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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.11 no.22 São Paulo dez. 2011

 

ARTIGOS

 

A concepção de cultura em Vigotski: contribuições para a educação escolar

 

The concept of culture in Vigotski: contributions for school education

 

La concepción de cultura en Vigotski: contribuciones para la educación escolar

 

 

Lígia Márcia Martins*,I; Vanessa Gertrudes Rabatini**

I Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho analisa a concepção de cultura em Vigotski, procurando apresentar a ideia de cultura na obra desse autor para, a partir dela, destacar a importância do ensino escolar no desenvolvimento dos indivíduos. A influência da cultura sobre o desenvolvimento psicológico foi estudada por esse autor a partir da análise do processo de emprego de signos como meios auxiliares das funções psíquicas, transformando-as de funções espontâneas em funções voluntárias. As funções psíquicas mediadas pelo uso dos signos existentes na cultura foram consideradas como funções superiores por Vigotski, sendo assim, imprescindíveis para o desenvolvimento dos indivíduos. A cultura para este autor é produto das leis históricas determinadas pelas condições concretas da existência humana e, assim sendo, o homem nessa perspectiva produz cultura, mas também é fruto das relações sociais, que são internalizadas por ele e que se expressam na forma de funções psíquicas.

Palavras-chave: Vigotski, Cultura, Signo, Natureza social do psiquismo, Função psíquica superior.


ABSTRACT

This work analyzes the concept of culture in Vigotski, trying to present what is the idea of culture in the work of this author to, from it, point out the importance of school education in the individuals' development. The cultural influence on the psychological development was studied by this author from the analysis of the process of the uses of signs as auxiliary means of psychical functions, converting them from spontaneous functions to volunteer ones. The psychical functions mediated by the use of signs that there are in the culture were considered as superior functions by Vigotski, so indispensable for man development. The culture for this author is product of historical laws determined by concrete conditions of human existence and, thus, the man in this perspective produces culture, but he is also result of the social connections, which are internalized by him and express themselves in the form of psychological functions.

Keywords: Vigotski, Culture, Sign, Social nature of psyche, Superior psychic function.


RESUMEN

Este trabajo analiza la concepción de cultura en Vigotski, buscando presentar cual es la idea de cultura en la obra de ese autor para, a partir de ella, destacar la importancia de la enseñanza escolar en el desarrollo de los individuos. La influencia de la cultura sobre el desarrollo psicológico foi estudiada por ese autor a partir del análisis del proceso de empleo de signos como medios auxiliares de las funciones psíquicas, transformándolas de funciones espontáneas en funciones voluntarias. Las funciones psíquicas mediadas por el uso de los signos existentes en la cultura foram consideradas como funciones superiores por Vigotski, así que imprescindibles para el desarrollo del hombre. La cultura para este autor es producto de las leys históricas determinadas por las condiciones concretas de la existencia humana y, por lo tanto, el hombre en esa perspectiva produce cultura, pero también es fruto de las relaciones sociales, que son internalizadas por él y que se expresan en la forma de funciones psíquicas.

Palabras clave: Vigotski, Cultura, Signo, Naturaleza social del psiquismo, Función psíquica superior.


 

 

Introdução

Este texto visa contribuir para a compreensão da concepção1 de cultura na obra de Vigotski, analisando, especificamente a proposição da natureza cultural do psiquismo humano. Consideramos que essa análise pode trazer contribuições para as pesquisas no campo da educação escolar, tanto no que se refere às discussões sobre as relações entre cultura e conteúdos de ensino, como também no que concerne aos estudos sobre o caráter essencialmente cultural dos processos psicológicos presentes na atividade de aprendizagem escolar.

Por outro lado, com o advento e ascensão de perspectivas multiculturalistas, a necessidade de clareza acerca da concepção de cultura adotada por ele torna-se inconteste. Consideramos que a ausência da mesma tem promovido aproximações equivocadas entre Vigotski e outros teóricos e, consequentemente, uma descaracterização da Psicologia Histórico-Cultural, a exemplo do que Duarte (2000) analisou em seu livro intitulado Vigotski e o aprender a aprender.

Vigotski (1995) atribuía grande importância ao domínio da cultura no processo de desenvolvimento psicológico da criança. Por isso, voltou-se para o estudo das relações entre cultura e desenvolvimento, trazendo, com isso, inúmeras contribuições para o campo pedagógico. Ele nos afirmava, por exemplo, que, até então, os psicólogos haviam estudado de maneira unilateral o processo do desenvolvimento cultural na educação, uma vez que apenas procuravam averiguar quais capacidades naturais condicionavam a possibilidade do desenvolvimento da criança, e em quais funções naturais o pedagogo deveria se apoiar para introduzi-la na esfera da aprendizagem cultural.

Analisava-se, assim, como o desenvolvimento da linguagem ou a aprendizagem da aritmética dependiam de funções naturais, mas não procuravam entender o contrário, ou seja, como a internalização da linguagem ou da aritmética transformavam essas funções naturais em funções culturais reorganizando todo o curso do pensamento natural.

