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Revista Psicologia Política

On-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.8 no.15 São Paulo June 2008

 

ARTIGOS

 

Participação política entre adolescentes em situação eleitoral de voto facultativo

 

Political participation among adolescents in electoral situation of optional vote

 

La participación política entre los adolescentes en situación de la votación electoral opcional

 

 

Julia Brasil; Karina Fonseca; Ágnes Drago; Elisa Vargas; Juliana Freitas; Mariana Bonomo*; Edinete Maria Rosa**

Universidade Federal do Espírito Santo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo visa apresentar e discutir as representações sociais (RS) que adolescentes, com idades de 16 e 17 anos, possuem sobre política a partir de dados empíricos obtidos com 50 adolescentes de uma instituição pública de Ensino Médio em Vitória-ES. Foram realizadas entrevistas utilizando a técnica de associação livre e perguntas com questões abertas. Os termos indutores utilizados para a associação livre foram "política" e "político". Para a análise dos dados, foi utilizado o software EVOC. Verificou-se que os possíveis elementos que organizam a RS dos adolescentes sobre política são: corrupção, eleição, líder. Pôde-se perceber que na RS dos adolescentes, comumente, não foram evocadas imagens positivas da política; quando eram evocados fatores positivos, normalmente estavam ligados a um desejo de mudança ou a maneira que consideram que a política deveria ser. Constata-se que a RS que os adolescentes têm da política e dos políticos gira em torno da corrupção.

Palavras-chave: Representação social, Adolescente, Participação, Política, Político.


ABSTRACT

This article aims to present and discuss the social representations (RS) that adolescents, with ages between 16 years old and 17 years old, have about politics, based on empirical data that have been acquired from 50 adolescents from a public institution of the Brazilian High School system. Interviews have been carried out using the free association technique and a questionnaire with open questions. The inductive terms used for free association were "politics" and "politician". With regard to the analysis of the data, the EVOC software was used. It was possible to verify that the possible elements that organize the adolescents’ RS about politics are: corruption, election, and leader. It could be perceived that the adolescents’ RS, commonly, did not evoke positive political images; when positive factors were evoked, normally they were connected to a desire of changing or the way that they consider the politics should be. It was established that the RS that the adolescents have about politics and about the politicians revolves around corruption.

Keywords: Social representation, Adolescent, Participation, Politics, Politician.


RESUMEN

Este artículo viene apresentar y debater las representaciones sociales (RS) que adolescentes, entre 16 y 17 años, tienen sobre la política a partir de datos empíricos obtenidos con 50 jóvenes que estudian en una intituición publica de enseñanza secundaria de Vitória-ES. Se realizaron las entrevistas con técnicas de asociación libre y preguntas con cuestiones abiertas. Los términos inductores utilizados para la asociación libre fueron "política" y "político". La análisis de los datos fue realizada con el software EVOC. Lo resultado comprobó que los posibles elementos que organizan las RS de los adolecentes sobre política son: corrupción, elección, líderes. Se averiguó también que en las RS de los jóvenes, normalmiente, no foran evocadas imagenes positivas de la política; cuando fueron evocados factores positivos, esos estaban conectados a un deseo de cambio o a como debería ser la política. Concluyese que las RS que los adolescentes tienen de la política y de los políticos están conectadas con la corrupción.

Palabras clave: Representación social, Adolescente, Participación, Política, Político.


 

 

Introdução

A adolescência já foi vista como uma fase natural do desenvolvimento humano, sendo deste modo, considerada universal, e como um período difícil e turbulento. Tal concepção norteia ainda hoje comportamentos e atitudes de pais e orientadores direcionados aos adolescentes, e até mesmo dos adolescentes com relação a eles mesmos. Contudo, essa visão não é suficiente para a compreensão da adolescência (Menandro, 2004).

