier, 1990; Certeau, 1982) penetra no imaginário social através da estreita relação entre representações e práticas sociais, ou seja, mecanismos sutis que fazem circular e difundir certos modelos culturais. Neste sentido, as tendências militaristas foram consideradas, pelas elites de mando do próprio regime, um elemento importante de regeneração da nação, um instrumento de reforma social propulsor de progresso, nacionalismo e civismo. Durante a ditadura, a "educação" do povo compreendia um amplo projeto político-social que passava pela instauração da disciplina e do controle (Souza, 2000).

As figuras 1, 2 e 3 mostram as intencionalidades da doutrina disciplinaria apregoada pelo regime. Apesar de tratar-se de três fotos publicitárias4 vemos, em todas elas, o uso explícito de aparatos militares: fardas, cabine de avião (representando uma das três armas: a Força Aérea), uniformes, postura "em forma". Os textos que as acompanham também aludem à mesma premissa ideológica disciplinar: proteção, homens no comando, precisão, postura correta dos corpos.

 

 

 

 

Foucault, ao longo de sua obra, esclarece acerca das diferentes tecnologias de poder. Uma delas opera sobre a vida dos indivíduos, sobre o corpo-máquina, outra sobre a sociedade em geral, sobre o corpo-espécie. A primeira opera através de uma arquitetura disciplinar destinada à docilização, à vigilância e ao ordenamento de mentes e corpos. São as sociedades disciplinares que visam adestrar o sujeito em prol do sucesso do projeto capitalista (Rosa e Neves, 2007).

As disciplinas, diz Foucault (1987:118) são "métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade". O regime de adaptabilidade social (com base disciplinar) acaba constituindo a própria estrutura social deixando a sociedade normalizada, regulamentada.

Ao longo do século XX o poder disciplinar, exercido em espaços confinados, abriria caminho à instauração de sociedades de controle onde o poder direcionado aos modos de vida dos indivíduos se dá de forma muito mais difusa, "formas ultra-rápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado" (Deleuze, 1992:220). Era preciso, segundo Rosa e Neves (2007) controlar o corpo múltiplo social mediante "regulações de conjunto" espalhadas ao longo do vasto tecido social (Foucault, 1988). Neste sentido, é curioso observar que o apelativo publicitário da foto que segue aparece como uma estratégia de instauração de uma política disciplinaria que deveria começar já pelas bases sociais: as crianças.

A propagação da disciplina e do controle como formas adequadas de ser e estar em sociedade contribui de forma efetiva à "invenção de tradições" (Hobsbawm & Ranger, 1997), além de reforçar o imaginário sóciopolítico de uma época: a representação de um corpo organizado, unido e harmônico era, pois o simulacro de como deveria ser a pátria e a nova ordem. A militarização tinha, sem dúvida, finalidades que incluíam o sentimento de patriotismo, o desenvolvimento de virtudes cívicas, a moralização dos hábitos e a disciplina corporal. Tratava-se de um projeto de moralização dos costumes e regeneração da nação aliadas à educação moral e às políticas do corpo.

Não é de graça que o período ditatorial no Brasil tenha ficado popularmente conhecido como "anos de chumbo" (Affonso, 1988). Tal denominação alude à força bruta imposta pela mão-pesada do governo militar que, através da instauração de uma legislação autoritária suprimiu de forma significativa os direitos civis, elevou a repressão policial, manipulou a opinião pública e condenou inúmeras pessoas ao exílio político. Atrás da justificar uma Doutrina em prol da Segurança Nacional um grupo militar abusou do poder político proibindo, calando e/ou torturando. Durante duas décadas o exército, enquanto aparelho regulador do Estado extrapolou nas formas de controlar, vigiar e punir mentes e corpos (Magalhães, 1997; Coggiola, 2001).

 

Estratégias de controle: quem quer manter a ordem?

Em geral os regimes totalitários albergam sequências crônicas e perversas de fatos, justificados na intenção de reformar e controlar. No Brasil a ditadura operada por uma elite de mando representada por generais militares não foi diferente. Segundo Pieranti (2006) é inegável que ao longo da História do Brasil imprensa e poder público mantiveram uma relação de interdependência. O regime militar de 1964 foi um marco na reformulação da radiodifusão e da imprensa.

