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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.13 no.26 São Paulo abr. 2013

 

EDITORIAL

 

Olhares psicopolíticos sobre as múltiplas formas de violências

 

Psychopolitical perspectives on the multiple forms of violence

 

Miradas psicopolíticas sobre las múltiples formas de violencias

 

Perspectives psychopolitiques sur les multiples formes de violence

 

 

Alessandro Soares da Silva

USP - Brasil. Editor

 

 

O ano de 2013 promete ser tão intenso quanto o anterior para o desenvolvimento da Psicologia Política Brasileira e em especial para nossa Revista. Com a ampliação do número de grupos de pesquisa existentes no Brasil e com a intensificação dos laços estabelecidos entre os e as pesquisadores/as dos demais países latino-americanos a nossa revista passará a ser ainda mais um canal de reflexão sobre os sentidos e rumos da Psicologia Política. Em um campo tão plural quanto este, consolidar a RPP como um local de trocas e até mesmo de disputas de significados e compreensões faz com que ela firme-se como um espaço aberto e acolhedor das diferenças e das divergências que possam existir na Psicologia Política. Ao não ser uma publicação hermética, guiada por uma leitura hegemônica do campo psicopolítico, a RPP assegura a quem está disposto a pensar livremente e com seriedade as incontáveis questões que animam a Psicologia Política.

Nesse primeiro fascículo do volume 13 da RPP, referente aos meses de janeiro a abril, apresentaremos dez artigos e uma resenha. Estes encontram conexão no tema Violência. As múltiplas faces da violência é uma preocupação recorrente na Psicologia Política e tem aparecido com frequência entre os manuscritos que recebemos. A naturalização social da percepção da violência ou mesmo o seu uso institucional e político fazem com que a ponderação sobre ela seja um desafio importante para nossa reflexão, pois ela altera invariavelmente as relações humanas e agudiza as disputas que dividem cruelmente a humanidade.

O conjunto que segue de artigos nos ajudará a pensar criticamente o tema da violência política, sobretudo quando nesse último mês de março, testemunhamos a eleição do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Com um currículo marcado por discursos racistas e homofóbicos ele conduzirá a comissão que tem tido uma história que vai na contramão do que promete fazer seu novo presidente. Certamente, neste ano poderemos testemunhar como religião e política poderão produzir um cenário propício para o crescimento de determinadas formas de violência institucional e cabe à comunidade de estudiosos de psicologia política analisar e refletir sobre esses acontecimentos e, dentro do possível, propor formas de enfrentamento desse tipo de situação que transforma negativamente as relações humanas.

Assim, abrimos o presente número da RPP com o manuscrito Entre o Outro e o Mesmo: sobre ética e violência nas relações da lavra de Belinda Piltcher Haber Mandelbaum (Universidade de São Paulo). Partindo da Psicanálise a autora aborda a alteridade e o reconhecimento, pois são elementos determinantes para a compreensão dos fenômenos da violência. Nesse debate, podemos observar o diálogo entre diferentes correntes psicanalíticas quando encontramos as posições de Freud, Winnicott e Klein, bem como as autorxs (Levinas e Arendt) que complementam esse debate de modo a dar conta da complexidade do fenômeno da violência.

Por sua vez, o historiador galego, Calos Sixirei (Universidade de Vigo) nos brinda com o texto Sexualidad, Razas Impuras y Control Religioso en la Colombia Colonial. Nas páginas do artigo, veremos uma perspectiva que busca aproximar a subjetividade da história. Ao analisar o controle religioso exercido sobre o sexo inter-racial numa sociedade colonizada, o autor trata a sexualidade, em suas diversas manifestações, assim como da relevância que essa ocupa na vida social e política, Destarte, a sexualidade no período colonial colombiano ganha relevância no processo de integração e miscigenação e rompe os esquemas de controle da vida cotidiana pretendidos pela Igreja. O manuscrito nos mostra desde um olhar histórico a face transgressiva da sexualidade humana e que rompe com a violência da moral imposta em uma sociedade multicultural.

