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Revista Psicologia Política

Print version ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.13 no.26 São Paulo Apr. 2013

 

Violência simbólica nas trajetórias profissionais de homens gays de Juiz de Fora

 

Symbolic violence in gay men professional trajectories from Juiz de Fora

 

Violencia simbólica en las trayectorias profesionales de hombres gays de Juiz de Fora

 

Violence symbolique chez les hommes gais aux trajectoires professionnelles dans la ville de Juiz de Fora

 

 

Henrique Luiz Caproni NetoI; Luiz Alex Silva SaraivaII

IBacharel em Administração e Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É mestrando no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. henriquecap_adm@yahoo.com.br
IIDoutor em Administração e Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. saraiva@face.ufmg.br

 

 


RESUMO

O presente artigo destina-se a analisar as violências de caráter simbólico vivenciadas por homossexuais masculinos de Juiz de Fora, com destaque para o âmbito profissional. Recuperamos trabalhos que tratam da construção da homossexualidade, do homossexual masculino no trabalho, da violência simbólica e sua relação as homossexualidades. Entrevistamos seis homossexuais masculinos por meio da técnica de história oral. Tratamos os dados por meio da análise de conteúdo qualitativa temática considerando duas categorias: violência em caráter amplo e violência e trabalho. De modo geral, as manifestações de violência simbólica abrangem uma visão negativa sobre os não heterossexuais, estereótipos e a não aceitação. No trabalho, tais manifestações também se apresentam por meio da internalização do ponto de vista heteronomativo, exclusão e desqualificação do homossexual.

Palavras-chave: Homossexualidade, Trabalho, Violência simbólica, Heteronormatividade, Exclusão.


ABSTRACT

This article aims to analyze the symbolic character of violence experienced by gay men and one bisexual from Juiz de Fora, especially in the professional sphere. Recovered works dealing with construction of homosexuality, the male homosexual at work, the symbolic violence and its relationship with homosexualities. We interviewed six gay men through the technique of oral history. We treat data through qualitative thematic content analysis considering two categories: violence in wide character and violence in work. In general, the manifestations of symbolic violence include a negative view about the homosexual, stereotypes and non-acceptance. At work, such events also occur through internalization of a social view that values the heterosexual model, exclusion and disqualification of the homosexual.

Keywords: Homosexuality, Work, Symbolic violence, Heteronormativity, Exclusion.


RESUMEN

Este artículo pretende analizar la violencia simbólica experimentada por los hombres gay y bisexuales de Juiz de Fora, especialmente en el ámbito profesional. Los escritos recuperados tratan de la construcción de la homosexualidad, los hombres homosexuales en el trabajo, la violencia simbólica y su relación con la homosexualidad. Se entrevistó a seis hombres gays a través de la técnica de historia oral. Tratamos a los datos mediante el análisis cualitativo de contenido temático considerando dos categorías: la violencia en la naturaleza amplia y la violencia en trabajo. En general, las manifestaciones de la violencia simbólica incluyen una visión negativa de los homosexuales, los estereotipos y la no aceptación. En el trabajo, tales manifestaciones de violencia se presentan a través de la internalización del punto de vista heteronomativo, la exclusión y la descalificación de la homosexualidad.

Palabras clave: Homosexualidad, Trabajo, Violencia simbólica, Heteronormatividad, Exclusión.


RÉSUMÉ

Cet article analyse la nature symbolique de la violences subie par les homosexuels masculins à la ville de Juiz de Fora, en particulier au milieu de travail. Nous avons récupéré des documents académiques qui traitent de la construction de l'homosexualité, de l'homosexuel masculin au travail, de la violence symbolique et de ces relations homosexuels. Nous avons interviewé six homosexuels masculins en utilisant la technique de l'histoire oral. Nous tratons les donnés à partir de la méthode d'analyse de contenu qualitative considérant deux catégories : violence en caractère large large et la violence au travail. D'une manière général, les manifestations de violence symbolique couvrent une vision négative sur les non hétérosexuels, stéréotypes e la non-acceptation. Au travail, ces manifestations se produisent également par l'intériorisation de vue hétéronormative, l'exclusion et la disqualification des homosexuels.

Mots clés: Homosexualité, Travail, Violence symbolique, Hétéro normativité, Exclusion.


 

 

Introdução

Ainda que a Constituição Federal de 1988 tenha assegurado a todos a igualdade do ponto de vista legal, os processos sociais e políticos em vigor na sociedade brasileira ainda deixam claro que há um longo caminho a ser percorrido em matéria de lidar com as diferenças (Rios & Santos, 2008). A prova disso é que, no caso dos homossexuais, objeto desse artigo, ocorrem cerca de três assassinatos diariamente no país, além de violências de todas as ordens (Fontes, 2008). A questão não se restringe à violência física. Homossexuais são hostilizados das mais variadas formas, desde as mais explícitas, como agressões verbais diretas, às mais veladas, como as relacionadas ao humor, que em princípio suaviza das críticas (Irigaray, Saraiva & Carrieri, 2010), e ao silêncio, que atua como reforço da heteronormatividade, pois "o inescapável silêncio de imagens ou textos que pesadamente recobre esse tema abre espaço para a manutenção do preconceito e da discriminação homofóbica como uma forma de inferiorização" (Vianna & Ramires, 2008:360).

