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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.10 no.20 São Paulo dez. 2010

 

ARTIGOS

 

A Política Nacional de Saúde do Homem: necessidade ou ilusão?

 

The National Politics of Men’s Health: necessity or illusion?

 

La Política Nacional de Salud de lo Hombre: ¿necesidad o ilusión?

 

 

Vítor Silva Mendonça*, I, II; Angela Nobre de Andrade**,III

I Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
II Rede de Estudos e Pesquisas em Psicologia Social – Redepso
III Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A saúde do homem surge como questão a ser estudada a partir do comportamento de risco adotado pelos próprios sujeitos do sexo masculino, muitas vezes arraigado pelos ditames de uma masculinidade hegemônica imposta socialmente. Sabe-se que o homem não possui hábitos de prevenção e eles próprios estavam colocados à margem das políticas públicas de saúde. Na tentativa de reverter essa situação o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Saúde do Homem. Este trabalho teve por objetivo avaliar o que pensam os homens a respeito da criação de uma Política Nacional voltada para a saúde masculina. Analisou-se aqui a compreensão de 35 homens, usuários de um serviço de saúde, que identificaram aspectos relevantes para a saúde masculina, podendo servir como incentivo, e características não tão vantajosas ao se considerar uma estratégia de saúde para os homens, devido à manutenção do comportamento social dos homens de não cuidarem da saúde.

Palavras-chave: Gênero, Masculinidade, Saúde, Política pública, Atenção primária.


ABSTRACT

The health of the man emerges as the issue being studied as risk behavior adopted by the subjects were male often rooted in the dictates of a socially imposed masculinity. It is known that the man does not have prevention methods and they themselves were placed in the margins of public health policies. In an attempt to reverse this situation the Ministry of Health launched the National Health Politics of the Man. This study aimed to assess what men think about the creation of a National Politics oriented men’s health. We analyzed here the understanding of 35 men users of a health service which identified issues relevant to men’s health which may serve as an incentive and not as favorable characteristics when considering a health strategy for men due to maintenance the social behavior of men not taking care of health.

Keywords: Gender, Masculinity, Health, Public politics, Primary care.


RESUMEN

La salud del hombre emerge como la cuestión en estudio como el comportamiento de riesgo adoptado por los sujetos eran varones, a menudo sus raíces en los dictados de una masculinidad socialmente impuestas. Se sabe que el hombre no tiene métodos de prevención y que ellos mismos fueron colocados en los márgenes de las políticas de salud pública. En un intento de revertir esta situación, el Ministerio de Salud lanzó la Política Nacional de Salud del Hombre. Este estudio tuvo como objetivo evaluar lo que piensan los hombres acerca de la creación de una política nacional orientada a la salud de los hombres. Analizamos aquí la comprensión de 35 hombres, usuarios de un servicio de salud, que determinó las cuestiones relevantes para la salud de los hombres, que puedan servir como incentivo y no como características favorables al considerar una estrategia de salud para los hombres, debido al mantenimiento el comportamiento social de los hombres.

Palabras clave: Género, Masculinidad, Salud, Política pública, Atención primaria.


 

 

Introdução

Estudos sobre a saúde dos homens vêm ganhando destaque no cenário nacional devido às elevadas taxas de mortalidade e morbidade que afetam esse grupo, assim como a sua baixa procura pelos serviços de atenção primária à saúde. Figueiredo (2005) aponta que o próprio modo de atendimento e a dificuldade de acesso as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) fortalecem esse distanciamento masculino do serviço de saúde, uma vez que o tempo de espera pela consulta surge como incompatível à realidade masculina. Soma-se a esse afastamento, a ausência de programas ou estratégias direcionadas aos homens, favorecendo a maior dificuldade de interação entre a população masculina e os serviços de saúde.

Os fatores geradores do aumento das taxas de morbidade masculina poderiam ser minimizados ou controlados através de práticas cotidianas de promoção à saúde, oferecidas pelas próprias UBSs, destaca Figueiredo (2005). Porém, a inclusão participativa dos homens nas ações de saúde aparece como um desafio para o sistema público de saúde, uma vez que ainda não se concebe a saúde masculina a partir de um escopo mais integral. Essa atenção mais específica produziria um melhor conhecimento das singularidades e ou necessidades masculinas, tanto por parte dos profissionais quanto dos próprios homens (Gomes, 2003).

