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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.13 no.26 São Paulo abr. 2013

 

Adultos com deficiência na psicologia: desafios para uma investigação psicológica politicamente consciente

 

Adults with disabilities in psychology: challenges for a politically conscious psychological investigation

 

Adultos con discapacidad en la psicología: desafíos para una investigación psicológica políticamente consciente

 

Adultes ayant une déficience en psychologie: défis pour une recherche psychologique politiquement conscient

 

 

Aline WandererI; Regina Lúcia Sucupira PedrozaII

IMestre em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pela Universidade de Brasília, Brasil; psicóloga do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Brasília, DF, Brasil. aline.wanderer@gmail.com
IIGraduada, mestre e doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília. Atualmente é docente do Instututo de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde e no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília, DF, Brasil. rpedroza@unb.br

 

 


RESUMO

Este trabalho objetiva investigar como os adultos com deficiência vêm sendo abordados pela psicologia do desenvolvimento adulto. Parte de análise sobre as concepções de desenvolvimento humano que embasam a área e considera algumas de suas principais linhas de pesquisa. Revisa literatura na psicologia e disciplinas afins em que adultos com deficiência são incluídos nos delineamentos de pesquisa e analisa a presença de temas transversais como exclusão social, pobreza e violência. Conclui refletindo criticamente sobre a importância de uma produção acadêmica alinhada com as concepções de uma psicologia política comprometida com a transformação social, em que pesquisadores reconheçam os pressupostos ideológico-políticos que embasam suas escolhas teóricometodológicas, visando um compromisso ético com mudanças sociais tendentes à efetiva inclusão das pessoas com deficiência.

Palavras-chave: Adultos com deficiência, Psicologia do desenvolvimento adulto, Inclusão social, Escolhas teórico-metodológicas, Psicologia política.


ABSTRACT

This paper aims to investigate how adults with disabilities are being addressed by adult development psychology. It begins with an analysis of the conceptions of human development that underlies the area and considers some of its main lines of research. It reviews literature in psychology and related disciplines in which adults with disabilities are included in research designs and analyzes the presence of cross-cutting themes such as social exclusion, poverty and violence. It is concluded by critically reflecting about the importance of an academic production aligned with the conceptions of a political psychology committed to social transformation, in which researchers recognize ideological and political assumptions that underpin their theoretical and methodological choices, aiming an ethical commitment to social change leading to the effective inclusion of people with disabilities.

Keywords: Adults with disabilities, Adult development psychology, Social inclusion, Theoretical and methodological choices, Political psychology.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo investigar cómo los adultos con discapacidad están siendo abordados por la psicología del desarrollo adulto. Parte del análisis de las concepciones de desarrollo humano que subyacen a la área y considera algunas de sus principales líneas de investigación. Revisa la literatura en psicología y disciplinas afines en las que los adultos con discapacidad están incluidos en los delineamientos de investigación y analiza la presencia de temas transversales tales como la exclusión social, la pobreza y la violencia. Concluye reflexionando críticamente sobre la importancia de una producción académica alignada con las concepciones de una psicología política comprometida con la transformación social, en la que los investigadores reconoscan los presupuestos ideológicos y políticos que sustentan sus opciones teóricas y metodológicas, mirando a un compromiso ético com cambios sociales tendentes a la inclusión efectiva de las personas con discapacidad.

Palabras clave: Adultos con discapacidad, Psicología del desarrollo adulto, Inclusión social, Opciones teóricas y metodológicas, Psicología política.


RÉSUMÉ

Ce travail vise à étudier comment les adultes handicapés sont pris en compte par la psychologie du développement de l'adulte. Il commence avec l'analyse sur les conceptions du développement humain qui sous-tendentla psychologie du développemet de l'adulte et avec des considérations sur les principaux axes de recherche. Révise la littérature en psychologie et disciplines connexes où les adultes handicapés sont inclus dans les plans de recherche et analyse la présence de thèmes transversaux tels que l'exclusion sociale, la pauvreté et la violence. Il conclut avec une réflexion critique sur l'importance d'une production académique en conformité avec les conceptions d'une psychologie politique engagée à la transformation sociale, dans laquelle les chercheurs puissent reconnaître les présupposés idéologiques et politiques qui sont à la base de ses choix théoriques e méthodologiques, cherchant un engagement éthique aux changements sociaux concernant à l'inclusion effective des personnes handicapées.

Mots clés: Adultes handicapés, Psychologie du développement de l'adulte, Inclusion sociale, Choix théoriques et méthodologiques, Psychologie politique.


 

Introdução

"Nada sobre nós sem nós": o lema do início do movimento internacional pelos direitos das pessoas com deficiência, embora historicamente situado e já amplamente problematizado, parece refletir uma interessante provocação relativa ao tema proposto neste estudo. Partindose da constatação de alterações nas visões de desenvolvimento humano na psicologia nas últimas décadas, que culminam com o crescimento de uma nova área de estudos, a psicologia do desenvolvimento adulto, este artigo objetiva revisar e avaliar criticamente como o adulto com deficiência vem sendo abordado nesse campo específico e em disciplinas afins, a partir de uma aproximação à literatura recente. Esse propósito alinha-se com a concepção de psicologia política esposada por Montero (2009), como sendo um espaço multidisciplinar que, ocupando-se dos fenômenos da vida pública em relação com as dinâmicas do privado, bem como dos mecanismos de poder que nela operam, pode constituir produção tendente à transformação social.

