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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.9 no.18 São Paulo dez. 2009

 

RESENHA

 

Luta, resistência e cidadania: uma análise psicopolítica dos Movimentos e Paradas do Orgulho LGBT

 

Fight, resistance and citizenship: an psycopolitical analysis of the LGBT Movements and Pride Parades

 

Lucha, resistencia y ciudadanía: una análisis psicopolítica de los Movimientos e Manifestaciones del Orgullo LGBT

 

 

Marco Antonio Bettine de Almeida*

Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – Brasil

 

 

Obra: Luta, Resistência e Cidadania: uma análise psicopolítica dos Movimentos e Paradas do Orgulho LGBT
Autor: Alessandro Soares da Silva
LCuritiba: Juruá, 2008.
514 páginas.
ISBN: 978-85-362-2200-4

 

O livro Luta Resistência e Cidadania, de autoria de Alessandro Soares da Silva (USP-SP), é um trabalho de fôlego, as 514 páginas do livro demonstram a relevância do tema, bem como os diversos assuntos que o autor aborda, oferecendo para o leitor tanto uma leitura histórico-político-social dos movimentos sociais das lésbicas, dos gays, dos bissexuais e dos transexuais (LGBT), quanto uma discussão teórica aprofundada acerca de Luta, Resistência e Cidadania. Ao abordar a questão do Movimento e Paradas, de forma contextualizada às atuais configurações político-institucionais, socioculturais e organizacionais de um mundo heterossexista, o autor contribui sobremaneira para a construção de uma abordagem crítica e processual do fenômeno, constituindo-se como referência obrigatória, tanto para aqueles que buscam orientações e conhecimentos aprofundados sobre o assunto, quanto para os estudiosos dos movimentos sociais.

O grande mérito da publicação reside na abordagem do movimento gay como espaço de construção política e cidadania. Investigar a experiência coletiva do movimento e da parada do orgulho LGBT comporta importante visibilidade no campo político.

O estudo, ao mostrar a experiência dos movimentos LGBTs nas cidades de São Paulo, Madri e Lisboa, possibilita uma visão mais conjuntural do processo de formação da consciência política, conseguindo trazer para análise os caminhos dos movimentos sociais e sua forte ligação com o meio cultural. Mesmo tendo este corte cultural do fenômeno bem claro, o livro traz conclusões que demonstram similitude no processo de construção da consciência política, como, por exemplo, a ideia de construir uma identidade e busca da igualdade pela diferença.

Este aparato teórico amplo de três países possibilitou uma análise mais aprofundada das teorias dos movimentos sociais e compará-las com a realidade social discutida.

A história da homossexualidade, segundo o autor, parte da luta contra a dominação e exploração da sociedade patriarcal e heterossexista, destaca-se a memória política como algo comum dos movimentos sociais para a resistência e mobilização social. A homofobia é fenômeno ancorado em uma estrutura psíquica autoritária, tomando por modelo o padrão normativo heterossexual monogâmico e, sobretudo, patriarcal. Partindo-se dele, o livro estabelece uma norma ou aquilo denominado normalidade. Este pensamento exerce função psicopolítica favorecendo a homofobia. Este fenômeno psicológico e sociológico é construído mediante interação, a partir da internalização da norma da mente homofóbica.

Nos anos 1960 e 1970 a identidade sexual teve um novo princípio organizador do universo sexual, capaz de substituir conceitos como desvio. Os movimentos de resistência política destes coletivos, sobretudo do coletivo gay foram imprescindíveis para esta mudança. A ideia de formar uma identidade sexual abriu novas possibilidades para homens e mulheres construírem e vivenciarem suas sexualidades, bem como para a reorganização das relações de poder que delimitam o campo sexual, e para engrossar o arsenal de tática para enfrentamento de injúrias e violências demarcadores de territórios, na vida cotidiana das minorias ativas.