Além de se tratar de uma questão de objeto, estudar homossexuais trata-se de uma questão política, uma vez que não partimos de homogêneos e bem acabados parâmetros para discutir a sociedade. Como sustenta Montero (2009:311), a sociedade é menos singular do que plural, não sendo "uniforme, estável, quieta ou perfeita". Nela há forças que entram em choques sistemáticos, e o que se tem como algo dado se trata, na verdade, do resultado de um longo processo político em que uma das partes impõe a sua hegemonia à outra, o que jamais significa o amordaçamento da outra parte. Nessa perspectiva, nosso olhar se volta para as minorias e o seu direito de existir e de ser consideradas em suas diferenças.

Precisamente em função de a heterossexualidade ser tomada como ponto de partida para tentar definir o que é "normal" quanto à orientação sexual (Lionço & Diniz, 2009), é que precisa ser questionada enquanto parâmetro. Há muito silêncio em torno das diferenças e do que elas representam para a constituição de uma sociedade plural, não apenas do ponto de vista jurídico. A biologia e a ideia de naturalização dos corpos foi há muito questionada como referência para definir as "funções" que cada um deveria ter em nossa sociedade, de forma que aspectos não biológicos, especialmente os sociossimbólicos, ganham relevância.

A rejeição aos homossexuais não se explica somente por uma questão biológica, entretanto (Gouveia & Camino, 2009). A partir da biologia levantam-se argumentos desqualificantes que, em síntese, tratam os homossexuais como pervertidos, degenerados, excessivamente sexualizados, frágeis, inconstantes, frívolos, superficiais, incapazes e outros estereótipos que, em conjunto, atuam em conjunto para procurar restringir direitos e limitar os homossexuais a espaços "toleráveis" em sociedade. Os únicos lugares em que são aceitos são aqueles estreitamente associados a estereótipos, a exemplo dos ligados à moda, à maquiagem, aos cuidados estéticos etc., conforme argumenta Saraiva (2011). Mas a quem interessa essa restrição social, política e simbólica? Certamente não aos homossexuais.

Não obstante os homossexuais enfrentarem variadas dificuldades tanto no ambiente social como no mundo do trabalho e nas organizações relacionadas à sua orientação sexual, a homossexualidade é uma temática ainda envolta por um considerável silenciamento na sociedade (Lionço & Diniz, 2008). As sexualidades integram um debate político que influencia a estruturação das hierarquias sociais, no qual a heterossexualidade foi considerada uma experiência universal por conta de um discurso hegemônico que inferioriza qualquer experiência diferente do que é tido como "normal". As homossexualidades foram condenadas por este discurso hegemônico o que culminou em desigualdade, exclusão social, bem como em menos direitos sociais (Prado & Machado, 2008).

Porém, não há uma sexualidade natural, mas construções históricas e sociais sobre a sexualidade que implicam formas de poder e dominação (Adelman, 2000). Para Borillo (2010), a diferença entre homossexualidade e heterossexualidade visa ordenar um regime das sexualidades em que os comportamentos heterossexuais seriam qualificados como modelo. Assim, é importante uma mudança de perspectiva, particularmente sobre como a homofobia altera a forma pela qual a homossexualidade tem sido problematizada. Em detrimento de se estudar o comportamento homossexual como desviante, busca-se estudar as causas que levaram a considerar essa sexualidade como desviante e analisar a hostilidade relacionada com a homossexualidade (Borillo, 2010). Ainda, cabe considerar na sociedade uma visão androcêntrica na qual a norma do comportamento masculino estaria associada à misoginia, ao sexismo e, inclusive, à homofobia (Smigay, 2002).

Não estando descolado do contexto social, o âmbito do trabalho e das organizações também é influenciado por essa heterossexualidade compulsória (Lionço & Diniz, 2008). Contudo, ainda são poucos os trabalhos que se interessam pela vivência de homossexuais masculinos, como os de Irigaray (2007), Ferreira e Siqueira (2007), Siqueira, Saraiva, Carrieri, Lima e Andrade (2009), Bicalho, Diniz, Carrieri e Souza (2011), Irigaray e cols. (2010) e Souza e Pereira (2010), o que sugere que, mesmo enquanto temática, lida-se com algo secundário. Nessa direção, este estudo pretende contribuir para o debate da diversidade sexual e da violência nas organizações tendo em vista o status de não aceitação das homossexualidades na sociedade.

Neste artigo se analisam as violências simbólicas nas trajetórias profissionais de homens gays de Juiz de Fora. Para tanto, teoricamente serão discutidos estudos sobre gays no trabalho, a violência simbólica e sua relação com a homossexualidade. Em seguida, apresentaremos a metodologia e a análise dos dados, o que precede as considerações finais.

 

Homossexuais Masculinos no Trabalho

Os estudos brasileiros voltados para a relação entre homens gays e trabalho versam, sistematicamente, sobre os desafios de assumir a sexualidade e suas consequências em diversos níveis. Abordando os homossexuais masculinos e o processo de assumir a orientação sexual, Ferreira e Siqueira (2007) identificaram que ambientes mais favoráveis à diversidade favorecem o processo de saída do "armário", enquanto que os mais rígidos atuam para que o homossexual permaneça no "armário". Nesses ambientes, não revelar a orientação sexual está relacionado à associação entre assumir a sexualidade e ser foco de piadas, chacotas e "brincadeiras" e à ausência de oportunidades de crescimento e ascensão profissional.

A relação entre o humor e as manifestações de discriminação nas organizações foi estudada por Irigaray e cols. (2010). Foi identificado que os heterossexuais usam o humor para desqualificar profissionalmente homossexuais femininos e masculinos, o que também constitui uma limitação para seu crescimento no ambiente organizacional. Além disso, o humor (com expressões de ironia, comicidade e piadas) naturaliza a homofobia, posto que rir os homossexuais, desrespeitando-os, é respaldado pela sociedade.