Para Vigotski, essa compreensão é fundamental ao educador. Quando a criança adentra na cultura, não somente toma algo dela, não apenas se enriquece com o que está fora dela. A própria cultura reelabora em profundidade a composição natural da conduta, dando uma orientação completamente nova a todo curso do desenvolvimento. Diante da grande importância conferida por esse autor à pertença cultural dos indivíduos, dispensaremos nesse artigo uma atenção especial a três questões, quais sejam: a natureza cultural do psiquismo humano, a formação das funções psicológicas superiores e, à luz delas, destacar as importantes relações entre o desenvolvimento cultural do psiquismo e a educação escolar.

 

1. A natureza cultural do psiquismo humano

Digamos que o primeiro passo do homem na constituição da cultura se deu no ato instrumental de transformação da natureza, engendrando o movimento histórico de sua formação. Ao analisarmos a concepção de cultura em uma perspectiva materialista histórico-dialética, esteio filosófico da produção vigotskiana, vemos que o trabalho opera como mediador do processo dialético de transformação da natureza em cultura social. É com base nesse postulado que Vigotski entende a cultura como o produto do trabalho humano e, portanto, expressão do processo histórico (1995).

Na concepção vigotskiana, a cultura objetiva-se nos signos ou instrumentos culturais, dispostos sob a forma de instrumento cultural material e instrumento psicológico, como é o caso da linguagem. Pautado nesse processo, ou seja, no trabalho transformador da natureza e do próprio homem, Vigotki toma a cultura como eixo central no desenvolvimento do ser humano.

Sirgado (2000:51), no que concerne à passagem, na obra vigotskiana, do estado biológico do homem ao cultural, ou seja, à relação entre natureza e cultura nos aponta que:

A história do homem é a história dessa transformação, a qual traduz a passagem da ordem da natureza à ordem da cultura. Ao colocar a questão da relação entre funções elementares ou biológicas e funções superiores ou culturais, Vigotski não está seguindo, como fazem outros autores, a via do dualismo. Muito pelo contrário, ele está propondo a via da sua superação. As funções biológicas não desaparecem com a emergência das culturais mas adquirem uma nova forma de existência: elas são incorporadas na história humana. [grifos do autor]

Nesse sentido, esse autor, ao analisar as categorias "social" e "cultural" na obra de Vigotski, aponta que o significado de ambas é permeado pelo conceito de história revelando o referencial materialista histórico-dialético. Essa matriz é que define o núcleo central da obra vigotskiana expressa em sua concepção de natureza social do psiquismo, visto que este último é fruto de relações sociais internalizadas por meio de mecanismos semióticos e convertidos em funções psíquicas da pessoa.

Tais categorias são expressões das múltiplas formas que a socialidade pode tomar, uma vez que, a vida social é um fenômeno que antecede a existência da cultura, dado que permite a afirmação inclusive, de uma socialidade natural. Por ser anterior à cultura, a vida social adquire historicamente novas formas de existência, ou seja, sob a ação do homem a socialidade biológica adquire formas humanas. O universo social é condição e resultado do aparecimento da cultura, por ser, em suma, uma produção humana e uma obra coletiva (Sirgado, 2000).

Sob a lógica do principio evolutivo, a socialidade animal é substrato da socialidade humana, assim como a natureza é substrato e a condição de emergência da cultura. No entanto, a socialidade não é dada pela natureza, mas concretizada pelo homem, à medida que este último cria suas condições de existência material, expressas em produções culturais.

Logo, para Vigotski, a cultura é um produto da vida social e, ao mesmo tempo, da atividade social do homem. Permeado por essa concepção histórica de cultura, o autor analisa o desenvolvimento cultural da conduta humana, à luz da qual postula a "lei genética geral do desenvolvimento cultural", que se desdobra na grande importância conferida à internalização de signos.

O autor, ao propor a referida lei, segundo a qual: "[...] toda função entra em cena duas vezes, em dois planos, primeiro no plano social e depois no psicológico, ao princípio entre os homens como categoria interpsíquica e logo no interior da criança como categoria intrapsíquica" (Vigotski, 1995:150) descortinou novos horizontes ao estudo da gênese social do referido desenvolvimento.

Ao destacar que toda função principia externamente, isto é, como determinação das relações entre os homens, Vigotski estabeleceu um paralelo entre os próprios meios e nexos entre os indivíduos e o desenvolvimento das funções superiores. Ao explicitar essa ideia, tomou como referência à existência de "relações diretas" e "indiretas" (Vigotski, 1995:147) entre eles, afirmando que as primeiras compreendem as formas instintivas de movimentos e ações expressivas que operam como vias de influências mútuas. As expressões corporais e a emissão de sons, cujos conteúdos são fundamentalmente naturais e reflexos, marcam a história das primeiras formas de relação social.

Da complexificação das formas naturais de comunicação, isto é, de relações diretas, é que surgem, em outro nível de desenvolvimento, as relações mediadas, nas quais os signos se convertem em principal meio de comunicação. A linguagem se converte, assim, em função central das relações sociais, desdobrando-se e instrumentalizando inúmeras outras funções entre os homens e, dentre elas, especialmente, o pensamento, requerido à atividade laboral.

