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Revista Psicologia Política

Print version ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.12 no.25 São Paulo Dec. 2012

 

RESENHA

 

A psicologia política na encruzilhada humana

 

Policy psychology at the human crossroads

 

La psicología política en la encrucijada humana

 

 

Jorge Alberto Machado

Doutor em Sociologia pela Universidad de Granada, Granada, AN, Espanha, e Professor do Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Informação e do Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciência e Humanidades da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. machado@usp.br

 

 

Obra: Psicologia Política: debates e embates de um campo interdisciplinar
Autores: Marco Antonio Bettine de Almeida; Alessandro Soares da Silva; Felipe Corrêa. (Orgs.)
São Paulo: EACH, 2012.
247 páginas.
ISBN: 978-85-64842-02-1.
(E-book) Link para download (site da EACH/USP): <http://each.uspnet.usp.br/edicoeseach/psicologia_politica.pdf>

Psicologia Política é uma encruzilhada de campos de conhecimento, um dos seus aspectos centrais é a interdisciplinaridade, que a permite tratar de forma multifacetária diferentes objetos das ciências humanas. Essa é a perspectiva dos organizadores do livro "Psicologia Política: debates e embates de um campo interdisciplinar", os professores Alessandro Soares da Silva, Marco Antonio Bettine de Almeida e Felipe Corrêa. O livro reúne a produção intelectual do Grupo de Pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo. Seu foco é o comportamento político e seus desdobramentos no âmbito dos movimentos sociais e das ações coletivas, das políticas públicas e das sociedades multiculturais.

A proposta do livro é ousada: demonstrar, através de produção de um grupo de pesquisa e que envolve profissionais de diferentes formações, a capacidade de um campo científico largo, de difícil definição, de explicar, analisar e, por vezes, atribuir novos significados a um conjunto diverso de fenômenos políticos, culturais e sociais.

O leitor atento, provocado pelo objetivo do livro, pode colocar sua proposta à prova ao tentar compreender essa encruzilhada promovida pela Psicologia Política. Trata-se de uma intersecção semelhante a que as Ciências Sociais propõem, mas com um escopo mais amplo. Na prática, a psicologia e a política, tomadas isoladamente, são campos em si já bastante ricos, passíveis de múltiplos olhares. Ambos possuem fortes laços com a Sociologia, a Antropologia e o Direito. Esse é justamente o desafio da Psicologia Política: apresentar-se como um campo que incorpore, ao mesmo tempo, as dimensões social, política, psicológica com todas suas inevitáveis intersecções para se compreender a realidade social contemporânea.

Sabe-se que qualquer objeto de estudo, para uma compreensão mais ampla, demanda uma perspectiva multidisciplinar. Esse é o desafio da ciência em geral, que desde o iluminismo e especialmente pela influência do modelo de organização social e desenvolvimento econômico capitalista, enveredou-se para uma contínua especialização e mercantilização. E assim construiu um discurso e uma racionalidade "própria" de atribuição de significados à realidade, que pouco vai além da reprodução social. Assim nos contentamos com uma ciência modesta em criticidade, "especializada" e compartimentada. Leituras parciais e particulares podem levar a explicações interessantes, mas nunca deixarão de ser parciais e particularistas. Esse desenvolvimento se deu às custas do sacrifício de uma visão mais holística, ao custo da perda do caráter multifacetado do conhecimento, da multiplicidade dos significados e principalmente da criticidade. Em vez disso predomina uma ciência que obra em prol de um saber opaco, descritivo, "tecnicista" e frequentemente utilitarista. É como se tivéssemos esquecido que tanto na natureza como na vida social tudo está integrado.

O que significa, por exemplo, estudar os movimentos sociais, sem perceber suas dimensões identitária, política, social, econômica e as subjetividades envolvidas? Como falar de meio-ambiente, ignorando o jogo dos interesses econômicos, políticos, as relações de poder, as variáveis culturais e psicológicas e as diferentes visões de mundo envolvidas por trás dos discursos e ideologias legitimantes?

Qualquer escolha baseada nos compartimentos estanques da ciência resulta numa perda de substância. A "neutralidade científica" serve assim a um público disciplinado, a uma sociedade disciplinada e um desenvolvimento social e político razoavelmente controlado, produzindo e reproduzindo instituições sociais que legitimam formas de dominação que servem a um grupo reduzido da população. Muito longe, portanto, de proporcionar bem-estar, felicidade, dignidade, afetividades e formas de conhecimento que gerem mais consciência, ética, responsabilidades individuais e coletivas e que tenham quaisquer significados emancipatórios.f Para fazer uma ciência possa transformar a sociedade é necessário transpor as barreiras existentes e uma das principais envolve a capacidade de manter o dialogicidade entre as "diferentes ciências" em vias de se garantir uma maior pluralidade de significados para fenômenos bastante específicos e buscar respostas mais consistentes para eventos e processos mais complexos.