Outro fator que contribui para a não adesão dos homens às medidas de promoção e prevenção à saúde refere-se ao estereótipo de masculinidade, que se encontra enraizado na cultura, com valores e crenças cristalizados sobre o ser masculino. Ou seja, o modelo hegemônico de masculinidade não admite expressão de fraqueza ou qualquer atributo que sugira feminilidade. Como a noção de doença ou de que se está doente remete à fraqueza e fragilidade, aspectos típicos da feminilidade, passa a ser habitual/natural o comportamento dos homens de não valorizar sua saúde (Sabo, 2000; Connell, 2005; Figueiredo, 2005; Schraiber, Gomes & Couto, 2005).

Connell (2005) revela que esse modelo de masculinidade hegemônica está fundamentado nas relações de classes sociais, em que um grupo social destaca-se na sociedade, de maneira que consegue garantir uma posição de dominação em relação a outro grupo. Ou seja, os homens precisam manter o poder e a dominação nas relações sociais, principalmente sobre as mulheres, sendo um ideal que precisa ser mantido, o que suscita um culto à masculinidade.

Visando reverter tal quadro, que compromete a saúde do homem, o Ministério da Saúde (MS) lançou, em agosto de 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde dos Homens. Esta surge com a finalidade de promover ações que contribuam para a realidade singular masculina, de modo a sensibilizar os homens para o reconhecimento de suas condições sociais e de saúde, desenvolvendo práticas cotidianas de prevenção e cuidados (Brasil, 2009).

 

O SUS e a Política Nacional de Saúde dos Homens

A saúde passou a ser consolidada como política depois da Segunda Guerra Mundial, com o advento do Estado de Bem-Estar Social e dos sistemas de saúde norte-americano e europeu. A partir desse momento, os governos passaram a alocar recursos visando propostas para a saúde da população (Elias, 2008). No Brasil, a política de saúde passou a ter expressão e ganhar reconhecimento e dimensão social após a criação, em 1988, do Sistema Único de Saúde (SUS). Antes deste, a saúde não era pensada como direito, mas pautada no mundo do trabalho e vinculada à Previdência Social, além da subordinação a um sistema de serviços de saúde que se caracterizava pela insuficiência, falta de coordenação e ineficiência (Paim, 2006).

Toda a construção do SUS, com seus princípios e diretrizes, obedeceu ao direcionamento da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que disseminou, por toda a América Latina, o modelo do sistema de saúde inspirado na Inglaterra. Esse modelo é orientado a partir de medidas de racionalização, que são divididas em níveis de assistências primária, secundária e terciária. A organização de cada nível é referenciada por incorporação de tecnologia material, capacitação profissional e perfil de morbidade. Cada nível de assistência incorpora uma densidade crescente de complexidade, que vai do nível primário ao terciário (Elias, 2008).

Os sistemas de serviços de saúde, em diversos países, apresentam duas metas principais: a otimização do estado de saúde da população, pela busca das causas das enfermidades e manejo das doenças e a redução das disparidades entre os grupos populacionais, de modo que todos tenham alcance e acesso aos serviços de saúde (Starfield, 2002). No Brasil, ainda segundo avaliação da autora, por mais que o processo de construção do SUS tenha avançado com a proposta de reorganizar os serviços de saúde do país, muitos desafios são enfrentados para se atingir o funcionamento efetivo, principalmente no tocante às desigualdades de acesso aos serviços de saúde.

Um estudo realizado por Araújo e Leitão (2005), no município de Fortaleza, encontrou que os homens portadores de doenças sexualmente transmissíveis possuem maior dificuldade na interação com o serviço de atenção primária, uma vez que o sistema de saúde brasileiro não apresenta organização estrutural para o atendimento a esses pacientes. Tais dificuldades foram associadas à entrada no serviço, à falta de ações direcionadas aos homens na unidade de referência, à limitação dos horários de atendimento e à falta de preparo dos profissionais para atuar com essa problemática específica. Segundo as autoras, tais situações não favorecem a procura pelo serviço de saúde, aumentando a incidência de morbidade relacionada às doenças sexualmente transmissíveis.

O Ministério da Saúde reconhece a necessidade de maior investimento, visando melhorias no acesso ao serviço de saúde. Nesse sentido, algumas metas foram estabelecidas na tentativa de expandir o SUS com trabalho de qualidade e, entre essas, está a implantação de ações voltadas para a Atenção à Saúde do Homem (Brasil, 2008).