A origem da complexidade psíquica corresponde, portanto, à própria complexidade objetiva da vida social e, no tocante ao significado que confere à palavra "social", Vigotski destaca: "[...] em sentido mais amplo significa que todo cultural é social. Justamente a cultura é um produto da vida social e da atividade social do ser humano, por isso a própria abordagem do problema do desenvolvimento cultural da conduta nos leva diretamente ao plano social do desenvolvimento." (1995:151).

Assim, toda função psíquica superior passa por uma etapa externa de desenvolvimento posto ser, de partida, uma função social. Por essa razão, criticou posições teóricas para as quais o desenvolvimento psíquico decorre de funções existentes no indivíduo, quer em forma embrionária ou acabada, restando à vida coletiva desenvolvê-las, complexificá-las.

Ao colocar em destaque a gênese social das funções superiores, Vigotski (1995) conduziu sua análise em direção ao conceito de interiorização, isto é, ao processo que transmuta formações externas em internas e, no centro desse processo, destacou o emprego dos signos. Com essa proposição, o autor rompeu decisivamente com as concepções naturalizantes acerca do desenvolvimento psíquico.

Vigotski (1997) apontou a necessidade de distinção entre os modos de funcionamento naturais e as formas artificiais ou instrumentais. Os primeiros, decorrentes do processo de evolução e comuns aos homens e aos animais superiores os segundos, são produtos da evolução histórica e especificamente humana, ou seja, são conquistas do desenvolvimento do ser social.

Para o autor, o ato instrumental, isto é, que atende à mediação de signos, introduz profundas mudanças no comportamento humano, posto que, entre a resposta da pessoa e o estímulo do ambiente se interpõe o novo elemento designado signo. O signo opera, então, como um estímulo de segunda ordem, como estímulo cultural, retroagindo sobre as funções psíquicas e transformando suas expressões espontâneas em volitivas. Por essa via, o psiquismo humano adquire um funcionamento qualitativamente superior e apto a se libertar tanto de determinismos biológicos quanto do contexto imediato de ação.

Nessa direção, Vigotski compara esse processo ao impacto que o uso dos instrumentos técnicos de trabalho causou à atividade humana, asseverando que: "[...] a inclusão de um signo em qualquer processo remodela toda a estrutura das operações psicológicas, da mesma forma que a inclusão da ferramenta remodela toda a estrutura da operação de trabalho." (Vigotski, 1995:254).

Os signos se instituem como meios auxiliares para a solução de tarefas psicológicas e analogamente às ferramentas como instrumentos técnicos de trabalho, exigem adaptação do comportamento a eles, do que resulta a transformação psíquica estrutural que promovem. Com isso, Vigotski afirma (1997) que o real significado do papel do signo na conduta humana só pode ser encontrado na função instrumental que assume.

Ao explicar essa assertiva, recorre a três proposições: a primeira diz respeito às semelhanças e pontos de contato entre o emprego de ferramentas e o emprego de signos; a segunda visa suas divergências e a terceira, busca indicar as reais correspondências psicológicas entre eles. Em relação às semelhanças e pontos de contato, afirma que ambos se incluem no conceito mais geral de atividade mediadora, isto é, um tipo de atividade que permite aos objetos que dela participem exercerem entre si, a partir da sua natureza (ou de suas propriedades), uma influência recíproca, da qual depende a consecução do seu objetivo. Daí que, para Vigotski, a interiorização de signos seja matricial na defesa da sua tese acerca da natureza social do psiquismo humano.

Ao introduzir o conceito de mediação Vigotski, como procuramos evidenciar, não a tomou simplesmente como ponte, elo ou meio entre coisas; tal como muitas vezes referido por seus leitores não marxistas. Para ele, a mediação é interposição que provoca transformações, encerra intencionalidade socialmente construída e promove desenvolvimento, enfim, uma condição externa que potencializa o ato de trabalho, seja ele prático ou teórico.

Todavia, não obstante a analogia que estabeleceu entre instrumento técnico e signo, Vigotski deixa claro que há entre eles uma distinção que não pode ser perdida de vista. Ainda que ambos operem como intermediários em relações, a diferença se define em face dos polos que as constituem. Enquanto o instrumento técnico se interpõe entre a atividade do homem e o objeto externo, o signo se orienta em direção ao psiquismo e ao comportamento. Os primeiros transformam o objeto externo, os segundos, o próprio sujeito. Sinalizou que entre os conceitos de ferramenta e de signo existe uma relação lógica, mas não uma relação de identidade genética ou funcional.

A adoção do vocábulo "instrumento" não foi, porém, casual para o autor. Ele postulou que, da mesma maneira que o instrumento técnico modifica o processo de adaptação natural determinando as formas de operações de trabalho, isto é, o domínio da natureza, o uso dos instrumentos psicológicos modificam radicalmente o desenvolvimento e a estrutura das funções psíquicas, reconstituindo suas propriedades e possibilitando o autodomínio do comportamento. Eis, pois, para Vigotski, o nexo psicológico real entre o emprego de ferramentas e de signos no curso filo e ontogenético do desenvolvimento humano.

Essa concepção de mediação e de instrumento, como não há que se estranhar, ancora-se no pensamento filosófico de Marx e Engels (1987) e, não sem razão, Vigotski institui o termo instrumento psicológico para designar os signos, reiterando a centralidade do trabalho social sobre o desenvolvimento dos homens em todas as dimensões, no que se inclui a psicológica!

