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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.8 no.16 São Paulo dez. 2008

 

DOSSIÊ

 

Em foco: homofobia nos livros didáticos, um desafio ao silêncio

 

On the spot: homophobis in the didatic books, a challenge to silence

 

En foco: homofobia en los libros didácticos, un reto al silencio

 

 

Cláudia Vianna* ; Debora Diniz**

 

 

Apresentação

No que diz respeito à diversidade sexual, a realidade brasileira é ainda assustadora. Temos um dos maiores índices de assassinatos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais do mundo, somado às diferentes formas de agressão cotidianas por parte de nossas instituições sociais. Essas formas específicas de violência são designadas como homofobia, ou seja, uma atitude de hostilidade à diversidade sexual, que carrega a exclusão de um outro considerado inferior ou anormal.1

No campo educacional, as políticas e as relações escolares pouco escapam desse contexto: também abrigam a homofobia e reforçam práticas heterossexistas de forma sutil ou mais explícita. Contudo, a discriminação convive com sua denúncia e com a forte politização do tema pelos movimentos sociais. No caso das políticas públicas de educação, essas preocupações estão claramente expressas na criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que introduzem a orientação sexual como tema transversal, do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e do programa federal Brasil sem Homofobia: programa de combate à violência e à discriminação contra GLBT e promoção da cidadania homossexual. Recentemente, a Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais reafirmou o compromisso do governo do Brasil com essa população. Em relação à educação, todos os documentos acima referidos enfatizam a importância da formação docente na área da sexualidade e das relações de gênero, o estímulo à produção de materiais educativos sobre o tema, bem como a constituição de equipes multidisciplinares para a avaliação dos livros didáticos, de modo a eliminar conteúdos discriminatórios sexistas, heterossexistas e homofóbicos nos materiais pedagógicos.

Apesar dos significativos avanços, após uma década desde a proposição da orientação sexual como conteúdo escolar nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a abertura conceitual à promoção da diversidade sexual parece não ter sido efetivada para além da desigualdade de gênero no que compete aos direitos sexuais. Ainda é preterida a consideração das orientações sexuais não-heterossexuais e da diversidade de gênero avessas à linearidade da determinação do sexo biológico sobre as apresentações sociais do feminino ou do masculino.

É nesse contexto que os artigos publicados nesta sessão ganham relevância. Com base em pesquisa nacional – intitulada Qual diversidade sexual dos livros didáticos brasileiros?2 –, as reflexões aqui agrupadas examinam sob diferentes ângulos a qualidade discursiva sobre diversidade sexual enunciada em 67 dos 100 livros didáticos mais distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático e pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio entre as escolas públicas do país. Para além da busca de afirmações expressamente homofóbicas, a análise do conteúdo dos livros didáticos primou pela demarcação e crítica de estratégias discursivas que endossassem a naturalização da heterossexualidade e dos estereótipos de gênero, superando a estrita referência às homossexualidades. Tal análise abrangeu o exame das políticas públicas de educação, dos dicionários e dos livros didáticos utilizados nas escolas públicas, das concepções de família e de conjugalidade neles contidas e da reiterada ausência de conteúdos e imagens diretamente relacionados às idéias de diversidade sexual.

Assim, Debora Diniz e Tatiana Lionço, no artigo Homofobia, silêncio e naturalização – por uma narrativa da diversidade sexual, analisam os livros didáticos como ferramentas pedagógicas para a promoção dos princípios estabelecidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e comparam as modalidades discursivas neles contidas aos dicionários utilizados nas escolas públicas. As autoras concluem que, enquanto nos livros didáticos não há injúrias homofóbicas, embora a diversidade sexual apareça naturalizada e obscurecida pelo reforço da heterossexualidade e do binarismo de gênero, os dicionários são mais diretos ao veicularem afirmações expressamente homofóbicas.

Diversidade sexual, educação e sociedade: reflexões a partir do Programa Nacional do Livro Didático, dos autores Roger Raupp Rios e Wederson Rufino dos Santos, examina como a diversidade sexual tem sido abordada pelas políticas públicas brasileiras, com ênfase no Programa Nacional do Livro Didático e no Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio, e ressaltam suas potencialidades e limites quando se trata da superação da homofobia.

Cláudia Vianna e Lula Ramires, no artigo A eloqüência do silêncio – gênero e diversidade sexual nos conceitos de família veiculada nos livros didáticos analisam como a noção de família, amplamente apresentada em grande parte dos livros didáticos, incorpora dimensões contraditórias das relações de gênero na parentalidade e conjugalidade. Apesar dos avanços quanto aos padrões de família veiculados, a presença da diversidade sexual e de famílias homoparentais em imagens ou textos ainda se constitui em um campo de silenciamento e sustenta a possibilidade da homofobia na medida em que exclui outras alternativas.

Finalmente, Malu Fontes, no artigo Ilustrações do silêncio e da negação: a ausência de imagens da diversidade sexual em livros didáticos, analisa os sentidos e as implicações da total ausência de imagens relacionadas à diversidade sexual nos livros, o que também colabora para a manutenção de comportamentos sociais homofóbicos.

Acreditamos, portanto, que o conjunto das reflexões aqui apresentadas contribui para uma apreciação mais exata dos avanços e desafios impostos às políticas públicas de educação voltadas para a superação das desigualdades de gênero e para a afirmação da diversidade sexual, em especial àquelas voltadas para a avaliação, produção e distribuição dos livros didáticos.

 

 

* Organizadora.
** Organizadora.
1 Adotamos aqui a definição de BORRILLO, D. L´homophobie. Paris: Presses Universitaires de France, 2000.
2 O Projeto "Qual a diversidade sexual dos livros didáticos brasileiros?", TC N. 247/07, foi financiado pelo acordo de cooperação PN-DST-AIDS/SVS/Ministério da Saúde/BIRD/UNODC – Projeto AD/BRA/03/H34 Acordo de empréstimo BIRD 4713-BR e executado pela Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, com parceria da Universidade de Brasília, Universidade do Estado de São Paulo, Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A equipe agradece à Editora do Brasil, Editora Dimensão e ao IBEP; às bibliotecas do Centro Educacional Asa Norte, do Centro de Ensino Médio Paulo Freire e Centro Educacional GISNO pelo apoio na fase de coleta de dados.