Os órgãos de imprensa e radiodifusão têm desempenhado papel decisivo na história do Brasil. Jornais, emissoras de rádio e de televisão já foram recentemente apontados como fundamentais para a eleição e para posterior deposição de um presidente da República, Fernando Collor de Melo, e para redemocratização do país. São vistos, também, como veículos decisivos nos momentos pré-golpe de 1964, ao defender, em sua maioria, uma intervenção militar na política brasileira. Anos depois, parte deles tentaria, ainda que submetidos à censura, fazer oposição ao regime que defendera, enquanto outros não hesitariam em se calar diante das evidências de arbitrariedade. Os meios de comunicação são, pois, peça atuante no jogo político, submetidos à regulação e políticas específicas (Pieranti, 2006:2).

No governo de Castello Branco (1964-67) foi criado o Ministério das Comunicações, reforçando a necessidade de que a mídia fosse permanentemente contida. A nova pasta ficou a cargo de oficias militares durante quase todo o regime, reforçando a concepção de que a regulamentação do setor era fundamental à segurança nacional. É fato que, principalmente neste governo, empresas jornalísticas mais críticas foram fechadas e outras, simpáticas ao regime, receberam incentivos. Foi o caso da Rede Globo, criada em 1965: "a política de integração nacional através das comunicações defendida pelos governos militares encontrou na TV Globo uma grande parceira. A emissora logo teria filiais em outros Estados do país, formando uma rede com o aumento de concessões às empresas de radiodifusão outorgadas pelo governo federal" (Pieranti, 2006:9).

Não por coincidência, no período compreendido entre 1967 e 1974 foram criadas nove emissoras de televisão, sendo que seis delas vinculadas às secretarias estaduais de Educação e Cultura e as outras três ao Ministério de Educação. Sem saída, estas emissoras difundiram a política educacional e disciplinar imposta pelo regime. A repressão informativa mudou por completo os rumos da cobertura jornalística e era quase inviável publicar notícias de teor político (Abreu, 2003). Na figura 4 vemos uma seção do jornal destinada exclusivamente à publicação de notícias militares; seção que ocupava as páginas centrais do jornal.

 

 

A prática da censura foi respaldada durante todo o regime por legislações que, todavia, permanecem vigentes. O decreto lei 236/1967 que modificou o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) previa possíveis punições às empresas que investissem contra as bases do novo governo: "a moral, os bons costumes, a disciplina (militar e civil) e a honra nacional, conceitos amplos e, por isso mesmo, submetidos a diferentes interpretações" (Pieranti, 2006:5).

As figuras 5 e 6 denotam o poder da mídia impressa do Estado do Rio Grande do Sul ao banalizar e/ou silenciar conteúdos políticos importantes durante a instauração do regime de exceção no país. A figura 5, por exemplo, apresenta uma charge jornalística que ironiza a situação do presidente João Goulart às vésperas (31/03/1964) do golpe de Estado5. Nesta, vemos um presidente descontraído que brinca com um iô-iô onde se lê a palavra Marinha. A ilustração remete à idéia de um representante político que "brinca" com uma das forças militares, mas sabe-se que nesta época Jango já buscava asilo político no Uruguai devido ao acirrado clima político e a pressão sofrida por parte dos militares.

 

 

Na imagem 6 vemos uma porta chamada Brasil devidamente fechada para o carnaval. Facilmente interpreta-se a ironia: no carnaval o país encontrava-se fechado deixando inúmeras questões, inclusive as de ordem política, do lado de fora, intencionalmente silenciadas pelo governo com respaldo da mídia. Ao povo resta a festa, esta espécie de ócio alienante que contagia multidões e não favorece a informação, a crítica e o debate político

 

 

A mídia no Brasil é facilmente manipulada e sustentada pelos interesses, incentivos fiscais, concessões e verbas oficiais provenientes do poder público. É, portanto, inegável que existe um forte alinhamento ideológico entre imprensa e elite política. A mídia é um recurso poderoso de transmissão de representações e valores dado seu poder de penetração no cotidiano das pessoas. Segundo Borges (2005:78) "previamente selecionadas (as imagens) justificariam a onda golpista que marcou as décadas de 1960 e 1970 na América Latina, assim como a expansão das ditaduras de esquerda no leste europeu e na Ásia, silenciando sobre as diásporas, as perseguições e as torturas dos que ousavam resistir a um mundo bipolarizado".