Quando uma ciência se propõe a esse desafio, ela se sujeita a críticas dos "olhos parciais",dos "especialistas da área" e dos paradigmas vigentes. Mais confortável deixar como está. É como se vivêssemos em Xangri-Lá, vislumbrando futuro isento de riscos, mentiras e hipocrisias (BECK, 1992). A psicologia política, ao lado de outras ciências interdisciplinares, propõe contribuir para a construção uma ciência multi- e transdisciplinar. Esse é o desafio que está posto a frente dos setores mais progressistas das ciências, avessos às supostas fronteiras formais, conceituais ou mesmo imaginárias - em realidade, com suas bases cimentadas sobre relações de poder e de interesse. É esse espírito que permeia o livro, cujas abordagens teóricas, conceituais e visões práticas transpiram elementos emancipatórios e por vezes, "subversivos".

Os organizadores vêm o campo da Psicologia Política como "uma encruzilhada de campos de conhecimento, apoiando-se na interdisciplinaridade como um de seus aspectos centrais e debruçando-se sobre distintos objetos tais como: preconceito social; diferentes formas de racismo, xenofobia e homofobia; ações coletivas e movimentos sociais; intersubjetividade e participação; socialização política e saúde pública; relações de poder e instituições totais; valores democráticos e autoritarismos, participação social e políticas públicas". A organização dos textos coube ao Grupo de Pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo (GEPSIPOLIM), dedicado à investigação do campo comportamento político e seus desdobramentos no âmbito dos movimentos sociais e das ações coletivas, das políticas públicas e das sociedades multiculturais.

Em continuidade à apresentação do livro, o primeiro artigo, "A Psicologia Política: um Breve Olhar sobre as Américas", de Leandro Rosa e Alessandro Soares da Silva, faz uma descrição do desenvolvimento da psicologia no continente e promove uma reflexão sobre o escopo da psicologia política e a riqueza de suas abordagens. Na sequência, a obra se subdivide em três blocos: "Poder, Loucura e Prisões", "Saúde Pública e Esporte", "Democracia e Direitos Humanos".

O primeiro conta com três artigos que têm em comum a abordagem foucaultiana das relações de poder. Este bloco, intitulado "Poder, Loucura e Prisões" é aberto com o ensaio "Três Hipóteses da Teoria do Poder em Foucault". Nele, com base em artigos e entrevistas de Foucault, Felipe Corrêa Pedro busca responder sobre o significado do poder, como este se constitui e como se dão suas relações. Para desenvolver sua análise, o autor considera uma divisão da estrutura sistêmica da sociedade em três esferas fundamentais: econômica, política/jurídica/militar e cultural/ideológica. Ele conclui que o poder está transversalmente em todos os "corpos sociais", podendo ser visto em todas as relações de força, onde há não somente um poder, mas um contrapoder, uma forma de resistência a ele, sendo seu exercício inerente às relações sociais. Em continuidade, tem-se as contribuições de Débora de Brito e Marco Almeida Bettine, "Os saberes, Os crimes e a Loucura: Um Enfoque da Psicologia Politica" e "Análise de um Presídio Brasileiro: Uma Abordagem da Psicologia Política", também de autoria de Almeida, em parceria com Gustavo Gutierrez. Ambos textos se apoiam nas concepções de normalidade e poder de Foucault para fazerem robustas leituras contemporâneas sobre o contextos específicos, conduzindo o leitor à desconstrução de práticas sociais segregacionistas que se escondem por trás de discursos legitimantes.