Dessa forma, o desenvolvimento do adolescente admite diversas significações construídas sócio-historicamente, não se limitando às várias transformações ocorridas na esfera biológica e fisiológica. Acontecem também mudanças de papéis, de idéias e de atitudes, além das alterações biológicas (Martins; Trindade; Almeida, 2003).

Assim, a adolescência e os fenômenos a ela associados são determinados social e culturalmente, sendo transmitidos à criança no processo de socialização, incluindo-se fatores econômicos, psicossociais, políticos e culturais (Oliveira & Egry, 1997; Ozella, 2003). E em diferentes sociedades podem existir concepções distintas sobre adolescência, e mesmo em uma determinada sociedade, num dado momento histórico, é possível existir diferentes pontos de vista em constante transformação, conforme o gênero, a classe social, a religião e a etnia (Oliveira & Egry, 1997). Como nos lembra Peralva (2007) sobre a cristalização histórica das idades da vida,

Nós sabemos, hoje, que as idades da vida, embora ancoradas no desenvolvimento biopsíquico dos indivíduos, não são fenômeno puramente natural, mas social e histórico, datado, portanto, e inseparável do lento processo de constituição da modernidade, do ponto de vista do que ela implicou em termos de ação voluntária sobre os costumes e os comportamentos, ou seja, naquilo que ela teve de intrinsecamente educativo (p. 13).

As imagens de juventude alimentadas no imaginário social ao longo das últimas décadas oscilaram entre o normativo e o desviante, conforme os padrões da ação socializadora de cada tempo histórico, padrões educativos a regerem a vida cotidiana dos indivíduos e a assegurar o controle do corpo social. E os jovens tornaram-se importantes depositários desse confronto, assumindo, em muitos momentos, relevos de uma patologização cristalizada no próprio conceito de juventude, mas que na realidade refletia o conflito entre os interesses do Estado e o desejo de transformação social e uma vida livre pelos cidadãos brasileiros.

Em resgate realizado por Abramo (2007), podemos acompanhar essa construção representacional do universo juvenil: dos "rebeldes sem-causa" dos anos 50, imagem corporificada pelo fantasma da transgressão e do desvio associado ao comportamento dos jovens; à ameaça a ordem social nos anos 60 e 70, representados na busca concreta de transformações sociais através de diversos movimentos juvenis que marcaram esse período; aos jovens individualistas, consumistas e indiferentes aos assuntos públicos dos anos 80; chegando aos anos 90 com um marco da mobilização juvenil, contudo ainda relacionada ao individualismo, à violência e ao desvio, como nos arrastões, no surf ferroviário, nas gangues e nos atos de vandalismo. Como ainda discutido por Abramo (2007), "fruto de uma situação anômala, das falências das instituições de socialização, da profunda cisão entre integrados e excluídos, de uma cultura que estimula o hedonismo e leva a um extremo individualismo, os jovens aparecem como vítimas e promotores de uma ‘dissolução do social’" (p. 83).

Em levantamento realizado por Bertollo e cols (2007), confirma-se a cristalização da imagem do adolescente/jovem vinculada à idéia de problema, de uma idade da vida que deve ser acompanhada com muito cuidado e vigilância, até mesmo entre as pesquisas realizadas no universo cientifico. Nesse trabalho os autores verificaram que entre as pesquisas realizadas com o universo juvenil (divulgadas em um congresso de Psicologia em 2003), 30.43% encontrava-se entre a temática "Problemas Brasileiros".

O relatório Juventude Brasileira e Democracia: participação, esferas e políticas públicas nos permite vislumbrar a visão dos próprios jovens brasileiros discutindo a realidade política na qual o país se encontra, o que nos leva a questionar o rótulo de apatia política fortemente associado ao mundo juvenil (Ribeiro; Lãnes & Carrano, 2005). Neste trabalho, podemos acompanhar o desejo de transformação da realidade social, apesar da descrença na participação representativa que hoje organiza o nosso sistema democrático.