Foi realizada uma revisão de literatura exploratória e não exaustiva com base em artigos disponíveis no portal SciELO (www.scielo.br), a partir de combinações dos descritores psicologia, desenvolvimento, adulto, deficiência, social e violência. A utilização dos dois últimos descritores configura uma escolha relacionada ao interesse mais amplo de pesquisa das autoras.

Na estruturação deste artigo, inicialmente, focalizar-se-ão as concepções dominantes acerca do desenvolvimento humano nas teorizações esposadas. A seguir, estudos envolvendo adultos com deficiência serão explorados, atentando-se para as concepções políticoideológicas que embasam as escolhas teórico-metodológicas realizadas. Quanto a esse aspecto, cumpre ressaltar o posicionamento de Montero (2009), de que compromissos e posicionamentos políticos estão presentes em todo fazer humano, inclusive na pesquisa psicológica, devendo ser sempre reconhecidos e explicitados, uma vez que podem funcionar tanto como impulsionadores quanto como bloqueadores de ações. Em continuidade, será considerado como os aspectos relativos à exclusão social, em transversalidade com importantes temas, como a pobreza e a violência, perpassam o estudo das questões relativas à deficiência. Concluir-se-á com um posicionamento crítico em relação aos temas explorados, destacando como a psicologia do desenvolvimento adulto, associada à psicologia política, pode contribuir para modificações em âmbito social e na elaboração de políticas públicas que tendam à promoção da inclusão social das pessoas com deficiência.

 

O Desenvolvimento Adulto

O século XX assistiu a importantes mudanças no que tange à compreensão da psicologia sobre o desenvolvimento humano. Pode-se dizer que se partiu de uma concepção de desenvolvimento como etapas de crescimento, estabilidade e declínio. Passou-se à consideração sucessiva da infância e da adolescência como estágios de desenvolvimento que objetivavam conclusão na fase adulta. Chegou-se, então, a uma noção bem mais ampla de desenvolvimento humano, que o entende, genericamente, como transformação ou mudanças em nível de funcionamento e comportamento, que ocorre durante todo o ciclo de vida. Percorre múltiplos caminhos que se diversificam com o avanço da idade, pelo cruzamento de variáveis biológicas, culturais e uma série de acontecimentos de vida que marcam comportamentos e personalidades (Fonseca, 2007; Oliveira, 2004). Além disso, as teorizações sobre o desenvolvimento têm dado progressivo valor à noção dos indivíduos como produtos e produtores de seu desenvolvimento, exercendo nele papel ativo e intencional.

Oliveira (2004) estabelece interessante crítica à tendência da psicologia de caracterizar o desenvolvimento humano a partir de estágios marcados pela progressão biológica homogeneizante na busca de universalidades. Essa postura desconsideraria que as transformações mais relevantes estão na psicologia do sujeito, relacionada às circunstâncias socioculturais em que se insere e na história e experiências individuais únicas. Assim, a autora propõe que a teorização sobre o desenvolvimento baseada em ciclos de vida é mais adequada do que aquela calcada na ideia de estágios, pois não remeteria a uma passagem por um percurso abstrato natural da vida humana, mas contextualizado cultural e historicamente.

Ainda Oliveira (2004) aponta que as perguntas que a psicologia e áreas correlatas buscaram responder, comumente, baseavam-se em um olhar que o pesquisador lançava para fora de si em comparação com o outro, em questionamentos como: Por que os outros não funcionam como nós? O que lhes falta? Nesse sentido, enfatiza que, nos estudos que tratam do desenvolvimento adulto, há um adulto abstrato, supostamente universal, mas que, na verdade, é bastante específico e historicamente contextualizado: ocidental, urbano, branco, pertencente às camadas médias da população, com um nível instrucional relativamente elevado e com inserção no mundo do trabalho em ocupações razoavelmente qualificadas.

Diversos pesquisadores comprometem-se com a noção de desenvolvimento como contínuo e marcado por pluralidades características das trajetórias de vida individuais. Na pesquisa acerca da transição para a vida adulta, por exemplo, Guerreiro e Abrantes (2005) a compreendem como processo marcado por trajetórias de vida individuais atravessadas por dimensões socioculturais, das quais destacam educação, trabalho, família e gênero, caracterizando-se como experiência multidimensional e não linear. Já no campo da educação/formação de jovens e adultos, Dominicé (2006) e de Silva (2007) trazem à baila o adulto que se forma (sujeito produtor e construtor de saberes e de seu desenvolvimento), também enfatizando a não linearidade e a unicidade da construção biográfica.