Tratando da homofobia, Siqueira e cols. (2009), salientam que é um problema encontrado no meio social e organizacional. Os autores verificaram, além da omissão dos superiores hierárquicos, diferentes formas de violência moral para com os homossexuais, por meio de ações diretas ou veladas de agressão, como perseguição por chefes e colegas, punições, sabotagem no trabalho, barreiras para progressão na carreira, divulgação da orientação sexual, piadas homofóbicas etc. Diante disso, o estudo enfatiza a importância das organizações atuarem visando à prevenção e combate à discriminação.

Para lidar com esse quadro de violência, os discriminados adotam estratégias de sobrevivência no trabalho, o que foi estudado por Irigaray (2007). Tais indivíduos foram classificados como totalmente assumidos, parcialmente assumidos e não assumidos. Os totalmente assumidos, ao adotar a estratégia de "gladiadores" adotam uma posição de enfrentamento. Os totalmente assumidos "pacificadores" procuram evitar conflitos, serem simpáticos, cooperativos e dispostos a trabalhar em equipe. Os parcialmente assumidos, ao adotar a estratégia de ser "gente boa" procuram desviar a atenção sobre sua orientação sexual. Já os que se baseiam na estratégia de "super homem" se dedicam totalmente ao trabalho para evitar qualquer discussão sobre sua sexualidade. Por sua vez, os não assumidos, ao enfatizar a estratégia de "machão", evitam o contato com o universo gay, sempre falam sobre mulher e futebol. A estratégia de "sedutor" se relaciona ao imaginário de Don Juan por meio de galanteios a mulheres e afirmações de suas aventuras e dotes sexuais. E a última estratégia é a do homem "invisível", procurando eles serem vistos como tímidos e evitar chamar a atenção.

As dificuldades enfrentadas pelos homossexuais no trabalho se traduzem em aspectos como discriminação, preconceito, desigualdade, e com heteronormatividade, o que sugere haver uma relação entre violência simbólica e homossexualidade, discutida a seguir.

 

Violência Simbólica e Homossexualidade

A violência é algo tão presente no nosso cotidiano que, muitas vezes, não notamos o quanto somos violentados, pois uma situação pode ser considerada não violenta para quem a vê, no entanto pode ser de extrema violência para quem a experimenta (Siqueira, 2009). Para Faria e Meneghetti (2007:283), a violência remete a toda forma de exploração e dominação. Assim, a definem como:

[...] a prática de ações voltadas para preservar interesses específicos através de instrumentos coercitivos explícitos ou sutis de qualquer natureza, em contraposição aos mais legítimos interesses e direitos coletivos, desqualificando a práxis democrática, crítica e reflexiva e instituindo, com a finalidade de perpetuar, fatos e situações intensas de força e desproporcionais à utilidade tolerável da aceitação da dominação como fruto das relações de poder, impondo, assim, um ambiente de não questionamento da realidade com o intuito de reproduzi-la.

Para compreender a violência simbólica, é relevante recuperar a discussão sobre o poder simbólico (Bourdieu, 2002) devido à relação entre tais conceitos. O poder simbólico pode ser caracterizado como um poder invisível, estruturante, de construção da realidade, o qual estabelece um sentido de construção imediata ao mundo. É tido como o

[...] poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força. (Bourdieu, 2002:14)

Esse poder se apresenta por meio de sistemas simbólicos nos quais as produções simbólicas atuam como instrumentos de dominação, isto é,

[...] enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação que contribuem para asseguram a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) [...] as diferentes classes e fracções de classes estão envolvidas numa luta propriamente simbólica para imporem a definição de mundo social mais conforme os seus interesses [...] (Bourdieu, 2002:11).

Dessa forma, a violência simbólica ocorre em razão do poder simbólico, sendo definida como uma violência "suave, insensível, invisível para suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento, ou, em última estância, do sentimento" (Bourdieu, 2003:7). Evidencia-se a relação entre a violência simbólica e as estruturas de dominação historicamente construídas, posto que agentes como as instituições, as famílias, a Igreja, a Escola, o Estado e os homens contribuem para a reprodução dessas estruturas. O dominado assume o ponto de vista do dominante, pois,

[...] a violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimentos que ambos têm em comum e que, não sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem esta relação ser vista como natural (Bourdieu, 2003:47).

Nesse contexto, é preciso enfatizar que, mesmo o presente conceito estando ligado ao simbólico, não desconsidera as manifestações reais do poder e de violência, não estando simplesmente associado a um âmbito "espiritual", tendo em vista as situações em que pessoas são "espancadas, violentadas, exploradas", mas busca visualizar, "na teoria, a objetividade da experiência subjetiva das relações de dominação" (Bourdieu, 2003:46).

Enfatizando as organizações e as minorias, Rosa e Brito (2009) ressaltam que a violência simbólica busca conservar os padrões dominantes e manter a estabilidade do campo, porquanto visa assegurar a dominação dos quais ocupam posições de destaque nesse espaço e, assim, subjugar as minorias que se inserem nesse espaço. Assim,

[...] a doxa (cultura dominante legítima e compartilhada pela maioria - esta no sentido sociológico do termo) opera uma ação pedagógica no sentido de inculcar nesse exemplos (mulheres, negros e homossexuais) a "cultura oficial", violentando seu habitus primário, obrigando-os a (des)assumirem determinados comportamentos ou atitudes (in)compatíveis com a doxa organizacional. Estar submetido ao processo pedagógico descrito e aceitá-lo como legítimo, incorporando seu "arbítrio cultural" como verdade e assumindo posturas morais e corporais segundo sua doxa... (Rosa & Brito, 2009:641).