Ademais, o desenvolvimento do trabalho exigiu, e continua a exigir, profundas transformações nas características humanas, determinando que seus executores conquistem graus cada vez mais elevados de autocontrole do comportamento. Todavia, o tipo superior de psiquismo, o alto nível de complexificação do comportamento, não se institui por desdobramentos naturais do ser orgânico, mas por apropriação dos signos, da cultura construída historicamente. É evidente, portanto, que o psiquismo humano só possa ser explicado na qualidade de construção histórico-social.

A despeito dessa assertiva, Vigotski, (1995:153) não subjugou a importância das bases naturais dessa construção, considerando que a peculiaridade fundamental do processo histórico-social de desenvolvimento do psiquismo reside no entrelaçamento e contradições instaladas entre dois processos: o cultural e o biológico. As possibilidades do desenvolvimento não se realizam automaticamente por conta de um enraizamento biológico, mas por decorrência da superação das contradições entre formas primitivas e formas culturalmente desenvolvidas de comportamento, cuja base estrutural não é outra, senão "[...] a atividade mediadora, a utilização de signos externos como meios para o desenvolvimento ulterior da conduta." (Vigotski, 1995:153). Portanto, pela proposição do ato instrumental, isto é, do ato mediado por signos, Vigotski tornou inconteste a natureza social do psiquismo humano e de seu desenvolvimento.

 

2. A formação das funções psicológicas superiores

A formação das funções psicológicas superiores encontra-se no esteio do desenvolvimento cultural humano. Vigotski (1995), dedicando-se ao estudo dessas funções, analisa criticamente o enfoque até então dispensado pela psicologia tradicional. Ao fazê-lo, coloca no cerne da questão a inserção dos signos na relação entre o homem e a natureza e o papel da linguagem nesse processo.

Para este autor, o enfoque naturalista das psicologias tradicionais no desenvolvimento da cultura não considerava a diferença qualitativa entre a história humana e a historia dos animais. Assim, postula que um esquema universal para o estudo do comportamento humano, a exemplo do princípio estimulo-resposta adotado tanto pelo behaviorismo quanto pela reflexologia, capta apenas as formas inferiores de suas manifestações, estabelecendo uma diversidade meramente quantitativa, e não qualitativa, em relação às formas complexas de comportamento.

Em contrapartida à Psicologia Tradicional, fundamentalmente centrada na análise descritiva das manifestações fenomênicas da psique, é que Vigotski propõe o modelo Histórico-cultural para a sua explicação. Com vista à superação do frágil tratamento dispensado pela psicologia tradicional aos comportamentos complexos culturalmente formados, fundamentalmente voluntários e arbitrados, é que Vigotski introduziu a necessidade de distinção entre as funções psicológicas superiores, responsáveis por tais comportamentos, e as funções psicológicas elementares.

As funções garantidas no nascimento correspondem a um "todo psicológico natural", determinado fundamentalmente pelas peculiaridades biológicas da psique. As funções psicológicas superiores, por sua vez, formam-se durante o processo de desenvolvimento cultural. Todavia, o tratamento dispensado por Vigotski a elas reserva razoável complexidade, que avaliamos proporcional à própria complexidade do desenvolvimento psíquico.

Ao analisar a impropriedade dos modelos teóricos vigentes em sua época, fundamentalmente naturalizantes, lançou a hipótese matricial ao estudo das formas culturais de conduta, qual seja: o desenvolvimento humano segue duas linhas e leis de natureza distinta que, embora se entrecruzem não se identificam nem se reduzem uma à outra, a linha de desenvolvimento orgânico e a linha de desenvolvimento cultural.

De seus estudos acerca da estrutura funcional dessas linhas resulta a proposição das diferenças radicais entre o que denominou como funções psíquicas elementares e funções psíquicas superiores. A nosso juízo, tais proposições são, por sua vez, desdobramentos da tese de Marx, assumida por Vigotski, acerca da natureza social do homem edificada pelo trabalho. Vigotski afirmou a complexidade de tais funções, a sua "superioridade" em relação ao psiquismo primitivo, a partir das exigências impostas pelo metabolismo entre o homem e a natureza, ou entre o homem e a cultura, encontrando nele os critérios mais decisivos de sua existência.

Foi esse metabolismo que determinou o surgimento da abstração, do cálculo, da previsibilidade, dos registros etc., e, sobretudo, do autocontrole da ação em vista de sua finalidade, condição sine qua non do ato de trabalho. Destarte, a superioridade em questão não é outra coisa, senão, uma possibilidade a realizar-se, ou não, no atendimento às demandas que colocam o homem como um ser ativo na natureza. Portanto, dedicando-se ao estudo das funções psíquicas superiores, esse autor não encontrou nelas um objeto pontual de investigação, incluindo-as no estudo de um processo mais amplo: a natureza social do psiquismo humano e a centralidade cultural de seu desenvolvimento.

À luz desse processo, Vigotski orientou suas investigações para um enfoque sistêmico das funções psíquicas. Para ele, conceber o psiquismo como sistema determinava revisões metodológicas radicais no âmbito da psicologia, posto que o traço específico de um sistema jamais poderia ser captado pela decomposição dos elementos que o constituem. A atividade complexa é uma atividade sistêmica e, como tal, não se reduz às suas partes.