A mídia funciona como uma espécie de arquivo de discursos que faz circular, junto ao imaginário social, um conjunto de práticas, representações sociais e modelos culturais que acabam legitimando-se na intimidade e no cotidiano de milhões de pessoas.

 

Forças de resistência: das margens ao centro

Uma vez instalada, a ditadura subordinou a cidadania às ordens do governo militar que se caracterizou por um Executivo forte concomitante ao enfraquecimento dos poderes Legislativo e Judiciário. O exército se encarregou, também, de destruir as bases de apoio e resistência dos movimentos sociais, organizações de base e de esquerda (Ventura, 1988; Ribeiro, 1997). Na figura 7 vê-se uma charge do jornal Correio do Povo onde um oficial militar, devidamente fardado, chama a atenção de um sindicalista da CGT, pelas costas e com o dedo em riste, como quem diz: "atenção sindicalistas, estamos de olho em vocês, estamos vigiando as movimentações sociais".

 

 

O regime valeu-se de um mecanismo eficiente e produtivo: a repressão preventiva, que consistia na vigilância e controle cotidiano sobre a sociedade, prática consolidada por uma comunidade de informações. Segundo Magalhães (1997), a comunidade de informações contava com informantes eventuais, espontâneos, remunerados ou não, que por simpatizarem com a ditadura, eram cúmplices do regime. A técnica mais comum era infiltrar-se em locais considerados "perigosos" (universidades, igrejas, sindicatos, comunidades) e suspeitar de todos/as, coletar e arquivar qualquer dado suspeito e logo entregá-los à polícia.

Com o advento da ditadura militar no Brasil, e em nome da Segurança Nacional, instalou-se um complexo sistema repressivo para combater a subversão e, ao mesmo tempo, reprimir preventivamente qualquer atividade considerada suspeita por se afigurar como potencialmente perturbadora da ordem. Dotado de recursos financeiros e tecnológicos [o Serviço Nacional de Informações] era estrategicamente planejado e orientado pela lógica da disciplina militar, com vistas a enfrentar o que seus próprios agentes entendiam como uma guerra revolucionária (Magalhães, 1997:2).

Práticas ativistas, militantes ou não, constituíam um "fazer" político que questionava e resistia ao modelo de repressão imposto. Conforme Arendt (1994) a ditadura, como qualquer outro regime totalitário, é uma prática que aniquila o outro, vendo-o como inimigo, adversário, uma prática autoritária que intensifica o conflito e a oposição entre segmentos sociais divergentes.

Na figura 8 vemos o autoritarismo operado pelo círculo militar. A manchete que acompanha a imagem "farto material subversivo foi apreendido" evidencia as medidas tomadas a fim de assegurar a ordem pública. O tenso clima político do prégolpe contribuía para que a centralização do poder se intensificasse e a repressão política se tornasse ainda mais efetiva. O trabalho ideológico do governo militar pautou-se na lógica da suspeição e na ortodoxia terrorista. Apoiados na premissa de manutenção da ordem e da segurança nacional o poder instituído difundia um conjunto de representações junto à população.

 

 

Na coleção de fotos analisadas vimos o uso abusivo e até propagandístico dos termos "comunistas, subversivos, anarquistas, terroristas, esquerdistas" ao tratar os grupos que criticavam ou resistiam ante o sistema. De forma recorrente, ditos termos, propagavam uma espécie de "temor social" que exigia do governo militar o controle e a punição daqueles grupos que desestabilizavam a homeostase social. Durante todo o período ditatorial acompanhou-se a emergência de grupos mobilizados resistentes (estudantes, mulheres, sindicalistas) que, comumente, foram denominados "força subversiva". Eram grupos organizados que denunciavam os perigos e silêncios do golpe, assinalavam ruptura e eram duramente capturados ou castigados pelas "forças de controle" mediante práticas coercitivas e estratégias de dominação.