O bloco seguinte, "Saúde Pública e Esporte", abre com "Para uma Teoria da Ação Comunicativa", de Almeida e Gutierrez. Como sugere o título, o texto explora de forma bastante didática e sem abrir mão da riqueza analítica os conceitos de Habermas sobre ação comunicativa, expondo também seus os pressupostos teóricos e metodológicos por trás da teoria do cientista social alemão. No texto a seguir, "A Promoção da Saúde: um Enfoque Psicopolítico", Almeida e seus orientandos expõem algumas experiências de políticas públicas no campo de saúde, tendo como foco uma abordagem interdisciplinar onde se discute cidadania, qualidade de vida e participação social. O bloco se completa com "Aspectos Contemporâneos do Esporte: o Sujeito e a Racionalização", com uma reflexão sobre o esporte à luz das Ciências Humanas. Os autores demonstram que o surgimento da ciência do esporte, passa pela percepção de sua relevância em relação a realidade social, às lutas simbólicas, aos elementos racionalizadores e modernizadores da sociedade, à cultura e à própria globalização. Nas palavras dos autores, tais elementos fazem que o esporte se constitua um "verdadeiro simulacro da realidade".

Por fim, o bloco "Democracia e Direitos Humanos" trata de temas complexos e permeados de olhares contraditórios, como participação social, emancipação política, ação afirmativa e o exercício de direitos civis. Os autores não se limitam as visões conservadoras e tradicionais de democracia, como as de Shumpeter e Dahl, buscando em comum apontar os caminhos da emancipação política e do empoderamento da ação coletiva. O primeiro texto, "A Democracia e os Desafios da Participação Política", de autoria de Guilherme Borges da Costa e Alessandro Soares da Silva, é dedicado a uma reflexão sobre os modelos teóricos de democracia, fazendo especial referência a Boaventura, Tilly, Poulantzas e Macpherson, adentrando nos debates contemporâneos acerca do significado político e social da participação para apontar perspectivas emancipação social que passem pela dialogicidade entre os atores políticos. Tendo como pano de fundo a reflexão sobre as transformações da modernidade, identificadas principalmente por Habermas e Bauman, em "A Intersubjetividade como Possibilidade de Emancipação" Dennis de Oliveira e Eliete Edwiges Barbosa tratam da emancipação na perspectiva da construção de "novas subjetividades" através de redes de comunicações, responsáveis pela atribuição de novos significados nas relações sociais e na ação política. O bloco é fechado com "Trajetória das Políticas de Ação Afirmativa no Cenário Brasileiro", de autoria de Ana Rita dos Santos Ferreira e Andréa Viude. As autoras retomam a perspectiva histórica das políticas de ação afirmativa, discutem o conceito de "igualdade", apontam para os problemas e desafios a sua implementação e concluem ressaltando a importância do "reconhecimento da diferença" - o que nos remete a Taylor, 1998 -, e a superação da pretensa "igualdade" e "ordem natural" existentes em nossa sociedade.

O livro inicia, portanto, tratando de apresentar o campo interdisciplinar da psicologia política, apresenta nos dois blocos intermediários perspectivas teóricas e análises multifacetárias sob diferentes objetos de estudos, para depois apontar, no último bloco, visões emancipatórias sobre um temas caros para o aprofundamento da democracia, como participação social, políticas que promovam a igualdade, diversidade e a emancipação política. Esta obra de muitos autores, rica de abordagens e significados, demonstra com maturidade a vocação interdisciplinar da psicologia política. Coloca em relevo um campo moderno de investigação, que vai bem além dos limites da ciência sociais - hoje desmembrada em compartimentos estanques - que busca agregar um amplo leque de saberes e abordagens para dar melhores explicações às subjetividades e fenômenos sociais contemporâneos. Obviamente que essa conexão não é fácil de ser obtida. Mas, conforme a proposta do livro - explícita em seu título -, isso só pode ser alcançado através dos "debates e dos embates" de um campo aberto à interdisciplinaridade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bauman, Zygmunt. (2000). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

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Dahl, Robert. (1985). Um prefácio à teoria democrática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

Foucault, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo: Graal, 2005.         [ Links ]

Habermas, Jürgen. (2003). Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.         [ Links ]

Habermas, Jürgen. (1987). Teoria de la acción comunicativa (2 vol.). Madri: Taurus.         [ Links ]

Macpherson, Crawford B. (1977). The Life and Time os Liberal Democracy. Oxford. Nova Iorque: Oxford University Press.         [ Links ]

Santos, Boaventura de Souza., & Avritzer, Leonardo. (20005). "Para ampliar o cânone democrático". In. Boaventura de Souza Santos, Leonardo Avritzer. Democratizar a democracia. Os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.         [ Links ]

Schumpeter, Joseph A. (1984). Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

Taylor, Charles. (1998). A política de reconhecimento. Em Charles Taylor. (Org.). Multiculturalismo. São Paulo: Loyola.         [ Links ]

 

 

Recebido em 19/05/2012.
Aceito em 23/07/2012.

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