Para Vigotski, os estudos da psicologia haviam seguido, de modo hegemônico, um tipo de análise que resultou no insucesso de todas as tentativas de se resolver o problema da análise psicológica dos comportamentos complexos, ou "superiores". Denominou-a de "análise por decomposição" dos complexos conjuntos psíquicos em seus elementos, afirmando que esse tipo de análise acerca das funções psíquicas tinham como resultado o mais absoluto distanciamento em relação às propriedades que só poderiam ser explicadas com base no conjunto que integram.

Ao debruçar-se sobre essas questões Vigotski (1995) postula a existência de um sistema dinâmico na base do desenvolvimento de todas as funções psicológicas superiores, formulando um preceito geral básico para a compreensão do psiquismo como sistema interfuncional, qual seja: o curso de desenvolvimento de cada uma das funções e, consequentemente, das relações entre elas não é linearmente uniforme, isto é, existe uma dinâmica psíquica instituída pela especificidade das mesmas e pelo papel que desempenham nas atividades realizadas pelo indivíduo ao longo de seu desenvolvimento.

A concepção de desenvolvimento das funções superiores em pauta indica contínuos arranjos interfuncionais e, nesse sentido, o psiquismo como sistema é, permanentemente, a articulação e reconstrução dos processos funcionais que o integram – é, por conseguinte, movimento. Entretanto, Vigotski considerou que adjetivá-lo como tal (movimento) não garante, por si mesmo, a real compreensão desse processo. É necessário identificar aquilo que o move e, nessa direção, afirmou que o dado nuclear na articulação e rearticulação das funções psíquicas outra coisa não é, senão, o emprego de signos.

Esse emprego opera transformações que ultrapassam o âmbito específico de cada função. A utilização de signos não as complexifica de modo particular, ou seja, não provoca apenas transformações intrafuncionais; não se trata da conversão, por exemplo, da memória natural em memória lógica, da atenção natural em atenção voluntária, da inteligência prática em pensamento abstrato, etc. As transformações específicas de cada função determinam modificações no conjunto de funções do qual fazem parte, isto é, do psiquismo como todo.

A correta compreensão dessa dinâmica requer, por sua vez, outra observação. Não obstante as interpenetrações funcionais, o desenvolvimento das funções não ocorre de modo uniforme. As transformações que ocorrem no interior do psiquismo possuem ritmos e proporções distintos, tanto do ponto de vista orgânico quanto psicológico, ademais, as atividades realizadas pelo indivíduo não mobilizam o todo funcional de forma homogênea. Os atos humanos requerem, mais decisivamente, ora dados domínios ora outros; fato que nos obriga a constatar que é a riqueza dos vínculos da pessoa com a realidade física e social o motor do desenvolvimento das funções psíquicas, dado reiterativo do papel da atividade em sua formação.

Com isso, Vigotski não estava olvidando o entrelaçamento das linhas naturais e culturais no desenvolvimento das funções superiores, mas, reiterando que da mesma forma que o emprego de ferramentas possibilita a complexificação da atividade humana, o emprego de signos promove a complexificação das referidas funções.

Portanto, as funções psíquicas superiores se estruturam nas relações entre os seres humanos e, para Vigotski, o individual não deixa de ser o social internalizado. O desenvolvimento do indivíduo ocorre no processo de apropriação do patrimônio humano genérico, na dinâmica que entrelaça os planos inter e intrapsíquicos. Apenas tornando social a conduta natural da criança ela conquistará o autodomínio de seu comportamento, desenvolvendo as propriedades volitivas de sua personalidade.

A proposição do autodomínio do comportamento aponta uma dimensão decisiva na transição da ação de base biológica à ação de base social. Conforme proposto por Vigotski, quando uma criança realiza uma operação – que deixa de ser imediata e impulsionada apenas por suas necessidades biológicas, apreendendo estímulos auxiliares à sua busca por satisfação, por exemplo, memorizando, comparando, elegendo algo etc. – tais estímulos se incorporam ao seu processo de comportamento, adquirindo a função de signo.

Logo, suas funções psicológicas se requalificam à medida que ultrapassam a relação direta e imediata entre estimulação e comportamento pela mediação do signo. A linguagem exerce nesse transcurso um papel de primeira grandeza. Para Vigotski (1995), a linguagem é o marco referencial do desenvolvimento cultural do homem, posto que a constituição deste sistema de signos representa, antes de tudo, a história da formação de uma das funções mais importantes do comportamento cultural.