As respostas relacionadas com a percepção sobre os(as) políticos(as) talvez não expressem necessariamente desinteresse dos(as) jovens pela política ou pela vida pública, mas sim desconfiança e descrédito nascidos daquilo que foi cultivado por sucessivas gerações de "homens públicos" e partidos políticos orientados por interesses privados. O desafio é o de se restabelecer a base de confiança entre os(as) jovens e o exercício da política (p. 78).

 

Juventude, participação e política

A política na visão arendtiana está ligada basicamente a uma prática humana essencialmente acoplada ao poder, mas não qualquer poder, e sim, o poder político. A política se refere às relações de poder no interior de uma sociedade, e se relaciona com a questão da convivência entre os diferentes, assim, "os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças" (Arendt, 1999:22).

Por isto mesmo, afirma Arendt (1994), que no mundo moderno, o uso intenso da violência aponta para um enfraquecimento do poder, ou seja, da política e da participação na vida pública. A esfera pública refere-se à vida comum entre os homens. Nas próprias palavras da autora: "A esfera pública, enquanto mundo comum reúne-nos na companhia uns dos outros" (Arendt, 2004:62).

Afastando-se desta concepção arendtiana, na modernidade, a política é apenas uma função do Estado (e não mais o espaço independente e de liberdade como era para os gregos), porque, dentre outros fatores "as questões antes pertinentes à esfera privada da família transformaram-se em interesse ‘coletivo’" (Arendt, 2004: 42).

Foi com as grandes revoluções Industrial e Francesa que se resgatou a idéia de democracia e com ela a discussão sobre o modo mais correto de governar uma nação (Mendes, 2007). A partir de uma calorosa discussão argumentativa sobre a melhor forma de democracia, àquela que defende a democracia representativa parece ganhar maior respaldo quando se trata de uma nação com "grandes extensões territoriais e de um elevado número de cidadãos a serem governados" (Mendes, 2007: 144).

Nesta transição de uma política cuja inserção era por meio da participação direta, ou seja, pela vida pública (na antiga polis grega) para uma participação representativa, é preciso se questionar se o potencial emancipatório e igualitário foi conservado, cujo fundamento estava presente também nos movimentos que a fizeram surgir (Mendes, 2007).

Nesse modelo de governo representativo, para um bom funcionamento da democracia espera-se que, no mínimo, os cidadãos participem do processo eleitoral de maneira responsável e ativa, apesar de que, "na democracia moderna, a participação direta não pode ser restrita ao momento do voto" (Mendes, 2007:150), visto que nos é assegurada constitucionalmente outras formas de participação "como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei, no âmbito do Legislativo, e os conselhos gestores de políticas públicas e o orçamento participativo, no campo do Executivo" (p. 150). Contudo, ainda podemos expandir nossa reflexão se formos falar de outras formas de participação e organização popular que podem ser entendidas como ações políticas: os movimentos sociais urbanos e rurais, os movimentos estudantis e tantos outros que envolvem uma dimensão coletiva de iniciativa popular.

Segundo Zaguary (1999), aparentemente, na atualidade, não há um interesse geral dos jovens pela política e pelos políticos. Isso mostra a necessidade atual de compreender de maneira mais eficaz como se desenvolvem, nos cidadãos, as atitudes que levam a uma participação no sistema político como um todo. No nosso estudo pretendeu-se verificar a participação dos jovens em uma forma específica de participação que é no processo eleitoral.

Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu art. 14, parágrafo 1° (incisos de I a II) (Brasil, 1988), o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para os analfabetos; os maiores de setenta anos; e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Portanto, constitui-se em sujeitos de nossa pesquisa os jovens na faixa etária de 16 a 18 anos incompletos, ou seja, aqueles que ainda estavam em situação de voto facultativo.