Considerando as contribuições teóricas relativas ao desenvolvimento adulto provenientes de uma ampliação do conceito de desenvolvimento, que abre espaço para a pluralidade de trajetórias, a não normatização e a influência dos contextos socio-político-culturais na constituição de um sujeito que é ativo em seu processo de estar no mundo, entende-se que a condição de ser um adulto com deficiência, com todas as complexidades que tal rotulação traz consigo, é campo fértil para análise. Essa proposição está vinculada a uma concepção social da deficiência, oposta a um modelo médico. Nela, concebe-se a deficiência como uma construção social, vinculada a uma estrutura social excludente, que produz opressão e segregação dos indivíduos, em função de uma realidade biológica inscrita num corpo com lesão. Trata-se de proposta que permite a identificação das pessoas com deficiência enquanto grupo que compartilha uma experiência de opressão pela norma, apesar de diferenças biológicas, focalizando o fenômeno como questão a estar presente na pauta política e inaugurando desafios para a transformação dos modelos sociais vigentes (Cavalcante & Bastos, 2009; Clímaco, 2010; Lacerda, 2006; Santos, 2008). A seguir, explora-se a presença dos adultos com deficiência na literatura científica recente.

 

Os Adultos com Deficiência na Literatura Científica

Foram analisados 28 estudos que contaram com a participação de adultos com deficiência, resultantes da busca na base de dados citada. Aqueles que envolveram adultos com deficiência intelectual (oito estudos) serão abordados separadamente na seção subsequente, no intuito de chamar a atenção para especificidades relevantes. Um importante grupo identificado (11 estudos) refere-se a publicações relativas ao campo da saúde, em temas tais como: a reabilitação; a qualidade de vida; a formulação de programas de orientação em relação a questões específicas (como a sexualidade); a discussão acerca do papel dos profissionais envolvidos em equipes multiprofissionais de atenção à saúde de pessoas com deficiência; entre outros. Em tais investigações, observou-se que, em geral, a preocupação centra-se na identificação de aspectos psicológicos e repercussões sociais para os indivíduos diante de adoecimento que implica em uma condição de perda. Essa perda, relativa a alguma funcionalidade anterior do organismo, é tomada como eixo central dos questionamentos de pesquisa, buscando-se compreender como se pode auxiliar o indivíduo a superá-la, por meio de intervenções médicas, fisioterapêuticas, fonoaudiológicas ou outras que minorem a desvantagem resultante da nova condição orgânica no cotidiano.

Exemplo desses trabalhos é o estudo de Botelho, Volpini e Moura (2003), que investigaram aspectos psicológicos referentes a pacientes com anoftalmia unilateral usuários de prótese ocular, a partir de delineamento quantitativo. Outras investigações focalizaram estudos de caso em que a atuação da equipe de reabilitação foi considerada adequada, tendo beneficiado os pacientes na minoração dos potenciais efeitos danosos de uma perda (Froiman, Júnior, Sibinelli, Veitzman & Rinaldo, 2009; Gomes-Machado, Soares & Chiari, 2009).

O conceito de qualidade de vida está presente no estudo de Noce, Simim e Mello (2009), que questionam se a percepção de qualidade de vida de adultos com deficiência física pode ser influenciada pela prática de atividade física. Aparece, também, em Loureiro, Faro e Chaves (1997), que investigam quais são as mudanças em termos físicos, psicológicos e sociais percebidas por pacientes com lesão medular, após um trauma súbito e inesperado, objetivando melhor instrumentalizar os profissionais de saúde. Também preocupadas com a relação entre profissionais de saúde e clientes em atendimento, Chaveiro e Barbosa (2005) avaliam a assistência de saúde ao surdo como fator de inclusão social, explorando aspectos dessa relação que necessitam ser melhorados na percepção de adultos com deficiência auditiva. Em estudo mais antigo, explorando qualitativamente auto-percepções de adultos com sequelas físicas da encefalite por arbovirus, Hallage (1981) discute o papel do psicólogo nas equipes de reabilitação, enfatizando um olhar que não privilegie tão-somente a cura (a eliminação da perda), mas as potenciais demandas terapêuticas dos pacientes.

Ainda na linha de exploração da experiência de adultos após determinada perda física e/ou sensorial, Araújo, Mondelli, Lauris, Richieri-Costa e Feniman (2010) estudam a autopercepção do handicap auditivo em pacientes adultos com perda auditiva unilateral, ressaltando que essa varia conforme fatores não audiológicos (emocionais, sociais e situacionais). Por sua vez, Francelin, Motti e Morita (2010) utilizaram metodologia qualitativa para investigar implicações sociais, familiares e no trabalho para adultos com surdez adquirida, diagnosticados com perda auditiva de manifestação súbita entre 18 e 60 anos.

No campo da enfermagem, ressalta-se o trabalho de Pagliuca, Uchoa e Machado (2009), que estudam a vivência de pais cegos no cuidado de seus filhos, explorando os aspectos cotidianos nos quais encontram dificuldades e como as ultrapassam, ressaltando que os profissionais de saúde devem estar atentos a essas questões para oferecerem orientações a esse público. O estudo diferencia-se dos demais analisados, por enfatizar um aspecto caracterizado como marcador importante da vida adulta (a parentalidade), em que a ausência de visão é pano de fundo para compreender uma experiência qualitativamente diferenciada, mas não necessariamente prejudicada.