Vigotski encontrou na significação da palavra, na sua expressão como signo, o dado essencial para a compreensão do psiquismo como sistema interfuncional complexo, identificando nela o dado de coesão interna essencial entre pensamento e linguagem. Em suas palavras:

[...] podemos deduzir que o significado da palavra, que em seu aspecto psicológico é uma generalização [...] constitui um ato de pensamento, no exato sentido do termo. Mas, ao mesmo tempo, o significado é parte integrante da palavra, pertence ao domínio da linguagem em igual medida ao do pensamento. Sem significado a palavra não o é, mas sim, um som vazio, deixando de pertencer ao domínio da linguagem [...]. O que é linguagem ou pensamento? É o um e o outro ao mesmo tempo, por que se trata de uma unidade pensamento linguístico. (Vigotski, 2001:21) [grifos do autor]

Essa proposição radica em estudos a partir dos quais Vigotski conclui que o pensamento e a linguagem, possuindo origens diferentes, seguem linhas de desenvolvimento distintas e independentes. Entretanto, ao longo de seu curso, tais linhas se encontram, entrecruzando-se, provocando profundas transformações psíquicas. Tais transformações inauguram uma forma totalmente nova de operação de todas as funções psicológicas, dotando-as de alta complexidade, isto é, instituindo-as como funções psíquicas superiores. Portanto, na psicologia vigotskiana, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores identifica-se com o processo de internalização de formas de condutas elaboradas na história social, instituindo-se, antes de tudo, como a historia de seu próprio desenvolvimento.

 

3. Relações entre o desenvolvimento cultural do psiquismo e a educação escolar

Conforme exposto, para a Psicologia Histórico-Cultural a produção e a apropriação da cultura transcorrem em formas historicamente estabelecidas, e assim também o é no caso da educação escolar. O processo de ensino se impõe como traço universal, tornando a educação inalienável do desenvolvimento dos indivíduos. Para Vigotski, não há desenvolvimento psíquico sem a educação, e embora ela esteja presente no desenvolvimento de todo ser humano, seu conteúdo é historicamente variável. Em outras palavras, apresenta diferentes regularidades em distintas épocas e contextos históricos.

Na perspectiva da construção de uma sociedade socialista, o autor em questão atribuía especial importância à forma especificamente escolar de educação. Em relação à importância do ato de ensinar nessa perspectiva teórica, podemos nos reportar ao próprio autor:

Quando observamos o curso do desenvolvimento da criança durante a idade escolar e no curso de sua instrução, vemos que na realidade qualquer matéria exige da criança mais do que esta pode dar nesse momento, isto é, que esta realiza na escola uma atividade que lhe obriga a superar-se. Isto se refere sempre à instrução escolar sadia. Começa-se a ensinar a criança a escrever quando, todavia não possui todas as funções que asseguram a linguagem escrita. Precisamente por isso, o ensino da linguagem escrita provoca e implica o desenvolvimento dessas funções. Esta situação real se produz sempre que a instrução é fecunda [...]. Ensinar a uma criança aquilo que é incapaz de aprender é tão inútil como ensinar-lhe a fazer o que é capaz de realizar por si mesma. (Vigotski, 1993:244)

Observa-se, pois, que o ato de ensinar é condição para a promoção do desenvolvimento humano Vigotski. Considerando que na sociedade moderna compete à educação escolar a tarefa de implementar sistematicamente esse ato é que concluímos a estreita relação entre ela e a formação omnilateral dos indivíduos. Tal fato, por sua, vez adquire evidência, também, em proposições de Vigotski acerca das relações entre aprendizagem e desenvolvimento.

Vigotski sintetiza essas relações no conceito de área de desenvolvimento iminente – que se refere àquilo que a criança não consegue fazer sozinha, mas consegue com ajuda do outro. O bom ensino, como indicado no excerto anterior, é justamente aquele que se antecipa ao desenvolvimento exatamente para poder produzi-lo, orientá-lo. Conforme análise de Duarte (1996), a grande tarefa do ensino, na perspectiva vigotskiana, reside em transmitir à criança aquilo que ela não aprenderia por si só. Vigotski valoriza de forma altamente positiva a transmissão dos conteúdos historicamente produzidos socialmente necessários para a criança.

Mas em que radica a grande importância conferida à educação escolar nessa concepção teórica? A resposta a essa questão nos conduz à transmissão dos signos historicamente constituídos, posto que na escola essa transmissão deva se realizar de maneira planejada e sistematizada e, assim sendo, com amplas possibilidades para interferirem mais efetivamente na vida dos indivíduos, isto é, para promoverem a conversão dos signos externos em "instrumentos" psíquicos.

Portanto, a psicologia vigotskiana, ao afirmar a natureza social do psiquismo humano e os saltos qualitativos provocados nele pela atuação por meio dos instrumentos culturais, torna decisiva a orientação do outro na área de desenvolvimento iminente, a quem compete instalar, por meio do ensino, os atos instrumentais. Os processos de internalização de tais instrumentos colocam-se, com exposto, no cerne da formação psíquica.

O conceito de internalização, por sua vez, deve ser apreendido como um processo no qual estão presentes tanto a conservação do que já existia como a criação do ainda não existente. O instrumento cultural apropriado pelo indivíduo torna-se parte de seu ser, incorpora-se à sua individualidade, transmutando as capacidades do gênero humano, da humanidade como um todo, em capacidades do indivíduo.

A internalização pelos indivíduos das aquisições do desenvolvimento histórico humano é tanto um processo de reprodução da humanidade como também um processo de formação, no indivíduo, das faculdades especificamente humanas resultantes do decurso histórico da produção e reprodução da cultura. Trata-se de um processo de formação ativa de aptidões de funções psíquicas superiores. Segundo Vigotski (1996:93-94):

Os instrumentos psicológicos são criações artificiais; estruturalmente, são dispositivos sociais e não orgânicos ou individuais; destinam-se ao domínio dos processos próprios ou alheios, assim como a técnica se destina ao domínio dos processos da natureza. Como exemplo de instrumentos de psicológicos e de seus complexos sistemas, podem servir a linguagem, as diferentes formas de numeração e cálculo, os dispositivos mnemotécnicos, o simbolismo algébrico, as obras de arte; a escrita, os diagramas, os mapas, os desenhos, todo tipo de signos convencionais, etc.