 

O estudo

Para buscar compreender o comportamento dos jovens que estão aptos a participarem com o voto no processo eleitoral é que utilizamos neste estudo a Teoria das Representações Sociais (TRS), que compreende as representações sociais como formas de saber do sensocomum entre indivíduos de um mesmo grupo em relação a um objeto (Jodelet, 1998; 2005). Estas são criadas a partir da cultura e da interação social entre os indivíduos, portanto, para existir representação de um determinado objeto, os membros desse grupo devem falar sobre ele e reconhecê-lo, socialmente, como importante (Martins e cols., 2003 & Sá, 1998).

Consideraremos aqui a abordagem teórica desenvolvida por Jean-Claude Abric, a Teoria do Núcleo Central, que se fundamenta dos conteúdos cognitivos a partir dos estudos das Representações Sociais (RS) (Sá, 1998). Tal teoria visa compreender a composição, o conteúdo e a estrutura das RS, a fim de entender o funcionamento das mesmas. Segundo Martins e cols. (2003) e Sá (1998), Abric sugere que as RS estão em torno de um núcleo central, composto de um ou mais elementos, os quais se organizam e dão sentido às RS. O núcleo central constituise de elementos cognitivos mais estáveis, garantindo a continuidade das RS e os elementos periféricos possuem características mais mutáveis. As condições históricas, sociológicas e ideológicas determinam os elementos do núcleo central e, por isso, estes são coletivamente compartilhados, e mais resistentes a mudanças. Assim sendo, observamos que:

Em torno do núcleo central e como seu complemento indispensável, organizam- se os elementos periféricos que se constituem como a interface entre a realidade concreta e o sistema central, por isso são mais flexíveis e móveis. Dessa forma, em caso de transformações da representação, estas acontecerão primeiramente nos elementos periféricos, pois é no sistema periférico que poderão aparecer e ser toleradas contradições (Martins e cols., 2003:557).

Esta pesquisa teve como objetivo geral conhecer e analisar a Representação Social que os jovens entre 16 e 17 anos de idade têm sobre política e sobre político, uma vez que o voto nessa faixa etária é facultativo. Como objetivo específico pretendeu-se compreender a importância do voto nessa faixa etária, o porquê votar quando não é obrigatório, qual a motivação para votar ou não e o que influencia na escolha dos candidatos; questões relevantes para a sociedade, principalmente em ano eleitoral.

 

Estratégias metodológicas

Esta pesquisa contou com 50 entrevistas realizadas nos dias 20 e 22 de setembro de 2006, aproximadamente 15 dias antes das eleições, com adolescentes de 16 e 17 anos de idade de uma instituição pública de ensino médio em Vitória, ES. Destes, 30 eram do sexo masculino e 20 do sexo feminino. Foi obtido o consentimento da escola e garantido aos entrevistados que seus nomes não seriam divulgados nos resultados do estudo e pedido que eles expressassem o interesse em participar através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

As questões sobre política e político foram investigadas por meio da técnica de associação livre e por algumas perguntas abertas. A associação livre é uma técnica utilizada por Abric (1998) a qual permite coletar os elementos constitutivos do conteúdo de uma representação. Os termos indutores utilizados para a associação livre foram "política" e "político". Para a análise dos dados, foi utilizado o software EVOC (Ensemble de Programmes Permettant L’Analyse dês Évocations).

O EVOC analisa as palavras evocadas em função de dois critérios: freqüência e ordem de evocação. Combinar estes dois critérios possibilita a realização do levantamento dos elementos que mais possivelmente se associam ao termo indutor e, por conseguinte, também permitem o levantamento da organização interna das RS relacionadas a esses termos. Os resultados são apresentados em quatro quadrantes: no primeiro, estão os elementos mais relevantes e, por isso, possíveis de estabelecerem o núcleo central. Estes elementos são os primeiramente evocados e mencionados com freqüência elevada. No segundo e terceiro quadrantes, encontram-se os elementos menos ressaltantes na estrutura da representação, todavia, são expressivos em sua organização. No segundo quadrante estão os elementos que alcançaram uma alta freqüência, entretanto foram citados nas últimas posições e; no terceiro quadrante, encontram-se os elementos que foram evocados com uma baixa freqüência, porém foram citados primeiramente. No quarto quadrante encontram-se os elementos que correspondem à periferia distante ou segunda periferia. Neste quadrante estão os elementos menos citados e menos prontamente evocados.