Outro tema que ganha relevância nos estudos que envolvem adultos com deficiência é a sexualidade, com diferentes delineamentos e abordagens. Um estudo destaca a perspectiva que explora os conhecimentos dos adultos com deficiência sobre o assunto, objetivando discutir possibilidades de trabalho de orientação sexual em âmbito educacional ou de reabilitação (Cursino, Rodrigues, Maia & Palamin, 2006). Nesse, buscou-se avaliar quais as necessidades de informação quanto à sexualidade de 14 adultos com deficiência auditiva entre 18 e 35 anos, intervir por meio de programa de orientação sexual que discutia os temas levantados, e aferir a aquisição de informação após o referido programa. Alternativamente, foram localizadas duas investigações que buscam lançar luz à sexualidade como vivenciada por adultos com deficiência a partir da exploração de sua experiência, por meio de estudos de caso ou de outros procedimentos qualitativos envolvendo grupos específicos. Assim, Soares, Moreira e Monteiro (2008) discutem os temas da sexualidade e da deficiência, valorizando expectativas, desejos, crenças e experiências de adolescentes e jovens adultos com deficiência física, bem como seus desdobramentos no círculo familiar, de amizade e serviços de saúde. O estudo apontou para a necessidade de abordar o conceito sexualidade de maneira englobante. Silva e Albertini (2007) investigaram o impacto da paraplegia adquirida na sexualidade masculina, valorizando a história de vida de um homem com deficiência física e inscrevendo o tema nas dimensões de gênero e concepções de masculinidade.

Conjunto diverso de trabalhos (quatro estudos) aborda outro fator considerado como importante marcador da vida adulta: a inserção profissional. No âmbito da psicologia, Tissi (2000) analisou a experiência de trabalhadores com deficiência física inseridos no mercado informal de trabalho (comércio ambulante), enfatizando o caráter paradoxal dessa inserção, marcada por aspectos de exclusão (na medida em que o processo de trabalho revela traços de degradação moral e política) e de inclusão social (já que o trabalho é percebido pelos sujeitos como elemento que proporciona relacionamentos sociais, além de dignidade e respeito). Enfoque diferente é dado por Pereira, Del Prette e Del Prette (2009), que investigam a existência de diferenças nas habilidades sociais apresentadas por trabalhadores com e sem deficiência física, por meio de delineamento quantitativo, explorando possíveis implicações para a reabilitação psicossocial e para a educação especial, além de sugerir novos estudos que comparem outros grupos. Relativamente a esse estudo, cumpre recordar a crítica exposta por Oliveira (2004) quando retrata a tendência de pesquisadores em realizar comparações de si mesmos para fora de sua realidade. Aqui, a deficiência é tomada como eixo central de análise que configura um grupo diferenciado, comparado com um grupo norma (sem deficiência). É importante refletir sobre que concepções embasam essa escolha metodológica. Com relação ao tema da inserção profissional, encontraram-se, ainda, os estudos de Carvalho-Freitas 2009) e Carvalho-Freitas, Toledo, Nepomuceno, Suzano e Alves (2010), que abordam aspectos organizacionais diversos relativos a empregados com deficiência, no campo da administração de empresas.

Outro tópico está presente em um estudo preocupado em coletar evidências para a discussão acerca do papel da escolarização e dos processos de inclusão escolar no desenvolvimento das pessoas com deficiência. Ohl, Angelucci, Nicolau e Honda (2009) enfocam narrativas de jovens adultos (entre 18 e 22 anos) com e sem deficiência que estudam ou estudaram em escolas inclusivas, refletindo sobre mudanças necessárias nas instituições educacionais, a partir da discussão de conceitos como preconceito, inclusão escolar e deficiência.

Dois trabalhos que poderiam mais propriamente ser considerados como abordando aspectos específicos da psicologia do desenvolvimento adulto são os de Resende e Neri (2005 e 2009), em que estudam as atitudes de adultos com deficiência física em relação ao idoso, à deficiência e à velhice pessoal, bem como o ajustamento psicológico e perspectiva de velhice pessoal desses adultos. Ambos os estudos utilizaram metodologia quantitativa, analisando a influência de variáveis como o tempo de convivência com a deficiência física. As autoras sugerem a importância dos processos de autorregulação do self no manejo das consequências da incapacidade física sobre a vida pessoal e social, e colocam que envelhecer com uma deficiência física seria um processo que exigiria competência adaptativa e resiliência.

 

Adultos e Deficiência Intelectual: conceitos compatíveis?

As investigações que envolvem adultos com deficiência intelectual, embora abordem temas semelhantes aos já expostos, merecem atenção especial. Isso porque o estigma vinculado à deficiência intelectual parece perpassar escolhas teórico-metodológicas de pesquisadores com esses sujeitos de forma mais contundente, inaugurando importantes desafios para a investigação psicológica. Genericamente, pode-se afirmar que o maior desses desafios é o de trabalhar com metodologias que confiram, de fato, o status de adultos aos sujeitos com deficiência intelectual. Projetá-las passa por questões como: onde encontrar os indivíduos participantes da pesquisa (exclusivamente em escolas especiais e em contextos familiares ou também em outros setores da sociedade); a quem solicitar a autorização para a participação desses adultos nas pesquisas empíricas (aos cuidadores exclusivamente ou àqueles que serão parceiros na construção do conhecimento); que instrumentos utilizar para a interação com os adultos com deficiência intelectual, notadamente quando os processos comunicacionais sejam qualitativamente diferenciados; como conduzir análises que confiram papel ativo a esses adultos em seu desenvolvimento. A descrição de alguns estudos com esses indivíduos ilustrará a complexidade desses desafios.

