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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.12 no.23 São Paulo jan. 2012

 

EDITORIAL

 

A psicologia política como um campo interdisciplinar crítico

 

The political psychology as a critical interdisciplinary field

 

La psicología política como campo interdisciplinario crítico

 

 

Alessandro Soares da Silva*

Universidade de São Paulo - USP

 

A Revista Psicologia Política – RPP – tem o prazer de comunicar a todos os leitores e leitoras, pareceristas e autores, membros de nosso conselho editorial que no final ano passado passamos a integrar o indexador Dialnet – Espanha – e que em 2012 passaremos a figurar na base Redalyc – México. Ambas as conquistas resultam de nossos esforços para que a revista não só passe a ter maior impacto no mundo da ciência, mas para que ela se consolide cada vez mais como um importante veículo latino-americano de comunicação entre os grupos de pesquisa Ibero-Latino-americanos. Com a fundação da Associação Ibero-Latinoamericana de Psicologia Política – AILPP – em novembro passado em Córdoba a revista passou a ser oficialmente um de seus veículos oficiais de comunicação. Nesse sentido, no que tange à ampliação de indexadores nossas próximas metas são o sistema Scielo de periódicos e o Scopus. Para esse fim, nesse ano a revista passará por algumas reformulações que contribuam para que conquistemos essa nova meta editoria. Mas vale ressaltar que ainda que a indexação seja algo muito importante, não o é mais que a qualidade dos manuscritos que aqui são publicados. Manter a qualidade dos artigos que são veiculados é nossa primeira prioridade e o esforço da editoria, do conselho científico e de nossas e nossos consultoras/es Ad Hoc. É nossa preocupação não deixar que a RPP se perca em debates travados cada vez mais por critérios basicamente quantitativos e que muitas vezes deixam a qualidade intelectual em segundo plano.

Isso fez com que a partir desse ano a revista passe a ser quadrimestral, para que ela possa disponibilizar um fascículo que será coeditado pela ABPP e pela AILPP, tendo foco em temas eixo para a Psicologia Política Latino-Americana.

Esse primeiro fascículo conjunto está sendo coorganizado por Agustín Espinosa Pezzia, pesquisador da Pontifícia Universidad Católica del Peru, e por nós que editamos a RPP.

Este ano também teremos, durante o segundo semestre o VII Encontro Brasileiro de Psicologia Política que será celebrado na Cidade de São Francisco de Paula – RS – na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, sob a presidência da professora Aline Hernandez. Nessa ocasião teremos uma reunião de editores de revistas de Psicologia Política para iniciarmos um fórum virtual que nos permita apoiar-nos mutuamente, potencializando o crescimento do Campo.

Nesse fascículo da RPP que abre essa fase quadrimestral, apresentamos 10 artigos e uma resenha. Nele encontramos textos de autores advindos do campo da Administração, da Comunicação, da Educação e da Psicologia, sendo que todos os manuscritos buscam tecer suas considerações de modo a facilitar as interfaces e inter-relações que são próprias de um campo interdisciplinar como é o caso da Psicologia Política. É visível o esforço de cada autor e autora que contribuem para a RPP. Ao lermos o conjunto dos artigos percebemos o comprometimento com posturas científicas críticas e sólidas. Percebemos que cada uma delas fundamenta-se em complexas argumentações que são resultantes de encontros, de diálogos, ocorridos nas fronteiras disciplinares e, muitas vezes, para além delas. Essa é a cara da Psicologia Política Brasileira retratada na RPP.

Nesses últimos anos, muito da produção da revista que vimos publicada tem feito uma discussão a partir do referencial da psicologia sócio-histórica. E nessa leitura que o primeiro artigo intitulado A crítica da Psicologia e a Tarefa da Crítica na Psicologia e de autoria de Marisa Eugênia Melillo Meira da Universidade Estadual Paulista - Júlio de Mesquita Filho (Brasil). A autora coloca em discussão a necessidade de aprofundarmos a crítica da Psicologia como ciência, desvelando seus compromissos ideológicos com as demandas postas pelo desenvolvimento do capitalismo e, ao mesmo tempo, desenvolvermos o pensamento crítico na Psicologia. Já nos anos 1960 essa questão foi tratada por autores como Deuleule que em sua obra o Mito Científico da Psicologia põe em xeque certos pressupostos até hoje aceitos por parte da comunidade, mas que merecem um olhar crítico, pois essa continua a ser uma questão relevante no cenário epistemológico. Tomando como fundamento o materialismo histórico dialético, Meira discute como elementos do pensamento crítico a reflexão dialética; a crítica do conhecimento; a denúncia da degradação, da alienação e da heteronomia humana nas condições postas pelo capitalismo e as bases da transformação social.