 

Resultados e discussão

A partir dos dados coletados, pôde-se perceber que todos os entrevistados estavam cursando o Ensino Médio, que 94% deles morava com os pais, que apenas 6% trabalhava e, ainda, que 94% diz ter alguma religião. Quando se perguntou sobre a formação do pai percebeu-se que 50% tinha Ensino Superior Completo e 22% possuía somente o Ensino Médio Completo. Em relação à escolaridade da mãe 46% possuía Ensino Superior Completo e 38% tinha somente o Ensino Médio Completo.

Verificou-se que 34% dos adolescentes entrevistados possuía titulo de eleitor, e iria votar nas Eleições de 2006, sendo que os motivos que eles deram para votar foram: exercer a cidadania; esperança de mudança; interesse em votar; motivação dos pais ou porque tirou o título de eleitor. Os motivos mais citados foram exercer a cidadania (35,29%) e esperança de mudança (47,06%). Já os participantes que afirmaram que não iriam votar (66%), destacaram como razões para isso o fato de: não possuírem título de eleitor (27,27%); não terem informações suficientes (18,18%); não ser obrigatório (21,21%); a burocracia para tirar o título (12,12%); não terem interesse (9,09%); não terem tempo (9,09%).

Quando perguntado se houve influência na decisão de votar ou não, se observou que, dos que iriam votar, 70,6% relatou não ter sofrido influência, e os que afirmaram ter tido influência (29,4%) citaram a família (80%) e os amigos (20%) como os responsáveis por esta. Dos que não iriam votar, 75,75% declarou não terem sido influenciados em sua decisão, já os que disseram ter sofrido influência (21,21%), afirmaram que esta foi devido ao descrédito na política (14,28%), à propaganda eleitoral (14,28%) e a falta de tempo (14,28%).

Ao serem indagados se acompanham o processo eleitoral, e como o fazem, 24% afirmou não acompanhá-lo; 28% disse acompanhar pouco e 48% relatou acompanhar. Dos que acompanham (inclusos os que disseram que pouco), o fazem através de conversa direta com políticos, com outras pessoas, com a família, panfletos, análise de propostas, pesquisas e meios de comunicação. Os meios de comunicação citados foram: jornal, televisão, internet, revistas e rádio. Foram destacados os programas eleitorais incluindo debates dos candidatos.

Quando se perguntou como os adolescentes escolheriam seus candidatos, e o que os influenciaria, foram observados os seguintes fatores: informações e características sobre os candidatos (53,19%), família (46,8%), meios de comunicação (38,3%), pessoas conhecidas (14,89%), político conhecido (6,38%), interesse próprio (2,12%) e religião (2,12%). Notou-se que 20% afirmou não sofrer influência em sua escolha, no entanto, observou-se que muitos destes (70%) citaram alguns dos fatores descritos acima, indicando, portanto, uma contradição.

 

Política e político: imagens da descrença na transformação social através da participação representativa

As Representações Sociais, verdadeiros fenômenos complexos como nos lembra Jodelet (2001), se organizam através de elementos informativos, cognitivos, normativos, ideológicos, crenças e imagens, que dão à nossa realidade cotidiana e histórica um contorno concreto, para assim podermos nos orientar em relação aos diversos objetos sociais. A seguir, apresentamos os elementos associados aos objetos "política" e "político", presentes no imaginário do grupo de adolescentes entrevistados.

Na Tabela 1 está o resultado das questões de evocação, referente ao termo indutor "política", analisado pelo EVOC com a finalidade de realizar o levantamento da organização interna das representações. Os resultados serão expostos em uma tabela de quatro quadrantes organizados em dois eixos. O eixo vertical corresponde à freqüência de evocação das palavras e o eixo horizontal à ordem de evocação. Ao analisar as evocações na Tabela 1, notou-se que os possíveis elementos que organizam a RS de política são: corrupção, eleição, líder.

