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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.9 no.18 São Paulo dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Inserção laboral, juventude e precarização

 

Labor insertion, youth and precarization

 

Inserción laboral, juventud y precarización

 

 

Raquel Nascimento Coelho*, I, II ; Cássio Adriano Braz de Aquino**, III

I Departamento de Psicologia Social da Universidad Complutense de Madrid – Espanha
II Agência Española de Cooperação Internacional (AECI) – Espanha
III Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O texto busca analisar os efeitos da nova organização produtiva que afeta alguns coletivos, de modo especial os jovens. Tomando a juventude como uma etapa de transição à vida adulta, e o trabalho como lugar privilegiado nessa passagem, reflete-se sobre a interação entre a inserção laboral e os processos de precarização que têm caracterizado a participação dos jovens no contexto contemporâneo do trabalho. Articulando uma breve reflexão teórica e dados de pesquisas realizadas com jovens, se discute a idéia de uma indissociabilidade entre inserção laboral, precarização e juventude. Ante uma disposição a "naturalizar" essa relação, defende-se a compreensão dos mecanismos que conduzem à superação de um essencialismo e viabilizem pensar alternativas a essa tendência.

Palavras-chave: Inserção laboral, Precarização, Juventude, Trabalho, Transição.


ABSTRACT

The text aims at analyzing the effects of the new productive organization that affect some groups, in particular young people. Taking youth as a transitional stage to adulthood and work as a privileged place in this transition, we reflect on the interaction between labor insertion and precarization processes that characterizes the youth participation in the context of contemporary work. By articulating a brief theoretical reflection and research data carried out with young people, we discussed the idea that labor insertion, precarization and youth are inseparable. In the face of a disposition to "naturalize" this relationship, we defend the understanding of the mechanisms that lead to an overrun of essentialism and allow us to think about alternatives for this tendency.

Keywords: Labor insertion, Precarization, Youth, Work, Transition.


RESUMEN

El texto busca analizar los efectos de la nueva organización productiva que alcanza algunos colectivos, de forma especial a los jóvenes. Reconociendo que la juventud suele ser tomada como un paso a la vida adulta, se busca reflexionar sobre las interacciones entre la inserción laboral y los procesos de precarización que caracterizan la participación de los jóvenes en el mundo del trabajo contemporáneo. Partiendo de una breve reflexión teórica y de datos de investigaciones con los jóvenes, se discute la indisociabilidad entre inserción laboral, precarización y juventud. Ante la disposición en "naturalizar" esa relación se busca comprender los mecanismos que conllevan a la superación de un esencialismo y a la vez permitan desvelar alternativas de enfrentamiento de esa tendencia.

Palabras clave: Inserción laboral, Precarización, Juventud, Trabajo, Transición.


 

 

Introdução

Ao longo dos últimos anos, certo distanciamento das referências da sociedade salarial e a reestruturação produtiva têm lançado, no universo do trabalho, um sem fim de modelos diferenciados de participação no mercado laboral. A introdução das máquinas em substituição ao trabalho humano, a alteração das formas de gerenciamento e o surgimento de práticas de management "avançadas" – aspectos destacados da reestruturação, como afirma Borsói (2005) – configuram um novo cenário, distinto daquele que vigorou no seio industrial e que atingiu seu apogeu com a disseminação dos direitos e garantias sociais vinculados ao modelo salarial, intermediados pela noção de Estado de bem-estar social.

Entre os jovens, de maneira mais geral, assim como entre as mulheres e imigrantes, essas transformações – principalmente seus efeitos mais danosos – parecem estar mais disseminadas. Nesses coletivos, parece configurar-se uma espécie de indissociabilidade, ou pelo menos uma imprecisão dos limites entre inserção laboral e precarização. Isso serve para reafirmar que o impacto das mudanças e os efeitos da precarização são processos que se retroalimentam e privilegiam grupos específicos dentro do contexto social, tornando-os vulneráveis.

Ao tomar a juventude como foco, é possível trazer algumas reflexões teóricas e dados secundários que corroborem essa visão, além de breves ilustrações de duas pesquisas realizadas por nós nos anos de 2005 e 2007, com jovens de uma comunidade de baixa renda da cidade de Fortaleza. O intuito é chamar atenção para essa articulação entre juventude, inserção laboral e precarização no atual delineamento do mundo do trabalho, que tem levado a promover uma espécie de solubilidade entre esses fenômenos. Alertar sobre o perigo de uma naturalização dessa indissociabilidade parece um desafio para as ciências sociais como um todo e, de forma especial, para a psicologia social do trabalho, que, muitas vezes, privilegia a inserção laboral como processo fundamental de ascensão ao mundo adulto.

 

A Inserção Laboral de Jovens: a precarização em processo

Quando se pensa a juventude como um processo de transição para a vida adulta, há o risco de compreendê-la pela sua negação, por aquilo que os jovens não mais seriam ou que ainda não o são. Por outro lado, considerar esse aspecto da transição traz para a compreensão de juventude a idéia de processo, transformação, temporalidade e historicidade (Camarano, Mello & Pasinato, 2004). E, portanto, a partir daí, é possível reconhecer e reforçar a compreensão de que os jovens se constroem em processos de transição e em trajetórias diferenciadas em suas realidades sócio-históricas concretas.