Tais instrumentos, não sendo naturalmente assegurados aos indivíduos, exigem processos de transmissão presentes na vida social de maneira assistemática e circunscrita ao em torno imediato, mas também de forma sistematicamente voltada ao desenvolvimento do pensamento em conceitos, sendo essa precípua da função da educação escolar. A experiência humana é, pois, dotada de signos e significados que exigem transmissão.

Destarte, assim como as ferramentas materiais, o signo é parte necessária da cultura humana e ambos condensam conteúdos histórico-sociais das experiências dos homens. Portanto, o processo de ensino pode ser entendido como um duplo processo de transmissão e apropriação de significações construídas historicamente. Nessa perspectiva, as atividades escolares se instituem como recursos que estimulam uma série de processos internos do desenvolvimento do homem, especialmente, as formas mais complexas de pensamento.

Os conceitos científicos, convertidos em conteúdos escolares integram o conhecimento sistematizado em teorias, em elaborações científicas, carregando consigo uma complexa rede de "instrumentos psicológicos" acumulados na cultura humana. Trata-se da experiência social transposta em objetivações culturais, em sistemas de signos e sua multiplicidade de significações a serem apropriadas por cada indivíduo singular.

A apropriação da cultura é para Vigotski, requisito inalienável do processo de humanização, despontando como condição para o autodomínio da conduta e para o domínio da natureza que, de outro modo, não se torna inteligível e, não se dando a conhecer, se mantém como obstáculo à ação intencionalmente transformadora.

Por essas razões, entre outras, consideramos, à luz da Psicologia Histórico-Cultural, que o esvaziamento do ensino dos conteúdos clássicos, historicamente sistematizados (Saviani, 1991), converte-se em estratégia de aprisionamento dos indivíduos às condições imediatas de existência e também em uma forma de impedimento ao pleno acesso às conquistas das máximas propriedades humanas, no que se inclui a formação de um psiquismo superior.

As internalizações próprias à educação escolar devem promover os recursos psíquicos necessários à humanização, à superação dos limites naturais e, da mesma forma, os modos de socialidade adaptativa, preparando os indivíduos para serem sujeitos e não sujeitados de suas condições de existência. Portanto, se a escola é o locus privilegiado na promoção das referidas internalizações, por meio dela, os homens devem apropriar-se das formas sociais mais elaboradas, mais complexas de comportamento, convertendo-as em meios próprios de interação com o mundo e conteúdos de sua personalidade.

Vigotski (1995:152) afirma que, para a correta compreensão da sociogênese das funções psicológicas superiores, é necessário levar em conta que "a cultura não cria nada, tão só modifica as atitudes naturais em concordância com os objetivos dos homens", dado que nos permite inferir, então, que os processos educativos, intencionalmente orientados por objetivos humanizadores, podem conferir as direções do desenvolvimento psíquico de cada pessoa, suplantando modos de funcionamentos elementares em direção aos superiores.

Os processos elementares e superiores não são, por sua vez, dois ingredientes constitutivos do psiquismo humano, não se somam ou se completam, pelo contrário, a existência coletiva transforma, revoluciona e requalifica a base natural da vida, criando as condições para a estruturação de formas culturais, superiores, de comportamento, e é a serviço dessas transformações que deve se colocar a educação escolar.

Tomamos como base dessa assertiva a proposição de Vigotski (1997:69), segundo a qual os processos de desenvolvimento e educação devem ser estudados como um todo único, considerando que o objetivo desse tipo de estudo é "[...] descobrir como se estruturam todas as funções naturais de uma determinada criança em um determinado nível de educação [...] como a criança realiza em seu processo educativo o que a humanidade tem realizado no transcurso de uma longa história de trabalho".

Assim, no cerne do preceito vigotskiano, segundo o qual o verdadeiro desenvolvimento do psiquismo humano identifica-se com a superação por incorporação das funções psíquicas elementares em direção às funções psíquicas superiores, radica nossa defesa do ensino sistematizado como uma das condições essenciais à formação dos comportamentos complexos culturalmente formados, isto é, das funções psíquicas superiores.

 

Considerações finais

Vigotski, ao formular a Psicologia Histórico-Cultural, afirma a existência humana como síntese de múltiplas determinações, resultado do processo de desenvolvimento filo e ontogenético. Nessa direção, a cultura é produto das leis históricas, da atividade práxica do conjunto dos homens, consequentemente, substrato de suas condições concretas de existência. O indivíduo nessa perspectiva é o produtor da cultura e ao mesmo tempo o produto de suas internalizações, por conseguinte, os processos de internalização balizam a qualidade de seu desenvolvimento.