O artigo A Influência da Família no Processo de Escolarização e Superação do Preconceito Racial: um estudo com universitários negros de Edna Martins (Universidade Federal de São Paulo) e Aparecida das Graças Geraldo (Universidade Estácio de Sá) dá continuidade a muitas das questões levantadas anteriormente. Ao refletir sobre a influência da família na trajetória de escolarização de negros, a autora mostra a violência da desigualdade e o faz a partir de memórias de estudantes universitários. Pensar acerca do papel da influência da família no rompimento da exclusão escolar ou das situações de humilhação e racismo omitidas e silenciadas pela escola e família, faz com que esse texto abra o leque das possibilidade de produção social da violência na ótica psicopolítica.

Estratégia de Sobrevivência dos Gays no Ambiente de Trabalho, da autoria de Helio Arthur Irigaray e Maria Ester Freitas (Fundação Getúlio Vargas) nos ajuda a pensarmos acerca da diversidade no ambiente de trabalho. Ao observarem quais estratégias de sobrevivência que sujeitos homossexuais e bissexuais utilizam num ambiente de trabalho heterocêntrico, xs proponentes deste manuscrito indicam três possíveis modus de identidade social que permitem a esses homens sobreviver em meio a violência que uma sexualidade obrigatoriamente heteronormativa gera naqueles que possuem sexualidades discordantes. Assim, o texto nos mostra como o mundo do trabalho produz espaços de sofrimento e de injustiça e podem conduzir a violência institucional entre os diferentes atores que ocupam distintos espaços de poder.

Henrique Luiz Caproni Neto , Luis Alex Silva Saraiva (Universidade Federal de Minas Gerais) e Renata de Almeida Bicalho ( Universidade Federal de Juiz de Fora) dão continuidade ao debate proposto por Irigaray e Freitas. Em Violência Simbólica nas Trajetórias Profissionais de Homens Gays de Juiz de Fora os autores analisam as violências simbólicas vividas homens homossexuais em Juiz de Fora. O cenário destas violências é o espaço profissional e o que se percebe é um acirrar das relações nas quais são impostas as bases heteronormativas. Homossexuais são objeto de violência simbólica, são vistos de modo negativo, estereotipado não são aceitos por pessoas heterossexuais como iguais. Sua sexualidade é motivo de desqualificação profissional e de justificação da violência simbólica a que estes sujeitos são submetidos.

No artigo O dispositivo "Saúde de Mulheres Lésbicas": (in)visibilidade e direitos de Cintia Sousa Carvalho, Fernanda Calderaro e Solange Jobin e Souza (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro ) analisam documentos científicos e políticas de saúde direcionadas para mulheres lésbicas. As autoras procuram verificar se há mudanças nesse quadro e como elas poderiam estar se dando. Contudo, fica claro que a invisibilização das necessidades dessas mulheres é também um modo de violência, pois negam-lhes a possibilidade de reconhecimento. Como destacam as autoras, historicamente essas mulheres não são objeto de atenção das políticas de promoção de direitos.

Fazendo um vínculo com as questões de saúde levantadas no texto anterior encontraremos o artigo Subjetividade no Aconselhamento em HIV/Aids de Wedna Cristina Marinho Galindo (Faculdade de Ciências Humanas de Olinda), Ana Lúcia Francisco (Universidade Católica de Pernambuco) e Luís Felipe Rios (Universidade Federal de Pernambuco). Ao discutir as concepções de subjetividade, a partir da análise de textos do Ministério da Saúde recomendados para capacitação de aconselhadores, artigo busca compreender como se entende e os desdobramentos dessas compreensões a hora de proceder o aconselhamento subsidia a testagem de HIV no Brasil. Nesse sentido, o texto revela que mecanismos de controle das subjetividades são identificados, inscrevendo o aconselhamento como dispositivo da biopolítica, a serviço da avaliação, cálculo e antecipação de riscos, comuns a uma sociedade de segurança, o que de certa forma pode indicar um modus operandi comum aos procedimentos de controle simbólico que são geradores de violências ou, ao menos, enquadramentos sociais bastante empoderados na atualidade.