A literatura tanto do campo psicológico como do sociológico traz a inserção laboral como um evento fundamental dentre aqueles que estão envolvidos nessa transição para a vida adulta. Tentar compreender essa inserção dentro de um espectro mais amplo de transição para a vida adulta e, portanto, como um fenômeno relevante na vivência dos jovens, é o que se propõe este texto.

Deve reconhecer-se que – juntamente com o fato de encontrar um trabalho, seja permanente, seja temporário, por meio do qual o indivíduo possa suprir a si ou a uma possível família dos recursos materiais necessários à sobrevivência – também entrariam nesse processo de transição outros eventos como: sair de forma definitiva da escola; formar a primeira união relativamente estável, ou seja, viver com o companheiro em uma mesma residência; e, por fim, ter o primeiro filho (Camarano e cols., 2004; Oliveira; Rios-Neto; Oliveira 2006; Vieira, 2006).

Entretanto, a passagem para a vida adulta, hoje, pode-se dizer que é cada vez menos marcada por uma linearidade do modelo tradicional: saída da escola – inserção no mercado de trabalho – casamento – filhos. Contribuindo nesse sentido, Vieira (2006) traz a idéia de que esses eventos que compõem essa transição estão cada vez mais descolados uns dos outros em nossa sociedade e afirma que dois processos contribuem para esse descolamento: a descristalização e a latência. O primeiro se refere a uma dissociação das diversas dimensões da vida adulta. Haveria, hoje, a possibilidade de experimentar algumas funções próprias dessa vida sem assumir todas como, por exemplo, a sexualidade ser ativa sem necessariamente ter que assumir um núcleo familiar. Já a latência se refere a uma desvinculação entre a habilidade de desempenhar uma função e seu efetivo exercício, prolongando o estado de dependência. É o caso do jovem capacitado para o trabalho que não exerce atividade produtiva.

Esses fenômenos acabam sendo decorrentes de mudanças sociais que englobam as novas perspectivas profissionais, a exigência de um maior tempo dedicado à escolarização, o aumento da expectativa de vida, os próprios padrões de moralidade menos rígidos com relação à sexualidade e tantas outras mudanças aliadas às novas necessidades e exigências contemporâneas que parecem fazer parte hoje do universo de atribuição do caráter de juventude.

Podem-se observar, hoje, indivíduos em vários estágios dessa transição ou pessoas que jamais completarão todo o decurso, o que, no entanto, não significa que elas não atingiram ou atingirão a maioridade. Camarano e cols. (2004) vão mais além ao analisar esses fenômenos, dizendo que não só essas trajetórias juvenis não são mais tão lineares como ganham um caráter de reversibilidade. Essa noção acentua ainda mais a multiplicidade de situações em que as transições para a vida adulta podem ocorrer.

Ao optar por trabalhar com a inserção laboral de jovens, tem-se em mente que ela faz parte de um processo maior de transição que engloba eventos que se influenciam mutuamente. Oliveira e cols. (2006) trazem vários exemplos típicos dessa influência como a questão do nascimento do primeiro filho afetando diretamente nas formas e possibilidades de inserção laboral; a influência que a entrada no mercado de trabalho acaba tendo como um fator que influencia no afastamento da escola; ou a influência entre a permanência mais prolongada na escola e uma melhor inserção no mercado de trabalho.

Portanto, tentar compreender os eventos presentes na transição para a vida adulta e como eles se processam por intermédio da não linearidade, descristalização, latência e reversibilidade é também estar colhendo informações sobre as tendências presentes nos processos de inserção laboral dos jovens.

Dentro da configuração do mercado de trabalho atual, como se pode compreender a posição que os jovens ocupam? Que formas de participação eles estão desenvolvendo? Que tendências estão aparecendo no seu processo de inserção laboral? Como esse processo está sendo afetado pelas transformações do mundo do trabalho? Estas são algumas questões que estão presentes ao se estudar esse fenômeno e que serão tratadas de forma muito pontual a seguir.

Um primeiro dado interessante a ser comentado é que pesquisas realizadas no Brasil apontam que o país ainda está sob o efeito da existência de uma "onda jovem" (Matheus, 2003) – expressão usada para designar o grande índice de natalidade marcado no início e meados da década de 1980 e que teve como resultado um significativo aumento da população juvenil no início do atual século. Esse fato contribuiu para um aumento da presença das temáticas e discussões relacionadas a esse público na academia e na mídia.

A Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios (PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2006) referente ao ano de 2005 apontou que a população jovem de 15 a 24 anos ultrapassou a casa dos 35 milhões. Apesar da limitação de não considerar aqueles sem domicílio, esse valor já representa em torno de 21% da população total, o que já é bem significativo. Essa proporção se repete em várias estatísticas que comparam a população jovem à população mundial, como nas provindas da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2008), por exemplo. Vale ressaltar que, no contexto urbano, a tendência que se apresenta é de crescimento destacado da população jovem, mais acentuado ao que está acontecendo com as demais faixas etárias.