A proposta de uma Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem tem ganhado destaque no cenário nacional, principalmente a partir da 13ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em Brasília, no ano de 2007. Um dos eixos discutidos estava associado à criação do programa de saúde do homem nas três esferas de governos, de forma articulada com outras políticas públicas (Brasil, 2007). Discutiu-se muito a respeito da criação dessa política e em agosto de 2009 o Governo aprova tal iniciativa, com previsão de ser colocada em prática até o ano de 2011.

Suas ações estarão concentradas no recorte etário de homens na faixa etária de 25 a 59 anos, o que corresponde a 41,3% da população masculina ou a 20% do total da população do Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2005. Além de corresponder à parcela preponderante da força produtiva, a política estará também integrada às outras políticas de saúde do País, sobretudo à Política Nacional de Atenção Básica, em consonância com o Programa de Saúde da Família, priorizando o serviço da Atenção Primária do SUS (Brasil, 2009).

A política foi formulada com base em estudos recentes, que trazem informações fundamentadas dos indicadores de enfermidade e mortalidade da população masculina, o que vem reforçar a importância de uma atenção mais integral para que ocorram mudanças no comportamento que os homens adotam em relação à saúde. Tem ainda, o propósito de qualificar os profissionais de saúde para o correto atendimento à saúde do homem, implantar assistência em saúde sexual e reprodutiva, orientar os homens e familiares sobre promoção, prevenção e tratamento das enfermidades que atingem o homem. Sobretudo, objetiva que os serviços de saúde reconheçam os homens como sujeitos que necessitem de cuidados e, assim, incentive-os na atenção à própria saúde (Brasil, 2009).

Visando conhecer o posicionamento dos homens a respeito dessa política, bem como suas percepções sobre práticas e cuidados com a própria saúde, foi realizada uma pesquisa com usuários de uma UBS em Vitória/ES. Espera-se que os resultados possam somar subsídios à organização dos serviços e planejamento das ações de saúde voltadas ao homem.

 

Metodologia

A pesquisa foi realizada em uma UBS localizada no município de Vitória/ES. A opção por tal unidade ocorreu devido à posição de destaque que essa ocupa em relação à realização de procedimentos em homens, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde. Essa UBS atende um território composto de doze bairros, seu serviço funciona das sete às vinte e duas horas, todos os dias da semana, e está organizado no modelo de Estratégia de Saúde da Família.

A faixa etária foi utilizada como critério de seleção dos participantes, de modo que todos os sujeitos deveriam ter entre 25 e 59 anos, abrangendo, nesse sentido, a parcela masculina que será assistida pela Política Nacional de Saúde do Homem. Participaram deste estudo 35 homens usuários da UBS pesquisada, no período de janeiro a abril de 2009. A maioria deles são casados e exercem algum tipo de atividade remunerada, com exceção de quatro que estão desempregados e três aposentados.

A coleta dos dados se apoiou em entrevistas abertas, uma vez que se tinha a intenção de acessar as questões da realidade da saúde masculina e as informações pertinentes construídas nas práticas sociais de cada participante. Nesse tipo de coleta, procura-se estabelecer uma conversa em torno da temática “homens e política de saúde”. Conforme acordado com cada participante, as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra para análise posterior.

Em termos de tratamento dos dados, utilizou-se o método de Análise de Conteúdo, que permite identificar os elementos constitutivos dos discursos a partir da elaboração de categorias, originadas pelo material coletado (Bardin, 1977). Considerando o caráter operacional da análise de conteúdo, essa técnica parte de uma leitura de primeiro plano das falas ou depoimentos, para atingir um nível mais profundo, além dos sentidos manifestos do material. Para isso, é imprescindível articular os enunciados das falas com os contextos culturais e variáveis psicossociais.

A pesquisa foi realizada com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo e da Secretaria Municipal de Saúde de Vitória/ES, seguindo à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que assegura os direitos em respeito aos participantes da pesquisa, como, também, à anuência de cada participante ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Política de Saúde para o Homem: por que para homens?

Inicialmente, os participantes foram convidados a refletirem sobre a existência de uma política de saúde para o homem. Responder a esse questionamento foi extremamente difícil para eles, visto que se torna complicado emitir opinião sobre algo que não faz parte de sua prática cotidiana, aqui em questão o cuidado com a saúde.