A foto da capa (figura 9) chama atenção pelo teor de seu conteúdo. Publicada no dia em que estoura o golpe militar (1º de abril de 1964) registra agrupamentos de pessoas nas ruas de Porto Alegre que, provavelmente, estavam ali para assistir ao vivo aqueles acontecimentos. Mas, estas pessoas são tratadas pelo jornal como arruaceiras. A manchete "arruaça nas ruas" denota a linguagem típica da ortodoxia ditatorial que propagava um clima de ameaça e desconfiança permanente.

 

 

O contexto político é um fator estrutural que promove ou limita a ação coletiva, mas a própria sociedade civil vai criando canais de acesso à participação política (Klandermans, 1994; Gamson, 1999; Hunt, 2001). A percepção de injustiças sociais, componente essencial da mobilização, faz com que a sociedade se organize politicamente "fora" do Estado, pois o político é um efeito, é a desembocadura do social. Neste sentido, o político é entendido como um território de potência capaz de localizar e denunciar as falhas do sistema e as artimanhas do Poder instituído como força normativa externa.

 

Considerações finais

Este diálogo teórico-empírico não termina aqui, pois como dissemos no decorrer deste artigo, a pesquisa psicossocial deve estar ancorada no espaço e no tempo. A análise semiológica de imagens pode ser um instrumento potente na pesquisa psicossocial, principalmente se compreendido seu código conotativo. É a conotação que permite que a "leitura" da imagem seja histórica, que sejam exploradas em profundidade as práticas sociais e os elementos culturais sintetizados em sua brevidade material.

As imagens analisadas neste artigo conformam registros visíveis de uma parcela da história que viemos contar. A reflexão crítica, forjada no compromisso com a realidade é assumida como uma tarefa intrínseca à Psicologia Social, pois esta é uma área que deve ocupar-se em ampliar os espaços de participação política. Para tal, deve abandonar a tentativa cartesiana de "ser neutra" e empenhar-se em compreender, denunciar e posicionar-se ante os problemas sociais que afetam as sociedades.

A perspectiva tem de ser horizontal, desde os próprios grupos sociais capazes de descobrir e criticar diferentes "territórios de alienação". Para praticar tão árdua tarefa é preciso pesquisar problemas contextuais e detectar as brechas de silêncio que acompanham a história. O olhar atento e o entendimento do fenômeno, antes de buscar causalidades, permitem segundo Ronald Arendt (2007), o acesso à realidade como ela é, como realmente se mostra.

A Psicologia não deve se eximir de sua função social, de pensar os processos de ruptura como dispositivos de mudança, como potencial político transformador. Diante da impossibilidade de encerrar estas reflexões salientamos que tanto a produção de conhecimentos quanto a reflexão intelectual devem operar como instrumentos de denúncia e de intervenção. A produção de conhecimentos é intervenção social na medida em que favorece, através da crítica, a capacidade de re-visitar o passado trazendo à tona lembranças silenciadas.

 

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Endereço para correspondência
Aline Hernandez
E-mail: alinehernandez@hotmail.com

Helena Scarparo
E-mail: hscarparo@pucrs.br

Recebido em: 02/05/2008
Aceito em: 14/08/2008

 

 

* Possui Pós-Doutorado pela PUCRS na área de psicologia Social e Doutorado pela Universidad Autónoma de Madrid. Atualmente é professora da Pós-Graduação em Educação na FACCAT-RS e pesquisadora colaboradora no programa de Pós-Graduação em Psicologia na PUCRS - Brasil.
** Professora do programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS - Brasil.
1 Pesquisa financiada pelo CNPq.
2 Foram consultadas as publicações diárias dos jornais Correio do Povo, Folha da Tarde e Diário de Notícias relativas aos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 1964. Os periódicos consultados eram considerados de impacto na sociedade da época, pois tinham grande circulação no Estado do RGS. As fontes de consulta encontram-se arquivadas no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa em Porto Alegre, RGS.
4 Fotos publicitárias: a primeira vende o inseticida Flit, a segunda vende relógios Tissot e a terceira vende uniformes Nycron.
5 O golpe acontece no dia 1º de abril de 1964.

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