No contexto das minorias, pelo status de desvalorização social das homossexualidades, a violência simbólica marca a discriminação sofrida pelos homossexuais, bem como a estigmatização e a invisibilidade a que estão submetidos, uma vez que

[...] a forma particular de dominação simbólica de que são vítimas os homossexuais, marcados por um estigma que, à diferença da cor da pele ou da feminilidade, pode ser ocultado (ou exibido), impõe-se através de atos coletivos de categorização que dão margem a diferenças significativas, negativamente marcadas, e com isso a grupos ou categorias sociais estigmatizadas. Como em certos tipos de racismo, ela assume, no caso, a forma de uma negação da sua existência pública, visível. A opressão como forma de "invisibilização" traduz uma recusa à existência legítima, pública, isto é, conhecida e reconhecida, sobretudo pelo Direito, e por uma estigmatização que só aparece de forma realmente declarada quando o movimento reivindica a visibilidade. Alega-se, então, explicitamente, a "discrição" ou a dissimulação que ele é ordinariamente obrigado a se impor. (Bourdieu, 2003:143)

Na relação entra violência simbólica e o preconceito, Prado e Machado (2008) dizem que ele nos impede de "ver" que "não vemos" e "o que é que não vemos". Além disso, é um elemento relevante na estruturação das hierarquias e na manutenção das inferiorizações sociais. O preconceito também impede que relações subordinadas se transformem em política, naturalizando uma ordem social e contribuindo para os processos de dominação social, inferiorizando as homossexualidades.

Bicalho e cols. (2011) identificaram que as violências simbólicas com maior ocorrência são as relacionadas à depreciação do homossexual em relação ao heterossexual e exclusão dos ciclos sociais, o que se estende, no trabalho, à perda de promoções, à dificuldade decrescimento na carreira e à inserção no mercado de trabalho. É clara a dominação simbólica quando os homossexuais buscam se ajustar ao modelo heteronormativo hegemônico, quando negam sua identidade e impõem a si mesmos diversos controles de comportamento, bem como quando assumem o ponto de vista de uma sociedade sexista e homofóbica, discriminando outros homossexuais que possuem trejeitos femininos.

A particularidade desta relação de dominação é que ela não está ligada aos signos sexuais visíveis, e sim à prática sexual. A definição dominante da forma legítima desta prática, vista como relação de dominação do princípio masculino (ativo, penetrante) sobre o princípio feminino (passivo, penetrado) implica o tabu da feminilização, sacrilégio do masculino, isto é, do princípio dominante, que está inscrito na relação homossexual. Comprovando a universalidade do reconhecimento concedido à mitologia androcêntrica, os próprios homossexuais, embora sejam disso (tal como as mulheres) as primeiras vítimas, aplicam a si mesmos muitas vezes os princípios dominantes... (Bourdieu, 2003:144).

Tal ponto também foi constatado por Souza e Pereira (2010:10), que identificaram que os homossexuais "definem" os comportamentos aceitáveis para os pares de acordo com os tipificados como masculinos (aceitos) e como femininos (rejeitados), assim evidenciando que "existe uma naturalização do modelo heterossexual pelos homossexuais e uma tentativa de estabelecer regras de funcionamento similares às do heterossexualismo".

Entretanto, devemos considerar os limites da proposta de Bourdieu ao refletir sobre as organizações e a sociedade, tendo em vista que há resistência por parte das minorias como o movimento feminista, o negro e o LGBT. Do ponto de vista simbólico, esses movimentos marcam uma ressignificação de ser mulher, negro ou homossexual, com impactos sobre as políticas que buscam a valorização da diversidade (Rosa & Brito:2009).

 

Metodologia

Esta é uma pesquisa qualitativa ao lidar com aspectos subjetivos das trajetórias profissionais de homossexuais masculinos. Chizzotti (2008:79) ressalta que essa abordagem "parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito".

Os participantes foram selecionados por indicação e contatos pessoais dos pesquisadores, tendo-lhes sido informado que era um estudo sobre diversidade e trabalho, que seria sigiloso, e que era necessário que manifestassem disponibilidade e interesse de participar. São seis homossexuais masculinos, considerados aqueles que possuem desejos afetivos e sexuais por alguém do mesmo sexo, com idade média de 32,5, e experiência profissional média de 15 anos. Cinco entrevistados trabalham em organizações privadas e um em uma organização pública. Na análise dos dados, eles serão identificados conforme a sigla no quadro 01 que traz uma caracterização detalhada dos mesmos.

O método de levantamento dos dados utilizado foi a história oral com ênfase na trajetória profissional dos indivíduos (Meihy, 1996), a qual possui maior objetividade do que a história de vida por ter como foco um assunto já preestabelecido. Assim, a história oral temática busca o esclarecimento ou opinião do entrevistado a respeito de um dado evento e detalhes da história pessoal do narrador só são relevantes quando revelam aspectos úteis para a temática central (Meihy, 1996). As entrevistas foram realizadas em Juiz de Fora - MG, durante o segundo semestre de 2011. A análise foi realizada por meio da análise de conteúdo temática e qualitativa, (Bardin, 2008), considerando duas categorias principais: violência em caráter amplo e violência e trabalho.

 

Violência em Caráter Amplo

Nessa categoria de discute a visão do homossexual na sociedade, os estereótipos e a sua aceitação. O primeiro trecho trata a respeito da visão social do homossexual masculino.