A partir dessa tendência, pode-se dizer que existe uma dificuldade de absorver o contingente de mão de obra que se apresenta ao mercado de trabalho. No passado, o jovem, uma vez alcançado o posto de trabalho, via-o como permanente e nele buscava realizar-se e melhorar sua posição. Na conjuntura atual, essa relação se modifica, assumindo um caráter de insegurança e de grande mobilidade ocupacional. Surgem novas formas de participação, nas quais os indivíduos tendem a inserir-se no mercado com contratos de trabalho atípicos ou mais flexíveis, em tempo parcial, por tempo determinado, temporários e com subcontratação, ou formas mais débeis de vinculação, o que pode ser resumido como uma clara inclinação à precariedade laboral. Além disso, aparecem outras formas de participação que se colocam como alternativa a essa condição, mas que são ocultadas, ou seja, são formas de trabalhos pouco reconhecidas pela sociedade, como os catadores de lixo, os "flanelinhas", os limpadores de vidro nos sinais, entre outros, que estariam no limite de uma marginalidade do modelo laboral1.

A situação dos jovens é bem mais precária que a dos adultos, pois as chances de aqueles estarem desempregados são três vezes maiores do que estes, tanto no cenário mundial como no nacional, segundo as estatísticas da OIT (OIT, 2008). Apesar de a capacidade de incorporação dos jovens no mercado de trabalho ser mais limitada, essa condição de estar desempregado tem suas especificidades. Camarano e cols. (2004) mostram que, aproximadamente, 43% dos jovens que estão procurando trabalho ainda freqüentam a escola e, provavelmente, moram na casa dos pais. E parte daqueles contabilizados como desempregados pode estar na condição de espera de uma oportunidade melhor no mercado. A autora também afirma, em sua pesquisa, que o desemprego incide mais sobre os grupos de escolaridade baixa e/ou mediana, aqueles com uma média de 5 a 11 anos de estudo. Ela acredita ser possível que tal comportamento tenha relação com o fato de que os jovens com baixa escolaridade tendem a aceitar mais facilmente as oportunidades que aparecem, ficando menos tempo à procura de emprego e, portanto, menos tempo sendo considerados como desempregados. Por outro lado, os jovens com escolaridade mais alta tendem a ser mais seletivos e a ficar mais tempo à procura de emprego, esperando por melhores oportunidades e uma inserção mais adequada à sua escolaridade.

Talvez esse fenômeno aconteça não somente em relação à escolaridade, mas à própria condição social da família do jovem que pode ou não permitir essa seletividade, já que nem todas as famílias têm condições de prescindir da renda proveniente do trabalho desses sujeitos.

É importante pontuar que essa situação de desemprego entre os jovens traz conseqüências negativas no que concerne à sua saúde. A pesquisa realizada por Sarriera e Verdin (1996), mais focada no campo da psicologia, demonstra que jovens desempregados apresentam menor nível de bem-estar psicológico, devido a um sentimento de "vazio" e impotência frente às dificuldades de inserção no mercado de trabalho que os desmotiva para obterem atitudes mais assertivas e perseverantes na busca de atividades laborais. Constata-se, então, que a vivência do desemprego pode trazer um nível de sofrimento aos jovens e ter influências em sua saúde, além de afetar a própria construção da identidade laboral.

Ao contrário da realidade laboral dentro da formalidade, não é tão fácil encontrar dados sobre a inserção dos jovens no mercado informal, muito menos achar informações mais precisas sobre inserções marginais e de exploração, atuações bastante difundidas na realidade brasileira, principalmente entre a população de baixa renda.

No entanto, Sampaio (2006) apresenta uma pesquisa do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) datada de 2003 que nos traz alguns dados sobre informalidade que podem servir como base. Dos 64% dos jovens na faixa etária de 15 a 24 anos, que estavam empregados (ou seja, entre aqueles que estavam registrados), cerca de 48% estavam sem carteira assinada. Entre os que tinham de 18 a 24 anos, o percentual dos sem carteira caía para 43%. A carteira de trabalho não assinada foi a referência adotada na pesquisa para definir os trabalhadores que estão na informalidade.

Na pesquisa "Perfil da Juventude Brasileira"2 de 2005, encontramos que 76% dos jovens (considerando a faixa de 15-24 anos) entrevistados disseram que trabalham ou já trabalharam. Quando se perguntou sobre a condição desses trabalhos, surgiram as seguintes formas de participação: assalariado na cidade sem registro, 37%; assalariado na cidade com registro, 27%; conta própria temporário na cidade (bico/free lancer), 16%; trabalho em agricultura familiar, 5%; assalariado no campo, 4%; conta própria regular (paga INSS) 3%; funcionário público, 3%; os demais constituem outros vínculos. Nessa pesquisa, a informalidade é compreendida de forma mais ampla e atual, não considerando apenas aqueles assalariados sem registro, englobando, segundo a pesquisa, 63% dos jovens, nas variadas e flexíveis condições citadas acima.

Segundo essa mesma pesquisa, a idade média com que o jovem diz ter conseguido o primeiro trabalho, considerado de forma ampla, foi de 15 anos e seis meses. O sexo masculino apresentou uma média inferior em relação ao feminino, ou seja, inserem-se mais cedo e, em relação à formação escolar, quanto maior a escolaridade, maior a média de idade com que os jovens se inserem no mundo do trabalho.

Mais uma vez se confirma que o trabalho faz parte da vivência da juventude hoje no Brasil. E essa presença faz com que se comece a falar em algumas tendências que se apresentam na relação entre o jovem e o trabalho no contexto contemporâneo. Entre alguns autores que abordam essas questões estão: Abramo (2005), Sampaio (2006), Pochmann (2004).