Ao explicitar o desenvolvimento humano em sua dialeticidade natural/social, a teoria histórico-cultural anuncia outra questão de vital importância nesse processo: a questão das condições objetivas nas quais ele ocorre, posto que os atributos verdadeiramente humanos não são assegurados pelo legado disponibilizado no ato do nascimento, mas resultam das apropriações da cultura. Eis, portanto, para Vigotski, a fonte primária do desenvolvimento psíquico: a cultura!

Todavia, tal como exposto, a concepção de cultura em Vigotski não é sinônimo de em torno social imediato. Para muito além de algo local, regional, específico e etc., a cultura é traço da universalidade humana, produto da prática histórico social dos homens, dado que contraria muitas das aproximações entre as proposições desse autor e a ênfase multiculturalista que assola a educação escolar contemporânea.

Perder-se de vista as mediações particulares na dialeticidade entre o específico e o geral, entre singular e universal, significa tomar a parte pelo todo e naturalizar ou preterir as discrepâncias que a sociedade de classes institui entre eles. No esteio da tese acerca da natureza social do psiquismo, Vigotski coloca em questão, repetidas vezes, as condições sociais do desenvolvimento, denominando-as tanto como "em torno" quanto como "externo". Porém, deixa claro que:

quando dizemos que um processo é "externo" queremos dizer que é "social". A palavra social aplicada a nossa disciplina tem grande importância [...]. Primeiro, no sentido mais amplo significa que todo cultural é social. Justamente a cultura é um produto da vida social e da atividade social do ser humano, por isso, o próprio delineamento do problema do desenvolvimento cultural do comportamento nos leva diretamente ao plano social do desenvolvimento [grifos do autor]. (Vigotski, 1995:150-151)

Esse autor nos deixa, portanto, um legado que descarta, em definitivo, quaisquer interpretações ambientalistas, além de indicar, explícita e implicitamente, o quanto seus estudos têm como estofo filosófico o materialismo histórico dialético. As relações entre o indivíduo e seu em torno não correspondem a uma suposta relação do tipo organismo – meio, outrossim, subordinam-se às mediações de outros homens.

Não é apenas o que está imediatamente ao redor do indivíduo, de modo particularizado e espontâneo, que Vigotski coloca no centro de sua análise, mas a universalidade social que em maior ou menor grau se faz presente nas mediações culturais constitutivas da vida de cada indivíduo particular. Julgamos que apenas por essa via a ênfase conferida à cultura se converte em possibilidade de ascensão do desenvolvimento humano. Essa observação é importante já que vivemos em uma sociedade de classes, injusta e desigual, alienada e alienante e, sob tais condições, as reais possibilidades de desenvolvimento não são as mesmas para todos os indivíduos e instituições.

Assim, para a efetivação da plena existência humana, o desafio que se coloca reside na transformação dessa ordem social em direção a outra, universalizadora – e não das desigualdades e da alienação. Por conseguinte, em direção a uma ordem social afirmativa de relações que permitam a todos os indivíduos a máxima humanização por meio de apropriações igualitárias dos bens materiais e intelectuais da humanidade, isto é, por meio da apropriação igualitária da cultura. É a serviço desse direito humano que defendemos a educação escolar comprometida com o ato de ensinar!

 

Referências

Abbagnano, Nicolà. (2007). Dicionário de Filosofia (5ª ed). São Paulo: Martins Fontes.         [ Links ]

Duarte, Newton. (1996). Educação Escolar, Teoria do Cotidiano e a Escola de Vigotski. Campinas: Autores Associados.         [ Links ]

Duarte, Newton. (2000). Vigotski e o Aprender a Aprender: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas: Autores Associados.         [ Links ]

Saviani, Demerval. (1991). Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados.         [ Links ]

Sirgado, Angel. P. (2000). O social e o cultural na obra de Vigotski. Educação & Sociedade, 21(71), 45-78.         [ Links ]

Marx, Karl. (1987). A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Vygotski, Lev S. (1993). Problemas de Psicología General. Em Lev S. Vygotski. Obras Escogidas. Tomo II. Madri: Visor.         [ Links ]

Vygotski, Lev S. (1995). Historia del Desarrollo de las Funciones Psíquicas Superiores. Em Lev S. Vygotski. Obras Escogidas. Tomo III. Madri: Visor/MEC.         [ Links ]

Vygotski, Lev S. (1997). Problemas Teóricos y Metodológicos de la Psicologia. Em Lev S. Vygotski. Obras Escogidas. Tomo I. Madri: Visor.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Lígia Márcia Martins
E-mail: ligiamar@fc.unesp.br

Vanessa Gertrudes Rabatini
E-mail: vrabatini@hotmail.com

Recebido em: 22/11/2010
Revisado em: 12/04/2011
Revisado em: 25/05/2011
Aceito em: 07/06/2011

 

 

* Psicóloga, doutora em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho, Marília, Perú, Brasil, docente do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho, Bauru, SP, Brasil e do programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, SP, Brasil.
** Pedagoga, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, SP, Brasil.
1 Optamos pela palavra concepção, em detrimento de conceito, com base no Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano (2007:199). Este termo designa tanto o ato de conceber quanto o objeto concebido, mas preferivelmente, o ato de conceber e não o objeto, para o qual deve ser reservado o termo conceito. Nesse sentido, a concepção é nosso conceito revestido do particular e pessoal.