No campo da psicologia do desenvolvimento adulto, chamam a atenção os estudos que se propõem a pensar programas de intervenção que auxiliem os indivíduos com deficiência intelectual na transição da adolescência para a vida adulta, incluindo aspectos como inserção profissional e acesso social. Estudos de âmbito internacional ressaltam a importância da participação efetiva dos jovens e adultos com deficiência intelectual em intervenções que visem auxiliá-los na transição para a vida adulta (Hughes, 2001; Kim & Turnbull, 2004). Exemplificando como tal possibilidade é desafiadora, pode-se considerar o trabalho de Araújo, Escobal e Goyos (2006), em que se propõem a colocar em prática e em teste um programa de suporte comunitário à inserção profissional de adultos com deficiência intelectual. Para tal, incluem em reuniões de discussão, com objetivos definidos, diversas instituições que poderiam auxiliar a equacioná-lo. Chama a atenção, entretanto, a ausência, no delineamento metodológico, dos próprios adultos com deficiência intelectual, empregados ou não, bem como de suas famílias. Embora essa falta tenha sido notada e apontada por tais atores, não foi possível suprir a lacuna até o final do estudo. Ressalta-se que, de acordo com o relato, diversamente dos demais participantes, os adultos com deficiência intelectual foram abordados de modo informal e indireto por terceiros, e não pelos próprios pesquisadores.

A ausência de adultos com deficiência intelectual ocorreu, também, nos estudos de Carvalho-Freitas (2009) e Carvalho-Freitas e cols. (2010), que, ao trabalharem com amostras de conveniência em organizações, excluíram intencionalmente profissionais com algum comprometimento cognitivo. Não se pode inferir o que levou os pesquisadores a efetuarem tal escolha metodológica. Hipotetiza-se, entretanto, que não estivessem certos de que os instrumentos e procedimentos adotados seriam adequados para captar a experiência dos profissionais com deficiência intelectual ou que não os tenham encontrado nos ambientes pesquisados. No primeiro caso, é necessário defrontar-se com a questão de como outros estudos com adultos com deficiência intelectual vêm se propondo a acessar esses sujeitos, com que instrumentos e que pressupostos embasam sua construção. No segundo, importa salientar que todos os estudos analisados nesta seção encontraram os adultos com deficiência intelectual em ambientes como escolas especiais ou contexto familiar. Até que ponto esses sujeitos estão ausentes de outros ambientes sociais e até que ponto os pesquisadores não creem poder localizá-los em ambientes não segregados?

A dificuldade na criação de instrumentos que visem acessar a experiência de adultos com deficiência intelectual pode ser encontrada em estudos que procuram fazê-lo por meio de instrumentos originalmente elaborados para a pesquisa com crianças. Barros, Williams e Brino (2008), preocupadas em avaliar as habilidades de autoproteção em relação ao abuso sexual em mulheres com deficiência intelectual, realizaram entrevistas estruturadas com o instrumento "What If Situation Test" (Wurtele, Hughes & Owens, 1998, citados em Barros & cols., 2008) - "Teste de Situação e Se", originalmente desenhado para mensurar a capacidade de crianças pequenas em reconhecer, resistir e reportar o abuso sexual. Embora num esforço de proporcionar aos sujeitos de pesquisa condições que respeitem suas qualidades desenvolvimentais, entende-se que a utilização de modos de testagem originalmente desenhados para o público infantil carrega em si a concepção de que adultos com deficiência intelectual seriam crianças em tamanho ampliado, desconsiderando-se o aspecto qualitativamente diverso de sua experiência de vida e levando a mesma mensagem ao público que acessa as produções teóricas, o que tem implicações importantes para a perpetuação da exclusão social desses indivíduos.

A tendência à infantilização dos adultos com deficiência intelectual não está presente apenas nos trabalhos de pesquisa, mas também nas intervenções que os envolvem nos mais diversos contextos. Leite e Monteiro (2008) refletem sobre a formação/construção da identidade de jovens com deficiência intelectual, por meio da análise de interações ocorridas durante atendimento fonoaudiológico grupal. Trazendo alguns trechos dessas interações, as autoras discutem a necessidade de que a formação de profissionais clínicos preocupe-se em modificar a visão que eles têm dos adultos com deficiência intelectual, para que, no atendimento a eles, suas famílias e comunidade, possam auxiliar a proporcionar a esses sujeitos seu status de cidadania. Um dos episódios trazidos pelas autoras chama a atenção por ser bastante ilustrativo. Ocorreu quando, ao discutir com os pacientes sobre o que gostavam de fazer, uma das fonoaudiólogas/terapeutas, ao tentar elucidar a questão, diz a uma jovem de 20 anos: "Mas o que você mais gosta de brincar, de fazer?" (Leite e Monteiro, 2008).