Em princípio, aproximadamente dez dos participantes relataram, nos momentos iniciais de reflexão, algumas ideias pautadas na oposição e/ou separação dos serviços de saúde para o homem e para a mulher. Ou seja, para esses participantes, ficou subtendido que haveria uma distinção dos serviços de saúde entre os sexos.

“Só para homem? Específico? Porque a doença que o homem tem a mulher tem também. Pra que separar isso? Não entendi” (S05).

“Bem, nesse caso, como diz o outro, eu não sei nem como dizer. Eu acho que fica um pouco... Sei lá, um lado político, assim... Por exemplo, a mulher... Eu acho que, não sei, possa, sim... Se vai ser uma boa? Vai... E o que que você acha que a população vai reagir? Por que pro homem e pra mulher não?” (S08).

“Rapaz, tinha que ser feito para todos, não tem que ter diferença” (S16).

Após a explicação da questão aos participantes e, de que já existe uma política de saúde para as mulheres, foi nítida a divergência dos homens em relação à política. Por se tratar de uma questão que eles não conseguiam visualizar na prática, alguns usuários foram totalmente contra a ideia. Já outros expressaram que nunca imaginaram essa perspectiva, porém, consideravam interessante para o homem.

É importante notar que os participantes, ao refletirem sobre a existência da política de saúde para o homem, atribuem a diferença de gênero como fator motivador para gerar o conflito de separação do serviço entre os sexos, uma vez que não há necessidade de se demarcar “campos” específicos para beneficiar um em detrimento ao outro, segundo os participantes. E mais, as falas também apontam para uma falta de informação dos participantes de que as mulheres já possuem uma política de saúde para assistir a suas necessidades.

Algumas falas expressam uma contradição dos homens, uma vez que a política, segundo eles, parece uma medida de separação entre os gêneros, refletindo num posicionamento contrário, haja vista que homens e mulheres são acometidos por doenças e não é pertinente essa distinção. Todavia, em outro momento de suas falas, esses mesmos homens expressam que as mulheres têm maior necessidade de atenção à saúde, principalmente devido à “fragilidade feminina”, identificam os participantes. Estas são qualificadas como pessoas que necessitam de mais cuidado, contrariamente aos homens, concebidos como fortes ou “superiores” fisiologicamente.

“[...] elas são mais fragilizadas a certos tipos de doenças e elas não percebem. Os homens não, são mais resistentes. A doença vem e demonstra mais na mulher. Para isso precisam ficar preocupadas com prevenção da saúde” (S13).

Esse modo de pensamento, presente em seis participantes, corrobora as análises de Figueiredo (2005) de que a fragilidade, passividade e debilidade são qualidades atribuídas às mulheres, restando ao homem reprimir qualquer necessidade de atenção à saúde. Para estes homens participantes da pesquisa, é “normal” as mulheres procurarem mais pelo serviço de saúde, uma vez que essas, contrariamente ao homem, têm necessidade de realizar exames periodicamente, como o preventivo, reforçando a ideia de uma maior complexidade do corpo da mulher.

 

Obstáculos Identificados pelos Participantes

Grande parte dos participantes que se opõem à proposta acredita que não há necessidade de uma distinção de política somente para o homem, podendo até ser considerado como preconceito. Ou seja, o homem deve saber quando procurar um serviço de saúde e não o contrário. Segundo esses participantes, um serviço de saúde deveria estar preparado para atender a qualquer clientela, sem precisar de políticas específicas para cada sexo.

“Não, eu acho errado. Existe preconceito nisso aí. Aí, não... Está havendo uma falta de entendimento. Cabe ao homem saber quando deve procurar um serviço de saúde. E o serviço tem a obrigação de estar preparado para receber ele e outras todas que chegarem aqui” (S02).

“Eu acho errado. Por que vai ser só para o homem? Por que vai separar? [...] mas não vejo tanta necessidade, não. O serviço já tem de tudo, pra que ficar separando e separando? Daqui a pouco teremos posto de saúde só pra mulher, outro só para o homem, é loucura” (S03).

Além disso, um participante não percebe uma prioridade para se criar uma política com ações de saúde voltadas para a população masculina, pois considera que é a saúde dos idosos e crianças que precisa de investimento, por se tratar de uma parcela da população que precisa de mais cuidados:

“Não, não, não... Eu acho que, pro meu ver, a prioridade é pros idosos e pras crianças, né? Eu vejo uma prioridade assim no meu ver, as crianças e os idosos precisam de mais cuidado, porque são mais fracas e debilitadas, muitas vezes. Mas, pra outras coisas não tem grandes diferenças, não. Pode ser tudo igual, só mesmo pros idosos e crianças que precisam mais, daí deve ter uma especificação para eles” (S17).