[...] As pessoas têm noção de ser gay, não sei se você já viu aquela definição da palavra gay, você já viu? Gay seria em francês colorido, então são pessoas alegres, pessoas coloridas, então quer dizer as pessoas têm a mentalidade de que gay é um palhaço, que gay não é pessoa, que gay não tem o cargo de confiança por ele não ter capacidade de exercer alguma coisa, ter alguma função além da parte sexual dele, então o gay sempre foi excluído da sociedade. (Entrevista de G4)

O entrevistado ressalta uma visão negativa da sociedade a respeito do homossexual masculino. Nota-se que tal visão é pautada pelo estereótipo do gay como "algo colorido", ou seja, algo que foge aos padrões socialmente valorizados, alguém não sério, reforçando aspectos a violência apontada por Siqueira e cols. (2009). Tal estereótipo desqualifica o homossexual tanto na sociedade quanto no trabalho, uma vez que enfatiza a sexualidade em detrimento dos demais aspectos e, por isso, leva à exclusão, o que é reforçado a seguir:

[...] Porque eles acham que muitos de nós somos muito frágeis, somos pessoas que choram e etc. E não é assim. Na verdade, a gente é uma pessoa normal como todo cara é. A única diferença é a preferência da gente, a gente prefere estar namorando com outro cara e não uma moça.

[No caso, eles acham de não ter feelings também, como assim?]

Porque em determinadas situação que você tem que ter pulso firme, vamos colocar no caso uma mulher lésbica, muitas delas apresentam aquela fala praticamente como a de um general. Então, eles acham que isso a torna uma pessoa insensível também. (Entrevista de G3)

O entrevistado diz que há, na sociedade, um estereótipo que associa os homens gays à fragilidade, e as lésbicas, a certa dureza no comportamento. A violência simbólica se evidencia ao desqualificar os homossexuais masculinos para qualquer atividade que exija firmeza, de tal modo que eles só poderiam se dedicar a profissões consideradas femininas, e as lésbicas, às masculinas, o que possui complexos desdobramentos (Saraiva, 2011).

A seguir, destacamos a questão da aceitação dos homossexuais:

É claro que existem pessoas que lidam bem com isso. Mas isso é uma minoria, minoria. Claro que existem mães que aceitam seus filhos, pais que aceitam seus filhos. Mas a grande maioria [não]. Isso se subdivide em diversos blocos: os pais, familiares, e amigos, que convivem bem com as pessoas que são; a outra parte que diz que convive e é mentira, porque quando aparece dentro da própria família, convive bem com os amigos dos filhos, mas quando eles não estão por perto, fazem as suas piadinhas ou dizem que não suportariam se acontecesse na família e se tem na família não aceita; existem aqueles que dizem que amam e é uma mentira muita absurda; existem aqueles que são completamente, acham que são alienígenas, que tem que, se tivéssemos pena de morte ou chibatadas em praça pública seria, aconteceria isso. Então, nós temos uma sociedade muito dividida entre aceitar e não aceitar ou matar. E sem ser extremista, porque é exatamente assim. Se não fosse assim, não teríamos mortes o tempo todo... (Entrevista de G5)

Ao analisar a questão homossexual na sociedade, o entrevistado observa que há uma postura contraditória, tendo em que é uma minoria que lida ou aceita, de fato, os homossexuais, enquanto a maioria não aceita ou finge que aceita, evidenciando a falsa aceitação das diferenças. Além disso, também destaca a violência a que estão submetidos ao citar casos de agressões físicas e de homicídios, reforçando Siqueira e cols (2009).

Violência e Trabalho

Esta categoria, composta por outras duas subcategorias, trata da rotina e do agir dos homossexuais no trabalho, bem como de sua desqualificação e exclusão.

A Rotina e o Agir no Trabalho

Considerando a rotina e o agir dos homens gays, iniciaremos com o "não dito":

[...] No meio profissional é bem, o pessoal não sabe, alguns que sabem respeitam, nunca tocaram no assunto, alguns que sabem já conversaram algumas vezes sobre isso, mas nunca voltaram ao assunto, sempre respeitaram, nunca assim me oprimiram, mas sempre lidaram com a maior dignidade e respeito possível. Mas no meio profissional, ninguém sabe.

[Mas, esses alguns que você falou são do meio profissional ou não?]

Alguns são do meio profissional.

[Então alguns do seu meio profissional sabem, mas geralmente se calam?]

É isso, se calam, não tocam. (Entrevista de G2)

O silenciamento apontado sugere um tabu na questão da homossexualidade, haja vista que os colegas que sabem sobre a sua sexualidade geralmente não tratam do assunto (Lionço & Diniz, 2008). A violência simbólica é manifesta porque o silêncio é uma forma de preconceito por meio da invisibilização da diferença, além de ser uma forma de negar a sexualidade, que é parte indissociável da identidade, o que reforça os achado de Irigaray e cols. (2011), Fontes (2008) e Vianna e Ramires (2008).

Outro aspecto relevante do agir dos homossexuais é a seriedade no trabalho:

[...] tentar ser o mais sério possível, ser o mais profissional possível, tentar em algumas situações, acontece, das profissões acontece... tentar ser o mais imparcial possível, tentar dividir as situações entre o pessoal e o profissional, se você tem um colega de trabalho, tem um cliente, uma pessoa que você lida, tentar separar as coisas, isso que é o mais importante, não misturar, por exemplo, um relacionamento que poderia ocorrer de um colega ou um cliente, de uma pessoa que você lida, porque você sabe que iria dar problema. Então eu tento ser o mais sério possível, como eu vejo que outras pessoas com as quais eu já conversei também nessa situação, pessoas da minha área que são bem mais antigas que eu, que até seis horas é uma coisa, acabou, tira o paletó, ai pronto, é outra pessoa, pode descontrair, pode estar com os amigos, mas ser o mais sério possível. (Entrevista de G2)

A busca de uma postura de seriedade e de separação entre a vida pessoal e profissional se relaciona, em parte, ao fato de o entrevistado atuar em uma área conservadora, o Direito. A violência simbólica associa homossexualidade à perda de respeito profissional. O entrevistado nega sua identidade pessoal no trabalho, o que pode ser considerado, conforme Irigaray (2007), uma estratégia de sobrevivência. A passagem a seguir também trata da seriedade como estratégia.