 

 

Através destes resultados percebeu-se que os adolescentes vêem a política associada à corrupção, uma vez que este foi o elemento citado com a maior freqüência e a maior média de evocação. Logo, a corrupção consiste em um elemento importante na configuração da RS de política destes adolescentes, pois estaria sendo criada a partir da cultura e da interação social destes indivíduos, reconhecendo-a socialmente como importante.

Ao se perguntar os motivos de tais evocações obtiveram-se as seguintes respostas: é o que tem conhecimento (46%); corrupção está presente (22%); descrédito da política e do político (18%); função da política e do político (18%); exercer a cidadania (8%); interesse próprio dos políticos (4%); esperança de mudança (4%); o que veio à cabeça (4%); interesse em período eleitoral (4%); população responsável pela política (2%); desinteresse da população (2%); ineficiência do governo (2%); interferência da política na sociedade (2%). Estes dados corroboram com a idéia de que o contexto histórico, sociológico e ideológico é determinante para o compartilhamento destas idéias acerca da política.

A Tabela 2 ilustra o resultado das questões de evocação referente ao termo indutor "político", analisado pelo EVOC. Notou-se, assim, que os possíveis elementos que organizam a RS de político são: corrupção, desonesto, honestidade, ladrão, representante.

 

 

A partir destes resultados observou-se que os adolescentes associam os políticos à corrupção, assim como visto no caso do termo indutor "política" (Tabela 1). Este elemento foi, novamente, citado com maior freqüência e maior média de evocação. De acordo com Zaguary (1999), existe uma situação de grande descrédito com relação à figura dos políticos e tal situação deve-se a sucessão de escândalos financeiros envolvendo pessoas públicas no exercício de funções que carecem de confiabilidade e ética, e, conseqüentemente, acabam por desiludir todos aqueles, não se deixam passar por cima dos seus princípios morais.

Como justificativa para tais evocações as respostas que tiveram maior freqüência foram: é o que tem conhecimento (40%); descrédito dos políticos (28%); função dos políticos (18%); interesse próprio dos políticos (10%); corrupção está presente (6%); impunidade dos políticos (6%); esperança de mudança (6%); políticos padronizados (4%); descrença na mudança (2%); o que veio à cabeça (2%); compromisso de alguns políticos (2%).

Dessa forma, através da observação dos dados obtidos e da literatura, foi possível perceber que "a evocação da palavra ‘política’ suscita, antes de qualquer outra perspectiva, imagens negativas." (Müxel, 1997:153) Como percebido na representação social dos adolescentes, no geral não foram evocadas imagens positivas da política, quando eram evocados fatores positivos, normalmente estavam relacionados a um desejo de mudança ou como a política deveria ser, a exemplo disso, podemos observar a contradição existente no núcleo central da RS de político, que trouxe as palavras "desonesto" e "honestidade".

A imagem negativa notada sobre a política se deve, em parte, aos próprios políticos que, como visto no estudo de Müxel (1997) "são suspeitos, por causa dos privilégios de que dispõem" (p.153). No Brasil, nos últimos anos, aumentaram os escândalos políticos e financeiros explícitos, culminando em uma perda de confiança por parte dos cidadãos para com seus representantes políticos, o que foi observado, também, neste estudo com adolescentes. Junto a isso está uma política que cada vez mais segue a lógica do mundo do marketing, produzindo imagens "padronizadas", coadunando com a fala de alguns entrevistados. É evidente em nossa sociedade uma crise política.