Outra dimensão contrária à criação da política está centrada na possibilidade de ser um serviço desnecessário à população masculina, uma vez que o homem não tem o hábito de cuidar da saúde. Além do mais, de acordo com dois participantes, a UBS pode oferecer o que os homens precisam, sem a necessidade de investimento por parte do governo em uma política que não obteria resultados satisfatórios.

“Eu acho que eles não vêm. O homem é relaxado, pode chamar dez homens que vai vir um, dois, no máximo. Acho que vai jogar dinheiro fora, como o governo faz com muitas coisas, sem necessidade disso” (S07).

“Ah, eu acharia que não faria muita diferença, não [...]. É, mas eu acho o seguinte... Hoje tem muita facilidade... Se a unidade não tem, automaticamente, eles encaminha por outro local que tem, né? Não, acho que, com algo específico para o homem, ele iria procurar. Não procuraria mesmo” (S10).

Tomando como base as articulações de Connell (2005) e Gomes, Nascimento e Araújo (2007), é possível salientar que os depoimentos anteriores podem ser analisados de dois modos. Primeiro, as falas indicam um reflexo da masculinidade hegemônica, que aprisionam os homens em relação a algumas práticas, aqui em questão as práticas de saúde masculina. E segundo, o fato dos serviços de saúde não terem ações destinadas diretamente aos homens, uma vez que essas ações não seriam somente no sentido de promover o cuidado em relação à saúde, mas também com a proposta de estimular e integrar o homem ao serviço, através de palestras, revista em salas de esperas voltadas para o interesse masculino, entre outras, que já poderiam ter sido criadas e colocadas em prática pelo próprio serviço. Ou seja, está havendo uma “perpetuação” da masculinidade hegemônica em relação à ausência no cuidado à saúde, muitas vezes explicada e originada pela inexistência de ações em saúde destinadas aos homens.

 

Benefícios da Política de Saúde Masculina para os Homens

Contrariamente às falas acima, dezoito participantes enfatizaram o grande benefício que o homem teria com uma política desse porte:

“Eu acho que isso seria ótimo pra gente! Muito bom. Eu acho bem vantajoso, uma saúde voltado para o homem. Porque, como a gente vê, tem homens que sentem vergonha de fazer esses exames de próstata. Seria bom mesmo” (S04).

“Ah, seria ótimo, porque a gente, quando procura aqui esses serviços para homem, eles encaminha a gente para outro lugar. Daí, com a saúde voltada para o homem, poderia ter um profissional para atender o homem aqui” (S01).

“Seria uma grande evolução, né? Porque o homem geralmente precisa cuidar mesmo. Porque, se a gente só pensar em trabalho, trabalho, não tem como cuidar da saúde” (S17).

“Tirar essa escuridão que eles veem a cada dia. Acha que o médico é uma coisa de outro mundo. Só vai ao médico quando tá na pior mesmo” (S29).

Quatro participantes mostraram-se surpresos com a possibilidade de os homens terem um programa de saúde voltado para suas necessidades. Para eles, seria uma chance da UBS oferecer atendimento focado nas demandas masculinas, principalmente com um urologista, pois não precisariam ser encaminhados para outro serviço:

“É bem pensando isso. Aqui já tem o GATT [grupo de apoio ao tratamento de tabagismo] que é para fumante, mas não é só para o homem. Eu nunca tinha pensando nisso. É válido, tem que ter uns profissionais específicos para o homem” (S05).

“Nossa! Eu achava muito bom. Eu acharia bom, sabe por quê? Porque nem todo lugar tem, né? Igual assim... Pra mulher tem o ginecologista, na clínica, na unidade de saúde deveria ter um urologista... Pra pessoa, específico, né? Pro tratamento do homem” (S14).

Sete participantes percebem, na política de atenção à saúde do homem, uma forma de incentivar a população masculina a cuidar da saúde, iniciando com pequenos hábitos para mudar algumas práticas de comportamento, no intuito de transformar a imagem hegemônica de masculinidade, articulada por Connell (2005):

“Importante, porque como eu te falei, o homem é bem largado mesmo. [...] os outros homens se sentiriam incentivados para procurar o serviço” (S06).