Se nos artigos anteriores tratamos das vulnerabilidades relativas aos universos da raça/etnia e das sexualidades não heteronormativas, a partir destes textos abordaremos nesse fascículo outras formas de vulnerabilidades sociais, destacadamente a infância e juventude e os portadores de necessidades especiais.

O texto Face da Morte: a lei em conflito com o adolescente de Luciene Jimenez e Flávio Américo Frasseto (Universidade Anhanguera/Universidade Bandeirantes) traça um panorama da temática da infância e adolescência no Brasil desde o Código de Menores (1927) ao Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Ao priorizarem o debate da adolescência em conflito com a lei, retomam também a questão da violência como modo de manutenção de determinado continuum que justifica o esvaziamento simbólico da infância e da adolescência e que permite sua tutela. Portanto o manuscrito busca refletir sobre a incidência das medidas socioeducativas sobre um determinado grupo de adolescentes: aquele que diariamente engrossa as estatísticas de mortalidade por causas violentas.

No artigo Adultos com Deficiência na Psicologia: desafios para uma investigação psicológica politicamente consciente de Aline Wanderer (Universidade de Brasília) pauta um tema que ainda hoje carece de estudos. Ao investigar como os adultos com deficiência vêm sendo abordados pela psicologia do desenvolvimento adulto a autora contribui para dar luz a esse campo. Mas ao fazê-lo, ela analisa também temas transversais relacionados a essa realidade, tais como exclusão social, pobreza e violência.

O último artigo deste fascículo chama-se Identidad nacional y relaciones interpersonales en una cultura donde la norma es la transgresión e é escrito por Maite Regina Beramendi e Elena Zubieta (Universidade de Buenos Aires). As autoras nos ofereecm um texto sobre cultura normativa Argentina e suas implicações psicopolíticas a partir da psicologia social. Elas exploram a percepção de estudantes universitários sobre o cumprimento da regra na Argentina e do funcionamento do sistema de regulamentação, bem como das relações interpessoais nestas dinâmicas. Nesse quadro, confiança contrasta com desconfiança e corrupção, pois se observou que os estudantes universitários argentinos veem as instituições argentinas corruptas e ineficazes institucionalmente, atribuindo a elas mais termos pejorativos que positivos. Aqui também podemos notar a presença da violência simbólica presente nessas discursividades.

Finalmente, a Resenha Eduardo Leite Bacuri: biografia de um guerrilheiro de Domenico Ung Hur (Universidade Federal de Goiás) trata da obra Eduardo Leite Bacuri, da autoria de Vanessa Gonçalves, publicada pela Plena Editorial, em 2011. O texto nos leva a refletir acerca do papel de certos líderes políticos e seu carisma. Na trajetória das análises de personalidades políticas atuais, Hur nos conduz de modo crítico pela vida e ação desse personagem da história nacional.

Ao prepararmos este número, nos deparamos com as diferentes maneiras de se produzir a desigualdade e com o uso de diferentes formas de violência que garantem lugares de poder e constroem formas de deslegitimações que alteram as possiblidades de inserir-se no mundo, de fazer-se protagonista da história. De certo modo, podemos ler, inferir, as razões pelas quais podem emergir Marcos Felicianos, de um lado, e, de outro, Eduardos Bacuris. Estou certo de que a psicologia política pode contribuir em muito para um mundo mais justo e melhor, onde as formas de deslegitimação e injustiça possam deixar de existir. Mas para isso há muito trabalho pela frente! Esperamos que esse novo fascículo gere outras questões que conduzam a novas reflexões que possam vir a ser submetidas a nossa revista. Desejamos que a leitura das produções aqui veiculadas e a sua citação em outros periódicos sejam uma forma de contribuir para a divulgação dessa revista e de nosso campo.

Contamos com seu apoio!

Boa leitura!

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