O estudo destaca os fatores propiciadores da emergência de movimentos sociais com base na orientação sexual e afetiva, além de desvendar a importância destes esforços de resistência e construção da subjetividade. O autor buscou as similitudes entre os vários movimentos particulares valendo-se das memórias dos sujeitos que constroem as suas ações políticas. O esforço do pesquisador Alessandro Soares da Silva foi fundamentar as formas pelas quais os movimentos LGBTs surgiram e como eles se constituíram em sociedades locais, e mais, qual o momento propiciador deste atuar político. Por isso este estudo tem importante papel no desenvolvimento de trabalho no campo dos movimentos sociais e, em particular, para o desenvolvimento de uma psicologia dos movimentos sociais.

O livro debate as questões de movimentos políticos com autores consagrados na literatura mundial, partindo da busca da consciência coletiva, primeiro em Durkheim, posteriormente em Ignácio Martín-Baró (1989) que coloca a consciência coletiva frente a um universo cultural político e individual. Segundo Silva, essa interação das opiniões individuais sobre o universo cultural político e social propicia uma compreensão dos sistemas ideológicos das instituições políticas, verificando-se o confronto entre visões individuais entre estas e o processo de formação da identidade.

No enfrentamento com o sistema social dominante se desestruturam consensos e se estabelecem dissensos de modo que, qualquer mudança na consciência implica em luta simbólica, luta por estabelecimento de hegemonias, de visões de mundo que envolva o significado e interpretações dos fatos, e, portanto, evidenciar conflitos, antagonismos e dissensos. Dessa luta, segundo o pesquisador, emerge um novo sujeito, portador de uma nova consciência, e supõe, segundo a ótica do livro, um processo de formação de consciência política.

O trabalho em análise traz a contribuição de Gramsci, por meio do conceito de formação política, luta, resistência e cidadania como construção afetiva comum, sendo imprescindível um processo de humanização das pessoas que se realiza a partir de uma consciência política. Gramsci, segundo o autor, pondera que a práxis humana desenvolve a consciência política e que funciona como elemento aglutinador da sociedade, materializando-se na ação praxiológica das pessoas envolvidas no processo. Neste sentido, a consciência política não é só o meio de proteção e sim da superação da injustiça, além de ser instrumento político que assegura a soberania popular. Sem a conscientização política não há soberania e nem se pode construir um projeto político socialmente justo.

Um importante estudioso que o pesquisador Alessandro Soares da Silva se debruçou e que propiciou uma integração das diversas referências citadas e pedra angular deste livro foi Salvador Sandoval (1989, 1994, 2001). Cerca de vinte três obras deste autor foram referenciadas no texto. Em linhas gerais a leitura que o pesquisador faz de Sandoval refere-se à identificação dos interesses antagônicos dos adversários, de luta como elemento aglutinador do movimento social e das minorias para a formação de uma consciência coletiva política, apoiandose na ação coletiva. "Sem a noção de um adversário visível é impossível mobilizar os indivíduos e agir as ações contra um objetivo específico" (p. 412).

A luta LGBT é uma luta pela universalização da cidadania construída juntamente com os demais movimentos sociais. Essa construção depende imensamente do exercício de uma cidadania ativa, que tem consciência do direito a ter direito, o que não pode ser reduzido à conquistas legais ou ao acesso de direitos previamente definidos. É preciso que nessa luta que busca um outro mundo, um outro projeto, possa inventar, criar, gerar novos direitos, que refletem os anseios dos movimentos sociais, que são frutos de lutas específicas gestadas na dimensão não alienada da vida cotidiana como propunha Martin-Baró (p. 384).

"Ter direito a ter direito é ter direito ao público" (p. 489). Ter direito ao público é ter direito a constituir-se politicamente enquanto um sujeito que não mais pode ser julgado por uma essência que o condena, mas pelos atos que decorrem de sua ação no mundo, de sua ação consciente no mundo.

Outros temas que estão na mídia e refletem posições do Estado frente a esses grupos minoritários também são destaque, como os preconceitos relacionados ao direito positivado ao reconhecimento das relações entre parceiros do mesmo sexo e ao direito à adoção. Estas intempéries propiciam força para a união do grupo e dos movimentos LGBTs. Construíram as formas deste apelo pela igualdade e o outro reconhecimento da diferença como a construção de discurso e práticas sociais, articulando um Nós, formando uma comunidade política de resistência mediante articulação dos sujeitos coletivos. Este é um processo de conflitos e legitimações desprovidos de conteúdo valorativo a priori, mas construindo em seu processo de formação de um movimento que se designa como favorável ás lutas LGBT.

