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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.10 no.19 São Paulo jan. 2010

 

EDITORIAL

 

A psicologia política no centenário da obra de Le Bon

 

Polítical psychology on the centenary of Le Bon's work

 

La psicología política en el centenario de la obra de Le Bon

 

 

Alessandro Soares da Silva*, I; Celso Zonta**,II

I Universidade de São Paulo USP
II Universidade Estadual Paulista UNESP

 

 

O ano de 2010 traz consigo alguns acontecimentos importantes para a Psicologia Política. Neste ano é o centenário de publicação o livro de Gustave Le Bon Psychologie Politique et Defénse Social. Nele também celebramos os 10 anos de Fundação aAssociação Brasileira de Psicologia Política e da Revista Psicologia Política.

Ao pensarmos o campo, sobretudo balizados por esses dois eventos, nos sentimos chamados a fazer nesse editorial do fascículo 19, volume 10, da RPP algumas breves considerações. Não desejamos aqui realizar homenagens a figuras de pai-fundadores ou coisa parecida. Do nosso ponto de vista, parece problemático pensar um campo dessa perspectiva e, por conseguinte, estabelecer quem seria esse fundador da disciplina. Fazê-lo sempre é temerário por acabar fixando todo um processo que ultrapassa o limite da ação isolada de um ou outro pensador. Esse tipo de posição nos parece uma armadilha bastante atraente as e aos que gostam de justificar a ciência a partir de fatos quase mitológicos. Contudo, e sem que caiamos nesse tipo de armadilha, faz-se mister recordarmos os 100 anos de publicação dessa obra por ser ela a mais conhecida dentre aquelas publicadas nos primórdios da Psicologia Política moderna. Ao lembrarmos o centenário do livro Psychologie Politique et Defensa Social de Gustave Le Bon desejamos recordar os distintos esforços de homens e mulheres para que se estabelecesse um lugar de produção de conhecimento que se dá no interstício disciplinar.

Esta obra de Le Bon foi traduzida a diversos idiomas, entre os quais o Espanhol (1911) e o Português (1921), tendo ela refletido consideravelmente na formação de pensadores interessados em investigar as articulações possíveis entre psicologia e política. Mas Le Bon não foi o primeiro a pensar em uma Psicologia Política e nem mesmo o primeiro a dar-lhe a visibilidade de um titulo em alguma obra de sua autoria. Antes dele houve outros autores que pensaram e nominaram suas obras como Psicologia Política. Lembramos aqui dos trabalhos de Émile Boutmy intitulados Essai d'une psychologie politique d,u peuple anglais au XIXe siécle (1901) e Éléments d'une psychologie politique du peuple américain (1902) ou de Elói Luis André chamado El histrionismo español. Ensayo de psicología política (1906). Em 1908, Vitor de Brito publica no Brasil um livro chamado Gaspar Martins e Julio de Castilhos. Estudo crítico de psychologia política. Certamente, essas obras são menos conhecidas e todas, inclusive a de Le Bon, pouco ou quase nada estudadas. Obras como elas poderíamos encontrar outros países como é o caso do Chile e de Portugal.

Isso aponta, portanto, para um momento das nascentes Ciências Sociais e para o desenvolvimento de uma dada economia política que ordenou o maior ou o menor desenvolvimento dessa nova face da Ciência como tal.

Não obstante a isso, a obra que busca pensar a Psicologia Política com um campo de conhecimento ‘interdisciplinar’ importante foi a obra de Le Bon. Muitas são as críticas que essa obra, e seu autor, recebeu e recebe. Não obstante, nos parece significativo recordá-la nos seus 100 anos.

Temas que levantou Le Bon nessa obra continuam atuais na Psicologia Política, ainda que visto a partir de outros olhares. Sindicalismo, (néo) colonialismos, governaça, e relações internacionais são alguns destes temas que ainda pautam a agenda de investigação de uma disciplina que Le Bon (1910) entendia como sendo, de modo sinônimio, “sciencia do governo” e “[...] tão necessária que os estadistas não a poderiam dispensar” (p. 6). Nesse sentido, podemos dizer que um dos temas que mais se desenvolveu na Psicologia Política brasileira foi o relativo às políticas públicas ou, porque não dizer, a esta sciência do governo.