A perda de credibilidade na política, como vista nesse estudo, faz com que ocorra uma perda de vontade dos jovens em participar do processo eleitoral que é um dos tipos de participação política. Como nos diz Müxel (1997), "a crise da representação política se impõe pelo seu caráter evidente." (p.153) Assim, uma política distante e excludente faz com que a população tenha um sentimento de impotência, uma ausência de controle sobre a realidade política. A política acaba se fechando em suas próprias lógicas, vivendo para si mesma. De tal modo,

Esta perda generalizada de credibilidade estabelece um tipo de ruptura nos laços que podem unir os jovens ao mundo político. Este é percebido como um mundo ‘paralelo’ que suscita cada vez mais incompreensão e em relação ao qual eles têm cada vez mais dificuldade de se identificar e se situar (Müxel, 1997:153).

Com tudo isso, os valores e atitudes dos jovens frente à política mostram, além da desconfiança, do pessimismo e da distância, uma crítica ativa e um desejo de mudança. Os ideais, os sonhos e o desejo de uma sociedade mais justa continuam presentes na vida dos jovens. O que parece ter mudado são os meios pelos quais se pretendem atingir esses ideais (Abramo, 2004).

 

Considerações finais

A adolescência em nossa sociedade ainda é vista de maneira naturalizada, geralmente sendo atribuídas aos adolescentes características que os estigmatizam como rebeldes ou imaturos para lidar com os eventos da vida. Contudo, verificou-se no presente estudo, especialmente diante de temas como política, que os adolescentes de dezesseis e dezessete anos, não obrigados a exercerem o direito do voto, se demonstraram desestimulados diante do atual quadro político brasileiro, não fugindo da tendência de descrédito político presente na maioria da população brasileira; por outro lado, muitos manifestaram também o desejo de mudança desta realidade.

Neste sentido, sublinhamos a importância de se ampliar o universo de análise que envolve o comportamento político dos jovens/adolescentes. Assim, é necessário que haja um questionamento se são somente os jovens que se apresentam desiludidos e desorganizados diante da política ou se toda a sociedade se encontra dessa forma, pois se verifica que o fator idade não é decisivo para acompanhar as mudanças políticas e para opinar sobre elas.

Considerando que a representação social dos adolescentes acerca da política e dos políticos organiza-se principalmente em torno do elemento corrupção, o que corresponde à realidade do nosso país, encontramos nessa dimensão empírica o reflexo da falência dos espaços políticos institucionalizados em nossa sociedade contemporânea. Os grandes ideais projetados como referência de uma sociedade justa e igualitária não foram alcançados e nem se acredita que a instituição, especialmente o Estado, poderá fazê-lo. O que se constata é uma passagem drástica dos grandes projetos coletivos, mobilizadores do povo e de seus representantes políticos, para projetos privados, do político individualmente, claramente ilustrado na perspectiva carreirista que norteia o histórico de muitos candidatos, um notório abandono do compromisso ético-político que deveria orientar a motivação de ingresso e exercício da representatividade política em um sistema democrático.

O universo juvenil, contudo, é ainda um importante depositário desta já histórica crise política. Seria interessante, portanto, realizar pesquisas que investiguem o sistema de valores e crenças que hoje dinamizam a relação dos jovens/adolescentes com o espaço público, procurando entender o campo ideológico que orienta as mais diferentes práticas juvenis (muitas delas sistematizadas através de organizações do próprio segmento jovem) em nossa sociedade contemporânea.

 

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Endereço para correspondência
Julia Brasil
E-mail: julinhaj@hotmail.com

Karina Fonseca
E-mail: kandradefonseca@yahoo.com.br

Ágnes Drago
E-mail: agnesbonfa@yahoo.com.br

Elisa Vargas
E-mail: elisa_debr@yahoo.com.br

Juliana Freitas
E-mail: julibrunoro@yahoo.com.br

Mariana Bonomo
E-mail: marianadalbo@gmail.com

Edinete Maria Rosa
E-mail: edineter@gmail.com

Recebido em: 11/05/2008
Aceito em: 22/07/2008

 

 

* Possui graduação em Psicologia e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente é doutoranda em psicologia na mesma universidade.
** Possui graduação em Psicologia e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo - Brasil - e doutorado em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Espírito Santo no Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento.

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