Deve-se ter claro que as relações humanas são permeadas pelo poder, capaz de produzir desigualdades, mas é preciso se ressaltar que a diferença também participa do caráter íntimo do ser social, pois a diferença não constitui senão a outra face da identidade.

Toda a discussão promoveu um debate acerca da atividade política, afirmando que ela "é sempre um modo de manifestação, que desfaz as divisões sensíveis da ordem policial, ao atualizar uma pressuposição que lhe é heterogênea por princípio" (p. 69). Os Movimentos sociais como movimento da memória, ou melhor, da reconstrução da memória política e coletiva das minorias é a chave para que tais ruídos se tornem espaços políticos e que os desejos de igualdade, equidade e reciprocidade se tornem materiais e transformem a sociedade. "Portanto, faz-se claro que a construção de uma memória política visível se faz por meio da construção de uma contramemória fundamentada em estratégia de visibilidade" (p. 102), sendo as comemorações LGBTs, como as Paradas, fato que faz acontecer e surgir este lócus de encontro e construção de identidade. Neste sentido, para estas minorias as discussões polarizadas político partidária tem pouca relevância, pois os partidos colocam a questão do orgulho Gay em polos de esquerda e direita, não na forma de construção de espaços de identidade política e igualdade. Portanto, o Direito não é somente uma questão legalista, mas sim uma questão simbólica, a mudança social se faz necessária com políticas de equidade. Somente quando se perceber que este movimento encontra-se marcado pelas questões de ordem subjetiva e política, pela diversidade, porquanto a diferença constitui a outra face da identidade, construindo-se ambas na relação entre eu e os outros.

Luta, Resistência e Cidadania: uma análise psicopolítica dos movimentos e paradas do orgulho LGBT é um importante estudo comparativo sobre os movimentos homossexuais no Brasil, Espanha e Portugal, sendo o primeiro do tipo realizado no Brasil. Partindo de análises das paradas de orgulho gay realizadas nesses países, o autor desenvolve um estudo inovador sobre esses movimentos sociais e suas perspectivas, ideologias e metas frente à comunidade gay e às sociedades nas quais estão inseridos. Alessandro Soares da Silva traz uma contribuição importante à literatura sobre o movimento gay: suas origens, dinâmicas e contradições. Ao focalizar a parada de orgulho gay como principal manifestação desse novo movimento social, o autor revela a importância da luta e resistência desse segmento da sociedade, trazendo para a análise um conjunto de conhecimentos necessários para refletir a natureza da luta do movimento gay e suas especificidades em suas demandas, composição e formas de atuação política. É justamente a análise dessa diversidade por detrás da Parada de Orgulho Gay que se faz presente neste movimento social. Visto da perspectiva do estudo dos movimentos sociais "Luta, resistência e cidadania" contribui imensamente para a compreensão da intensa e longa história de movimentos sociais e lutas políticas que caracterizam nossa realidade. Um livro que coloca a imensa Parada de Orgulho LGBT brasileira dentro do contexto de luta, resistência e identidade política.

 

Referências

Martín-Baró, Ignácio. (1989). Sistema, grupo y poder. Psicología social desde Centroamérica II. San Salvador: UCA Ed.         [ Links ]

Sandoval, Salvador. (1989). Considerações sobre Aspectos Microssociais na Análise dos Movimentos Sociais. Revista Psicologia e Sociedade; 7; Set. São Paulo: ABRAPSO.         [ Links ]

Sandoval, Salvador. (1994). Algumas Reflexões sobre Cidadania e Formação de Consciência Política no Brasil. Em M. J. Spink, (Org.),A Cidadania em construção, uma Reflexão Transdisciplinar. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Sandoval, Salvador. (2001). The Crisis of the Brazilian Labor Movement and the Emergence of Alternative Forms of Working-Class Contention in the 1990s. Psicologia Política, 1(1), 173-195.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Marco Antonio Bettine de Almeida
E-mail: marcobettine@gmail.com

Recebido em: 05/12/2009
Aceito em: 26/02/2010

 

 

* Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas e professor-doutor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – Brasil.