Uma das tendências difundidas é fazer uma comparação entre as variáveis educação e trabalho. Nesse caso, fala-se que quanto menor o grau de instrução, mais cedo os jovens tendem a entrar no mercado de trabalho, e, além disso, o nível de informalidade e precariedade laboral é mais elevado entre os menos instruídos. Eles acabam ocupando vagas de menor remuneração e em posições subordinadas na hierarquia do trabalho. E, com essa baixa escolaridade, fica mais difícil a consecução de melhores trabalhos.

Outra comparação, mas complementar à anterior, relaciona renda e trabalho. Ela faz referência ao fato de que conforme diminui a renda familiar, reduz-se o número de jovens dedicados integralmente aos estudos. Dessa forma, eles entram mais cedo no mercado de trabalho e estão mais expostos ao desemprego e à precarização. O trabalho é visto como uma das poucas condições de mobilidade social. Não há, como entre aqueles provenientes de famílias com média e alta renda, a possibilidade de financiar a sua "inatividade" (Pochmann, 2004) – ou melhor dizendo, um adiamento da entrada no mercado de trabalho –, ou elevar a escolaridade para ter acesso a melhores vagas e remuneração e a postos mais altos na hierarquia. Segundo ele, o funcionamento do mercado de trabalho termina por ampliar as diferenças originárias de uma sociedade de classes.

Os jovens, em si, já são um dos alvos mais atingidos pela flexibilização e precarização laboral, mesmo antes de se considerarem essas variáveis anteriormente apontadas. Um dos fatores que contribuem para que esse fato se mantenha é a questão da experiência, ou melhor, da falta dela, que é uma das características atribuídas a esse grupo no mundo do trabalho. Como vimos, é na juventude que eles começam a buscar o primeiro trabalho. Isso faz com que a inserção do jovem seja ainda mais complicada, pois, além das dificuldades geradas pela própria crise do mercado que afetam não só os jovens, é exigida a experiência como requisito fundamental. E, em sua maioria, a experiência considerada como válida é aquela registrada em carteira de trabalho tanto pelas empresas como pelos próprios jovens, que terminam por assimilar essa exigência sem questionamentos.

Algo que acaba sendo posto como compensação para essa falta de experiência é a educação ou formação mediante de cursos, sejam profissionalizantes, sejam acadêmicos. Há o discurso de que é preciso dominar tudo, ou o máximo, em diversas áreas, para ser competitivo, ou seja, o importante é ser polivalente e generalista. Ana Bock traz uma crítica interessante sobre esse fato:

[...] a educação tem sido usada ideologicamente como um artifício para justificar a existência de desigualdades sociais. Trata-se de um problema matemático: tem-se x números de empregos e y números de pessoas que precisam ocupar as vagas existentes. [...] É sabido que x é menor que y. [...] mesmo que todos sejam qualificados não há espaço para todos. Portanto, a qualificação é necessária, mas resolve apenas um problema individual e não o de todos (2002:14-15).

É seguindo esse pensamento que surge o discurso da empregabilidade, que significa reunir qualidades que capacitem o indivíduo a ser empregado. É importante ressaltar que, se, em princípio, essa noção estava vinculada à compreensão de pleno emprego – melhor opção ao melhor qualificado –, hoje ela implica a possibilidade de estar incluído ou excluído do mercado. Então, aqueles mais preparados terão acesso aos postos de trabalho que surgem, ou seja, estarão prontos para aproveitar e adaptar-se às possibilidades que emergirem.

De forma complementar, há também outro discurso que prega o empreendedorismo. Baseando-se na justificativa de que a oferta de emprego está cada vez menor, a solução é posta no trabalho do autônomo "inovador", que aproveita boas oportunidades. Nesse sentido, sobrevivem os que sabem ter boas idéias e gerenciam-nas com sucesso, ou seja, os melhores, mais qualificados, inovadores, os mais competentes, resumindo: os empreendedores. Cria-se a ilusão de que há um perfil ideal e somente o incorporando pode-se conseguir um lugar no mercado de trabalho. No trabalho autônomo, cabe pontuar que a responsabilidade está exclusivamente no trabalhador, exaltando ainda mais o individualismo, descaracterizando (equivocadamente) o sentido de uma representação coletiva ou sindical e desresponsabilizando o Estado de suas obrigações para com esses trabalhadores.

Não fora a concepção do empreendedorismo já o suficientemente tendenciosa, acresce-se a ela a disseminação de um discurso ideológico pouco crítico sobre a qualidade desse trabalho "autônomo". Sob essa denominação, podem encontrar-se desde atividades de caráter tecnológico e de alto nível de conhecimento até situações onde o risco social e a precariedade da atividade não distam muito dos trabalhos vulneráveis do período pré-industrial, instituindo a máxima dos "work poor"3.

Diante da realidade laboral não muito promissora, uma das opções para os jovens têm sido o engajamento em áreas de voluntariado, terceiro setor e organizações não governamentais (ONGs), como perspectiva de inserção laboral. As próprias entidades governamentais promovem políticas sociais para a juventude, as quais repassam uma grande responsabilidade para as ONGs, no sentido de promover a inserção dos jovens no mercado de trabalho (Singer, 2005 e Baquero, 2004). Ainda que se reconheça nessa forma de inserção uma alternativa cada vez mais difundida, é impossível não olharmos para ela com desconfiança. Não fora o papel político social já bastante discutível, com relação a uma certa desresponsabilização do Estado, o tipo de ocupação gerada é, em sua grande maioria, de natureza débil, levando a disseminação de um modelo precário como forma natural e corrente de participação no mercado laboral.