Em Os Novos Críticos Niilistas e a Transvaloração dos Valores da Cultura Escolar na Escola Pública Monica G. T. do Amaral da Universidade de São Paulo (Brasil) analisa com um olhar crítico as culturas juvenis. Ela busca entender como elas podem constituir-se em um "campo de possibilidades" para refletir tanto sobre as formas de protesto juvenil na metrópole, como também sobre o próprio processo de construção das identidades do adolescente. Amaral propõe-nos que as manifestações eróticas polissensoriais da juventude permitem que pensemos acercada emergência de "prototeorias" capazes de constituir-se em momentos de ruptura de campo, como crítica emergente à razão predominante no universo escolar. E o faz por meio de uma experiência de intervenção em uma instituição pública de ensino.

Os seis artigos que seguem formam um bloco que discutem um tema muito caro para a psicologia política: a participação política (ou mesmo a sua impossibilidade). O primeiro destes artigos é Participación Política, Manifestaciones Culturales y Mecanismos de ResistenciaK da lavra de Elio Rodolfo Parisi e Mariana Pagnone da Universidad Nacional de San Luis (Argentina) e nos brinda com uma discussão instigante acerca do exercício da democracia. Para essa dupla argentina o exercício da democracia exige modalidades de participação política que nem sempre se circunscrevem a formas convencionais. Parisi e Pagnone fazem um interessante percurso histórico sobre a participação política, retomando as definições e classificasses e as mudanças que elas sofreram no tempo. Sem reduzir-se a um repasso teórico, O/a autor/a procuram pensar a respeito dos elementos culturais implicados na participação com o fim de analisar alguns movimentos sociais sul-americanos.

O segundo texto é Fóruns Comunitários: Uma Estratégia de Construção Participativa do Desenvolvimento Local de Deyseane Lima da Universidade Federal do Ceará (Brasil). Nele, a autora discute desde uma psicologia política das comunidades a experiência de realização dos fóruns Comunitários promovidos pelas Raízes de Cidadania em duas comunidades do município de Fortaleza. A autora entende que os fóruns são uma proposta democrática de desenvolvimento comunitário construído por meio da participação social e decorrente das políticas públicas de atenção e proteção social básica do município.

Os três textos que seguem abrem uma importante discussão no campo da Saúde Mental, tema que tem sido de grande importância não só para a disciplina psicologia, mas também para campo interdisciplinar da Psicologia Política. Autonomia, dos usuários, a questão da medicamentalização e da autonomia dos investigadores que atuam no campo da Saúde Mental são alguns dos pontos que veremos abordados desde um enfoque psicopolítico.

Ana Karenina de Melo Arraes, Magda Dimeinstein, Kamila Siqueira e Clarisse Vieira, todas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil) reúnem esforços para discutir no Empoderamento e Controle Social: uma análise da participação de usuários na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN) as estratégias de empoderamento de usuários no campo da saúde mental no nordeste brasileiro. Indubitavelmente o tema da participação dos usuários no controle social no contexto das etapas locais da IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial em Natal (RN) inserese no campo da psicologia política e nos permite entender melhor processos de tutela e autonomia. Entender como espaços vistos como potencializadores da participação podem fazer com que a participação seja restrita e frágil, o que reforça a necessidade de ações que enfrentem a ausência de formação política e incentivem à participação do usuário como ator fundamental no processo conferencial.

Anotações iniciais sobre a psiquiatria do desenvolvimento ou "é de pequeno que se torce o pepino" é o texto que as pesquisadoras da Universidade Federal Fluminense (Brasil) Maria Livia do Nascimento, Cecília Maria Bouças Coimbra e Lilia Ferreira Lobo nos brindam e que dá continuação ao debate no campo da política e da saúde em sua dimensão subjetiva e, ao mesmo tempo, objetiva. A partir das tecnologias de prevenção, buscamos colocar em análise determinadas práticas da psiquiatria no contemporâneo. Para tanto, tomamos as considerações de Foucault sobre biopoder, a partir de sua vertente medicalizante, que naturaliza as noções de vulnerabilidade e de risco, frequentes nas políticas ditas de assistência. A utilização da noção de prevenção como uma ferramenta possibilita trazer um debate ético-político das propostas do INPD, apontando-as como práticas de governo da vida, que se apresentam como eficientes e verdadeiras por serem científicas.