“É uma coisa diferente, que de repente os homens procuravam mais os médicos. É diferente porque eu nunca ouvi nem falar que isso poderia existir um dia” (S18).

Um usuário foi mais pontual em relação aos benefícios que a proposta poderá trazer aos homens, haja vista que a possibilidade de um local em que o homem poderá buscar informações pode permitir melhoras na saúde. Vale acrescentar que a ideia colocada pelo participante pode ser implementada pelo serviço para tentar atrair a população masculina ao serviço de saúde. Tal ideia corrobora as afirmações de Figueiredo (2005), da possibilidade de cada serviço pensar em estratégias locais para contribuir com práticas mais saudáveis por parte da população masculina:

“[...] porque tem certos assuntos que às vezes os homens não têm tanto acesso à orientação, entendeu? Então, tendo um lugar especializado, poderia estar indo tirando dúvidas para poder resolver os problemas. Um lugar próprio para estar orientando” (S25).

Nota-se, nas falas dos homens, o sentimento de vergonha de ficar exposto. Para Gomes, Nascimento e Araújo (2007), esse sentimento de ter que ficar “à mostra” para outra pessoa é um fator que os próprios homens justificam para não procurar cuidados médicos. Apresentam resistência, principalmente em mostrar partes íntimas do seu corpo, conforme estudo realizado pelos autores sobre os homens da cidade do Rio de Janeiro, para investigar as explicações masculinas sobre a pouca procura por serviços de saúde.

Da mesma forma, para os participantes deste estudo, um programa de saúde voltado para os homens poderia minimizar tal sentimento de vergonha, pois ficariam mais seguros ao saber que o serviço faz parte de um programa próprio para o homem.

“É bom, né? Seria uma forma do sexo masculino ter sua atenção voltada para um tratamento específico. Então, ele estaria mais confiante de se expor e falar o que está sentindo e facilitaria a relação médico-paciente, para um diagnóstico mais preciso. E seria de fundamental importância um serviço desse para o homem. [...] uma boa ideia. Eu aprovaria” (S13).

“Eu acho que já passou da hora de ter esse serviço [...]. Eu não sei se facilitaria, mas ele, tendo em vista que existe esse tipo de serviço intimamente, acho que ele se sentiria mais solto pra estar procurando esse tipo de serviço” (S09).

“Eu nunca parei para pensar nisso, não. Mas, pode ser uma coisa útil. De repente, se tiver um serviço desse só pra homem, ele vai, e pode se sentir mais seguro e menos exposto. Talvez seja isso. Pode ser uma forma de incentivo” (S31).

A propósito, outras questões referidas pelos participantes dizem respeito às circunstâncias que os homens consideram importantes na efetivação da política. O mais interessante é que cada circunstância colocada pelos usuários já se encontra incluída nos princípios e diretrizes estabelecidos para a política, o que ratifica e reforça o compromisso social ao qual a política de saúde do homem se propõe.

As situações a seguir representam o que os participantes julgam relevante para os homens. O primeiro registro fala da necessidade de se incentivar os homens e informar sobre as ações desenvolvidas a partir dessa estratégia. De acordo com a política (Brasil, 2009), um dos seus princípios norteadores é “[...] informar e orientar à população-alvo, [...] sobre a promoção, prevenção e tratamento dos agravos e das enfermidades do homem”. Nesse sentido, o homem estará mais bem orientado sobre as ações e serviços de saúde destinados à atenção integral masculina.

“Não sei se todos os homens tirariam proveito disso. Acho válido realizar uma campanha que incentive ao homem e informe sobre as funções desse serviço. Daí, sim, acredito ser um estímulo ao homem para procurar um serviço de saúde” (S19).

Faz-se, contudo, necessário apontar a necessidade que os usuários mencionam em relação ao atendimento das demandas específicas masculinas realizadas por um médico do sexo masculino. Segundo os próprios homens, existem situações que não relatam nem para as esposas, “Que dirá para uma médica”, afirmam. Por essa razão, consideram relevante e mais confortante a presença de profissionais homens no campo da saúde para atender às demandas masculinas:

“Poderia ser atrativo. Poderia ser isso, e aí eu não sei que médico vai ser. Quais os médicos? Se vai existir médico somente pro homem, ou médica. Porque às vezes tem homem que fica constrangido de falar determinadas coisas pra médica mulher [...]” (S18).

