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Revista Psicologia Política

versão impressa ISSN 1519-549X

Rev. psicol. polít. vol.13 no.27 São Paulo ago. 2013

 

EDITORIAL

 

Leituras psicopolíticas sobre subjetividades, política e poder

 

Psicopolitical readings about subjectivities, politics and power

 

Lecturas psicopolíticas sobre subjetividades, política e poder

 

Lectures psicopolitiques propos de subjectivités, politique et pouvoir

 

 

Alessandro Soares da Silva - EACH-USP - Brasil
Editor

Pensar os processos de subjetivação política ou mesmo a emergência de novas subjetividades e o papel da política e das relações de poder nesse processo é um desafio permanente para a Psicologia Política. Certamente, são muitos os elementos da modernidade que transformam padrões tradicionais de subjetivação e aprofundam as mudanças na vida humana. São diversas as possibilidades de relações de poder que colocam ao sujeito em novas posições sociais e lhes exigem interagir com processos e estruturas de dominação em um mundo que a passos largos aprofunda a lógica glocal (quando aspectos do global e do local se encontram e geram novas dinâmicas e processos). E, nesse sentido, são muitos os contraditórios a serem levados em consideração.

Ao mesmo instante em que as fronteiras políticas, econômicas, culturais se tornam mais porosas, conduzindo a humanidade para um outro grau de relação e de interatividade pautada por uma sociedade da informação, por outro, antigas formas de nacionalismos e demandas por estados fortes e intervencionistas surgem, principalmente, nesse momento em que o planeta vive uma poderosa crise. Crises dos Estados-Nação, crises de democracia, crises econômicas. E crises forçosamente trazem mudanças em todos os aspectos da vida. Muda o vivido. Ainda não sabemos se somos modernos, pós-modernos, pós-industriais ou se, como disse Latour, jamais fomos modernos...

Cada dia mais o encontro de saberes é uma necessidade; a busca pelo diálogo maduro e respeitoso entre as diferentes posições hermenêuticas e epistêmicas se faz imperiosa. As respostas de outrora baseadas em saberes disciplinares, fragmentados, já não dão conta de responder aos complexos problemas que afligem o gênero humano, a natureza, o mundo. As mudanças comunicacionais nos lançam em fronteiras nunca antes imaginadas, geram novas problemáticas e angústias que nos forçam a todxs a abraçarmos a mudança. Mas como se darão essas mudanças?! Quais os limites dessas transformações na vida coletiva? As recentes manifestações de meados deste ano apresentam um quadro no qual apenas o desejo de mudar é o que marca a realidade... Mas isso não traz homogeneidade à angústia. Ao contrário ela está liquefeita, ao menos no plano coletivo, pois são tantas e diversas as demandas, anseios e entendimentos do que é o que se considera melhor para todos que se faz difícil desenhar um quadro harmônico. Em verdade é o tempo em que o caos organiza, ordena. Mas isso não é em si mesmo mau ou bom. Apenas aponta para um tempo novo, de mudança. E isso é um desafio para todxs xs psicólogos políticos, independentemente de sua origem inicial no mundo da ciência. E pensar sobre o momento presente, suas raízes no passado e seus impactos no projeto que é o futuro são, de certa forma, deveres de todxs nós que fazemos a comunidade de saber que é a Psicologia Política.

Portanto, neste número 27 do volume 13 da Revista Psicologia Política, encontramos textos que nos permitem refletir acerca dessa realidade complexa. A partir de distintas óticas nossxs autorxs nos conduzem por caminhos em que uma multiplicidade de questões relativas à subjetividade, a política e ao poder precisam ser pensadas de modo a abrirmos caminhos para a emergência do novo. Autores advindos da Teoria Crítica da Sociedade, da Psicanálise e da Filosofia ou mesmo do campo foucaultiano (apenas para citar alguns) dão sustentação a um conjunto de manuscritos propostos por pesquisadorxs de diferentes partes do Brasil, e mesmo do exterior. Ao olharmos para as crises que nos rodeiam neste mundo mundializado buscamos encontrar respostas, problematizar contraditórios e antagonismos, entender processos e estrutura, apontar para rupturas. E essa tem sido a tônica da Revista Psicologia Política desde seu início. E é o que encontraremos, mais uma vez, na verve presente nos artigos que dão corpo a este fascículo.