O Manuscrito A Mortalidade nos Manicômios da Região de Sorocaba e a Possibilidade da Investigação de Violações de Direitos Humanos no Campo da Saúde Mental por Meio do Acesso aos Bancos de Dados Públicos da autoria de Marcos Roberto Vieira Garcia, Universidade Federal de São Carlos (Brasil) não só profunda as questões anteriores, mas também insere elementos que dizem das consequências da falta de autonomia dos usuários e dos excessos das práticas medicamentosas no âmbito da saúde mental. Assim, o autor dedicase a investigar as relações de poder no campo da saúde pública e em particular as chamadas instituições totais. Mais particularmente o autor apresenta em seu texto dados acerca da mortalidade nos hospitais psiquiátricos da região de Sorocaba no período entre 2004 e 2011 e aponta para diversas situações de violação de direitos humanos.

Por fim, o artigo "Grupos minoritários": forma e organicidade dos empreendimentos (ditos) solidários da autoria de Fabio Bitencourt Meira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil). O manuscrito se baseia nas contribuições de Eugène Enriquez para discutir a organização "autogestionária" de empreendimentos de economia solidária (EES), as quais supostamente produziriam em bases democráticas contrariando a lógica capitalista. O objetivo é apreender sua forma e organicidade diante de tais pressões. A construção de vínculos sociais grupais que potencializem a gestão democrática e a participação são objeto de análise, sendo que o autor entende que por meio do conceito enriqueziano "grupo minoritário" é possível compreender os dilemas implicados em empreendimentos societários.

O artigo que segue vem consolidar uma das temáticas que têm se mostrado mais recorrentes em nossa RPP a temática das relações de gênero e orientação sexual associada à temática da violência, seja ela física ou simbólica. Trata-se do trabalho A Psicologia e a Judicialização dos Casos de Violência Sexual. Consuelo Biacchi Eloy e Elizabeth Piemonte Constantino da Universidade Estadual paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Brasil) pautam aqui na RPP o tema da violência sexual como sendo um fenômeno a ser enfrentado por diversas ações públicas. Omo recordam as autoras, a violência sexual exige um sistema de notificação formal que preserve a vítima do sofrimento da exposição pública reserva à Psicologia um papel de importância impar para o cuidado dessas mulheres. Esse é o labor de psicólogas e psicólogos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Mas a atividade desses profissionais também é relevante no âmbito das políticas públicas que estão voltadas ao enfrentamento da violência sexual e ao atendimento às vítimas. Nesse debate as autoras nos conduzem pelas trilhas do debate em torno à relação existente entre o Poder Judiciário e as Políticas Públicas quando o tema é violência sexual.

Fechamos a sessão artigos com o texto Uma perspectiva poética-crítica em Psicologia da Arte, de Renato Cury Tardivo, Universidade de São Paulo (Brasil). Nele o autor nos propõe o debate da arte em sua dimensão subjetiva e política. Partindo das proposições de João Frayze- Pereira, fundador do Laboratório de Estudos em Psicologia da Arte da Universidade de São Paulo, o autor considera os aspectos do pensamento de Maurice Merleau-Ponty, Luigi Pareyson e de Max Horkheimer no desenvolvimento da Psicologia da Arte em sua dimensão poética-crítica. A discussão da arte como expressão da política ainda é insipiente no Brasil e por isso essa contribuição ganha importância.

Finalmente, concluímos as publicações da RPP 23 com a resenha Lazer e Poder no Brasil feita por Felipe Corrêa. O autor nos apresenta de modo crítico o livro O Lazer no Brasil: de Getúlio Vargas à globalização, de Marco Antonio Bettine de Almeida e Gustavo Luis Gutierrez. Ele faz sua análise das relações entre lazer e o poder no país a partir de três períodos: o nacional-desenvolvimentismo, a repressão militar e a globalização, nos quais o lazer é um elemento fundamental da esfera cultural-ideológica, aspecto que é de sumo interesse para a psicologia política quando pensamos a produção de sujeitos políticos.

Não poderíamos terminar esse editorial sem agradecermos ao professor Celso Zonta elos quatro anos de dedicação e empenho para com a Revista Psicologia Política. Trabalhar a seu lado foi um prazer e um momento de aprendizado digno de registro. A nós da RPP só resta agradecer-lhe e desejar sucesso em seus novos projetos.

A nossas(os) leitoras(es) desejamos uma leitura e esperamos encontra-las(los) em São Francisco de Paula, RS, Brasil, no VII Simpósio Brasileiro de Psicologia Política que ocorrerá entre 15 e 18 de novembro de 2012.

 

 

* Editor.