“[...] se eu tiver que me abrir com uma doutora, eu me abro. Mas se tiver uma especificação de um médico especialista para o homem é muito bom, porque a gente se abre, pois tem muitas coisas que a gente não fala nem para esposa, mas, se tem um profissional dessa área masculina, fica melhor” (S12).

Sobre essa situação, pode-se dizer que as dificuldades de interação entre as necessidades da população masculina e a organização das práticas de saúde nas UBSs podem, então, ser reduzidas. Conforme argumenta Figueiredo (2005), tal fato ainda poderá acarretar mudanças de postura dos profissionais, com maior sensibilidade às demandas masculinas.

 

Considerações Finais

Pode-se constatar que alguns participantes não percebem um benefício para o próprio homem a implantação de uma política de saúde específica para o homem. Tal situação pode ser um reflexo da falta de inclusão do homem nos serviços de saúde. Além disso, o fato de se justificar que a criação de uma política de saúde para os homens não deveria ser colocada em prática, pois não deveriam existir desigualdades entre homens e mulheres, só reforça o desconhecimento de alguns homens em relação à assistência a saúde da mulher, uma vez que elas já estão incluídas em propostas estratégicas do MS.

Por outro lado, para a maioria dos participantes, a política poderá trazer vantagens e incentivos aos homens, inimagináveis no momento. Além disso, tal proposta poderá aumentar o fluxo de homens nas UBSs, haja vista que alguns já têm a iniciativa de procurar o serviço, principalmente em busca de urologista para exame de próstata. Não se pode desconsiderar que mudanças em certos modos existenciais trazem consequências, mas, para que estas ocorram, o homem precisa de fato estar inserido e implicado, integralmente, nessa discussão.

Com o estabelecimento do Programa na prática, o MS se compromete a facilitar e ampliar o acesso da população masculina aos serviços de saúde, através de um plano de ação dividido em diversos eixos que serão implantados até o ano de 2011. Nesse sentido, o lançamento dessa política pelo Governo brasileiro, evidencia-se como um marco histórico, mostrando o compromisso e responsabilidade com a população, além de ser o primeiro país da América Latina a implementar uma política voltada para a saúde masculina.

Em relação ao compromisso social que a política assume, foi possível identificar que alguns posicionamentos apontados pelos participantes já estão presentes no documento da política, como, a orientação à população masculina e aos familiares para promoção e prevenção dos agravos e enfermidades do homem, disponibilidade de material educativo, capacitação profissional e outros. Além disso, é preciso destacar que essa política está alinhada à Política Nacional de Atenção Básica, em que o serviço é organização em redes, tendo as UBSs como a porta de entrada do SUS. A integralidade na atenção também se encontra presente na política, uma vez que os modos de vida e a situação social do indivíduo devem estar incluídos nas ações e serviços de assistência à saúde masculina (Brasil, 2009).

Todavia, por mais que a política já esteja aprovada é preciso que cada realidade adéque as diretrizes e normas da nova política às suas reais necessidades, levando em consideração as limitações e barreiras sociais que os homens enfrentam.

Por fim, os resultados deste estudo podem auxiliar na discussão a respeito dos entraves e aspectos que dificultam o acesso dos homens nos serviços de saúde brasileiros, podendo assim subsidiar o debate entre a política de saúde e a relação de gênero e, consequentemente, ajudar gestores e profissionais a entenderem as razões que afastam os homens dos serviços. É preciso salientar, ainda, a importância de estudos que consideram a perspectiva dos próprios usuários sobre o serviço e políticas públicas que os incluem como personagens principais, permitindo que esses possam se colocar e contribuir com programas e projetos de serviços públicos voltados para a sociedade.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Vítor Silva Mendonça
E-mail: vitor.pospsico@bol.com.br

Angela Nobre de Andrade
E-mail: anobre@terra.com.br

Recebido em: 06/04/2010
Revisado em: 30/06/2010
Aceito em: 17/09/2010

 

 

* É membro do Grupo de Pesquisa CNPq em Aprendizagem Significativa na Formação de Profissionais de Saúde e Educação e Pesquisador da Rede de Estudos e Pesquisas em Psicologia Social – Redepso. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo – Vitória, ES – Brasil.
** Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil, mestrado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo – Brasil, doutorado em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Brasil – e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo – Brasil. Atualmente é professora titular no Centro de Estudos Gerais, Departamento de Psicologia, da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES – Brasil.