Nunes e Aiello (2008) estudam a interação entre díades de irmãos em que um deles é pessoa com deficiência intelectual, dividindo-as em dois grupos (um em que o irmão com deficiência intelectual é pré-adolescente, e outro em que é adulto). Na descrição da metodologia utilizada, chama a atenção que, enquanto os irmãos sem deficiência (mais novos) foram ativamente ouvidos, aqueles com deficiência intelectual (mais velhos e mesmo adultos) foram tão-somente observados. Embora esse estudo não busque especificamente acessar a experiência e o desenvolvimento dos irmãos com deficiência intelectual, cabe questionar que concepções embasam uma metodologia que exclui a fala destes enquanto valoriza as demais: não teriam nada a dizer? Não seriam capazes de dizer coisa alguma sobre sua relação com os irmãos menores? A interação deve ser avaliada apenas unilateralmente, do irmão sem deficiência para o irmão com deficiência intelectual?

Alguns pesquisadores, preocupados em buscar formas específicas de acesso à experiência desses adultos, conduziram pesquisas que procuraram diversificar as escolhas metodológicas. Maia e Camossa (2002) intentaram obter relatos sobre sexualidade utilizando estratégias diversas: Desenho da Figura Humana; apresentação de bonecos da família sexuada; e apresentação de pranchas com cenas que remetiam aos temas namoro, casamento, masturbação, jogos sexuais, menstruação, relação sexual, gravidez, parto, amamentação e abuso sexual. As autoras consideraram que as estratégias foram bem sucedidas em obter relatos de temas complexos como a sexualidade, ressaltando a necessidade de que metodologias de pesquisa sejam aprimoradas, notadamente para a elaboração de programas de orientação sexual, já que os sujeitos demonstraram conhecimentos difusos e incompletos acerca do tema, por serem tolhidos ao longo de seu desenvolvimento. Outra interessante iniciativa proveio de Saviani-Zeoti e Petean (2008), que procuram conhecer a opinião que adultos com deficiência intelectual leve e seus cuidadores têm sobre sua qualidade de vida. Para tal, utilizaram um mesmo instrumento de mensuração, que é aplicado tanto para os adultos com deficiência quanto para seus cuidadores. Trata-se de instrumento projetado para resposta escrita por adultos. Após pré-teste com os sujeitos, optou-se por aplicá-lo aos adultos com deficiência intelectual por intermédio de auxílio das pesquisadoras, que liam as questões e as opções de resposta, após o que os indivíduos conseguiram trabalhar adequadamente com o instrumento. Nesse estudo, há busca ativa de utilização de instrumento que permita a expressão dos adultos foco, sem atribuir-lhes o status conferido às crianças.

Outro aspecto interessante desse trabalho é que a autorização para participar da pesquisa é dada não apenas pelos cuidadores, mas também pelos próprios adultos com deficiência intelectual. Entende-se que esse cuidado tem valor simbólico importante, na medida em que representa esses adultos como pessoas com um grau de autonomia suficiente para decidirem se desejam ser parceiros na construção do conhecimento, mais do que objetos de pesquisa. Alguns dos estudos aqui citados (como os de Maia & Camossa, 2002; e de Barros & cols., 2008), meritórios pelas preocupações relevantes que encerram, aparentemente não abarcaram a necessidade de obter o consentimento dos sujeitos adultos com deficiência intelectual para participação. Ressalta-se que nesses estudos, é relatado, explicitamente, que a autorização para a participação foi solicitada aos cuidadores/responsáveis, não mencionando o consentimento dos adultos com deficiência intelectual. Entretanto, o restante dos estudos aqui citados não faz qualquer menção a esse procedimento metodológico, não sendo possível afirmar se o consentimento foi ou não solicitado a esses sujeitos.

Finalmente, importa analisar ainda dois estudos, cuja metodologia diferencia-se por privilegiar a narrativa dos adultos com deficiência intelectual. Kassar (2006) propõe conhecer e analisar a escolaridade a partir da memória de adultos que, quando crianças, foram rotulados como deficientes mentais e, portanto, passaram por experiências educacionais diferenciadas. Os depoimentos são analisados em contraponto com documentos escolares e relatos de professores colhidos à época da escolarização, enfatizando-se o caráter socialmente construído da memória e dos discursos. Em outro estudo, a autora enfoca a dinâmica discursiva de uma pessoa com deficiência múltipla, apresentando-a marcada por condições macroestruturais de produção e discutindo algumas implicações na relação ensinoaprendizagem (Kassar, 2000). Esses trabalhos, de caráter histórico-cultural e entendendo que o desenvolvimento está em íntima relação com a linguagem e, portanto, focalizando as narrativas e produções do discurso, auxiliam a refletir acerca do papel ativo dos adultos, com ou sem deficiência, em seu desenvolvimento, na leitura das próprias histórias de vida e como esse papel proativo influencia em sua experiência como adultos.