Isso se pode notar bem quando se observa mais atentamente os grupos de pesquisa que se relacionam diretamente com a Psicologia Política no Brasil. Quem sabe fazer um diagnóstico dessa evolução seria muito interessante, mas, infelizmente, não cabe nesse editorial. Desde que se realizou a reunião de fundação da ABPP na Fundação Escola de Sociologia e Política no dia 10 de dezembro de 2000 até aqui foram muitos os avanços que o campo viveu e para os quais a revista contribuiu imensamente. Quando publicarmos os artigos do fascículo 20 poderemos fazer uma retrospectiva completa deste quadro, bem como uma memória social do que tem sido esses 10 anos da Revista Psicologia Política.

Para iniciarmos a apresentação desse fascículo, recordamos que para Le Bon (1910) “A psychologia politica se edifica com materiaes diversos, de que os principaes são: a psychologia individual a psychologia das multidões e, enfim, a das raças.” (p. 7). E em certa medida algo dessa afirmação se encontra em debate nesse fascículo do volume 10. A obra de Le Bon punha em debate elementos da modernidade frente a um imenso números de mudanças socias vividas na passagem do século XIX para o XX. Nesse sentido, é interessante observar que o fascículo 19 do volume 1º da RPP inicia com o artigo Modernidad y Humanismo en Michel Foucault proposto por Elio Rodolfo Parisi, editor da Revista Electrónica de Psicología Política e professor da USL – Argentina, e por Adrián Manzi, professor da mesma instituição. Em seu texto, refletem acerca das relações que pontuam o desenvolvimento humano na modernidade e que conduzem a uma leitura dos direitos humanos como um dos elementos constitutivos desse desenvolvimento. Os autores apontam para o fato de que neste processo reflexivo se pode deparar com a modernidade como transformação e matizada com as cores do humanismo, o que coloca aos Direitos Humanos como um espaço indistinto na significação de qualquer ação social, política ou econômica.

No artigoRacialismo e Antirracialismo em Discursos de Estudantes Universitário Pedro de Oliveira Filho, Isabella de Oliveira Santos e Michelle Beltrão Soares – UFPE – analisam a produção de sentidos para o termo raça e para alguns termos usados para classificar as pessoas em relação à cor/raça no Brasil. Ao abordarem o conflito entre racialismo e antirracialismo mostram como esse debate é cada vez mais atual e como as discussões levantadas por Le Bon continuam presentes na lista de temas atuais da Psicologia Política. Certamente a abordagem aqui apresentada ao analisarem o discursos de estudantes universitários da Universidade Federal de Pernambuco e nada se posicionam como Le Bon. Quem sabe antes o contrario. Todavia, ao pautarem essa temática nos fazem recordar as questões lebonianas para a psicologia política e esta era uma daquelas que se faziam permanentemente presentes fosse ora de maneira direta ou ora de modo mais sutil. O estudo desses pesquisadores da UFPE aponta para uma polissemia do termo raça no grupo estudado.

Mas essa discussão se estende neste fascículo com outros dois textos que abordarão a questão racial. No seguinte manuscrito, Lia Vainer Schucman – USP – Racismo e Antirracismo: a categoria “raça” em questão, faz uma discussão teórica sobre o uso da categoria “raça” na produção do racismo, bem como na luta antirracista a partir de uma revisão teórica de como o conceito de “raça” não só foi produzido a partir do pensamento acadêmico europeu do século XIX , mas também reproduzido no pensamento social brasileiro. O artigo deixa patente as articulações entre as ideias de raça, cor, estereótipos e representações negativas sobre a população negra. Ao analisar a realidade do racismo no Brasil, a autora mostra como esse fenômeno é atualizado, perpetuado e legitimado.

O terceiro texto deste bloco tratar esse assunto, formando como que um dossiê acerca da questão étnico-racial, é da autoria de Claudia Rosa Acevedo – UNINOVE/USP, Jouliana Nohara – UNINOVE – e Carmen Lídia Ramuski – PUCSP. Essas autoras se propuseram a refletir sobre o estado das Relações raciais na mídia no contexto Brasileiro com o fim de entender como se caracterizam os discursos e as representações das relações raciais entre brancos e afro-descendentes na mídia.