Seguindo essa mesma perspectiva, Alonso (2000) faz uma análise sobre essa inserção dos jovens em atividades voluntárias no terceiro setor, afirmando que hoje ela se apresenta com uma dualidade marcante. Ele mostra que essa atividade é uma mescla de altruísmo com individualismo. Por um lado, existe uma solidariedade e preocupação com questões referentes à exclusão e marginalidade social, entretanto, muito reduzida à microparticipação, a um sentimentalismo, segundo ele, que não traz uma reflexão política ou ideológica consigo. Por outro, há o fato de que este passa a ser visto como um primeiro espaço de transição ao mercado de trabalho para jovens qualificados e que se encontram sem emprego, sendo uma oportunidade de adquirir experiência, portanto, um espaço a mais. Essa atuação, que é uma forma barata de o Estado passar responsabilidades suas para a sociedade civil, se mostra incapaz de promover reformas estruturais, pois se restringe ao assistencialismo que não entra na questão da redistribuição de renda e fica na realização de políticas paliativas orientadas para a reintegração de grupos marginais. Para o autor, somente o associacionismo voluntário crítico poderia impulsionar a mudança social e o desenvolvimento da cidadania construída por atores sociais concretos.

Logo, ao ter a consciência da crise do contexto que o cerca, o jovem passa a perceber e a temer um futuro de dificuldade de inserção laboral. Diante da falta de perspectiva, os projetos e expectativas se apresentam cada vez mais vagos (Bock, 2002).

Matheus (2003), em sua pesquisa intitulada: "O discurso adolescente numa sociedade na virada do século", encontrou, entre os jovens do estudo, um ceticismo em relação às possibilidades de mudança da sua realidade e às suas possibilidades de inserção social. Isso se manifestou, principalmente, em relação às mudanças amplas do país e da sociedade. Vale ressaltar que essa falta de perspectiva e restrição das expectativas encontradas como resultados da pesquisa não estão somente relacionadas às camadas menos favorecidas. Um outro fator, que acreditamos ser relevante para este estudo, é que o trabalho foi colocado pela maioria como sendo representante da condição para a conquista do reconhecimento e da inserção social. Esses dados só vêm apontar para a importância do trabalho num processo mais amplo de inserção.

No entanto, estamos falando de inserções cada vez mais heterogêneas, o que torna cada vez mais difícil pensar em um modelo, como o do emprego, por exemplo, a partir do que vimos estudando, pois formas mais flexíveis e fragmentadas aparecem a todo instante.

Um fato que contribui para essa heterogeneidade, além da própria configuração do mercado laboral, encontra-se, também, na variedade de sentidos atribuídos ao trabalho por parte dos jovens. Ainda utilizando dados da pesquisa "Perfil da Juventude Brasileira" como ilustração, quando perguntados sobre as palavras que mais se aproximavam do que eles pensavam sobre o trabalho, na soma de duas menções, apareceram as seguintes informações: 64% o veem como necessidade; 55% como fator por meio do qual se conquista independência; 47% o associaram a crescimento; 29% como fonte de autorrealização e 4% o associam à exploração. Seja qual for o sentido adotado, ele vai ter influência direta sobre as opções e escolhas desses indivíduos.

Abramo tece uma interpretação relevante para a compreensão do processo de inserção laboral, afirmando que, "[...] hoje, é mais a falta de inserção pelo trabalho do que o fato de estar trabalhando o que mina a sensação de viver a juventude" (2005:56). Como se percebe, as transformações no mundo do trabalho estão afetando diretamente as formas de inserção laboral dos jovens, que passam a ser cada vez mais parecidas com a própria configuração do mercado: flexível e precária.

Acredita-se, assim como Sarriera, Chies, Falcke, Giacomeli e Silva (2001), que o vínculo com o social a partir do trabalho possibilita um sentido de participação e utilidade. Ele poderá ser possibilitador de construção de identidade conforme puder proporcionar aos sujeitos um sentido de vida. No caso dos jovens, à medida que o trabalho possa ser fonte de informação, de aprendizagem, de novos contatos sociais, ele contribui de forma positiva na construção desses sentidos.

Como os jovens poderão encontrar um sentido de vida através do trabalho, ou melhor, que sentido será esse, frente à possibilidade de desemprego ou de atividades precárias e de pouca qualidade? É importante ter em mente que o ingresso precário e prematuro no mercado de trabalho pode marcar desfavoravelmente a vida laboral do jovem e afetar a sua forma de se ver no mundo, além de demarcar um novo significado para a atividade laboral.

Reconhecendo, como afirma Davia (2004), que a "inserção laboral" é um termo interdisciplinar compartilhado pela economia, sociologia, psicologia, percebe-se a necessidade de trazer essa discussão para o campo da Psicologia Social do Trabalho, demarcando seu viés político, numa forma de avançar em novas frentes que se aproximem do atual cenário do mundo do trabalho, cenário este profundamente distinto do que serviu de base para o desenvolvimento e a disseminação da Psicologia Organizacional do Trabalho.