Em As Desrazões do Esclarecimento Robson Feitosa Oliveira (UERJ), Maria de Fátima Severiano (UFC) e Jesús Garcia Pascual (UFC - Brasil) apresentam uma rica discussão acerca da contribuição da Dialética do Esclarecimento de Theodor Adorno e Max Horkheimer. Esta é uma corrente teórica que permite avanços de estudos na Psicologia Política que focam as relações sociais na modernidade, bem como as idiossincrasias humanas derivada dos desdobramentos em torno da ideia de esclarecimento. Ao fazê-lo, esse grupo de estudiosxs da Teoria Crítica persegue os traços do esclarecimento resultantes da modernidade capitalista o que lhes permite tecer considerações acerca das relações de poder que produzem formas de subjetividade permeadas por novas formas de dominação derivadas da Razão mercantil moderna.

Esse debate segue de algum modo no texto A Subjetivação na Política e o Partido da autoria de Oswaldo França Neto (UFMG - Brasil). Em seu manuscrito, o autor analisa uma série de conferências de Alain Badiou nas quais este proporia que o século XX teria como marca a "paixão pelo real". Utilizando-se de conceitos psicanalíticos como angústia, ideal do eu e sublimação, França Neto detém-se na compreensão do encontro entre arte e política nesta produção de Badiou, para quem entender a ideia de sujeito descolada da concepção de "nós" no século XX é inadequada, o que, por sua vez, reflete no entendimento da arte e da política enquanto movimentos subjetivos que se defrontam com a questão de quais mecanismos possibilitam manter "coeso um movimento coletivo que se manteria unido na ruptura de ligações". Essa discussão é um elemento importante para quem está interessado nos processos psicopolíticos de construção de sujeitos políticos.

Em Deslocamentos na Governamentalidade: a subjetivação como resistência éticopolítica em Foucault Luiz Alberto Moreira Martins e Carlos Augusto Peixoto Junior (PUCRJ - Brasil) seguem tratando das questões de subjetividade, política e poder. Preocupados em entender como Foucault elabora os conceitos de governamentalidade e governo, os autores observam uma mudança de eixo no pensamento do autor que vai da ideia de poder rumo às ideias de subjetivação e ética sem que, com isso haja uma ruptura com o tema das relações de poder. Porém, esta mudança abre portas para que se realizem a partir desse autor estudos que contribuem em muito para o avanço de leituras psicopolíticas no campo das políticas públicas e da particiapação cidadã.

Frederico Viana Machado (PUCRS - Brasil) oferece-nos como contribuição ao debate um artigo que busca aprimorar a questão da subjetividade, da política e do poder a partir do pensamento do filósofo Jacques Rancière. Em Subjetivação Política e Identidade: contribuições de Jacques Rancière para a Psicologia Política, Machado aponta para o potencial do uso das contribuições deste pensador para a produção de um referencial analítico na Psicologia Política em torno à subjetivação política, à democracia e à identidade.

Este bloco de textos ora apresentados nos brinda com aspectos epistêmicos que podem dar fundamento a possibilidades de se pensar o político e a política e reforça a característica interdisciplinar da Psicologia Política sendo, no presente caso clara a contribuição da filosofia para a consolidação do campo psicopolítico. No bloco que segue, temos textos que dão continuidade às várias discussões apresentadas até aqui. Porém, daqui para diante teremos um conjunto de artigos que buscam realizar sua reflexão a partir de dados empíricos, o que nos possibilita propor o presente fascículo como uma articulação teórico-prática que em seu conjunto permite a consolidação de um olhar marcado pela pluralidade na pesquisa em Psicologia Política.

O texto A Minoria Modelo: uma análise das representações de indivíduos orientais em propagandas no Brasil escrito por Caynnã de Camargo Santos e Claudia Rosa Acevedo (USP - Brasil) faz considerações sobre o modo como orientais são representados em peças publicitárias no Brasil. Mais uma vez, processos de subjetivação são importantes para esse tipo de análise na qual o estereótipo de "Model Minority" atribuído ao grupo é posto em questão. Entender formas de preconceito e estereotipias são importantes tanto para o entendimento de distintas formas de subjetivação como também para a produção de políticas públicas de enfrentamento de dinâmicas de marginalização social.

Em Tipos de participación política: análisis factorial confirmatorio con estudiantes de Argentina as pesquisadoras Gisela Isabel Delfino, Elena Mercedes Zubieta e Marcela Muratori (UBA - Argentina) estudam os fatores que produzem a participação política no contexto argentino. Seu trabalho mostra a existência de duas modalidades, sendo o proselitismo a primeira e a participação direta a segunda. Estudo de motivação e mobilização para a participação são desveladores de subjetividades que apontam para tendências no campo do poder relacionado, por exemplo, às identidades nacionais ou mesmo a processos de mobilização política focados na mudança social ou de condutas de agentes políticos.