[...] eu posso te dizer que nos meus, do tempo que eu comecei a trabalhar até agora com uma mão eu conto os dias que eu faltei no trabalho, e tinha que ser algo bem grave porque fora disso eu nunca faltei, eu ia doente, eu ia com febre, eu ia com dor em tudo quanto é lugar que você imaginar, mas eu ia trabalhar.

[E por que dessa forma rígida?]

Porque eu achava que eu tinha que me destacar. Caso, eles descobrissem, eles não poderiam falar isso de mim. Então, é o tipo de pessoa que eu não queria dar margem para falar que eu fiz algo fora do meu serviço que prejudicou meu trabalho. Não!

[Uma forma de você mostrar também que mesmo sendo gay, você era competente também?]

Também. Essa é a principal ideia... (Entrevista de G3)

Em busca de reforçar sua competência e seriedade, o entrevistado dificilmente faltou ao trabalho, o que se aproxima da estratégia "super homem" levantada por Irigaray (2007). A busca por se destacar sugere uma tentativa de evitar a discriminação, isto é, trabalhando mais o entrevistado se iguala aos colegas heterossexuais.

Outra estratégia relacionada com o modo de agir no trabalho é afastar-se das pessoas no ambiente de trabalho:

Eu acho que se você, como eu te disse, mantendo essa postura de ficar um pouco afastado, um pouco mais recluso nas suas preferências, não quer dizer que você vai ser apagado ou que você esteja, como que eu vou dizer, omisso, não, você não é nem um pouco isso. Eu acho que o ideal é saber delinear bem isso. Você continuar sendo um bom profissional, continuar sendo uma pessoa íntegra. (Entrevista de G3)

Piada sempre tem, mas não hoje porque a partir do momento que você mantém uma posição sua, as pessoas te respeitam, porque você se respeita e a pessoa te respeita, por isso que eu falo você tem que ficar sempre atrás, se você der liberdade, a pessoa vem quanto tiver oportunidade e te monta, então você tem que se manter naquela posição que você é, a sua vida tem que ser lá fora, não aqui dentro.

[Então, tudo relacionado ao mundo homossexual, você deixa de fora do trabalho?]

Fora do trabalho, não tem nada a ver comigo. (Entrevista de G4)

A discrição no ambiente de trabalho mencionada no primeiro trecho, principalmente com relação à sexualidade, se aproxima da estratégia do "homem invisível" (Irigaray, 2007). A invisibilização reflete a internalização da violência simbólica quando o homossexual se submete à heteronormatividade, buscando, assim, parecer-se com os heterossexuais. No segundo trecho, o homossexual usa a reserva como defesa para não ser violentado. A violência simbólica é tão evidente aqui que a negação da homossexualidade como aspecto identitário constitutivo é naturalizada no trabalho. Outra manifestação de violência simbólica é parecer heterossexual ou ser discreto no trabalho:

Mas nessa nova profissão minha, eu descobri que tem várias pessoas que trabalham no meu meio que são, inclusive o que é meu chefe lá é, também muito discreto e tudo. Ele também já me demonstrou como que deve ser no ambiente de trabalho, eu certamente to acompanhando, foi o que ele me falou, ele falou que infelizmente para você subir, para você ter o respeito das pessoas, aqui também você tem que ser dessa forma, tem que ser o mais discreto possível, tem que se dar o respeito pra você ser respeitado. (Entrevista de G2)

Mas a única regra ainda que impõe toda empresa seria "tudo tem um limite", então pode ser à vontade em outra situação, mas dentro da empresa tem de ser de tal forma, tem que haver o respeito, fora daqui pode ser como quiser. (Entrevista de G2)

Consoante a primeira passagem, "se dar o respeito" é "ser discreto", isto é, agir parecido a um heterossexual, pois isso possibilita oportunidade de ascensão profissional. É expressa aqui também a internalização de violência simbólica ou a doxa, pois ele adota o ponto de vista da sociedade heteronormativa (Rosa & Brito, 2009). Reforçando isso, no segundo trecho, o indivíduo afirma que essa "tudo tem um limite" e esse limite abrange ser o mais discreto possível. O seguinte depoimento também trata da preocupação em se parecer heterossexual:

[...] eu ficava muito preocupado se vai dar certo, se estou certinho, se não está, se eu fiz a coisa correta, se é isso mesmo. Eu tava preocupado com a pessoa, se a pessoa vai rir de mim, vai debochar de mim. Nesse sentido, preocupar muito com o que os outros pensam a meu respeito [...]

[Então, de certa forma, você sempre estava querendo manter uma imagem de heterossexual?]

É, de bonitinho, que tem tudo certinho.

[E você achou que atrapalhou no seu crescimento nas empresas?]