Ao voltar o olhar para a definição proposta por Vernières (1997) – que compreende a inserção laboral como "o processo pelo qual os indivíduos inativos acedem a uma posição estável no sistema de empregos" (p. 32) –, observa-se que as transformações operadas no mundo do trabalho, principalmente as que atingem os jovens, tornam essa estabilidade quase impossível. A realidade que se apresenta no nosso contexto está repleta de incertezas, dúvidas e instabilidades. Estas são as características mais notórias de um processo de precarização que tem marcado a transformação laboral e os modos de participação de determinados coletivos no novo cenário do mundo do trabalho.

 

A Vivência de um Grupo de Jovens Ante o Processo de Inserção Laboral

A partir de duas pesquisas realizadas com o mesmo grupo de jovens de uma comunidade periférica da cidade de Fortaleza (2005 e 2007), foi possível trazer algumas reflexões sobre a vivência destes no tocante ao seu processo de inserção laboral. As entrevistas foram realizadas com 05 jovens de ambos os sexos, que, em 2005, estavam concluindo o ensino médio e tinham entre 17 e 19 anos. Os mesmos jovens foram entrevistados dois anos e meio depois, num momento de ativa inserção no mercado laboral. O dado mais significativo com relação a essa passagem do tempo residiu na mudança de percepção sobre o processo de inserção. De uma perspectiva inicial, demarcada por muitas expectativas otimistas e idealizadas, passados pouco mais de dois anos, deparou-se com uma expectativa mais realista, embora ainda matizada por esperanças de melhora. Reconhecendo o corte qualitativo e o contexto específico do território onde tais pesquisas foram desenvolvidas, o objetivo de trazer um breve apanhado de algumas idéias visa apenas enriquecer, com o discurso dos jovens, algumas tendências aqui apresentadas.

O primeiro aspecto que pode ser denotado da pesquisa realizada é que o trabalho continua sendo uma categoria central para esses indivíduos. E a forma como o processo de inserção laboral acontece vai trazer implicações importantes nas suas posições de sujeitos, ou melhor dizendo, vai ser fundamental na sua construção enquanto sujeitos sociais. A própria forma como eles vêem o futuro, as suas expectativas e esperanças quanto a uma melhor integração social sofrem interferência direta desse processo. Uma das falas denota esse aspecto: "O trabalho está sendo uma oportunidade de ser vista melhor na sociedade. Por que quem não tem trabalho hoje em dia não é nem reconhecido em nossa sociedade [...] Ele te transforma numa pessoa digna".

Este momento atual, caracterizado por profundas transformações do trabalho, sejam conjunturais ou estruturais, está tornando cada vez mais difícil para o jovem o vislumbre de boas perspectivas de inserção laboral. Ficou evidente, durante a investigação, um reconhecimento dessas dificuldades pelos jovens, as quais, aliadas à sua própria condição social, também vivenciada como difícil, balizaram as suas trajetórias e tendências de inserção laboral.

Ainda que o trabalho esteja presente no discurso dos jovens como um fator que possibilita crescimento, autorrealização e, até mesmo, busca pela realização de planos e sonhos para o futuro, ele é fortemente significado num sentido instrumental. Ele é vivenciado e sentido pelos jovens como um meio necessário para garantir a sua sobrevivência e manter outras esferas de suas vidas. A fala de um dos entrevistados ilustra essa compreensão: "Para mim trabalho é muito gratificante... é também cansativo... é produtivo [...] Eu gosto muito do que eu faço, mas eu esperava ganhar bem mais, né?! Eu não estou trabalhando só por interesse, mas eu estou estudando para conseguir coisas melhores. Tentar conseguir um trabalho melhor, ter uma vida melhor".

Diante das dificuldades apresentadas pelo mercado de trabalho, espaço cada vez mais reduzido para a entrada de novos trabalhadores, os jovens buscam preparar-se para lutar por seu lugar. Inseridos nessa lógica de concorrência desleal, a alternativa encontrada por eles está em dar crédito ao discurso neoliberal da formação e especialização e de trilhar um percurso solitário, profundamente individualizado.

O que se observa como saída escolhida por eles, reflete-se na construção de um projeto pessoal, na maioria das vezes de longo prazo, sobre uma profissão escolhida e na qual pretendem obter realização pessoal. Em longo prazo, pois a sua condição social lhes impossibilita de concretizá-lo no presente. Como se percebe, para a maioria deles, esse plano passa pela especialização universitária. Eles precisam realizar uma atividade laboral no presente que lhes dê condições de ter acesso àquela formação, pois precisam se manter para estudar, pagar um cursinho pré-vestibular ou, talvez, juntar dinheiro para pagar uma universidade particular (dita por eles como mais fácil de passar), por exemplo.

A realização dessas atividades laborais previstas para um futuro mais imediato tem a intenção de ser passageira, apenas uma parte do plano. Com pouca ou nenhuma experiência, os jovens, então, aproveitam as oportunidades que se lhes apresentam. É nesse momento que se acredita que eles estejam mais vulneráveis a uma realidade de precarização. Um dos entrevistados comentava: "O que eu quero é ser professora de biologia. Porque o telemarketing é tipo uma forma objetiva deu entrar naquela área que eu realmente quero ficar, entendeu?! Aí quando eu chegar lá é só tchau telemarketing".