 

Preconceito, Estigma, Exclusão Social e Políticas Públicas

Todos os estudos recuperados ressaltam, de modo mais ou menos explícito, a realidade social que obriga as pessoas com deficiência a construírem suas identidades diante de preconceitos, estigma e processos perversos de exclusão social. Sendo tais processos tão amplamente reconhecidos, entende-se que não podem estar à margem das produções teóricas que abordam o desenvolvimento adulto desses indivíduos, uma vez que são dimensões transversais capazes de produzir importantes alterações qualitativas em suas experiências. Os trabalhos citados nesta seção procuram abordar essas questões, tendo também resultado da pesquisa na base de dados com os descritores supracitados.

Nesses trabalhos, a análise crítica da evolução de políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência em variados campos é bastante rica. Bernardes, Maior, Spezia e Araújo (2009) utilizam parâmetros teóricos da bioética para refletir sobre as políticas de alocação de recursos públicos na assistência à saúde de pessoas com deficiência no Brasil, analisando que, apesar da existência de previsão legal, a efetiva destinação de recursos depende de fatores como a participação sociopolítica das pessoas com deficiência na pactuação das políticas de saúde. Oliveira, Goulart Junior e Fernandes (2009) partem da discussão a respeito da inclusão social para considerarem que o acesso ao mercado de trabalho é um dos principais direitos civis dos indivíduos, mas para o qual as pessoas com deficiência enfrentam grandes barreiras. Assim, analisam as principais políticas de emprego voltadas a tais indivíduos nos Estados Unidos, União Europeia e Brasil.

Embora se reconheça a crescente preocupação em garantir às pessoas com deficiência condições para sua efetiva inserção social por parte dos Estados, constatam-se dimensões macroestruturais que vêm inviabilizando a efetivação de tais iniciativas, mantendo mecanismos perversos de exclusão. Souza e Carneiro (2007) discutem acerca do contrassenso promovido pela política social no Brasil que, ao mesmo tempo em que não garante à população em geral acesso universal a serviços essenciais, elege grupos focais de atenção, como as pessoas com deficiência, sem dar-lhes condições mínimas de vida digna. Na concepção dos autores, tal formato de intervenção do Estado acentua a perpetuação da pobreza e, mais do que isso, o ciclo vicioso de retroalimentação existente entre pobreza e deficiência.

A relação entre pobreza e deficiência é também explorada por Cavalcante e Goldson (2009), que acrescentam a essas dimensões a questão da violência. A preocupação com a potencial vulnerabilidade das pessoas com deficiência à violência, considerados os mecanismos de exclusão social, e entendendo-se a violência como fenômeno vinculado à assimetria de poder entre os atores e a uma ação que coloque a vítima em condição de objeto, está presente em diversos trabalhos, que trazem, inclusive, dados epidemiológicos internacionais que apontam maior incidência de violência contra pessoas com deficiência (Barros & cols., 2008; Cavalcante & Minayo, 2009; Williams, 2003). Nesse sentido, notadamente em relação à sexualidade, diversos autores ressaltam a necessidade da promoção de programas de orientação/educação sexual para proporcionar maiores possibilidades de proteção perante situações de violência, tais como o abuso sexual (Barros & cols., 2008; Bastos, 2009; Maia & Ribeiro, 2010). Soares & cols. (2008) enfatizam que a negação da sexualidade das pessoas com deficiência ou a consideração de que é manifestação perversa e excessiva está calcada na visão do corpo com deficiência como muito distanciado dos padrões de beleza e erotização valorizados socialmente. Essa negação pode, de um lado, propiciar maior vulnerabilidade, notadamente de meninas e mulheres, a situações de abuso sexual ou desconsideração de suas necessidades de cuidado com o corpo. Por outro lado, as informações sobre essa vulnerabilidade, a pressuposição de que qualquer aproximação erotizada desse corpo com deficiência é manifestação de distúrbio ou violência e não de expressão da sexualidade e vivência de prazer, pode também servir como mecanismo familiar e social de repressão e negação da sexualidade da pessoa com deficiência, infantilizando-a e submetendoa em outra manifestação de violência.

 

Considerações Finais

A literatura analisada neste trabalho demonstrou que ainda é tímido o tema vinculado ao desenvolver-se adulto com deficiência no campo em que, teoricamente, essa questão deveria ser amplamente considerada: a psicologia do desenvolvimento adulto. Estudos envolvendo a participação de adultos com deficiência foram encontrados no campo da saúde, notadamente na perspectiva da reabilitação. Além disso, temas entendidos como marcadores importantes da vida adulta são considerados, como a parentalidade, o trabalho e a sexualidade. Contudo, é marcante em todas as produções o reconhecimento de que se constituir adulto com deficiência implica o manejo de condições macroestruturais complexas que envolvem processos de exclusão social, pobreza, violência, preconceito e estigma.

Diante disso, inauguram-se diversos desafios na investigação psicológica. O primeiro, e mais importante, refere-se a questionar se a psicologia e, notadamente, a psicologia do desenvolvimento adulto, tem algo a dizer, em termos políticos, com suas contribuições teóricas, no sentido de auxiliar na fomentação de uma sociedade inclusiva, com garantia de direitos de vida digna a todos.