Ah, eu acho que sim. Às vezes, eu olho para trás e eu falo "gente eu fui bobo, eu podia ter me dado mais razão, ter aceitado tal proposta, porque eu já recebi várias propostas de subir de cargo, de comandar". E, às vezes, eu deixei passar por questão de medo... (Entrevista de G6)

Neste depoimento, notamos a internalização da violência simbólica na busca de se parecer com um heterossexual o que fazia o entrevistado se sentir muito preocupado. Além disso, o fato de esconder sua homossexualidade e a preocupação que isso gerava o fez sentir-se inseguro, inclusive no que se refere à ascensão na carreira e pelapossibilidade de liderar outras pessoas, ratificando os achados de Ferreira e Siqueira (2007), um quadro em que se exclui a partir do momento em que o homossexual é desqualificado, conforme discutido a seguir.

Desqualificação e Exclusão

Essa subcategoria tem por temática a desqualificação e exclusão dos homossexuais no trabalho. Iniciaremos com a temática de exclusão e de eventos.

[Você já é praticamente casado com outro rapaz?]

Certo.

[Você levaria ele na empresa, numa festa da empresa?]

Levaria, com certeza.

[Você também apresentaria como seu marido?]

Não, eu acho que não tem necessidade até mesmo porque nem todo mundo lá sabe. Então, de repente como um amigo para não agredir, porque tem algumas pessoas que de repente falariam "nossa que não tinha necessidade dele falar isso". Porque, a visão é ainda um pouco retrógrada das pessoas, de algumas pessoas. (Entrevista de G1)

Nota-se que mesmo vivendo um relacionamento estável com outro homem, o entrevistado tem receio de apresentá-lo como companheiro porque isso "agrediria" colegas do trabalho, uma internalização da violência simbólica ou a doxa, já que o problema é apenas a valorização do modelo heterossexual. A próxima passagem também é associada com eventos.

[...] Em compensação, tem outras pessoas que não tem jeito, igual, por exemplo, o meu supervisor, sempre foi.

[Da empresa atual?]

Não, da antiga. Ele é crente, vai ser crente, vai continuar crente, e ele não vai mudar a opinião que ele tem que acha errado, que é errado, e não quer conversa a ponto de ele sequer, numa reunião que ele fez extra, depois do serviço, na casa dele, de chamar todo mundo e não me chamar, sem nenhum motivo aparente, a não ser... (Entrevista G3)

Esse depoimento expressa uma forma de violência simbólica baseada na exclusão do que foge aos padrões heteronormativos. O entrevistado relaciona o preconceito do supervisor a questões religiosas. Em várias religiões ocidentais a homofobia persiste ao considerar a homossexualidade algo que se opõe a uma ordem divina (Borrilo, 2010). A exclusão também pode se dar por meio das relações sociais no trabalho:

Não é complicada, porque você acaba sendo diferente, e as pessoas percebem. É aquele negócio, homem que é homem, passa uma mulher e "nossa, gostosa, boazuda". E eu não tenho que ficar assim, homem que é homem não precisa fazer isso. Então, você é o diferente, e as pessoas percebem isso, então com o tempo as pessoas "pô, você não joga no mesmo time". Então, você acaba de certa forma sendo excluído. (Entrevista de G4 )

[...] então quando entra um funcionário novo, enquanto ele não sabe quem é você, ele te trata bem e tal, mas depois que ele sabe quem é você, ele já te trata com uma certa indiferença porque ele não sabe como vai te tratar porque a visão dele é diferente, a informação que ele tem é que veado se chegar perto de você está dando em cima de você, se te cortar mal já tá te passando alguma doença. Infelizmente, por maior que seja a hierarquia, o pensamento deles é esse, por maior que seja o grau de instrução a pessoa tem ainda esse pensamento, às vezes a pessoa que não tem grau de instrução nenhum é mais amiga do que tudo, eu tenho faxineiras lá que fazem a limpeza lá que pegam, te abraçam, outras pessoas não, outras pessoas já são assim, sabe, tem todo cerimonial, quer dizer as pessoas mais simples são mais fáceis de conviver do que quem tem mais estudo, os que têm mais estudo são piores do que quem não tem. (Entrevista de G4)

No primeiro trecho, o entrevistado destaca que, por ter um comportamento diferente do estereótipo heterossexual masculino, ele acaba sendo e se sentindo excluído. A exclusão também ocorre à medida que novos empregados tomam conhecimento da sua orientação sexual e mudam a forma pela qual o tratam (segundo depoimento). Para ele, quanto mais alto o nível de instrução, mais difícil é a pessoa de conviver.

O próximo relato trata a questão da desqualificação do homossexual.

[...] Então quer dizer, as pessoas têm essa visão porque a partir do momento que você entrou num meio de héteros, você já é diferente, eles acham que você não é capaz de ser tão bom quanto eles. Então, eles te travam, eles não te dão oportunidade para você crescer, eu acho assim qualquer lugar tem que ser muito bom... então assim as pessoas veem por esse lado, até mesmo por mais que você seja bem sucedido, bem profissional, "ah bonitinho né", legal profissional, mas é veado, sabe aquele negócio "ele é meu amigo, mas é veado", igual aquela música, você pode ser uma excelente pessoa, mas é veado, sempre tem essa palavra. (Entrevista de G4)

Para o entrevistado, estar em um meio heterossexual é ser tratado como diferente, menor do que o heterossexual. Mesmo quando aparecem suas qualidades, o homossexual é desqualificado tendo em vista a sua orientação sexual, sendo-lhe, por isso, negadas oportunidades de reconhecimento profissional.

O próximo depoimento descreve uma situação de desqualificação e exclusão a pedido de clientes.