A percepção entre os entrevistados que estavam vinculados a algum tipo de ocupação era a da vivência de atividades desgastantes, repetitivas, com baixa remuneração, que não traziam segurança nem realização pessoal. A permanência nesse trabalho se dava muito pela questão da necessidade, mas também era vivenciado como algo que o jovem em geral tem que suportar se quer ter boas oportunidades no futuro e se, realmente, quer seguir aquele plano de inserção que construiu. Emerge ante essa situação um processo de naturalização da sua condição precária, um fardo pelo qual têm que passar, principalmente, por serem jovens. Essa atitude, denominada de conformista e passiva por alguns teóricos, como Alves (2005), é estimulada, muitas vezes, pelas coerções implícitas na estrutura do mercado, como, por exemplo, os altos índices de desemprego. É também inserida na idéia da indissociabilidade que guia a presente reflexão, a qual articula, juventude, precarização e inserção laboral.

Também foi possível identificar a vivência daqueles que não estavam conseguindo trabalho. Viram-se as dificuldades enfrentadas pelos jovens frente às novas demandas por qualificação (em grande parte universitária), por experiência (com carteira de trabalho assinada, em sua maioria) e por um perfil ideal de trabalhador. A falta de oportunidades gera, nesses jovens que buscam inserirem-se no mercado, sentimentos de impotência, inadequação e de não pertencimento, além de afetar a sua autoestima. Há, mediante essa forma de representação, um processo de aceitação de que a única forma de ter acesso ao trabalho é por meio das atividades precarizadas, pelo menos como condição de inserção do jovem.

Inclusive, um conteúdo bem marcante trazido nas entrevistas foi o de que alguns deles diminuíram as suas expectativas com relação às suas reais possibilidades de inserção e também a credibilidade em suas capacidades. Mesmo afirmando que não pensam em desistir de apostar no seu futuro profissional, apesar de terem que adiar seus sonhos e projetos diante das dificuldades, eles não negam que suas expectativas e esperanças se encontram abaladas.

Algo marcante observado em suas vivências, como conseqüência dessa nova configuração do mundo do trabalho, é que de vítimas eles passam a se considerar culpados. Evidencia-se, tanto nas entrevistas realizadas em 2005 como no retorno em 2007, o fato de os jovens se colocarem numa postura de inteira responsabilização ou culpabilização de si pelo êxito ou fracasso no processo de inserção laboral. Eles buscam falhas em seus comportamentos, atitudes e habilidades para tentar explicar a razão de suas dificuldades. Como ressalta um dos entrevistados: "Eu acho que a dificuldade de entrar no mercado tá só no interesse da gente mesmo. D"eu se interessar na entrada do trabalho, eu fazer algum curso, né? Eu não vejo dificuldade não, apenas se existir curso ou treinamento, ou ensino, dicas ou qualquer coisa, isso já é uma entrada já, saber de alguma coisa".

Identificou-se, ainda, a partir da fala dos jovens, a força que o sistema tem de cooptar a subjetividade dos sujeitos em benefício próprio. Essa cooptação do sistema é, de certa forma, consentida por eles, uma vez que parecem não oferecer resistência, chegando, inclusive, por sua própria autoculpabilização, a fortalecê-lo cada vez mais. É como se eles ratificassem o que afirma Nardi (2006) sobre uma das principais marcas do capitalismo contemporâneo: tentar se apropriar de todas as esferas da vida e fazer com que elas se transformem em fontes de realimentação do próprio sistema.

 

A Precarização: demarcando um modelo de inserção laboral dos jovens

Como já abordado em outros textos, parece importante estabelecer a diferença entre a precariedade – condição mais ou menos estável, a que está submetida uma parcela considerável da população e presente ao longo da história do trabalho – da precarização, processo engendrado no contexto das transformações do trabalho que visa debilitar e fragilizar os vínculos laborais, tendo por referência de superação o modelo de sociedade salarial que vigorou de forma quase hegemônica no século XX.

Ante essas explicações, é possível entender que nosso intuito é tentar desvelar como, na contemporaneidade, as relações entre inserção laboral, juventude e precarização parecem adquirir um estatuto de indissociabilidade e constituir um mecanismo cada vez mais difundido de participação no mundo do trabalho.

Entre o pós-guerra e os anos 1970, a estabilidade laboral era a norma. Esse modelo estável e de certo equilíbrio de forças, mediado pelo Estado e pelas representações sindicais, começou a mostrar debilidades e deu lugar a um progressivo aumento da segmentação laboral e à disseminação de diferentes estatutos no seio da população assalariada. A crise da década de 1970 e o aumento considerável do desemprego conduziram a uma mudança de perspectiva nas formas de inserção laboral.

Rapidamente se percebeu que essas transformações não eram circunstanciais e fruto de uma conjuntura que poderia ser recomposta. O grande mal a ser combatido era o desemprego massivo e, para tanto, era preciso mudar radicalmente o estatuto do "emprego", tal como havia sido estabelecido pela sociedade salarial. Essa máxima abriu o caminho para o processo de fragilização dos vínculos de trabalho em nome de uma falsa garantia de luta contra o desemprego. Como destaca Andrés Bilbao: "Si consideramos el paro como el único problema, cualquier empleo es la solución. Pero ni el paro es el único problema ni cualquier empleo es la solución. Un contrato hoy no es la salida de la inestabilidad sino la consolidación de la inestabilidad. Precisamente, la solución que nos dan contra el paro masivo es la precariedad masiva" (1999:11).