Para abordar tal questão, faz-se essencial que os pesquisadores reconheçam como posturas latentes de desigualdade de poder em relação aos sujeitos com deficiência estão presentes em suas escolhas metodológicas, podendo acarretar desvantagens para tais indivíduos na produção acadêmica. Lima, Ciampa e Almeida (2009), apontando o fazer de uma psicologia social crítica como psicologia política, enfatizam que o que é esperado do pesquisador é um comprometimento com processos emancipatórios e com a superação de fenômenos sociais e pessoais intoleráveis, devendo exercer uma práxis crítica e criadora, produzindo um conhecimento que permita evidenciar determinações obscuras e desmistificar proposições ideológicas. Nesse sentido, contribuição de Beetham e Demetriades (2007) esclarece que as metodologias qualitativas têm sido vistas como alternativas que aproximam pesquisadores e sujeitos, potenciais promotoras de mudanças, cabendo notar que podem ser, em si mesmas, empoderadoras ou desempoderadoras para os indivíduos, que emprestam suas habilidades reflexivas para a pesquisa. Assim, observe-se que nos estudos que focalizam a saúde, a qualidade de vida e a reabilitação, está presente, ainda que sutilmente, uma noção de reabilitação ótima como aquela que mais se aproxima de uma cura, ou seja, a minimização o mais completa possível da perda física ou sensorial, ou de suas consequências cotidianas, em comparação com as condições anteriores do indivíduo. Quando a perda física/sensorial está instalada em definitivo, encontram-se estudos que trabalham sob o ponto de vista da comparação, seja entre um indivíduo ou grupo de pessoas com determinada deficiência em relação ao grupo norma sem deficiência, seja em um mesmo indivíduo, entre suas habilidades psicológicas e sociais antes e depois da aquisição da condição de deficiência inscrita no corpo. Pode-se dizer que a visão de desenvolvimento que predomina em tais escolhas teóricometodológicas ainda é a de um desenvolvimento padrão esperado que serve de parâmetro de comparação para compreender aqueles que fogem a ele e que, portanto, carregam em si um pressuposto de menos valia, dificuldade, desvantagem.

Assim, instala-se o desafio de idealizar metodologias de pesquisa que abordem a reabilitação sob uma perspectiva de desenvolvimento não linear, contínuo e aberto a possibilidades diversas. Nessa perspectiva, a deficiência precisaria ser compreendida, não como interrupção de um processo de desenvolvimento normal, mas como intercorrência cabível na vida de qualquer ser humano e que compõe o processo em vez de prejudicá-lo. Os locais em que as pessoas com deficiência são procuradas para a participação nos estudos também têm repercussão nos resultados e análises obtidos. É de esperar-se que adultos com deficiência recrutados em escolas de educação especial ou em contextos familiares (não plenamente na posse de seus direitos civis à autonomia, ao emprego, etc), ou em hospitais de reabilitação em que realizam acompanhamentos de saúde logo após uma alteração física importante, apresentem relatos marcados pela dicotomia antes/depois, com queda em percepções de qualidade de vida e consequências negativas para as relações interpessoais e profissionais. Onde estariam, entretanto, os adultos com deficiência já reabilitados que existem e atuam na sociedade? Eles não existem, não são facilmente encontrados ou não são procurados? O que se pode concluir sobre essa circunstância em termos da dimensão da exclusão social a que tais pessoas estão submetidas e como isso afeta seu desenvolvimento?

Nas pesquisas com adultos com deficiência intelectual, as desvantagens no processo são evidentes, percebendo-se que em trabalhos com adultos sem comprometimento cognitivo, há maior tendência em considerar a deficiência como aspecto que compõe o desenvolvimento em vez de limitá-lo. Questões provocativas para futuras pesquisas são: quais instrumentos e estratégias utilizar para acessar a experiência de tais adultos, notadamente quando a comunicação for qualitativamente diferenciada? E que metodologias podem ser idealizadas para funcionarem como impulsionadoras do desenvolvimento - empoderadoras?

Entende-se que uma produção acadêmica que seja consciente de seu papel na minoração da exclusão social das pessoas com deficiência necessita formular metodologias complexas, quantitativas e qualitativas, que promovam o desenvolvimento humano. Nesse sentido, comprometendo-se com a emancipação e com a transformação social, é também um fazer da psicologia política. Os estudos citados neste artigo que privilegiam enfoques qualitativos, com ênfase na narrativa e na construção socio-histórica da identidade parecem promissores em um campo ainda tão marcado pela inconsciência das ideologias perpetuadoras das assimetrias de poder. Parece importante destacar que, para estudar o desenvolvimento de adultos com deficiência, esses necessitam estar efetivamente presentes nas pesquisas. Como afirma Johnstone (2001), citado em Bisol e Sperb (2010:120), "deve-se reconhecer, nas pesquisas sobre deficiência, o princípio fundamental de que as pessoas que realmente conhecem melhor sobre a experiência da deficiência são as próprias pessoas com deficiências". Essa premissa abre espaço para o estudo das narrativas produzidas por pessoas cujos processos de construção de sentido e de identificação são altamente complexos, por pertencerem a grupos oprimidos ou marginalizados (Breivik, 2005, citado por Bisol & Sperb, 2010).

 

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Recebido em 25/11/2011.
Revisado em 02/03/2012.
Aceito em 17/05/2012.

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