Uma coisa negativa é aquilo que eu te falei, às vezes, você vê um cliente, que ele não te entende, não sabe, é uma pessoa de idade, não sabe que você é um bom profissional, como já aconteceu. E a pessoa liga para a empresa dizendo que não quer você porque você denota ter, eu vou falar com as palavras da pessoa, "ele denota ter um comportamento muito gay para a posição que ele fala". Primeiro lugar, que posição? Eu estava lá para ensinar, não estava lá para cantar ninguém. Segundo lugar, todo boi tem um nome, até hoje eu não sei o nome da pessoa que foi dito isso. Então o que me incomoda é isso, não saber quem foi.

[A empresa não quis falar?]

Não, esse é um lado ruim que eu acho que você deveria saber até porque hoje em dia tem preconceito por cor, preconceito por orientação etc. porque também não pode falar por isso? Mas, eles não quiseram falar, foi diretoria mesmo que falou, não vai ser falado.

[E como que você se sentiu quando eles disseram que não seria falado?]

Como se fosse traído, como eu te falei, no inicio era uma coisa mais de união, era como se fosse quase uma família. De uma hora para outra, mudou totalmente as características ali, mudou da água para o vinho, aliás, do vinho pro vinagre. Então, se tornou uma coisa muito complicada de você, sabe, então realmente tava se tornando, durante esse período, houve várias mudanças na empresa e o que era considerado uma liberdade acabou se tornando uma prisão vamos dizer assim, então ficou ruim por causa disso.

[E com essa situação piorou?]

Sim, até porque eu não sabia onde eu podia estar errando. Ou se realmente houve algum deslize, ou se não houve algum deslize. Ou se toda a empresa me dizer assim, acontece isso, isso. A gente está tão acostumado a se comportar de uma forma, que a gente não percebe certas coisas que nós fazemos até que elas tenham sido feitas. Então, acontece muito isso. (Entrevista de G3)

Ao relatar que um cliente solicitou que ele fosse substituído em um treinamento em virtude de sua homossexualidade, o entrevistado relata que foi desqualificado mesmo sendo um bom profissional. A violência simbólica aqui é tripla: em primeiro lugar, por parte do cliente que automaticamente o deprecia em função da sua orientação sexual; em segundo, pelo fato de a empresa ter acatado essa posição, substituindo-o; em terceiro, por ter negado ao entrevistado o acesso à informação, o que de certa forma corrobora com a violência. A metáfora aludida, da prisão, sugere os danos causados pela experiência, e está de acordo com o que Siqueira e cols (2009) identificaram em seu estudo no Distrito Federal.

 

Considerações Finais

O objetivo do presente artigo foi analisar as violências simbólicas nas trajetórias profissionais de homens gays de Juiz de Fora. Em um caráter amplo, as manifestações de violência simbólica abrangem uma visão negativa socialmente difundida sobre os homossexuais, estereótipos que relacionam os gays à fragilidade e à incapacidade profissional. Quanto à violência simbólica no trabalho, identificamos que os homossexuais optam por se afastar de seus colegas de trabalho, visando, com a discrição, separar aspectos pessoais (identidade homossexual) dos profissionais para serem excelentes profissionais e, por isso, serem aceitos. Os achados ratificam a adoção das estratégias de "super homem" e de "homem invisível" identificadas em Irigaray (2007), com o objetivo de não serem violentados simbolicamente, e de terem possibilidades de ascensão na carreira.

Todavia, ao agir dessa forma, os entrevistados internalizam a heteronormatividade ao se invisibilizarem, contribuindo para a estigmatização das homossexualidades e para a inferiorização social das sexualidades não hegemônicas. Além de ser algo objetivo, do ponto de vista do reconhecimento profissional, a exclusão do homossexual no contexto do trabalho envolve principalmente as relações sociais, como nas comemorações, reuniões informais e no convívio cotidiano. Outro aspecto associado à exclusão envolve a desqualificação do homossexual, visto como diferente, incapaz, enfim, menor do que o heterossexual. Ademais, é evidente a dominação simbólica posto que são várias as situações em que os homossexuais reproduzem padrões heteronormativos no ambiente organizacional, submetendo-se a várias violências simbólicas muitas vezes sem consciência a respeito, o que coincide com os achados de Bicalho e cols (2011:7):

[...] as referidas violências simbólicas, em muitos casos, além de introjetadas são reproduzidas pelos sujeitos, em si ou em outrem. Nas ponderações do empírico, foi possível perceber que os sujeitos internalizam determinados controles, passando à autovigilância, incutindo-lhes a necessidade de ocultação da identidade sexual para contornar o preconceito. Constatamos ainda que esses sujeitos, tendo internalizado os padrões heteronormativos, passam a reproduzir as violências sofridas, contribuindo para a exclusão dos não-heterossexuais que se distanciam, em outros aspectos, do modelo hegemônico.

O fato de este artigo ter se pautado pelo foco na violência simbólica não quer dizer, entretanto, que se ignora a concretude das práticas de violência que criam e por elas são criadas. Não desconsideramos que elas se relacionam intimamente com o contexto real e material, tendo em vista que legitimam violências físicas como o assédio moral e sexual e aspectos relacionados com a desigualdade e inferiorização daqueles que fogem aos padrões socialmente estabelecidos como, por exemplo, a ascensão hierárquica nas organizações.

Como palavra final, acreditamos que uma agenda promissora nessa linha poderia incorporar pesquisas com foco nas experiências de lésbicas, travestis, transsexuais, transgêneros e interssexuais no mundo do trabalho, ressaltando a inclusão e exclusão como instâncias políticas de discussão material e simbólica sobre a diversidade nas organizações enfocando uma perspectiva crítica e reflexiva aos padrões dominantes e socialmente valorizados.

 

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Recebido em 26/09/2012.
Revisado em 30/11/2012.
Aceito em 27/01/2013.

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