Sob o risco crescente do desemprego, as estratégias de enfrentamento acabaram por privilegiar alguns coletivos em detrimento de outros. Era preciso assegurar, de alguma forma, certa estabilidade para "chefes de família" (obedecendo a uma tendência da dominação masculina e da sua prevalência no mercado do trabalho). Assim, as mulheres e os jovens deveriam ser "sacrificados" em nome de não promover uma ruptura no quadro de equilíbrio já debilitado pela crise.

Quando fazemos referencia aos jovens, temos clareza que, sob essa denominação, há uma grande diversidade de segmentos – gênero, condição social, escolaridade, para citar apenas os mais visíveis. No entanto, isso não inviabiliza refletirmos acerca de uma tendência que se apresenta cada vez mais ampliada sobre esse coletivo.

As formas tradicionalmente precárias de emprego – contratos de duração determinada, tempo parcial, interinos – tornaram-se modelos "naturais" de inserção dos jovens no mercado de trabalho. Não fosse isso suficiente, as políticas públicas voltadas à inserção dos jovens "sofisticaram" ainda mais as formas de participação precária, mediante contratos de aprendizagem, estágios e práticas. Quase todos com baixa remuneração e impregnados da idéia de que esse é o percurso a ser traçado na conquista do emprego estável ou "menos instável".

Curiosamente, opor-se a tais práticas pode remeter a uma "insensibilidade" à necessidade de dar oportunidades. Isso realmente seria plausível, não fosse uma realidade que tende a alongar-se na vida profissional de muitos jovens, quando não – principalmente entre os menos "qualificados" – ser a única forma viável de inserção laboral. Ao processo de precarização, soma-se, então, a marca da descontinuidade.

Em termos gerais e quantitativos, as conseqüências dessa realidade acabam sendo muito menos relevantes do que quando analisadas numa perspectiva mais individualizada ou microssocial e numa base mais qualitativa.

Hoje se percebe a introjeção da noção, a partir do próprio discurso dos jovens, que o caminho natural da inserção no mercado laboral tem como ponto de partida as atividades precárias. O trabalho precário é apresentado, muitas vezes, como um trampolim natural aos empregos mais estáveis. Tal como afirma Voguel (2006), nada mais ilusório, uma vez que o trabalho precário tende a se prolongar cada vez mais e gerar uma seleção impiedosa: uma parte dos jovens será excluída do mercado, inclusive por questões de saúde; uma parte não conseguirá sair de ciclo onde alternam períodos de desemprego a tempo pleno, desemprego a tempo parcial e trabalhos precários; e uma ínfima parte poderá aceder a condições menos precárias de inserção laboral.

Mesmo que se reconheça que o desemprego e a precarização não atingem a todos da mesma forma, parece ter sido traçada uma nova premissa que torna cada vez mais indissociável a relação entre inserção laboral, precarização e juventude. Romper essa tendência, que não é nada natural, parece ser o desafio que se apresenta aos cientistas sociais. A crise econômica financeira revelada em 2008 tornou mais evidente a crise do trabalho que já dura mais de três décadas. Entretanto, ao desmascarar o mercado como entidade autônoma e isenta das intervenções estatais, esse momento instável pode vir a constituir uma oportunidade de virar o jogo em favor do próprio trabalho.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Raquel Nascimento Coelho
E-mail: raquel_coelho@hotmail.com

Cássio Adriano Braz de Aquino
E-mail: brazaquino@ufc.br

Recebido em: 30/04/2009
Aceito em: 30/03/2010

 

 

* Psicóloga e mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará – Brasil. Doutoranda do Departamento de Psicologia Social da Universidad Complutense de Madrid – Espanha,
bolsista da Agência Española de Cooperação Internacional (AECI) – Espanha.
** Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará – Brasil, Doutor em Psicologia Social pela Universidad Complutense de Madrid – Espanha, Pósdoutorado no Departamento de Psicologia Social da Facultad de Sociología y Ciencias Políticas de la Universidad Complutense de Madrid – Espanha (bolsa CAPES/DGU).
1 A idéia de marginalidade laboral é uma noção em construção, toma por base a referência de Castel (1995) acerca dos processos de desfiliação e expõe determinados coletivos a condições profundamente vulneráveis e com grandes dificuldades de participação nos territórios tradicionais do trabalho assalariado. É uma realidade antiga, mas que assume caráter de novidade. É uma compreensão que está sendo trabalhado por nós em outros estudos em vias de public.
2 A Pesquisa "Perfil da Juventude Brasileira" compõe o "Projeto Juventude", executado em parceria entre o Instituto da Cidadania, Sebrae e Instituto da Hospitalidade. Seus dados subsidiam a construção de propostas de políticas públicas para juventude em todo território brasileiro (//www.projetojuventude.org.br/novo/html/pesquisa_int8803.html).
3 Work poor, é uma expressão difundida inicialmente entre os britânicos para fazer referencia aos trabalhadores que mesmo em atividade, auferem rendas tão baixas que os situam em uma condição de pobreza.