O artigo que segue serve como um elemento mais nesse debate, visto debruçar-se sobre questões bastante hodiernas e que mantém importantes relações com o tema racial. O manuscrito Gênero, Representação Simbólica e Origem Social nos Conflitos entre Médicos e Enfermeira da lavra de Ítala Maria Bazzarell – FCT – e Maria Cristina Sanches Amorim – PUCSP. O manuscrito trata os conflitos entre essas categorias profissionais como fontes de sofrimento a elas próprias, pois conflitos são vistos como característicos de quaisquer organizações capitalistas, mas assumem peculiaridade nos ambientes hospitalares. As entrevistas utilizadas para este trabalho mostram que as representações simbólicas das profissões, as diferenças de gênero e de origem social fazem parte da origem dos conflitos e estariam na genealogia das disputas pelo poder.

O fascículo 19 é concluído com o dossiê Psicanálise e Política: debates sobre a adolescência contemporânea. Nele, encontramos um conjunto de cinco artigos que seguem a tradição dos grandes textos freudianos que tratam sobre a política, do laço libidinal que une os humanos e da essência da dominação que se exerce sobre os mesmos a partir de acordos e representações imaginárias de seu desejo.

Esse dossiê se dedica a analisar a adolescência como fonte geradora e detentora de paradoxos próprios da cultura que exige simultaneamente a adequação e a inovação. Em seus textos podemos observar que a noção da adolescência é tratada como sendo um sintoma da cultura e isso se nota no texto Do Sujeito e o Território das Grandes Cidades. O Adolescente Diante da Ausência do Estado, de autoria de Jorge Broide – UNIBAN. Para esse autor, é urgente entendermos a realidade de jovens em situação de vulnerabilidade nas periferias dos conglomerados urbanos brasileiros e os laços sociais que estes sujeitos constituem em situações sociais críticas. Em Os Intratáveis: o exílio do adolescente do laço social pelas noções de periculosidade e irrecuperabilidade, Miriam Debieux Rosa – USP / PUCSP – e Maria Cristina Vicentin – PUCSP– discutem os modos de gestão social baseados na estratégia de patologizar e criminalizar os jovens. Já o artigo Massacres juvenis e paixão pelo real: o império do sentido e a discussão sobre os impasses do adolescer na atualidade de Roselene Gurski – UFRGS – se debruça sobre a temática dos massacres juvenis como um sintoma do laço social.

Ana Costa e Maria Cristina Poli – UFRGS – autoras de Sexuação na adolescência: um ato performativo, apontam para os processos de performatividade presentes na constituição da identificação sexual e da constituição das estruturas clínicas. O fechamento do dossiê se dá com o texto Crianças e adolescentes na guerra e a relação à ancestralidade de Olivier Douville. Neste, o autor trata do tema da errância de crianças e adolescentes a partir da análise de experiências clínicas.

Vale pontuar que quando foi publicada a obra de Le Bon ou mesmo dos autores que lhe antecederam, a psicanálise não era ainda um referencial consolidado, mas que consolidou-se enquanto uma possibilidade de se observar e analisar os fenômenos que costumamos chamar de psicopolíticos. Certamente a leitura destes textos ponha de manifesto diferenças e antagonismos entre a Psicologia Política Leboniana e a Psicologia Política Contemporânea. E isso será certo, sobretudo por tratar-se de um campo dinâmico e aberto a mudança, cônscio de que ele se constitui no interstício da disciplinaridade e se firma mediante o diálogo entre as distintas possibilidades de produção de saberes sobre os fenômenos coletivos que vivem homens e mulheres na sociedade , complexa para uns, pós-moderna para outros, mas que, indubitavelmente, está marcada pelo signo da transformação.

Parabéns a RPP e parabéns a ABPP. Parabéns a tod@s que contribuíram e contribuem para a construção da Psicologia Política no Brasil.

Boa leitura a tod@s!

 

 

* Editor.
** Editor.