Nesse rumo encontramos os dois textos seguintes. No artigo de Euripedes Costa Nascimento (UNESP - Brasil) intitulado A Exclusão dos Andarilhos de Estrada nas Políticas Públicas de Assistência Social, ao tratar do tema da errância vivida por andarilhos de estrada ele pauta a invisibilidade social desta parcela da sociedade, absolutamente ignorada pelas políticas públicas de assistência social. Mas aponta também um intente de, por meio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), esta questão receber o reconhecimento necessário. Também ao fazer essa discussão, o autor traz, na prática, elementos que são desdobramentos deste trinômio: subjetividade, Política e poder. O manuscrito População em Situação de Rua no Rio de Janeiro: novos tempos, velhos métodos de Sonia Ambrozino da Silva (Estácio de Sá - Brasil) dá continuidade ao tema da invisibilização social iniciado no artigo anterior, destacando, sobretudo, a relação da violência sofrida por moradores de rua e de um lixão em momentos específicos de nossa história. Estas pessoas vivem processos de marginalização e invisibilização e destas situações emergem subjetividades que fogem ao padrão dito normal e estudos como esses nos permitem aprofundar como este tipo de realidade reforça as dinâmicas correntes de manutenção do poder por aqueles que o detêm e nos permite vislumbrar caminhos de ruptura e de mudança social.

Os dois artigos que seguem voltam-se para um campo que é muito estudado em outros países e que ainda carecem de estudos no campo psicopolítico brasileiro. Quem sabe estes estudos possam contribuir para a emergência de uma psicologia política jurídica. Em História de Vida Judicial: reflexões a partir da vivência de penas alternativas Marina Wanderley Vilar de Carvalho e Teresa Cristina Othenio Cordeiro Carreteiro (UFF - Brasil) lançam seu olhar para as relações entre apenados - com penas alternativas - e a justiça. Ao destrinchar as narrativas destes sujeitos elas permitem-se discutir não só os sentidos das penas alternativas, mas também as formas com que a Justiça "modula" a vida daqueles capturados pelo sistema judicial. Dessas modulações produz-se transformações na subjetividade e consolidam-se maneiras de viver e relacionar-se com o poder e a política. Já no artigo Falso Abuso Sexual em Varas de Família: dilemas na elaboração do parecer psicossocial da lavra de Inês Helena Batista de Santana e Luis Felipe Rios (UFPE - Brasil) a atenção se volta ao exercício profissional e também psicopolítico de quem está responsável por emitir um parecer acerca um outro sujeito; uma ação revestida de grande responsabilidade e poder, e também de numerosos dilemas. E estes últimos são focados no texto quando os profissionais enfrentam-se com casos de falsa acusação de abuso sexual, sendo feita tanto a análise do valor dos pareceres psicossociais para o judiciário quanto de suas repercussões naqueles/as que os emitem. Abre-se, então uma bela discussão acerca do que é a verdade, de como se exercer o poder e quais as consequências destes dois elementos na constituição da psicologia como ciência.

Encerramos o presente fascículo com a resenha Psicologia das Minorias Ativas: por uma Psicologia Política dissidente produzida por Aline Reis Calvo Hernandez (UERGS - Brasil) Aline Accorssi (UNILASSALE - Brasil) e Pedrinho Guareschi (UFRGS - Brasil). Estxs três autorxs debatem a recente tradução brasileira do livro Psicologia das Minorias Ativas de Serge Moscovici realizada pela Editora Vozes. Esta obra é resultado da publicação da tese das Minorias Ativas (Moscovici, 1961) na qual são discutidos os pressupostos teóricos à formulação de um paradigma da mudança, sendo ela própria uma proposta teórica com explícita intencionalidade política.

Estas linhas que lhes ofertamos, carxs leitorxs, são apenas algumas leituras psicopolíticas sobre subjetividade, política e poder possíveis. Há outras tantas mais a serem apresentadas e nossa revista está aberta a receber tais contribuições.

E como não poderia ser diferente, encerro este fascículo com um chamamento para que todos e todas nos reunamos no II Congresso Ibero Latino-Americano de Psicologia Política que ocorre na Cidade do México entre os dias 18 e 23 de agosto de 2014 na Universidade Nacional Autônoma do México - UNAM - e que é presidido pela colega Graciela Aurora Mota Botello. Nessas efemérides vamos tratar de um tema relevante para a atualidade e que a Psicologia Política tem tratado com certa constância. O mote do congresso é Territórios, Fronteiras e Transformações Sociais: Ações e desafios contemporâneos. Mais que nunca ele revela a natureza interdisciplinar da Psicologia Política. Para maiores informações deixo a todos o link: http://www.each.usp.br/revistapp/index.php/CILPP/index e o grupo no Facebook®: https://www.facebook.com/groups/284919371578818/.

 

Boa leitutra a todos e todas e até nosso encontro no México !